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Processo nº 321/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
  
 
         Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
   
 Relatório
 A. foi absolvido por acórdão do Tribunal Judicial de Vila Viçosa, proferido em 
 
 16-7-2004, no processo nº 7/03.6TAVVC, dos crimes de abuso de confiança que lhe 
 eram imputados.
 Deste acórdão foi interposto recurso pelo Ministério Público para o Tribunal da 
 Relação de Évora.
 Este Tribunal, por acórdão de 4-4-2006, concedeu parcial provimento ao recurso 
 interposto e condenou o arguido, em cúmulo, na pena única de 18 meses de prisão, 
 com execução suspensa pelo período de 1 ano.
 Deste acórdão o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o 
 qual não foi admitido por despacho da desembargadora relatora.
 Deste despacho foi interposta reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal 
 de Justiça, tendo essa reclamação sido indeferida.
 Interpôs então o arguido recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:
 
 “Invocamos neste recurso a violação pela norma que tipifica o crime fiscal pelo 
 qual foram condenados os arguidos do nº 3º da CRP que define a disciplina do 
 Estado de Direito ao qual é referência imprescindível o elemento da culpa ou do 
 dolo como definidor de qualquer ilicitude penal, elemento sem o qual não pode 
 sequer punir-se cada arguido em função da sua culpa, como o exige a Lei Penal 
 positivada e o exigem os princípios gerais de Direito (nula poena sine culpa), 
 motivo pelo qual nesta formulação legal, entretanto alterada pela Lei do 
 Orçamento que entrou em vigor em Janeiro de 2007 – e sempre deveria ser 
 retroactivamente aplicada por ser mais favorável 
 
 – no modo como se apresentava redigida e como foi interpretada e aplicada, fere 
 as próprias garantias de defesa, porque instaura um automatismo completamente 
 alheio (tal como foi interpretado e aplicado) à própria disciplina da 
 demonstração penal, fazendo inútil qualquer defesa pelo óptimo motivo de que a 
 faz impossível (32º/1 CRP) isto o dissemos logo na contestação em primeira 
 instancia; 
 Sendo (a nosso modesto olhar) evidente que a instituição entretanto ocorrida de 
 novas condições de punibilidade quanto a esta disposição legal, matiza – e na 
 prática pode anular – o automatismo condenatório na medida em que exige uma 
 interpelação para pagamento que não pode deixar de admitir resposta de justo 
 impedimento (a saber: a inexistência das verbas, ou, também, a ocorrência de 
 execuções onde o Estado esteja já viabilizar a cobrança dos seus créditos, por 
 exemplo, ou a existência de execuções onde haja oposição não julgada, 
 circunstância que constituirá, doravante, questão prejudicial do processo 
 criminal); 
 E quanto acima fica dito corresponde ao reconhecimento pelo legislador da 
 justeza das objecções formuladas em consonância com as quais formulámos em 
 processo a nossa posição, que mantemos; 
 Por outro lado, a interpretação da liberdade de julgamento (artº 127º CPP), 
 ainda que à luz da convicção interior (convicção interior que todavia não tem 
 tradução constitucional) não pode fazer-se, como o tem entendido o Tribunal 
 Constitucional, em termos tais que o decisor se entenda dispensado (como aqui 
 seguramente ocorreu) de nos fazer seguir e compreender o percurso lógico que o 
 levou à conclusão decisória, termos em que o douto acórdão viola a disciplina 
 do art.º 204º e 205º CRP nem medida em que opõe à prova produzida uma simples 
 decisão sua que não demonstra compreensivelmente perante o declaratário normal 
 colocado diante de tal texto e contra o que estipula a jurisprudência 
 constitucional produzida 
 A arguição das normas violadoras e violadas fez-se seja na Contestação, seja nas 
 alegações de recurso não recebido para o STJ, seja ainda na reclamação para o 
 Senhor Presidente do STJ contra a recusa verificada”.
 
  
 Foi proferida decisão sumária de não conhecimento deste recurso, com a seguinte 
 fundamentação:
 
 “Estamos perante um recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do 
 artigo 70º, da LTC, pelo que a sua admissibilidade depende da verificação do 
 requisito da questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o 
 processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu 
 a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, 
 do artigo 72º, da LTC).
 Resultando do referido artigo 72º, n.º 2, da LTC, que só são atendíveis as 
 questões de inconstitucionalidade suscitadas perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, há apenas que considerar – para verificação do cumprimento 
 do referido ónus de suscitação – as peças processuais endereçadas pelo 
 recorrente a esse tribunal. 
 Neste caso o tribunal que proferiu a decisão recorrida é o Tribunal da Relação 
 de Évora, pelo que a peça processual onde deveria ter sido suscitada a questão 
 de inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada é a resposta ao recurso 
 deduzido pelo Ministério Público, apresentada nos termos do artº 413º, do 
 C.P.P..
 Não cumpre o referido pressuposto a dedução dessa questão em peças produzidas 
 perante distinta instância judicial, seja ela a instância hierarquicamente 
 inferior, seja ela a instância hierarquicamente superior.
 Assim, a suscitação da questão na contestação apresentada na 1ª instância, ou 
 nas alegações de recurso para o S.T.J., ou na reclamação do despacho que não 
 admitiu esse recurso, é irrelevante, não cumprindo o referido requisito.
 Como se diz no referido artº 72º, nº 2, da LTC, só são atendíveis as questões 
 deduzidas perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
 Ora, lendo a resposta apresentada pelo arguido ao recurso interposto pelo 
 Ministério Público, verifica-se que a questão de inconstitucionalidade que se 
 pretende ver apreciada não foi minimamente suscitada.
 Assim, por falta deste pressuposto não pode o Tribunal Constitucional conhecer 
 este recurso, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do 
 artº 78º - A, nº 1, da LTC”.
 
  
 O recorrente reclamou desta decisão para a conferência, alegando o seguinte:
 
 “1. Nos termos do art. 13º da CEDH está o Estado vinculado a garantir o recurso 
 efectivo perante as violações de direitos fundamentais. 
 
 2. Em oposição a essa disposição entende o Senhor Conselheiro Relator – como é 
 frequente nesse Venerando Tribunal – dizer que a resposta ao recurso interposto 
 pelo MP é o único lugar onde o aqui recorrente poderia ter discutido as questões 
 de inconstitucionalidade já antes suscitadas na contestação e, depois, 
 especificadamente retomadas na tentativa de recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiças e para o próprio Tribunal Constitucional, com fundamento na necessidade 
 de recurso efectivo ante a primeira condenação, aliás violadora de direitos 
 fundamentais, recurso que não logrou a discussão em nenhum dos planos, em termos 
 que, evidentemente, violam a Constituição e a Convenção Europeia dos Direitos do 
 Homem, designadamente o seu art. 13º. 
 
 3. É completamente falacioso – para não dizer revoltante – construir a posição 
 em cujos termos a resposta às alegações de recurso não estaria limitada pelo 
 próprio objecto que o Recorrente fixou a esse recurso. 
 
 4. O Senhor Conselheiro Relator parece exigir-nos que transformássemos uma 
 resposta em peça diversa e que ao invés de responder dissertássemos sobre 
 matéria cuja discussão ali não podia ter lugar, ao menos em sede de resposta.
 
 5. O MP questionou a valoração da prova.
 
 6. Respondemos, como nos incumbia, a essa posição sustentando a decisão do 
 tribunal recorrido que interpretara o tipo legal de acordo com as exigências da 
 Constituição, ou seja, de acordo com o princípio em cujos termos não há pena sem 
 culpa. 
 
 7. O MP alega procurando demonstrar a culpa. 
 
 8. O Tribunal decide de acordo com o automatismo (inconstitucional) da 
 formulação legal e em cujos termos basta a verificação da não entrega para que o 
 crime se consume. 
 
 9. Foi-nos vedado o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 
 
 10. E agora veda-se-nos o recurso para o Tribunal Constitucional com o pretenso 
 fundamento que corresponde a dizer que não previmos a decisão violadora do 
 Tribunal da Relação e que não alegámos por antecipação. 
 
 11. Sendo certo que sob o titulo “aspectos sociais e legais da questão em 
 debate” deixámos claro que o tribunal protegera a norma por via interpretativa 
 compatibilizando-a com o Direito “indo, a nosso modesto olhar, bem além do que o 
 texto permite, porque distingue o que o texto não distinguiu assim o salvando 
 da inconstitucionalidade material que, em bom rigor talvez pudesse ter declarado 
 imediatamente”. 
 
 12. É absolutamente evidente que não se pode discutir o que não está em causa. 
 
 13. Estando evidentemente o tribunal da Relação vinculado a responder às 
 questões que na contestação haviam sido suscitadas e não foram examinadas pelo 
 tribunal de 1ª Instância porque a absolvição prejudicara esse exame decisório. 
 
 14. O Senhor Relator entende que devíamos ter suscitado questões que não podiam 
 estar em causa. 
 
 15. Nós entendemos que, outra vez, tal atitude decisória contraria o art. 13º da 
 CEDH, traduzindo ainda e também por isso violação do Tratado de Roma instituidor 
 da CE designadamente no art. 17º.
 
 16. Termos em que deve ser recebido e decido o recurso interposto”.
 
  
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, respondeu a esta 
 reclamação, alegando o seguinte:
 
 “A presente reclamação carece manifestamente de fundamento. 
 
   Na verdade – e como é evidente – é ao recorrente que cabe justificadamente o 
 
 ónus de confrontar o Tribunal “a quo” com a questão de constitucionalidade que 
 pretende colocar quanto a normas que obviamente têm de ser invocadas e 
 ponderadas na decisão do pleito. 
 Não relevando naturalmente a suscitação antecipada – que, posteriormente, e no 
 momento próprio o recorrente “abandonou” – nem a suscitação intempestiva, por 
 colocada no âmbito de um meio processual inexistente, precludido ou 
 manifestamente inadequado para a respectiva dirimição. 
 E radicando, naturalmente, o não conhecimento do recurso interposto para o 
 Tribunal Constitucional no incumprimento do ónus, cometido ao 
 arguido/recorrente, que este teve plena oportunidade processual para cumprir”. 
 Concluiu pelo não atendimento da reclamação.
 
  
 
 *
 Fundamentação
 O recurso interposto pelo reclamante não foi admitido por falta de cumprimento 
 do requisito da suscitacão, durante o processo, da questão de 
 inconstitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela 
 conhecer.
 Insurge-se o reclamante contra esta decisão, por entender que não podia ter 
 suscitado a questão de inconstitucionalidade, invocada no requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, na resposta ao recurso 
 interposto da decisão da 1ª instância para o Tribunal da Relação, por tal 
 questão não se conter dentro do objecto do recurso.
 
 É sabido que, na vigência da versão originária da LTC, se registou divergência 
 na jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto a saber se, para assegurar 
 a abertura da via do recurso previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, 
 bastava que a questão de constitucionalidade houvesse sido suscitada em 
 qualquer fase processual, ou se era necessário que essa suscitação ocorresse 
 perante a instância que proferiu a decisão de que se recorre para o Tribunal 
 Constitucional, mesmo que o recorrente tivesse obtido ganho de causa na 
 instância inferior e, portanto, figurasse como recorrido no recurso onde foi 
 proferida esta decisão. A primeira posição foi perfilhada pela então 1.ª Secção 
 
 (cf. Acórdãos n.ºs 232/92, publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 
 vol. 22º, pág. 581, 280/92, publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 
 vol. 22º, pág. 895) e a segunda pela então 2.ª Secção (cf. Acórdãos n.ºs 468/91, 
 publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 20º, pág. 557, 469/91, 
 publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 20º, pág. 567, e 
 
 182/95, publicado em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 30º, pág. 905).
 A disputa foi legislativamente decidida no sentido da segunda posição, com a 
 alteração do n.º 2, do artigo 72.º, da LTC, operada pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro, que passou a exigir – em sede de legitimidade para recorrer, nos 
 recursos previstos nas alíneas b) e f), do n.º 1, do artigo 70.º – que a “parte 
 
 (…) haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de 
 modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”. Como reconhecem 
 Guilherme da Fonseca e Inês Domingos (em Breviário de Direito Processual 
 Constitucional (Recurso de Constitucionalidade), 2.ª edição, Coimbra, 2002, pp. 
 
 58‑59): “Hoje, porém, face à nova redacção dada ao referido preceito legal, que 
 exige dever a questão ser suscitada adequadamente, ou seja, de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 consagrou‑se o entendimento seguido pela então 2.ª Secção. Exige-se, pois, que 
 o interessado nunca deixe “cair” ou “abandonar” a questão de 
 inconstitucionalidade nas várias instâncias de recurso”.
 Este requisito só se considera dispensável nas situações especiais em que, por 
 força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a 
 prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou 
 anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para 
 suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão 
 recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que 
 suscitasse então a questão de constitucionalidade.
 A resposta às alegações de recurso deve considerar-se um meio idóneo para a 
 suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, desde que seja previsível 
 que o Tribunal que vai apreciar o recurso possa vir a aplicar a norma ou a 
 interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se pretende invocar perante o 
 Tribunal Constitucional (vide, neste sentido, entre muitos, o Acórdão do 
 Tribunal Constitucional 182/95, publicado em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional”, vol. 30º, pág. 905).
 Neste caso, o recorrente havia já suscitado a questão de inconstitucionalidade 
 que agora pretende ver apreciada na contestação apresentada em 1ª instância.
 Esta absolveu o recorrente, fundamentando essa absolvição em razões alheias à 
 invocada questão de inconstitucionalidade.
 Tendo o Ministério Público recorrido desta decisão, requerendo a condenação do 
 aqui recorrente, ao abrigo da norma cuja inconstitucionalidade este já havia 
 arguido anteriormente, era perfeitamente previsível que, sendo acolhido este 
 recurso, o Tribunal da Relação de Évora poderia aplicar essa norma, pelo que era 
 exigível que o recorrente não tivesse abandonado a defesa que havia efectuado na 
 contestação apresentada na 1ª instância, mantendo-a na resposta às alegações de 
 recurso do Ministério Público, de modo a obrigar o Tribunal da Relação de Évora 
 a pronunciar-se sobre a arguição dessa inconstitucionalidade, caso acolhesse as 
 razões invocadas pelo Ministério Público para ser alterada a decisão da 1ª 
 instância.
 Essa defesa não era alheia ao objecto do recurso, nele se inserindo, uma vez que 
 era requerida a condenação do aqui recorrente, com fundamento na norma que se 
 pretende inconstitucional.
 A existência de requisitos de admissibilidade de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, nomeadamente o da exigência de suscitação prévia da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, quando houve oportunidade do 
 recorrente efectuar essa suscitação e era exigível que o fizesse de modo a 
 confrontar o tribunal recorrido com essa questão, por se revelar um requisito 
 proporcional e adequado, em nada viola o direito ao recurso em geral, assegurado 
 nas convenções internacionais que vinculam o Estado português, nomeadamente o 
 disposto no artº 13º, da CEDH.
 Carece, pois, de razão o reclamante quando defende que não lhe era exigível que 
 tivesse suscitado a questão de inconstitucionalidade que agora pretende ver 
 apreciada perante o Tribunal da Relação de Évora, na resposta às alegações de 
 recurso da sentença da 1ª instância, pelo que não deve ser atendida a presente 
 reclamação.
 
  
 
 *
 Decisão
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. da decisão sumária 
 proferida nestes autos em 23-5-2007.
 
  
 
 *
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta 
 
 (artº 7º, do D.L. nº 303/98, de 7 de Outubro).
 
  
 
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 Lisboa, 3 de Julho de 2007
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos