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Processo n.º 487/2006
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. 
 Relatório
 
  
 
                   1.
 A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES recorre ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro do acórdão proferido em 4 de Abril de 
 
 2006 pelo Supremo Tribunal de Justiça, com o fundamento de nele haver sido 
 recusada a aplicação da norma do artigo 41.º n.º 2 do Estatuto das Pensões de 
 Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73 de 31 de Março, na redacção 
 introduzida pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79 de 25 de Junho.
 
  
 
 1.1.
 
                   O aresto recorrido surge na sequência da acção declarativa de 
 condenação intentada por A. no Tribunal Judicial de Paredes de Coura contra a 
 Caixa Geral de Aposentações pedindo a condenação da ré a pagar-lhe pensão de 
 sobrevivência decorrente do falecimento do seu 'cônjuge' de facto, na qualidade 
 de herdeira hábil da referida pensão. A acção foi julgada procedente e a CAIXA 
 GERAL DE APOSENTAÇÕES condenada a pagar a A. a referida pensão de sobrevivência 
 desde 30 de Setembro de 1994 (data da citação da ré).
 
  
 Inconformada com o decidido quanto à data do início do pagamento da pensão 
 reclamada, a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES recorreu para a Relação de Guimarães 
 que, no entanto, confirmou por acórdão a sentença da 1ª instância.
 
  
 
                   Ainda inconformada, a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES pediu 
 revista ao Supremo Tribunal de Justiça defendendo a aplicação do n.º 2 do artigo 
 
 41.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 142/73, de 31 de Março).
 
                   No já citado acórdão de 4 de Abril de 2006, o Supremo Tribunal 
 de Justiça negou a revista e confirmou a decisão recorrida. 
 Nesse aresto, na parte que ora releva, pode ler-se o seguinte:
 
                   
 
 «[...] Reconhecido judicialmente o direito a alimentos, perturba o raciocínio, 
 face ao indicado n.º 2 do artigo 42.º, que o artigo 6.º do Decreto-Regulamentar 
 n.º 1/94, de 18 de Janeiro, acima transcrito, partindo do mesmo pressuposto da 
 necessidade de reconhecimento judicial de herdeiro hábil, venha dizer que “A 
 pensão de sobrevivência é atribuída a partir do início do mês seguinte ao do 
 falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao do 
 trânsito em julgado da sentença…)
 
  
 
 9. Não se pode dizer que há um regime padrão, que é o da função pública (podendo 
 ser inconstitucional antes, o regime geral da segurança social - conclusão f.)
 Parece mesmo ousada a afirmação, e ausente de qualquer racionalidade de 
 solidariedade social, no plano constitucional, e como valor e tarefa de Estado, 
 em que este direito à segurança social é colocado. [Artigos: 9º d) e 63º-1]. 
 Bom é de ver que, na generalidade, morrendo o titular/contribuinte, falha a 
 participação deste nas despesas comuns com os seus herdeiros hábeis (indicados 
 pela ordem do artigo 40º). 
 
 É, então, mister que a lei se preocupe, louvavelmente, em lhes assegurar a 
 sobrevivência, logo a partir do mês seguinte ao falecimento, porque secou a 
 fonte do rendimento que o contribuinte auferia e, com ele, lhes proporcionava o 
 bem‑estar ou qualidade de vida, possíveis. 
 A tal propósito, diz o ponto 2 do relatório preambular do Decreto - Lei n.º 
 
 142/73, que «Impunha-se rever o sistema e instituir um novo regime que para 
 responder apropriadamente às necessidades dos servidores do Estado, se 
 alicerçasse numa concepção profundamente diversa de previdência... No âmbito do 
 presente Estatuto, a pensão de sobrevivência surge como um benefício que o 
 Estado concede aos seus servidores, nos termos e limites da lei, e que não 
 depende da vontade dos interessados». 
 Ou seja, impõe-se um regime de obrigatoriedade de inscrição, por razões de 
 protecção, previdência e segurança social dos funcionários e agentes da 
 Administração Pública, no mais lato sentido, que o regime facultativo anterior, 
 não possibilitava. 
 
 (São conhecidas, aliás, situações de verdadeira miséria de familiares, muito 
 próximos, de funcionários falecidos, que, por não haver, então, pensão de 
 sobrevivência, passaram, nessa altura, a sobreviver de donativos de amigos e 
 colegas, depositados em conta aberta para tal finalidade!). 
 
  
 
 10. Ora, quando se trata de determinar o dia a partir do qual a pensão de 
 sobrevivência deve ser recebida, nas situações em que o direito a alimentos 
 depende da verificação judicial dos requisitos previstos pelo artigo 2.020º-1, 
 do Código Civil, naturalmente que a data deve ser igual para todos os 
 beneficiários que tenham o direito judicialmente verificado. 
 Ou se aplica o regime da função pública (a indicada norma do Estatuto da 
 Aposentação); ou se aplica o artigo 6º, também indicado, do Regime Geral da 
 Segurança Social. 
 
 É razoável que prevaleça a vontade do legislador manifestada em último lugar. A 
 vontade legislativa mais recente. (Por várias pistas de reflexão: revogação 
 tácita, ou expressa; ou substituição da vontade anterior; ou, caso não se 
 aplique a lei inovadora, poderá haver lugar a discriminações negativas em 
 relação a situações iguais anteriores - o que é susceptível de gerar 
 inconstitucionalidade material da previsão de norma anterior, porque fica 
 desfavorecida a situação que lhe corresponde, em relação à previsão e estatuição 
 da nova lei). 
 
  
 
 11. Várias vezes o problema tem sido levantado na jurisprudência. 
 E sempre esta, de um modo geral, teve como prevalente a disciplina do dito 
 artigo 6º, por considerar materialmente inconstitucional o preceituado no artigo 
 
 41º, n.º 2, transcrito, na parte em que fixa que «... a pensão de sobrevivência 
 aí prevista, será devida em data posterior à sentença que reconheça o direito 
 alimentos ao companheiro (a) ou ex-cônjuge, enquanto que o artigo 6º fixa a 
 mesma data, mas «... a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do 
 beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em julgado 
 da sentença que reconhece o direito a alimentos». 
 E efectivamente aqui que não encontramos razões plausíveis para explicar a 
 diferença (significativa diferença) de datas de início do vencimento da pensão 
 de sobrevivência, para o exercício de direitos que são rigorosamente iguais, 
 relativamente: aos titulares do direito à pensão, aos pressupostos do seu 
 exercício e ao seu conteúdo patrimonial. 
 E sem esquecer — o que não é menos importante — que obedecem à mesma necessidade 
 social do beneficiário carente. 
 Tudo isto, consequentemente, quer se trate de ex-cônjuge ou “companheiro” do 
 trabalhador, agente ou funcionário da Administração Pública, quer se trate de um 
 outro qualquer trabalhador da função privada, dependente ou liberal. 
 O direito à igualdade material de tratamento do que é igual não consente, por 
 isso, qualquer discriminação positiva a favor do direito social à pensão de 
 sobrevivência originado pelo exercício da função pública, e originado pelo 
 exercício da função privada, relativamente à data de início de vencimento da 
 pensão. 
 Discriminar pela negativa, sem uma razão objectivamente fundamentadora da 
 diferença, seria usar de dois pesos e de duas medidas, para ponderações e 
 tamanhos, exactamente iguais. 
 
 12. Afirmação que leva a duas últimas reflexões ainda no plano constitucional. 
 A primeira reflexão: respeita à igualdade de tratamento de todos os cidadãos 
 perante a lei, como princípio ínsito (artigo 2º) e expresso (artigo 13º) na 
 Constituição da República. 
 Temos a consciência de que pouco, ou nada, haverá mais a dizer que já não tenha 
 sido dito, sobre o princípio da igualdade constitucional, 
 Lembraremos apenas que a igualdade real entre os portugueses, quanto aos 
 direitos económicos e sociais de que fala o artigo 9º, alínea d), e o sistema 
 unificado da segurança social de que fala artigo 63º-2, revelam a manifestação 
 de princípios tendenciais que vão fazendo o seu caminho, em vista a uma 
 efectividade relativa, já que a igualdade real — é intuitivo — não existe, por 
 razões inerentes à pessoa e à vida. 
 Mas a manifestação de tendência da igualdade possível (mesmo a das 
 oportunidades) reflecte uma preocupação constitucional que orienta o legislador 
 e o juiz num caminho, respectivamente, criativo e interpretativo, que se faz 
 pelo percurso gradualista, evitando a turbulência social grave, no espaço do 
 objectivamente possível, dos desafios constitucionais da igualdade de todos os 
 cidadãos perante a lei — ainda aqui, e ainda assim, como expressão de um 
 principio maior que é o do merecimento e da dignidade da pessoa humana. (Artigo 
 
 1º da Constituição). 
 A essência do princípio da igualdade parte da necessidade de verificação de 
 comunhão ou núcleo comum existente entre objectos ou sujeitos diversos; depende 
 do carácter idêntico ou distinto dos seus elementos essenciais.
 Quanto a nós, exige-se a mesma conformação do ôntico (essência do ser) e a mesma 
 modelação normativa do dever ser que se lhe reporta (dever ser jurídico), 
 justificados pela racionalidade axiológica comum. 
 Essência e conformação estas que são dirigidas, como atrás se disse, ao 
 legislador e ao intérprete, ou seja, a quem cria ou a quem aplica a norma, 
 referenciado sempre pela margem de liberdade de legislar e de julgar, nos 
 parâmetros definidos pela Constituição e pelos princípios em que se inspira, 
 para a época histórica a que se destina reger. 
 Há assim um primado de racionalidade constitucional imanente que orienta um e 
 outro dos agentes, criativos e aplicadores da lei. 
 Racionalidade que não suporta um certo grau de intolerabilidade constitutiva da 
 subversão da Justiça, sobretudo da Justiça distributiva, quando há igualdade de 
 situações, e diferença de modelações normativas correspondentes, nos termos que 
 vêm sendo reflectidos atrás. [...] »
 
  
 
 1.2.
 
 É do aresto que assim decide que a recorrente interpõe o presente recurso, 
 invocando que a “norma cuja fiscalização concreta de constitucionalidade se 
 pretende é a do n.º 2 do art.º 41.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, 
 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi 
 dada pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, na interpretação que dela 
 foi feita no douto acórdão do S.T.J. que antecede, que recusou a sua aplicação 
 com fundamento em inconstitucionalidade.”
 
  
 Admitido o recurso, a recorrente concluiu da seguinte forma a sua alegação: 
 
  
 
  
 
 1.ª Entende a recorrente que não pode reconhecer-se à Autora um direito cuja 
 titularidade tem como pressuposto a aquisição da qualidade de herdeira hábil 
 previamente à ver verificação desta condição; 
 
  
 
 2.ª Estabelecendo o n.º 2 do art. o 41.º do Estatuto das Pensões de 
 Sobrevivência, aprovado pelo D. Lei n.º 142/73, de 31 de Março, que “Aquele que, 
 no momento da morte do contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo 
 
 2020.º do Código Civil, só será considerado herdeiro hábil, para efeitos de 
 pensão de sobrevivência, depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a 
 alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês 
 seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito” (fim 
 de citação), quer isto dizer que aquando da morte do pensionista António Antas 
 Barros, aquela que posteriormente se veio a apurar ser sua companheira não era 
 ainda herdeira hábil, pois, para que pudesse vir a ser como tal reconhecida, 
 teve ainda de recorrer aos Tribunais afim de obter uma sentença judicial que lhe 
 fixasse o direito a alimentos; 
 
  
 
 3ª - Se a Autora, ora recorrida, fosse, desde logo, considerada herdeira hábil 
 estar-se-ia a dar por assente aquilo que o Tribunal iria posteriormente 
 apreciar; 
 
  
 
 4ª - Não é por acaso que o legislador, no mencionado preceito atrás transcrito, 
 emprega expressamente a expressão “só” será considerado herdeiro hábil, para 
 efeitos de pensão de sobrevivência, “depois” de sentença judicial que lhe fixe o 
 direito a alimentos; 
 
  
 
 5ª - Mas o legislador não fica por aqui, pois na parte final do mencionado 
 preceito em análise diz também expressamente desde quando a pensão é devida a 
 partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, e enquanto se mantiver 
 o referido direito; 
 
  
 
 6ª - Nada permitia que o STJ, no douto Acórdão recorrido, reconhecesse à Autora 
 o direito à pensão de sobrevivência desde o dia 30 de Setembro de 1994. 
 
  
 
 7ª. O douto Acórdão recorrido reconheceu à Autora o direito ao recebimento da 
 pensão de sobrevivência desde uma data em que a mesma ainda não era herdeira 
 hábil e que, portanto, ainda não era detentora de uma sentença judicial que lhe 
 fixasse o direito a alimentos. 
 
  
 
 8.ª - Àquele argumento, de ordem lógica, acresce um outro para considerar que a 
 norma do E.P.S. não é materialmente inconstitucional: por que razão não seria 
 antes inconstitucional o regime da Segurança Social? O que leva a considerar 
 aquele como padrão a seguir? O Acórdão não o esclarece. 
 
  
 
 9.ª Inconstitucional seria se a norma do E.P.S. tratasse diferentemente 
 subscritores da CGA na mesma situação de forma diferente. No limite, a tese do 
 Acórdão leva a que possa existir apenas um regime de protecção social no país. 
 Os regimes especiais — com regras próprias (que têm de se considerar no contexto 
 do regime em que se inserem) seriam todos inconstitucionais. 
 
  
 
 10.ª - A inconstitucionalidade afere-se pela violação da Constituição, nunca 
 pela “desconformidade” com outras normas de idêntica dignidade aplicáveis a 
 diferente universo pessoal E o facto de o regime da CGA ser, em determinados 
 aspectos (poucos, como é sabido) menos favorável do que o Regime Geral de 
 Segurança Social não autoriza a desprezar as regras daquele em favor de uma 
 aplicação directa deste (sob pena de se deverem fundir - por via jurisdicional - 
 os dois regimes, aproveitando-se, portanto, as partes de cada um consideradas 
 mais interessantes, como sendo neste caso uma taxa de contribuição para a CGA 
 inferior àquela que é devida na Segurança Social). 
 
  
 
 11.ª - Não pode pretender colocar-se no mesmo plano realidades inteiramente 
 distintas: 
 um regime de natureza estatutária, em que na generalidade dos casos há apenas 
 uma contribuição do trabalhador (de 10%), e outro de carácter assistencialista 
 em que a contribuição é repartida entre empregador e trabalhador e atinge o 
 valor global de 23,75%. 
 
  
 
 12ª-. O princípio da igualdade apenas impõe um tratamento igual quando exista 
 identidade de situações, Ora, no caso, os regimes são claramente diferentes, até 
 no valor das prestações concedidas. 
 
  
 
 13.ª - Quanto ao alegado retrocesso social que a tese da recorrente 
 introduziria, importa recordar que para que pudesse existir recuo se tornava 
 necessário que alguma vez tivesse existido progresso. Ora, no âmbito do regime 
 da função pública, nunca existiu regra que mandasse atender a momento anterior 
 
 àquele em que o contribuinte deve considerar-se herdeiro hábil /para efeitos de 
 atribuição da pensão de sobrevivência a companheiros de contribuintes falecidos. 
 Não faz, pois, qualquer sentido convocar tal princípio. 
 
  
 
                   1.3. 
 
                   Por seu turno, a ora recorrida A. defende que o acórdão 
 recorrido não violou qualquer artigo da Constituição da República Portuguesa e 
 que 'ajuizou correctamente da não aplicabilidade de norma por ser materialmente 
 inconstitucional'.
 
  
 
                   
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
 2. 
 Do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça resulta que a norma que fixa o momento 
 do vencimento do direito à pensão é a constante do referido artigo 41.º, n.º 2 
 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (de agora em diante designado por EPS). 
 Relativamente a ela, e com base num exercício de comparação com a situação 
 paralela do chamado Regime de Segurança Social, detecta o acórdão recorrido 
 violação do princípio constitucional da igualdade, assim concluindo pela já 
 mencionada recusa de aplicação do referido artigo 41.º n.º 2 do EPS.
 
  
 Dispõe esta norma, sob a epígrafe “Ex-cônjuge e pessoa em união de facto”, o 
 seguinte:
 
  
 Artigo 41.º
 
 1. (…)
 
 2. Aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições 
 previstas no artigo 2020.º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil 
 para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe 
 o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 
 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido 
 direito.
 
  
 
                   
 Deste preceito interessa ao presente caso o segmento respeitante ao momento a 
 partir do qual a pensão – de que é titular aquele que já obteve a sentença 
 referida na primeira parte do preceito (que é o caso da ora recorrida) – deverá 
 ser satisfeita, ou seja, o trecho da norma que estatui que tal pensão vence a 
 partir do dia 1 do mês subsequente àquele em que foi requerida.
 
  
 
                   E tal pressuposto de análise é relevante, pois permite desde 
 já afastar a matéria tratada nas conclusões que antecedem a conclusão 8ª da 
 alegação da recorrente, que se reportam aos factos dados como provados, através 
 das quais se visa questionar a própria decisão recorrida, cuja apreciação não 
 cabe nos poderes de sindicância do Tribunal Constitucional.
 
  
 
                   2.1.         A aludida norma já foi objecto de análise neste 
 Tribunal – Acórdão n.º 522/2006 (publicado no Diário da República, II Série, de 
 
 10 de Novembro de 2006).
 
                   Ora, sendo essencialmente a mesma a questão em análise 
 
 [apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 41.º, n.º 2 do 
 Estatuto das Pensões da Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 
 
 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de 
 Junho, na parte em que determina que “a pensão de sobrevivência será devida a 
 partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que tal pensão tenha sido requerida”], 
 são por isso transponíveis para o caso sub judice os fundamentos desse Acórdão.
 
  
 
                   Assim, diz-se, a determinada altura, nesse aresto: 
 
  
 
 “[…]
 Ora, neste caso, a questão do direito à pensão de sobrevivência por parte do 
 
 “viúvo de facto” já foi resolvida, estando, por isso, ultrapassada, não 
 interferindo, contrariamente ao que até agora tem sucedido na jurisprudência 
 deste Tribunal, com a aplicação do trecho final da norma, que fixa o momento a 
 partir do qual a pensão é devida. Deixou, assim, de estar em causa – e trata-se 
 de um elemento importante na subsequente indagação de constitucionalidade – uma 
 questão que convoque, para aferição do respeito pelo princípio da igualdade, 
 qualquer comparação dos regimes decorrentes do casamento e da união de facto [a 
 evolução do entendimento do Tribunal Constitucional, relativamente a esse 
 
 (outro) problema, pode ser apreciada numa leitura sequencial dos Acórdãos nºs 
 
 88/04 (Diário da República – II Série, de 16/04/2004, pp.5962/5967), 159/05 
 
 (Diário da República – II Série, de 23/12/2005, pp. 18056/18062) e 614/05 
 
 (Diário da República – Série, de 29/12/2005, pp.18116/18118)]. Trata-se aqui, 
 portanto, de comparar as situações de quem, como sucede com a recorrida, já viu 
 judicialmente reconhecidos os pressupostos do direito à pensão de sobrevivência, 
 por morte daquele com quem viveu em união de facto, restando apenas determinar o 
 momento a partir do qual tal pensão é devida.
 
  
 Sublinha-se com esta caracterização um elemento específico que a abordagem deste 
 recurso, na perspectiva do princípio da igualdade, implica, traduzido na 
 convocação de um “par de comparação”, distinto daquele que os citados Acórdãos 
 nºs 88/04 e 159 e 614/05 convocavam. Comparam-se aqui, interessa não o esquecer, 
 situações sempre respeitantes à união de facto, nas quais o controlo da 
 observância do mencionado princípio só relaciona quem, tendo vivido “[…] em 
 união de facto há mais de dois anos” (artigo 1º, nº1 da Lei nº 7/2001), obteve o 
 reconhecimento judicial desse facto, enquanto pressuposto específico do direito 
 a receber a prestação consubstanciada na pensão de sobrevivência.
 
  
 
 2.2.2. Tendo presentes estes elementos, importa avançar para a concreta 
 comparação que o princípio da igualdade neste caso pressupõe. Está em causa, nos 
 termos em que a decisão recorrida coloca a questão e sempre no quadro geral da 
 união de facto, relacionar a situação daqueles que, tendo adquirido o direito a 
 auferir uma pensão de sobrevivência por morte do respectivo cônjuge de facto, se 
 diferenciam, tão só, pela circunstância de essa pensão se gerar por morte de um 
 funcionário ou agente da Administração Pública (situação em causa no presente 
 recurso), ou por morte de um beneficiário do denominado Regime Geral da 
 Segurança Social.
 
  
 
  No primeiro caso, definido judicialmente o direito à pensão, é a mesma devida, 
 nos termos da norma em apreciação, desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que 
 tal pensão foi requerida. No segundo caso, gerado no âmbito do Regime Geral, a 
 mesma pensão – ou seja, a pensão adquirida com base em pressupostos de facto 
 substancialmente idênticos – é devida, nos termos do artigo 6º do Decreto 
 Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, se requerida nos seis meses posteriores 
 ao trânsito da decisão judicial que reconheça tal direito, “[…] a partir do 
 início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário […]”. Sendo distintos 
 os momentos fixados em cada caso para o começo das prestações (mais cedo 
 relativamente aos beneficiários de pensão gerada no Regime Geral), coloca-se a 
 questão da observância do princípio constitucional da igualdade relativamente a 
 quem, fora do quadro desse Regime Geral, tenha actuado dentro de lapsos de tempo 
 que conduziriam à primeira hipótese prevista no artigo 6º do Decreto 
 Regulamentar nº 1/94. É esta, enfim, a questão de igualdade que aqui importa 
 dilucidar.
 
  
 
 2.2.2.1. Constitui jurisprudência assente e reiterada deste Tribunal a 
 caracterização do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13º da CRP, como 
 proibição do arbítrio (cfr. Acórdão nº 232/03, publicado no Diário da República 
 
 – I Série-A, de 17/06/2003, pp. 3514/3531). Com tal sentido, nas palavras do 
 Tribunal Constitucional, “[o] princípio [da igualdade] não impede que, tendo em 
 conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer 
 diferenciações de tratamento, «razoável, racional e objectivamente fundadas», 
 sob pena de, assim não sucedendo, «estar o legislador a incorrer em arbítrio, 
 por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores 
 constitucionalmente relevantes» […]. Ponto é que haja fundamento material 
 suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada […]” 
 
 (Acórdão nº 319/00, publicado no Diário da República – II Série, de18/10/2000, 
 pp. 16785/16786)[...].
 
  
 
  
 
 2.2.2.2. Constitui aqui elemento de igualdade fáctica a circunstância, comum aos 
 dois termos da comparação, de o direito à pensão de sobrevivência ter sido 
 adquirido em função do reconhecimento judicial de uma situação de união de facto 
 com um beneficiário ou subscritor falecido. Este elemento, não expressando uma 
 situação de igualdade fáctica absoluta, já que compara pensões geradas no 
 chamado Regime Geral com pensões geradas no âmbito do Regime dos funcionários e 
 agentes da Administração Pública, permite, no entanto, a qualificação da 
 situação de ambos como essencialmente igual, isto em função de uma expressiva 
 preponderância de elementos comuns. De facto, apreciando os dois regimes (o 
 Geral e o da Administração Pública), constata-se ocorrer em ambos, de forma 
 substancialmente idêntica, a projecção da “relação jurídica de segurança social” 
 
 [...]
 Nesta situação, que – repete-se – é de igualdade naquilo que expressa a essência 
 relevante para a comparação, quaisquer especificidades do chamado Regime Geral 
 de Segurança Social, relativamente ao Regime de Segurança Social dos 
 funcionários e agentes da Administração Pública, porque referidas, como já se 
 indicou, a elementos não relevantes para esta comparação concreta, perdem 
 sentido e deixam de justificar, quanto à fixação do momento a partir do qual a 
 pensão é devida, um tratamento menos vantajoso, como o decorrente do segmento 
 final do nº2 do artigo 41º do EPS, comparativamente ao artigo 6º do Decreto 
 Regulamentar nº 1/94. Não obstante, relativamente a essas (possíveis) 
 especificidades de cada um dos Regimes, sublinhar-se-á que o “programa 
 constitucional” assenta, neste domínio, na ideia de unificação do sistema de 
 segurança social – “incumbe ao Estado organizar […] um sistema de segurança 
 social unificado […]” (artigo 63º, nº2 da CRP) – e que, em tal quadro, a procura 
 de soluções de igualdade não deixa de assumir uma espécie de “valor reforçado” 
 no plano da convergência entre os regimes de protecção social da função pública 
 e “ […] os regimes do sistema de segurança social quanto ao âmbito material, 
 regras de formação de direitos e atribuição das prestações” (artigo 124º da Lei 
 nº 32/2002, de 20 de Dezembro, que estabelece as bases do sistema de segurança 
 social) […]”.  
 
  
 
  
 
 2.2.
 Sendo estes fundamentos, como se notou já, inteiramente transponíveis para o 
 caso em apreço, deve concluir-se que da ausência de uma justificação relevante 
 para a mencionada diferenciação entre regimes decorre a ofensa ao princípio 
 constitucional da igualdade, contido no artigo 13º da Constituição da República. 
 Consequentemente, sufraga-se a decisão de recusar a aplicação da norma impugnada 
 ao presente caso. 
 Resta, por isso, confirmar o acórdão recorrido na parte da questão de 
 inconstitucionalidade normativa que é objecto do presente recurso.
 
  
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 a)         Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade 
 constante do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, a norma constante do artigo 
 
 41.º n.º 2 do Estatuto das Pensões da Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei 
 n.º 142/73 de 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79 
 de 25 de Junho, na parte em que determina que a pensão de sobrevivência será 
 devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que tal pensão tenha sido 
 requerida.
 b)        Confirmar, no que à questão de constitucionalidade diz respeito, a 
 decisão recorrida. 
 c)         Negar provimento ao recurso.
 
  
 
  
 Lisboa, 15 de Maio de 2007
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos