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Processo n.º 492/08
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I – RELATÓRIO
 
  
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são 
 recorrentes A., B. e C. e recorridos o Ministério Público, D. e E., a Relatora 
 proferiu a seguinte decisão sumária:
 
  
 
                         «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A., B. e C. e recorridos o 
 Ministério Público, D. e E., foi interposto recurso de acórdão proferido pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça, em 07 de Fevereiro de 2008 (fls. 976 a 997), para 
 que fosse apreciada a constitucionalidade
 
  
 i)                              Da “interpretação dada ao art. 690º-A do CPC de 
 que, em recurso deficientemente redigido, o tribunal pode desencadear o recurso 
 sem que seja efectuado um convite ao aperfeiçoamento do articulado, não se 
 aplicando o disposto no art. 690º, n.º 4 do CPC (…)” (fls. 1041);
 
  
 ii)                            Da “interpretação dada ao art. 1978º, n.º 1 e 4, 
 no sentido de julgar que, numa situação de orfandade brusca, com falecimento 
 simultâneo do pai e da mãe, os menores não sejam confiados à sua família 
 natural, que se apresenta imediatamente disponível para os acolher, e afastados 
 do irmão mais velho com quem viviam, porque esta não tem a guarda efectiva 
 daqueles menores, tendo como causa o facto de a guarda lhes ter sido negada por 
 decisões judiciais que não se fundam na falta de condições para educar e criar 
 as crianças (…)” (fls. 1041).
 
  
 Cumpre, então, apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. 
 fls. 1049), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não 
 vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito 
 legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os 
 pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 
 
 2, da LTC.
 
  
 
 3. Começando pela questão relativa ao artigo 690º-A do CPC, deve notar-se que os 
 próprios recorrentes admitem só ter suscitado a questão de inconstitucionalidade 
 normativa em sede de “requerimento de Aclaração apresentado ao STJ, de 25 de 
 Fevereiro de 2008, tendo sido o primeiro momento em que era possível suscitar 
 essa inconstitucionalidade” (fls. 1042).
 
  
 Desde logo, importa notar que o pedido de aclaração [artigo 669º, n.º 1, alínea 
 a) do CPC] não constitui meio processual idóneo para suscitar uma questão de 
 inconstitucionalidade, na medida em que o tribunal já esgotou o respectivo poder 
 jurisdicional, apenas podendo clarificar o sentido da decisão já anteriormente 
 tomada. Assim, os recorrentes não cumpriram o ónus processual que lhes é 
 imposto, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, quanto ao sentido 
 interpretativo dado ao artigo 690º-A do CPC, na medida em que não suscitaram de 
 modo prévio e processualmente adequado a referida questão de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 E tal nem sequer pode ser alvo de dispensa, por se entender que a interpretação 
 normativa adoptada se reveste de natureza surpreendente ou insólita. Conforme 
 bem nota o acórdão proferido em 22 de Abril de 2008, em sede de apreciação de 
 pedido de aclaração, não é rigoroso afirmar-se que existe jurisprudência unânime 
 
 – ou sequer maioritária – junto dos tribunais portugueses e, em especial, no 
 Supremo Tribunal de Justiça, sobre a necessidade de convite ao aperfeiçoamento 
 de alegações de recurso em que não se cumpram os requisitos legalmente fixados 
 pelo artigo 690º-A do CPC. Exemplo disso são, precisamente, os Acórdãos 
 proferidos pelas 1ª e 6ª secções do Supremo Tribunal de Justiça, 
 respectivamente, em 12 de Junho de 2007 (Proc. n.º 1530/07) e em 11 de Setembro 
 de 2007. Daqui resulta haver controvérsia jurisprudencial quanto à necessidade 
 de convite do recorrente a aperfeiçoar as alegações de recurso, quando aquelas 
 omitam os requisitos fixados pelo artigo 690º-A do CPC.
 
  
 Acresce que o mero confronto entre o n.º 4 do artigo 690º do CPC – que prevê 
 expressamente o dever de formular convite para aperfeiçoamento das conclusões de 
 recurso – com a ausência de qualquer menção a tal convite no artigo 690º-A do 
 CPC já se presta – por si só – à ocorrência de divergentes interpretações 
 daquele mesmo preceito.
 
  
 Assim, os recorrentes não poderiam ter deixado de antecipar a interpretação 
 normativa adoptada pela decisão recorrida, suscitando, em sede de alegações de 
 recurso e “ad cautelam”, a referida inconstitucionalidade.
 
  
 Em suma, encontra-se vedado a este Tribunal conhecer do objecto do recurso 
 quanto à interpretação normativa adoptada, relativamente ao artigo 690º-A do 
 CPC, por força da falta de suscitação de modo processualmente adequado da 
 questão de inconstitucionalidade (artigo 72º, n.º 2 da LTC).
 
  
 
 4. Quanto à alegada inconstitucionalidade da interpretação normativa referente 
 aos nºs 1 e 4 do artigo 1978º do Código Civil, deve igualmente notar-se que os 
 recorrentes também não suscitaram de modo processualmente adequado qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, tendo antes limitado as suas 
 alegações de recurso para o tribunal “a quo” a invocar em proveito da sua tese 
 diversos preceitos constitucionais. Além disso, em bom rigor, em sede de 
 alegações de recurso, os recorrentes apenas questionaram a constitucionalidade 
 da própria decisão jurisdicional e nunca qualquer específica dimensão normativa. 
 Acresce ainda que os recorrentes acabaram por nunca reputar de inconstitucional 
 a norma extraída dos n.ºs 1 e 4 do artigo 1978º do Código Civil, tendo chegado 
 mesmo a afirmar que houve, ao invés, uma inadequada aplicação daquela norma:
 
  
 
 “OOO - Termos em que a presente decisão recorrida é inconstitucional.
 
                         (…)
 
             RRR – Termos em que se deve considerar que a decisão recorrida 
 enferma de erro na aplicação e interpretação da norma constante do artigo 1978º, 
 nº 4 do CC (…)” (fls, 1923 e 1924)
 
  
 Em conclusão, decorre do modo como os recorrentes configuraram as suas alegações 
 de recurso que aqueles até consideraram conforme à Constituição a norma extraída 
 dos n.ºs 1 e 4 do artigo 1978º do Código Civil, tendo apenas entendido que o 
 tribunal “a quo” havia aplicado erroneamente aquela mesma norma. Sucede, porém, 
 que este Tribunal não pode apreciar a rectidão das interpretações normativas dos 
 tribunais recorridos, salvo quando aquelas assentem na inconstitucionalidade de 
 uma concreta dimensão normativa.
 
  
 Assim, por nunca ter suscitado de modo processualmente adequado qualquer questão 
 de inconstitucionalidade normativa e antes ter atacado a constitucionalidade da 
 própria decisão jurisdicional, torna-se legalmente impossível para este Tribunal 
 proceder ao conhecimento do objecto do presente recurso, também quanto à norma 
 resultante dos n.ºs 1 e 4 do artigo 1978º do Código Civil, por força do n.º 2 do 
 artigo 72º da LTC.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 
             Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, 
 de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
 
  
 
             Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 
 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de 
 Outubro.»
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência, 
 contra a não admissão do recurso, nestes precisos termos:
 
  
 
 «
 
 1º.              O decisão sumária de não admissão do presente recurso parte de 
 um entendimento com o qual os recorrentes não podem concordar.
 
  
 
 2º.              Efectivamente, já nas alegações de recurso para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa manifestaram a sua discordância e acentuaram a 
 inconstitucionalidade da interpretação do referido art. 1978º, n.º 1, al. a) do 
 CC, conjugado com o n.º 2 (actual n.º 4), por violação do art. 67º e 20º da CRP. 
 
 
 
  
 
 3º.              Sendo que, o alvo da sindicância solicitada, desde o primeiro 
 momento, foi o entendimento interpretativo do segmento da norma objectivado na 
 decisão que se constituiu em aplicação desse entendimento.
 
  
 
 4º.              E, apesar de expressamente suscitada esta questão da 
 inconstitucionalidade do entendimento interpretativo do tribunal de 1ª 
 instância, o TRL não se pronunciou, nem sequer aflorou, no seu Acórdão de uma 
 brevidade de fundamentação que roçou a total ausência esta questão de 
 inconstitucionalidade da interpretação que lhe foi levantada, pelo que, nas suas 
 alegações para o STJ, os recorrentes levantaram, novamente, a questão da 
 inconstitucionalidade da interpretação do art. 1978º, n.º 1, al. a) e n.º 4 do 
 CC, tendo-o feito, de forma clara, expressa e no sentido que a decisão de 
 rejeição consideraria necessário e que, estranhamente, considera não ter sido o 
 utilizado.
 
  
 
 5º.              Em resumo, alegaram os recorrentes que
 
 “Como atrás já oportunamente referido, de acordo com o art. 1978º, nº 4 do CC, a 
 confiança com fundamento na situação do menor ser filho de pais falecidos não 
 pode ser decidida se o menor se encontrar a viver com ascendente colateral do 3º 
 grau ou tutor e a seu cargo.
 Ora, esta norma, no caso vertente, não pode, como foi na decisão recorrida e na 
 decisão da primeira instância, INTERPRETADA LITERALMENTE, dela se retirando que 
 uma vez que os tios e irmão dos menores não viviam com eles nem os tinham a seu 
 cargo efectivamente, podia ser decretada a confiança judicial destas crianças.”
 
  “De facto, INTERPRETANDO este artigo à luz do artigo 67º da CRP, 16º, nº3 da 
 Declaração Universal dos direitos do Homem e 8º, nº1 da Convenção dos direitos 
 da Criança, e nos termos atrás explanados, verificamos que o conceito jurídico 
 de estar a viver com e ter os menores a cargo, representa a consagração do 
 interesse sério e objectivável por parte dos familiares dos menores em os ter 
 consigo, bem como a manifestação de uma vontade de deles tratar e cuidar, sendo 
 que, PARA NÃO DETURPAR O SENTIDO ÚTIL E ÚLTIMO DA NORMA, se têm que analisar as 
 circunstâncias concretas do caso em apreço.” 
 
  
 
 6º.              Alegaram ainda os recorrentes que “A verdade é que A TELEOLOGIA 
 DA NORMA CONSTANTE DO ART. 1978º, Nº4 DO CC, que determina que não pode ser 
 decretada a confiança judicial se os menores se encontrarem a viver e a cargo 
 dos seus parentes, pretende – NUMA INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ART. 67º DA 
 CRP E COM A PRÓPRIA SISTEMÁTICA decorrente do processo estabelecido para a 
 protecção de crianças em risco, de que se salientam, do art. 4º da LPCJP, o da 
 prevalência da família e da subsidiariedade, aplicável aos processos tutelares 
 cíveis, por remissão do artigo 147º da OTM – garantir que, caso, e só nesta 
 eventualidade, os familiares próximos dos menores não se responsabilizem por 
 estes, através de um acto de vontade expresso, então sim, se encontrem soluções 
 alternativas para o futuro destes menores, que podem passar pela confiança 
 judicial.” 
 
  
 
 7º.              E, finalmente, afirmaram nas alegações que “Aliás, O 
 ENTENDIMENTO que parece resultar do acórdão recorrido de que existe situação de 
 abandono relevante para justificar uma medida de confiança a terceira pessoa, no 
 caso de crianças órfãs, independentemente da disponibilidade da família alargada 
 para assumir a responsabilidade da respectiva guarda e cuidado e mesmo contra 
 essa disponibilidade manifestada reiterada e objectivamente É INCONSTITUCIONAL 
 POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 67º DA CRP, e ilegal por violação dos artºs 16º, nº3 da 
 Declaração Universal dos direitos do Homem e 8º, nº1 da Convenção dos direitos 
 da Criança.” 
 
  
 
 8º.              Destas sucessivas alegações feitas pelos recorrentes decorre, 
 de uma forma cristalina, que o que se impugna não é a decisão de entrega de duas 
 crianças a uma família, mas outrossim, a específica interpretação de um segmento 
 normativo que abre, em genérico, uma possibilidade de aplicação para todos os 
 casos idênticos que viola frontal e objectivamente comandos constitucionais.
 
  
 
 9º.              E este é o fundamento teleológico da fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, e sendo que o que se pretende com a fiscalização concreta é 
 impedir interpretações de normas que conduzam a resultados, válidos para todos 
 os casos idênticos, que contrariem o preceituado na Constituição.  
 
  
 
 10º.          Não se ignora que, quando se trata de fiscalização concreta, as 
 dificuldades de distinção entre o ataque à decisão e a sindicância da 
 interpretação se avolumam, já que a decisão é, no essencial, a aplicação que 
 decorre de uma interpretação, mas é inquestionável que, nesta sede, se deve 
 questionar a interpretação e não o conteúdo formal da norma, esse sujeito a um 
 diferente controlo de constitucionalidade. E a própria destrinça entre a 
 invocação de inconstitucionalidade de uma interpretação e de uma decisão passará 
 sempre pelo carácter geral e abstracto da invocação por contraposição ao seu 
 carácter concreto e casuístico.
 
  
 
 11º.          O que se pretende ver apreciado é uma interpretação do segmento da 
 norma do artº1978º do C. Civil produzida pelos tribunais de instância que 
 permite o decretamento de uma medida de confiança judicial nos casos de 
 orfandade mesmo existindo família biológica com condições e disponível para 
 cuidar das crianças órfãs.
 
  
 
 12º.          Entendem os recorrentes que essa interpretação, assente 
 exclusivamente no critério literal e atida apenas à expressão “se encontrar a 
 viver com…” (artº1978º nº4 do C. Civil) é manifesta e frontalmente 
 inconstitucional por violação do artigo 67º da CRP, e ilegal por violação dos 
 artºs 16º, nº3 da Declaração Universal dos direitos do Homem e 8º, nº1 da 
 Convenção dos direitos da Criança.
 
  
 
 13º.          Para os recorrentes o princípio da prevalência da família natural 
 consagrado no artº67º da C.R.P. obriga a uma interpretação do artº 1978º do C. 
 Civil que exclua a mera possibilidade do decretamento de uma medida de confiança 
 judicial em todos os casos de orfandade em que exista uma família alargada com 
 condições e disponibilidade para que as crianças órfãs passem a viver com ela.
 
  
 
 14º.          E os recorrentes, para além de delimitarem o entendimento do art. 
 
 1978º do CC que consideram inconstitucional e que retiram das decisões judiciais 
 recorridas (mas sempre se reportando à interpretação das normas atendida pelos 
 tribunais), com a respectiva indicação das normas constitucionais violadas, 
 também explicitam, seguidamente, o entendimento que consideram mais consentâneo 
 com a Constituição. 
 
  
 
 15º.          Aliás, este douto Tribunal Constitucional segue uma orientação que 
 permite proceder-se a uma fiscalização concreta de interpretações de normas 
 contrárias à Constituição e tomadas pelos órgãos judiciais.
 
  
 
 16º.          Ora, os recorrentes sempre imputaram esta interpretação do art. 
 
 1978º, n.º 1 e 4 do CC inconstitucional, por violação do art. 67º da CRP e do 
 art. 16º, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art. 8º, n.º 1 
 da Convenção dos Direitos das Crianças, aplicáveis ao direito português segundo 
 o disposto no art. 8º, n.º 1 da CRP, por considerarem que, em caso de morte 
 simultânea dos progenitores, vivendo os menores com colateral, e havendo 
 interesse da restante família alargada em cuidar e viver com os menores, apesar 
 de não viver anteriormente com eles até à data da morte dos pais por, 
 logicamente, as crianças viverem com os seus pais, deve dar-se prevalência à 
 família para acolher os menores e ser-lhe concedida a confiança judicial dos 
 mesmos, excepto se, dentro da família alargada, não houver interesse em acolher 
 os menores ou, então, puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a 
 formação moral ou a educação dos menores, e só esta interpretação pode ser 
 consentânea com a Constituição e consentânea com as disposições de legislação 
 internacional supra mencionadas.
 
  
 
 17º.          A interpretação seguida pelos tribunais de instância, incorrecta 
 para a generalidade dos casos idênticos assume neste caso concreto uma dimensão 
 trágica e profundamente reprovável.  
 
  
 
 18º.          O entendimento sufragado pelas decisões, que se pretende seja 
 sindicado, já esteva na origem de anterior decisão que impediu a respectiva 
 intervenção durante o processo de confiança.
 
  
 
 19º.          E esse concreto entendimento, de que é necessário que as crianças 
 vivam com a família natural, para que seja aplicável o nº4 do artº 1978º foi já 
 declarado inconstitucional por esse alto Tribunal no Acórdão n.º 282/2004. 
 
  
 
 20º.          Efectivamente, esse Tribunal Constitucional já analisou e decidiu 
 a inconstitucionalidade de um entendimento que afaste a aplicação do artº1978º 
 nº4 do C. Civil nos casos em que existindo orfandade simultânea, existam 
 familiares dos menores disponíveis para deles cuidar e que só não exercem a 
 guarda de facto por motivos estranhos à sua vontade.
 
  
 
 21º.          No caso já decidido pretendia-se, como resultado da revogação da 
 interpretação, que os recorrentes fossem admitidos a intervir no processo de 
 confiança apesar de não viverem com as crianças.
 
  
 
 22º.          Por sua vez, no caso vertente, pretende-se a revogação de uma 
 interpretação que afastou a aplicação do artº1978º nº4 por as crianças não 
 viverem com a família natural, sendo que não vivem porque foram afastadas, desde 
 o início por causa não imputável aos recorrentes, facto que as várias decisões 
 ao longo deste processo reconhecem, chegando mesmo a dizer expressamente que os 
 recorrentes sempre quiseram e diligenciaram pelo exercício da tarefa de 
 acolhimento logo após a morte dos pais.
 
  
 
 23º.          A não admissão deste recurso, por razões meramente formais, sem 
 apreciação da inconstitucionalidade do entendimento permitirá que se consolide 
 definitivamente mal uma situação que só ainda se verifica por uma sucessão de 
 erróneos entendimentos e interpretações que, para além de violarem a 
 Constituição, violam os mais profundos sentimentos de qualquer ser humano e as 
 mais elementares regras de bom senso.
 
  
 
 24º.          Para que em situações semelhantes, falecimento simultâneo de ambos 
 os progenitores, estranhos com interesses inconfessáveis ou até mesmo 
 altruísticos não afastem ilegalmente familiares próximos (irmão, tios, avós) que 
 tudo fazem para exercer um dever de honrar a memória de familiares perdidos, e 
 de garantirem protecção aos familiares mais vulneráveis que ficam tragicamente 
 desprotegidos, é imperioso que se aprecie o presente recurso e que se declare 
 urbi et orbi que é inconstitucional o entendimento que permita o decretamento de 
 uma medida de confiança judicial por aplicação do artº1978º nº1 do C. Civil, 
 sempre que, nos termos do Nº4 do mesmo artigo, exista família próxima (irmão, 
 tios) que mostrem vontade e tenham capacidade de cuidar dos menores e que só não 
 os tenham a viver consigo por motivo estranho à sua vontade.» (fls. 1067 a 1082)
 
  
 
 3. Notificado da reclamação, o Representante do Ministério Público junto deste 
 Tribunal pronunciou-se no seguinte sentido:
 
  
 
 «1º
 
                         A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente.
 
  
 
 2º
 Na verdade, a argumentação dos reclamantes em nada abala os fundamentos da douta 
 decisão reclamada, no que respeita à inverificação dos pressupostos do recurso 
 interposto, em consequência de não, terem suscitado, durante o processo e em 
 termos processualmente adequados, a questão de inconstitucionalidade normativa 
 que pretendem submeter a este Tribunal.
 
  
 
 3º
 Acresce que, em rigor, os recorrentes não controvertem qualquer critério 
 normativo, efectivamente aplicado pelo STJ à dirimição do caso, mas a decisão, 
 prudencial e casuística, alcançada pelos tribunais judiciais em função da 
 concreta ponderação do interesse do menor, segundo critérios de conveniência e 
 oportunidade, ligados à especificidade da matéria de facto tida pelas instâncias 
 como provada e insindicável pelo STJ, como se afirmou expressamente no douto 
 acórdão recorrido (cf. p. 989  e 993).
 
  
 
 4º
 Importando ainda salientar que o acórdão nº 282/04 não se pronunciou sobre 
 qualquer questão de constitucionalidade de normas substantivas, mas sobre 
 questão estritamente adjectiva, relativa à definição do pressuposto processual 
 legitimidade nos processos de confiança judicial.» (fls. 1090 e 1090-verso)
 
  
 
             4. Notificados da reclamação, os restantes recorridos deixaram 
 expirar o prazo para resposta, sem que viessem aos juntos pronunciar-se.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 5. Através da presente reclamação vem o recorrente colocar apenas em crise a 
 parte da decisão sumária que rejeitou conhecer do objecto do pedido quanto a uma 
 alegada inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1978º, n.º 4, do 
 Código Civil, tendo-se, portanto, conformado quanto ao demais.
 
  
 Alega o ora reclamante (ainda que não as identifique expressamente) que 
 verbalizou, designadamente, nas alíneas LLL) e PPP) das conclusões do recurso 
 interposto para o Supremo Tribunal de Justiça uma suscitação de 
 inconstitucionalidade processualmente adequada.
 
  
 Sucede, porém, que, nessa sede, o ora reclamante limitou-se a expor o seu 
 entendimento quanto àquela que entende ser uma interpretação conforme à 
 Constituição da norma constante do n.º 4 do artigo 1978º, do Código Civil, nunca 
 reputando de inconstitucional uma possível interpretação normativa a adoptar 
 pelo (agora) tribunal recorrido. Essa defesa de uma interpretação conforme à 
 Constituição, segundo o entendimento que formou acerca da norma que agora 
 pretende colocar em crise, não se coaduna como uma suscitação processualmente 
 adequada de inconstitucionalidade, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 
 
 72º da LTC.
 
  
 Para além disso, conforme, aliás, já notado pela decisão sumária, qualquer 
 tentativa de demonstrar o contrário esbarra contra a expressa referência a uma 
 alegada inconstitucionalidade da decisão jurisdicional, constante das alíneas 
 OOO) e RRR) das referidas conclusões. A forma como o recorrente imputou a 
 inconstitucionalidade à própria decisão jurisdicional afigura-se, pois, 
 contraditória com agora alegado em sede de reclamação.
 
  
 No fundo, o que este Tribunal crê retirar da estratégia processual do recorrente 
 
 é que aquele tem sempre vindo a discordar dos juízos formulados pelos tribunais 
 recorridos quanto à aferição do superior interesse dos menores, em função da 
 aplicação de critérios de conveniência e de garantia do são desenvolvimento dos 
 menores. Não se encontra, porém, este Tribunal constitucionalmente habilitado 
 para deles conhecer, em sede de recurso.
 
  
 Daqui decorre que não foi suscitada, de modo a que aquele dela estivesse 
 obrigado a conhecer, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante 
 o tribunal recorrido. Assim, não subsiste fundamento para alteração da decisão 
 reclamada.
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação;
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 07 de Outubro de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão