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Processo nº  532/2006
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza 
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: 
 
  
 
  
 
  
 
 1. Pelo acórdão n.º 174/2006, de fls. 4528, foi deferida a reclamação 
 apresentada por A. contra o despacho de não admissão do recurso que interpusera 
 para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  de 20 
 de Outubro de 2005, de fls. 4355, que , por sua vez, julgara o recurso perante 
 ele interposto da seguinte forma:
 
 'Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência para apreciar 
 a questão prévia suscitada no exame preliminar do relator, decide-se ante a sua 
 manifesta improcedência, pela rejeição do recurso oposto pela cidadão A. ao 
 acórdão n.º 4333/04-3 da Relação de Lisboa, que, no âmbito do comum colectivo 
 
 64/02.2JELSB do 2º Juízo Criminal do Seixal, o condenara em 14JUL04 e 06QBR05, 
 como autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.1 do 
 Dec-Lei n.º 15/93, na pena de quatro anos e oito meses de prisão e, em cúmulo 
 jurídico com a pena de dois anos e quatro meses de prisão que lhe fora aplicada 
 na 1ª instância, por crime p. e p. pelo art. 275.1 do C. Penal, na pena unitária 
 de cinco anos e seis meses de prisão'.
 A questão prévia em causa foi assim descrita neste mesmo acórdão:
 
 «6.1. Em 30MAI03, o ora recorrente havia recorrido – intercalarmente (fls. 2487) 
 e ss. – do despacho de pronúncia ('Não foram [indicadas] nos despachos que 
 autorizaram as escutas concretizadas as razões pelas quais se entendeu que tal 
 diligência era necessária para a descoberta da verdade e da prova; as escutas 
 não foram acompanhadas judicialmente entre a decisão que as ordenou e a que 
 ratificou a sua transcrição, as decisões que ordenaram as escutas não têm 
 motivação de facto; a sua evolução deveu-se a estrito critério policial: tal 
 torna-as nulas').
 
 6.2. Esse recurso foi recebido, em 03JUN03, para 'subir a final com o recurso 
 interposto da decisão que puser termo à causa' (fls. 2491).
 
 6.3. Acontece, porém, que o ora recorrente – conformado com a decisão do 
 tribunal  colectivo – não interpôs recurso da decisão final. Fê-lo, todavia, em 
 seu detrimento, o MP, com (essencial) fundamento nas escutas telefónicas cuja 
 legalidade o recorrido havia posto em causa no seu recurso retido. Teria 
 competido a este, por isso, alertar – 'obrigatoriamente' – o tribunal , pelo 
 menos na respectiva contra-motivação, para os recursos retidos em relação aos 
 quais mantivesse interesse.
 
 6.4. E, como esse alerta era 'obrigatório' (dele dependendo, por isso mesmo, o 
 conhecimento do tribunal  de recurso), o interessado, de duas uma: a) ou 
 recorria, subordinadamente, da própria sentença com que se conformara (de 
 maneira a alertar o tribunal  para o seu interesse no conhecimento – em razão do 
 recurso do MP – do recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava a 
 contra-motivação do recurso para manifestar ao tribunal  ad quem a manutenção ou 
 repristinação desse seu interesse.
 
 6.5. Não o tendo feito, o seu recurso retido – já que não actualizado no momento 
 processual próprio – perdeu, definitivamente, actualidade.
 
 6.6 Repare-se, de resto, que o ora recorrente nem sequer reclamou contra essa 
 
 (pretensa) omissão de pronúncia no recurso (de 09AGO04) oportunamente interposto 
 do acórdão (pretensamente) omisso, mas tão só, em posterior acto avulso (datado 
 de 28SET04), e que veio tardiamente explicitar que, 'para além dos vícios 
 assacados à decisão recorrida, ocorria que a mesma tinha um outro de 
 conhecimento oficioso, a omissão de pronúncia quanto ao recurso interlocutório'. 
 Só que, por não se verificar o apontado vício (já que o interessado no 
 conhecimento do recurso retido não alertara o tribunal  ad quem, na resposta ao 
 recurso do MP ou mesmo em recurso subordinado, para a subsistência do seu 
 interesse), não haveria – nem haverá – que dele tomar conhecimento, agora, 
 oficiosamente.»
 No recurso interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na 
 alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o recorrente 
 pretendia ver 'apreciada dupla inconstitucionalidade, a saber:
 a) do artigo 412º, n.º 5 do CPP, quando interpretado, nos termos em que o foi na 
 decisão recorrida, isto é, no sentido de que, o recorrido está obrigado a 
 manifestar nos autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os 
 mesmos tornado inúteis, quando a matéria questionada no recurso interlocutório, 
 não obstante tal impugnação, é utilizada para fundamentar alteração na matéria 
 de facto, por afrontamento do artigo 32º, n.º 1 da CRP;
 b) do artigo 412º, n.º 3, als. a) e b) do CPP, quando interpretado nos termos em 
 que o foi na decisão recorrida, isto é, no sentido de que o Mº Pº não é obrigado 
 a especificar os elementos subsumíveis a tais alíneas, podendo mesmo indicar os 
 factos pretensamente errados, a título exemplificativo, podendo o juiz ajudar na 
 especificação de tais elementos, por afrontamento dos artigos 32º, n.º 1 e 5 da 
 CRP'.
 Pelo despacho de fls. 4367 o recurso não foi admitido. Quanto à 
 inconstitucionalidade atribuída ao artigo 413º, alíneas a) e b) do n.º 3 do 
 Código de Processo Penal, 'porque a decisão recorrida o não interpretou' no 
 sentido apontado pelo recorrente; relativamente ao n.º 5 do artigo 412º do 
 Código de Processo Penal, 'porque o recurso é manifestamente infundado (art. 
 
 76.2 da LTC). Pois que, não obstante a matéria impugnada no recurso 
 interlocutório (do arguido) haver sido utilizada para fundamentar o recurso 
 principal (do Ministério Público), o arguido poderia, em recurso subordinado ou 
 na própria resposta ao recurso do Ministério Público, ter manifestado (e não 
 manifestou) o seu interesse no conhecimento do recurso retido. Tanto bastaria, 
 segundo a decisão recorrida, para que a Relação dele devesse tomar conhecimento. 
 Doutro modo, a Relação nem sequer saberia – nem estaria obrigada a saber – da 
 existência, nas profundezas do processo, de tal remoto e recôndito recurso'.
 Deste despacho reclamou B. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 no n.º 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, mas apenas quanto à não admissão do 
 recurso relativo à norma do n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal. E 
 foi essa reclamação que foi deferida pelo citado acórdão n.º 174/2006.
 
  
 
 2. Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 77º da Lei nº 28/82, o deferimento 
 da reclamação 'faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso'; o mesmo 
 não sucede, naturalmente, quanto à respectiva procedência, ainda que o motivo da 
 sua não admissão tenha sido a manifesta falta de fundamento.
 Nos termos do requerimento de interposição do recurso,  constitui o seu objecto 
 a norma constante do n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal quando 
 interpretada no sentido de que ' o recorrido está obrigado a manifestar nos 
 autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os mesmos tornado 
 inúteis, quando a matéria questionada no recurso interlocutório, não obstante 
 tal impugnação, é utilizada para fundamentar alteração na matéria de facto', 
 norma que o recorrente acusa de violar 'o artigo 32º, n.º 1 da CRP'.
 Conforme resulta do acórdão nº 174/2006, não há obstáculos ao conhecimento do 
 mérito do recurso. Assim, e nomeadamente, está ultrapassada a questão da 
 utilidade do respectivo julgamento, nos termos questionados pelo Ministério 
 Público no âmbito da reclamação.
 O que o deferimento da reclamação já não permite ao recorrente é, 
 posteriormente, ampliar ou modificar o objecto do que recurso que interpôs.
 Assim, não se considerará, por implicarem dimensões do nº 5 do artigo 412º do 
 Código de Processo Penal que não foram impugnadas pelo recorrente quando o 
 recurso foi interposto, nem a alteração constante da conclusão 1. das alegações 
 apresentadas no Tribunal Constitucional, adiante transcritas, que coloca na 
 dependência da vontade do recorrido a escolha do momento para “dar cumprimento 
 ao artigo 412º, nº 5 do CPP', nem o aditamento que, na conclusão 2. das mesmas 
 alegações, acrescenta a necessidade do convite para que o mesmo indique se 
 mantém interesse nos recursos retidos. 
 
  
 
 3. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações.
 O recorrente, após transcrever parte do acórdão nº 174/2996, formulou as 
 seguintes conclusões:
 
  '1. O recorrido não tem que dar cumprimento ao artigo 412º, n.º 5 do CPP, 
 enquanto não sentir, face à tramitação processual essa necessidade.
 
 2.Verificado nos autos esse incumprimento, não se tendo tornado o recurso 
 necessário, há que convidá-lo a manifestar o seu interesse pelos recursos que 
 tiver pendentes.
 
 3. É inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1 da CRP a interpretação 
 do aludido artigo, em sentido contrário'.
 
  
 Quanto ao Ministério Público, observou que  não cabe ao Tribunal Constitucional 
 
 “determinar qual seja a melhor interpretação da norma em causa, nomeadamente o 
 
 âmbito e consequências processuais da omissão de adequado cumprimento pelo 
 recorrente do ónus prescrito naquele preceito legal e da sua extensão ao 
 recorrido no recurso dominante”, cabendo apenas ao Tribunal Constitucional 
 
 “sindicar se a interpretação normativa, efectivamente realizada de tal norma, é 
 ou não compatível com os preceitos constitucionais”.  Disse ainda que lhe parece 
 
 “evidente que não viola a Constituição o mero estabelecimento do ónus que consta 
 do nº 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal e a sua aplicabilidade ao 
 recorrido no recurso dominante” já que é uma imposição “apropriada a 
 possibilitar uma maior eficiência do sistema jurisdicional”, por um lado, e “não 
 implica um sacrifício desproporcionado para ao arguido/recorrente”, não se 
 traduzindo em nenhuma “dificuldade substancial”concluiu a contra-alegação nestes 
 termos:
 
 'I – É inconstitucional, por violação do princípio das garantias de defesa, a 
 interpretação normativa do artigo 412º, n.º 5, do Código de Processo Penal, 
 segundo a qual (ao contrário do que ocorre no processo civil) é 
 irremediavelmente preclusiva a omissão de especificação dos recursos retidos que 
 conservam interesse para o recorrente, conduzindo a omissão de referência aos 
 mesmos (apesar de oportunamente interpostos e motivados) por parte do recorrente 
 
 – que legitimamente optou por não apresentar contramotivação no recurso 
 dominante, interposto pelo Ministério Público – à respectiva preclusão, sem que 
 ao arguido seja, ao abrigo do princípio da cooperação, facultada oportunidade 
 processual para se pronunciar sobre a subsistência de interesse processual na 
 apreciação dos recursos retidos.
 
 2 – Termos em que deverá proceder o presente recurso.'.
 
  
 
          4. A norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada é a 
 constante do nº 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal, que tem a seguinte 
 redacção: 
 
  
 Artigo 412º
 
 (Motivação do recurso e conclusões)
 
  
 
          1. [...]
 
          2. [...]
 
          3. [...]
 
          4. [...]
 
          5. Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, 
 nas conclusões, quais os que mantêm interesse.
 
  
 
  
 Do acórdão 174/2006 consta a história deste n.º 5, introduzido no Código de 
 Processo Penal pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, bem como a referência à 
 questão (de direito ordinário) de saber se deve ou não considerar-se abrangido 
 no seu regime o recorrido no recurso que determina a subida dos recursos 
 retidos, relativamente aos quais ele ocupa a posição de recorrente. 
 
  
 
 5. Como também se dá nota no acórdão nº 174/2006, o Tribunal Constitucional já 
 se pronunciou por diversas vezes sobre o n.º 5 do artigo 412º do Código de 
 Processo Penal. 
 Sempre estiveram, no entanto, em causa interpretações diferentes da que agora 
 releva, aplicadas em outros tantos casos concretos. E o Tribunal  sempre 
 observou que a razão de ser do preceito é, por um lado, evitar que o tribunal  
 superior tenha de julgar recursos que vieram a revelar-se inúteis, deixando ao 
 critério do recorrente (em recursos retidos) a avaliação do interesse que neles 
 mantenha e, por outro, minimizar o risco de esquecimento, pelo tribunal, de 
 recursos anteriormente interpostos, apelando para o efeito à cooperação que é 
 exigível aos diversos intervenientes processuais.
 Assim, no seu acórdão n.º 191/2003 (Diário da República, II série, de 28 de Maio 
 de 2003), o Tribunal Constitucional decidiu “ julgar inconstitucional, por 
 violação das disposições conjugadas do artigo 32º, nº 1, e do artigo 20, nº 4, 
 parte final, da Constituição, o artigo 412º, nº 5, do Código de Processo Penal, 
 interpretado no sentido de que é insuficiente para cumprir o ónus de 
 especificação ali consignado a referência a “todos” os recursos, nas conclusões 
 da motivação, sempre que no texto desta tenha sido feita a sua identificação 
 individualizada e seriada”.
 O Tribunal Constitucional considerou, então, que “tendo em conta a identidade e 
 unicidade da peça processual em causa – a motivação do recurso” e constando 
 dessa mesma peça (no texto) a especificação dos recursos retidos e a indicação 
 
 (nas conclusões) de que o recorrente mantinha interesse em todos eles, era 
 excessivo impor, como condição do julgamento dos recursos retidos, a 'repetição 
 de identificação individualizada dos recursos retidos” nas conclusões.   
 No acórdão 724/2004 (Diário da República, II série, de 4 de Fevereiro de 2005), 
 o Tribunal Constitucional decidiu “Julgar inconstitucional, por violação das 
 disposições conjugadas dos artigos 32º, n.º 1, e 20º, n.º 4, parte final, da 
 Constituição, o artigo 412º, n.º 5, do Código de Processo Penal, interpretado no 
 sentido de que a exigência da especificação dos recursos retidos em que o 
 recorrente mantém interesse, constante do preceito, também é obrigatória, sob 
 pena de preclusão do seu conhecimento, nos casos em que o despacho de admissão 
 do recurso interlocutório é proferido depois da própria apresentação da 
 motivação do recurso interposto da decisão final do processo”, nomeadamente por 
 entender inaceitável “transferir totalmente e apenas para o arguido os efeitos 
 decorrentes do incumprimento de um ónus cuja conformação legislativa assenta em 
 razões de cooperação e colaboração entre o recorrente e o julgador numa situação 
 em que o cumprimento apenas poderia ser perspectivado sobre uma admissão 
 hipotética do recurso interposto, por o tribunal não ter cumprido o seu dever de 
 emitir pronúncia sobre requerimento anterior do arguido através do qual interpôs 
 o recurso dito retido (…)”.
 E, recentemente, no acórdão n.º 381/2006, ainda inédito, o Tribunal, por um 
 lado, reiterou o julgamento de inconstitucionalidade constante do citado acórdão 
 nº 724/2004 e, por outro, fazendo apelo à semelhança ao que o Tribunal  
 repetidamente decidira “sobre uma questão paralela, referida aos ónus constantes 
 dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, tendo concluído no 
 sentido da inconstitucionalidade destes preceitos quando interpretados no 
 sentido de que a mera falta de indicação, nas próprias conclusões da motivação, 
 de qualquer das menções aí contidas tem como efeito imediato o não conhecimento, 
 nessa parte , do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada 
 oportunidade de suprir tal deficiência (cfr., entre muitos outros no mesmo 
 sentido, os Acórdãos n.ºs 288/00, 388/01, 401/2001, 320/2002, 529/2003, 322/2004 
 ou 405/2004, todos disponíveis na página Internet deste Tribunal”, afirmou:
 
 “A fundamentação que conduziu a esta jurisprudência é inteiramente transponível 
 para os presentes autos. Com efeito, sendo certo, por um lado, que o cumprimento 
 adequado do ónus a que se refere o artigo 412º, n.º 5, do CPP, não pressupõe – 
 numa interpretação funcionalmente adequada, para utilizarmos as palavras do 
 acórdão n.º 191/2003, já citado – o uso de qualquer fórmula sacramental e, por 
 outro, que na conclusão 11ª os recorrentes mencionam a existência de dois 
 recursos interlocutórios retidos, versando sobre a matéria da prescrição, 
 referindo que os mesmos deveriam 'subir a final', se, ainda assim, alguma dúvida 
 persistia no espírito do tribunal  sobre se os recorrentes mantinham ou não o 
 interesse na sua apreciação, deveria efectivamente ter procedido a um convite 
 para o seu esclarecimento, sob pena de, não o tendo feito, decidir com base numa 
 interpretação normativa do n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal que 
 
 é incompatível com as disposições conjugadas dos artigos 32º, n.º 1, e 20º, n.º 
 
 4, parte final, da Constituição da República Portuguesa.»
 Assim, julgou “inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos 
 artigos 32º, n.º 1, e 20º, n.º 4, parte final, da Constituição da República 
 Portuguesa, o n.º 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal, na interpretação 
 que permita ao tribunal  ad quem, considerando não ser suficiente para o 
 cumprimento do ónus previsto nesse preceito a referência nas conclusões ao 
 recurso interlocutório retido e a que o mesmo subirá a final, a liminar rejeição 
 desse recurso, entretanto já admitido, sem que seja formulado ao recorrente um 
 convite para explicar se mantém interesse no seu conhecimento'.
 
  
 
 6. A norma em apreciação no presente recurso é, portanto, diferente das que 
 foram consideradas nos referidos acórdãos. 
 Não deixa, todavia, de respeitar a uma mesma questão substancial e que, no 
 fundo, se prende, por um lado, com a liberdade de conformação do legislador na 
 definição das regras de processo penal, e, por outro, com os limites que a 
 tutela constitucional do direito ao recurso constante do nº 1 do artigo 32º da 
 Constituição impõe a essa liberdade, nomeadamente vista do ângulo do princípio 
 da proporcionalidade.
 Como se sabe, e se dá nota nos acórdãos anteriormente citados, o Tribunal 
 Constitucional tem afirmado repetidamente que não é legítimo ao legislador, ao 
 definir aquelas regras, impor ónus de tal forma excessivos ou desproporcionados 
 que venham a traduzir-se numa lesão constitucionalmente inaceitável do direito 
 ao recurso.
 Isto se disse também, por exemplo, no seu acórdão nº 260/2002 (Diário da 
 República, II série, de 24 de Julho de 2002):
 
 «6. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou que se integra na 
 liberdade de conformação do legislador ordinário a definição das regras 
 relativas ao processamento dos recursos. Assim, por exemplo, no seu acórdão nº 
 
 299/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., p. 699 e segs.), citado 
 em vários acórdãos posteriores, o Tribunal Constitucional observou que “(...) o 
 legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras 
 sobre recursos em cada ramo processual (...)”; necessário é que essas regras não 
 signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados 
 acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais ou, 
 mais especificamente, no que toca ao processo penal, das garantias de defesa e 
 de recurso afirmadas no citado nº 1 do artigo 32º.
 
 (…) 8. No que respeita ao formalismo dos recursos em processo penal, 
 relativamente ao qual há que contar com o referido artigo 32º, º 1, da 
 Constituição, o Tribunal Constitucional, recorrendo igualmente ao crivo da 
 proporcionalidade, na sequência de julgamentos de inconstitucionalidade 
 formulados em três casos concretos (acórdãos nºs 43/99, 417/99, publicados no 
 Diário da República, II série, respectivamente, de 26 de Março de 1999, de 13 de 
 Março de 2000 e 43/00, não publicado), julgou inconstitucional, “com força 
 obrigatória geral (...), por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa, (...) a norma constante dos artigos 412º, n.º 1, e 420º, 
 n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 59/98, de 25 
 de Agosto), quando interpretados no sentido de a falta de concisão das 
 conclusões da motivação implicar a imediata rejeição do recurso, sem que 
 previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência.”
 Como se tinha escrito no citado acórdão nº 417/99, tais normas impunham “uma 
 limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido em processo penal, 
 restringindo o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à 
 justiça”.»
 
  
 
 7. Como se viu, também foi por se entender estarem em causa interpretações do nº 
 
 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal que impunham ao recorrente um ónus 
 desproporcionado – por confronto com as vantagens, também já apontadas, da 
 colaboração do interessado e com a consequência decorrente do seu incumprimento 
 
 – que o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido da 
 inconstitucionalidade nos acórdãos n.º 191/2003, 724/2004 3 381/2006.
 Note-se, aliás, que tal desproporcionalidade – e agora deixa-se de lado a 
 hipótese contemplada no acórdão nº 724/2004, pois no caso de que nos ocupamos, o 
 recurso retido tinha sido oportunamente admitido – assentou decisivamente na 
 circunstância de na mesma peça processual de que constam as conclusões de 
 recurso, local onde o nº 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal determina 
 que seja fornecida a indicação, especificadamente, do interesse no julgamento 
 dos recursos retidos, se considerarem suficientemente especificados tais 
 recursos; e julgou-se que tal especificação, por ventura não tão perfeita quanto 
 poderia ser, era todavia idónea para alertar o tribunal  para que os tinha de 
 julgar – ou por saber exactamente que recursos havia a decidir, ou, pelo menos, 
 por saber que havia recursos a julgar, justificando-se então que convidasse o 
 recorrente a especificá-los.
 Esta circunstância foi também julgada decisiva quando se apreciaram recursos 
 que, referidos aos nºs 2, 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal, se 
 julgou ser inconstitucional uma interpretação que considerasse absolutamente 
 impeditiva do julgamento do recurso uma falta das correspondentes indicação nas 
 conclusões do recurso (cfr. os acórdãos atrás citados), pronunciando-se o 
 Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade quando a omissão 
 ocorria também na motivação.
 Com efeito, no seu acórdão n.º  140/2004 (Diário da República, II série, de 17 
 de Abril de 2004), foi decidido 'não julgar inconstitucional a norma do artigo 
 
 412º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal interpretada no 
 sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se 
 impugne a matéria de facto, a especificação nele exigida tem como efeito o não 
 conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente 
 tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências'.
 Para além disso, nunca se colocou qualquer dúvida quanto ao regime aplicável, 
 nem houve decisões divergentes sobre as implicações do incumprimento do ónus 
 imposto pelo nº 5 do artigo 412º do Código de Processo Penal, introduzido neste 
 diploma, como se disse, pela Lei nº 59/98, e inspirado na lei de processo civil. 
 Não se encontra, assim, motivo semelhante ao que se julgou contribuir para o 
 juízo de inconstitucionalidade formulado no citado acórdão nº  260/2002.
 
  
 
       8. É certo que, no caso presente, está em causa a imposição do ónus de 
 especificação ao recorrido no recurso dominante, e não ao recorrente neste 
 
 último recurso; e é igualmente certo que a lei de processo penal lhe não impõe, 
 nem o ónus de responder à motivação apresentada pelo recorrente (no caso, pelo 
 Ministério Público), nem o ónus de (e aqui o Tribunal Constitucional não tem que 
 discutir a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto à 
 admissibilidade de recurso subordinado) recorrer subordinadamente, utilizando a 
 peça processual correspondente, conforme o caso, para indicar que tem interesse 
 no julgamento de um recurso retido que anteriormente interpôs.
 Daqui não decorre, todavia, que seja desproporcionado exigir ao recorrido que, 
 eventualmente nessas mesmas peças, e ainda que apenas com esse objectivo, venha 
 fornecer essa indicação ao tribunal, sobretudo num caso em que, como o próprio 
 recorrente afirma, a questão objecto do seu recurso retido era relevante para o 
 recurso principal.
 Note-se, a terminar, que se não pode afirmar que o acórdão recorrido tenha 
 considerado preclusivamente que só nessas peças processuais podia ser cumprido o 
 
 ónus de especificação agora em causa. Resulta claramente do respectivo texto, 
 quando afirma que nem sequer ao arguir a nulidade do acórdão da Relação o 
 recorrido o cumpriu, que o Supremo Tribunal de Justiça não restringiu 
 formalmente àquelas peças essa possibilidade. 
 O que o Supremo Tribunal de Justiça, no fundo, entendeu, foi que o recorrido 
 teve oportunidade de colocar ante a Relação, tribunal  a quem competia julgar o 
 recurso retido, em momento anterior ao julgamento do recurso principal, a 
 questão do seu interesse no julgamento do recurso retido.
 Não releva, para o efeito, que o primeiro acórdão da Relação tenha sido anulado. 
 Releva, sim, que o arguido teve plena oportunidade de, em momentos diversos e 
 mais que suficientes, dar cumprimento a um ónus cuja justificação está mais que 
 demonstrada.
 
  
 
 9. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão 
 recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs. 
 Lisboa, 28 de Julho de 2006
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Vítor Gomes
 Artur Maurício