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Processo n.º 662/06                                         
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 
  
 
 1.               Por decisão sumária de fls. 175 e seguintes, não se tomou 
 conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
 “[…]
 
 4. O Tribunal Constitucional tem pacificamente entendido – à luz da própria 
 ideia de recurso, consagrada no artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – 
 que não é de conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade, quando a 
 decisão proferida neste recurso não apresenta utilidade, por não ter qualquer 
 influência no sentido da decisão recorrida.
 Tal inutilidade e tal ausência de influência no sentido da decisão recorrida é 
 manifesta no caso sub judice, atendendo a que aquela decisão assenta em dois 
 fundamentos alternativos, só em relação a um deles se colocando a questão de 
 inconstitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso.
 Assentando essa decisão em dois fundamentos alternativos, mesmo que o Tribunal 
 Constitucional viesse a considerar inconstitucional a norma que constitui o 
 objecto do presente recurso e, por isso mesmo, revogasse a decisão ora 
 recorrida, na parte em que considerou não ser admissível a revisão de despachos 
 revogatórios da suspensão da pena, sempre se manteria incólume a outra parte 
 dessa decisão, que negou provimento ao recurso de revisão com base numa 
 interpretação do artigo 449º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal que 
 pondera a responsabilidade processual do recorrente na condução do processo e, 
 concretamente, a sua responsabilidade pela injustiça que invoca.
 Dito de outro modo: não é útil o conhecimento do presente recurso de 
 constitucionalidade, pois que, fosse qual fosse a decisão sobre a questão de 
 constitucionalidade colocada pelo recorrente, sempre subsistiria a decisão 
 recorrida que negou provimento ao recurso de revisão, atendendo a que esta 
 assentou num outro fundamento, que agora não está em discussão.
 Não sendo útil o conhecimento do objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade, não pode dele tomar-se conhecimento.
 
 […].”.
 
  
 
 2.               Notificado desta decisão sumária, A. dela veio reclamar para a 
 conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, pelos seguintes fundamentos (fls. 185 e seguintes):
 
 “[…]
 O ora reclamante recorreu do, aliás douto, acórdão proferido pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça a fls. 159 e ss., arguindo a inconstitucionalidade do n.º 1 
 do art. 459º do Código de Processo Penal, por ter sido com base nessa norma que 
 aquele Colendo Tribunal decidiu: (i) a insusceptibilidade de revisão do despacho 
 que revogou a suspensão da pena que lhe fora aplicada e (ii) que não podem 
 considerar-se factos ou meios de prova novos os que fossem anteriormente do 
 conhecimento do arguido.
 A Meritíssima Senhora Conselheira Relatora entendeu que era inútil o 
 conhecimento do objecto do recurso por a decisão recorrida ter assentado em dois 
 fundamentos alternativos, sendo que quanto a um deles não se coloca a questão da 
 inconstitucionalidade. 
 Salvo o devido respeito, que é muito, não é exacto que assim tenha sido. 
 Efectivamente, 
 No acórdão recorrido, os Senhores Conselheiros que o proferiram indeferiram a 
 pretensão do ali recorrente e aqui reclamante com base numa questão formal: o 
 despacho sob recurso não era, em seu entender, passível de ser objecto de 
 revisão. 
 Todavia, 
 De seguida, os mesmos Senhores Conselheiros concluíram que o art. 449° do Código 
 de Processo Penal (mais concretamente a alínea d) do seu n.º 1) impede que sejam 
 considerados factos novos aqueles que em data anterior eram do conhecimento do 
 arguido (e não apenas desconhecidos do Tribunal). 
 A ser assim, entende o ora reclamante, o n.º 1 do art. 449° do Código de 
 Processo Penal estará ferido de inconstitucionalidade, por ser incompatível com 
 o princípio consagrado no n.º 1 do art. 32° da Constituição da República 
 Portuguesa de 1976, segundo o qual o Processo Penal deve assegurar todas as 
 garantias de defesa. 
 Ou, por outras palavras, 
 Todo o dispositivo do, aliás douto, acórdão recorrido se estriba no art. 449° do 
 Código de Processo Penal. Quer quanto à questão formal, quer quanto à 
 substancial. 
 E é precisamente a constitucionalidade dessa norma que o ora reclamante pretende 
 pôr em causa no recurso que interpôs para este Colendo Tribunal.
 Não é, assim, exacto, ao contrário da opinião expressa pela Excelentíssima 
 Senhora Conselheira Relatora, que o ora reclamante tenha restringido a 
 apreciação da constitucionalidade da citada norma à sua aplicação na solução 
 dada à questão formal. 
 Haverá, por isso, que apreciar a constitucionalidade da citada estatuição 
 processual penal, quer quando não consente recurso de revisão de despacho que 
 revoga a suspensão da pena, quer quando não considera facto ou meio de prova 
 novo aquele que não era do conhecimento do arguido. 
 II – EM CONCLUSÃO
 a) O ora reclamante interpôs recurso para este Colendo Tribunal Constitucional 
 impetrando a fiscalização concreta da constitucionalidade do n.º 1 do art. 449° 
 do Código de Processo Penal, por violador – numa interpretação que consente, que 
 foi aquela que lhe foi dada no, aliás douto, acórdão proferido pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça em 14 de Junho de 2006 – do princípio consagrado no n.º 1 do 
 art. 32° da Lei Fundamental; 
 b) A aplicação da norma inconstitucional ocorreu não apenas aquando da decisão 
 da questão formal, mas também na apreciação da questão substancial por parte dos 
 Meritíssimos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça; 
 c) O, aliás douto, acórdão recorrido fundamentou-se, todo ele, no n.º 1 do art. 
 
 449° do Código de Processo Penal. Já quando excluiu da susceptibilidade de 
 revisão um despacho revogatório de suspensão de execução da pena, já quando 
 decidiu que não podem ser considerados factos novos, ou novos meios probatórios, 
 aqueles que fossem do conhecimento anterior do arguido; 
 d) Não há qualquer fundamento do acórdão recorrido que não tenha assentado no 
 citado preceito processual penal. 
 
 […].”.
 
  
 
 3.               O representante do Ministério Público junto do Tribunal 
 Constitucional respondeu à referida reclamação nos seguintes termos (fls. 189):
 
  
 
 “O representante do Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado para o 
 efeito, nos autos à margem referenciados, vem dizer que a reclamação apresentada 
 não consegue pôr em causa os fundamentos e o sentido da decisão sumária, razão 
 pela qual deverá ser esta confirmada e aquela indeferida.”. 
 
  
 
    Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 
  
 
 4.               Na decisão sumária ora reclamada (supra, 1.) entendeu-se que 
 era inútil o conhecimento do objecto do presente recurso, por se ter considerado 
 que a decisão recorrida assentava em dois fundamentos alternativos, sendo certo 
 que apenas em relação a um deles se colocava a questão de constitucionalidade 
 levantada pelo recorrente.
 
  
 
    Na verdade, da leitura do requerimento de interposição do presente recurso (a 
 fls. 170 e v.º) resultava que o recorrente apenas pretendia a apreciação de uma 
 interpretação normativa do artigo 449º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pois 
 que declarava o seguinte:
 
 “[…]
 A norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver declarada é a 
 vertida no n.º 1 do art. 449º do Código de Processo Penal, por consentir uma 
 interpretação violadora do princípio ínsito no referido n.º 1 do art. 32º, da 
 Constituição […] [itálico aditado agora].
 
 […].”.
 
  
 
    O recorrente não explicitava que interpretação normativa era essa, mas do 
 requerimento também resultava que se tratava de uma interpretação normativa com 
 a qual se vira confrontado, pela primeira vez, perante a decisão recorrida. 
 Lia-se nesse requerimento, na verdade, o seguinte:
 
  
 
 “[…]
 A inconstitucionalidade da norma não foi posta em causa em momento anterior ao 
 presente por tal questão apenas agora – na aplicação daquele preceito – se ter 
 suscitado [itálico aditado agora].
 
 […].”.
 
  
 
    O despacho de admissão do recurso (a fls. 172) também corroborava o 
 entendimento segundo o qual o objecto do recurso era constituído apenas por uma 
 interpretação normativa – que teria sido adoptada, pela primeira vez, na própria 
 decisão recorrida –, pois que nele se lê o seguinte:
 
  
 
 “A questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do art. 449º do CPP não 
 foi levantada durante o processo, mas, durante este, também não se levantou a 
 possibilidade de interpretação que viemos a acolher no sentido de aquela não 
 englobar os despachos revogatórios da suspensão da pena [itálico aditado agora].
 
 […].”.
 
  
 
    Com base neste conjunto de elementos considerou-se portanto que o presente 
 recurso para o Tribunal Constitucional tinha como objecto a apreciação da 
 inconstitucionalidade do artigo 449º, n.º 1, do Código de Processo Penal, 
 interpretado no sentido de que “não é admissível a revisão de despacho 
 revogatório de suspensão de execução da pena”.
 
  
 
 5.               Vem agora o reclamante declarar (supra, 2.) que, ao interpor o 
 presente recurso, pretendera a apreciação, não de uma, mas de duas questões de 
 inconstitucionalidade, a propósito do artigo 449º, n.º 1, do Código de Processo 
 Penal: 
 
  
 
    – aquela a que se fez referência e que foi a única que, na decisão sumária 
 reclamada, se entendeu que constituía o objecto do recurso de 
 constitucionalidade – a interpretação segundo a qual “não é admissível a revisão 
 de despacho revogatório de suspensão de execução da pena”;
 
    – e, ainda, a interpretação segundo a qual “não podem ser considerados factos 
 novos, ou novos meios probatórios, aqueles que fossem do conhecimento anterior 
 do arguido”.
 
  
 
    Assim sendo, sustenta o reclamante que não se verifica o pressuposto da 
 decisão sumária reclamada – o de que a decisão recorrida assentara em dois 
 fundamentos alternativos, sendo inútil o conhecimento daquele relativamente ao 
 qual se colocava a (única) questão de constitucionalidade cuja apreciação se 
 pretendia –, pois que os fundamentos da decisão recorrida (um de natureza 
 formal, e outro de natureza material) colocam, na verdade, duas questões de 
 constitucionalidade autónomas, ambas reportadas ao n.º 1 do art. 449° do Código 
 de Processo Penal, que constituem dois distintos objectos do recurso.
 
  
 
    Por outro lado, ao dizer que o objecto do recurso que interpôs é constituído, 
 não por uma, mas por duas questões de inconstitucionalidade, o reclamante está 
 simultaneamente a pôr em causa uma afirmação da decisão sumária reclamada: a de 
 que a decisão recorrida teria negado provimento ao recurso de revisão “com base 
 numa interpretação do artigo 449º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal 
 que pondera a responsabilidade processual do recorrente na condução do processo 
 e, concretamente, a sua responsabilidade pela injustiça que invoca”. Segundo o 
 reclamante, diversamente, a decisão recorrida pura e simplesmente teria negado 
 provimento ao recurso de revisão porque adoptara a interpretação do artigo 449º, 
 n.º 1, do Código de Processo Penal segundo a qual “não podem ser considerados 
 factos novos, ou novos meios probatórios, aqueles que fossem do conhecimento 
 anterior do arguido”.
 
  
 
 6.               Que dizer desta argumentação do reclamante?
 
  
 
    Desde logo, que o presente recurso para o Tribunal Constitucional tem como 
 objecto – e apenas pode ter como objecto – a apreciação da inconstitucionalidade 
 do artigo 449º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de 
 que “não é admissível a revisão de despacho revogatório de suspensão de execução 
 da pena”.
 
  
 
    A essa conclusão conduz o teor do requerimento de interposição do recurso 
 para este Tribunal, de fls. 170 e v.º, onde o ora reclamante afirmava que 
 pretendia a apreciação da inconstitucionalidade de uma norma com a qual se vira 
 confrontado, pela primeira vez, perante a decisão recorrida. No mesmo sentido 
 aponta o despacho de fls. 172, que, embora reconhecendo que “a questão da 
 inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do art. 449º do CPP não foi levantada 
 durante o processo”, admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional para 
 apreciação da norma aplicada pela primeira vez na decisão recorrida – o artigo 
 
 449º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que “não é 
 admissível a revisão de despacho revogatório de suspensão de execução da pena”.
 
  
 
    Não pode portanto o reclamante vir agora alterar o objecto do recurso e 
 pretender a apreciação, sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional, 
 de uma outra norma – o artigo 449º, n.º 1, do Código de Processo Penal, 
 interpretado no sentido de que “não podem ser considerados factos novos, ou 
 novos meios probatórios, aqueles que fossem do conhecimento anterior do 
 arguido”.
 
  
 
    Assim sendo, é de manter a conclusão, a que se chegou na decisão sumária 
 reclamada, no sentido da inutilidade do conhecimento do objecto do recurso – 
 isto é, da apreciação da inconstitucionalidade da interpretação normativa 
 segundo a qual “não é admissível a revisão de despacho revogatório de suspensão 
 de execução da pena”. 
 
  
 
    Na verdade, como se refere na decisão sumária reclamada, mesmo que se 
 conhecesse de tal questão e ainda que se concluísse no sentido da 
 inconstitucionalidade, “sempre se manteria incólume a outra parte dessa decisão 
 
 [a decisão recorrida], que negou provimento ao recurso de revisão com base numa 
 interpretação do artigo 449º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal que 
 pondera a responsabilidade processual do recorrente na condução do processo e, 
 concretamente, a sua responsabilidade pela injustiça que invoca”. É que a 
 decisão aqui recorrida (o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Junho 
 de 2006) foi clara ao afirmar – remetendo aliás para a formulação de acórdão 
 anterior do mesmo Supremo Tribunal – que “dada «a responsabilidade processual 
 das partes na condução do processo, é razoável que não se lhes permita a revisão 
 da sentença quando forem responsáveis pela injustiça que invocam»”.
 
  
 III
 
  
 
 7.               Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a 
 presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária de fls. 175 e seguintes, que 
 não tomou conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
    Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em  20 (vinte)   
 unidades  de conta.
 
  
 Lisboa, 24 de Outubro de 2006
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos