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Processo n.º 489/06 
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.            A fls. 398 foi preferida a seguinte decisão sumária de não 
 conhecimento do recurso interposto para este Tribunal:
 
  
 
 'A. recorre para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido no Tribunal da 
 Relação do Porto em 1 de Março de 2006, nos seguintes termos:
 
  
 A., recorrente no processo à margem indicado, não se podendo conformar com o 
 douto acórdão proferido nestes autos, que negou provimento ao recurso 
 interposto, designadamente na parte em que considerou “manifesto que inexiste 
 qualquer ofensa a qualquer princípio ou direito constitucional, designadamente o 
 invocado”, 
 Vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional — cfr. art. 70.°, nº 1, 
 al. b) da Lei n°28/82, de 15/11. 
 Porquanto: 
 I – No decurso do presente processo, designadamente em primeira instância (em 
 sede de requerimento de abertura da instrução) e em sede de alegações de recurso 
 para este Tribunal da Relação, o requerente suscitou a questão da violação do 
 princípio constitucional subjacente ao disposto no art. 32.°, nº 1, da 
 Constituição – cfr. art. 75.°-A, nº 2, da Lei nº 28/82, de 15/11. 
 II – Com ressalva do devido respeito por entendimento diverso, entende o 
 requerente que, na medida em que não foi concedeu provimento à questão 
 suscitada, o referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto violou o princípio 
 constitucional subjacente ao art. 32.°, nº 1, da Constituição. 
 III – Na verdade, nos autos respectivos foi deduzida acusação criminal contra o 
 ora requerente sem que todavia em sede de inquérito tivesse ocorrido uma válida 
 angariação de indícios suficientes com vista à sua identificação como autor da 
 prática dos factos que lhe foram criminalmente imputados.
 IV – Razão pela qual se invocou, facto que aqui se reitera, a 
 inconstitucionalidade do disposto no art. 285.°, nº 1, do Código de Processo 
 Penal, por violação do disposto no art. 32.°, nº 1, da Constituição, na parte em 
 que possa ser interpretada como admitindo a dedução de acusação particular sem 
 que em sede de inquérito tenham sido recolhidos indícios suficientes acerca da 
 identidade do agente do crime – cfr. art. 75.°-A, nº 1 e n°2, da Lei n°28/82, de 
 
 15/11. 
 V – Pretende-se, por isso, a apreciação da inconstitucionalidade da referida 
 norma legal.
 
  
 O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, previsto na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70º da LTC, incide obrigatoriamente sobre normas jurídicas 
 
 (ou a sua concreta interpretação) aplicadas na decisão recorrida como seu 
 fundamento jurídico e cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo.  
 Sucede, porém, que ao eleger como objecto do presente recurso a interpretação 
 normativa acima transcrita, alegadamente aplicada na decisão recorrida e por si 
 reputada de inconstitucional, o recorrente revela claramente que apenas pretende 
 manifestar a sua discordância quanto à solução jurídica consagrada na decisão 
 recorrida, sem pôr em causa, com fundamento em inconstitucionalidade, algum 
 critério normativo dotado de generalidade, que a decisão tenha usado e possa ser 
 aplicado a outros casos.
 Ora, conforme o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, o controlo 
 de constitucionalidade que, nos recursos das decisões dos outros tribunais, lhe 
 
 é atribuído, só pode ter por objecto as normas jurídicas (ou a sua 
 interpretação) que tais decisões tenham aplicado. Não podem, no entanto, 
 incluir-se no objecto destes recursos directamente as decisões jurisdicionais, 
 uma vez que o Tribunal Constitucional não pode apreciar a validade substancial e 
 formal do julgamento operado nos outros tribunais.
 
  Mas, ainda que fosse possível descortinar um critério normativo susceptível de 
 constituir o objecto do presente recurso, o certo é que a decisão recorrida não 
 aplicou a formulação que o recorrente indica. Na verdade, aquela decisão nunca 
 considerou, como alega o recorrente, que a dedução de acusação particular possa 
 ser admitida “sem que em sede de inquérito tenham sido recolhidos indícios 
 suficientes acerca da identidade do agente do crime”, conforme se extrai da 
 leitura do seguinte trecho daquele acórdão:
 
  
 
 “(…) - Resulta dos autos que A. foi constituído arguido a fls. 53 dos autos, em 
 
 29/05/03, tendo, nessa mesma data, prestado declarações nessa qualidade (fls. 55 
 e 56), para além de ter prestado termo de identidade e residência, como consta 
 de fls. 57; 
 
                  - A fls. 59 a Digna Magistrada do MP solicitou aos OPC o 
 esclarecimento quanto à existência de um tal B., sendo que a fls. 67 foi 
 prestada tal informação; 
 
                  - A fls. 68 dos autos foi solicitada informação à denunciante 
 sobre se o denunciado B. é o constituído arguido, A., o qual é irmão e não filho 
 do também arguido C.. 
 
                  - A tal solicitação, a assistente Idalina Dias de Brito veio 
 dizer que o denunciado é A., irmão do já referido, também arguido C.; 
 
                  - A fls. 92 foi deduzida acusação particular (além de outros), 
 também contra o constituído arguido A.. 
 
                  - A fls. 95, o Ministério Público acompanhou aquela acusação 
 particular, também contra o já identificado arguido/recorrente (em 11/07/03); 
 
                  - Com este despacho foi declarada encerrada a fase do Inquérito 
 
 (art. 285° do CPP); 
 
                  - Foi requerida e realizada a Instrução, por iniciativa 
 processual do arguido A.; 
 Perante este quadro de elementos factuais parece-nos líquido que falece razão ao 
 Recorrente e de forma manifesta. 
 Com efeito e para além do exposto, resulta claramente indiciado nos autos que o 
 recorrente, para além de ter relações de parentesco com os demais arguidos, 
 frequenta com habitualidade a zona onde os factos ocorreram, o que também está 
 perfeitamente harmónico com as regras da experiência comum, atenta a relação de 
 parentesco já explicitada. (…)”
 
  
 Deve, em suma, concluir-se que se não mostram verificados os pressupostos de 
 admissibilidade deste tipo de recurso. (...)'
 
  
 
 2.            Inconformado, o interessado reclama, dizendo: 
 
  
 A., recorrente no processo à margem indicado, não se podendo conformar com a 
 douta decisão sumária proferida nestes autos, que determinou o não conhecimento 
 do presente recurso, ao abrigo do disposto no art. 78.°-A, nº 1 da LTC, vem 
 apresentar a sua reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no art. 
 
 78°-A, n°3, da LTC, o que faz nos seguintes termos: 
 Não se pode conformar com a decisão sumária proferida nestes autos. 
 Na verdade, nos presentes autos está em causa a questão a concreta fiscalização 
 da constitucionalidade da norma constante do art. 285.°, n° 1, do Código de 
 Processo Penal. 
 Essa questão foi nos mesmos e exactos termos colocada quer perante o Tribunal de 
 
 1ª Instância, quer perante o Tribunal da Relação do Porto, não tendo sido 
 satisfatoriamente decidida, isto na perspectiva do ora reclamante e com ressalva 
 do devido respeito por entendimento diverso. 
 Ao contrário do que se diz em sede de decisão sumária, no entender do 
 reclamante, quer na 1ª Instância, quer na Relação, foi posto em causa, com 
 fundamento em inconstitucionalidade, um critério normativo dotado de 
 generalidade, a saber, o critério que permite, ou não, a dedução de acusação 
 
 (neste caso, particular), sem que em sede de inquérito tenham sido recolhidos 
 indícios suficientes de se ter verificado o crime e, principalmente, de quem foi 
 o seu agente, ao abrigo do disposto no art. 285.°, n° 1, do CPP. 
 Na verdade, ao longo deste processo o ora reclamante sempre se insurgiu contra o 
 facto de ter sido deduzida acusação (particular), ao abrigo da norma acima 
 indicada, sem que todavia estivessem preenchidos os fundamentos para dedução 
 dessa mesma acusação, inerentes a essa mesma norma legal, de conformidade com os 
 direitos e garantias plasmados na Constituição da República, que terão sido 
 severamente lesados. É este o critério normativo que, na perspectiva do 
 reclamante, constitui o objecto do presente recurso. 
 Além disso, diz-se na douta decisão sumária que a decisão recorrida “nunca 
 considerou, como alega o recorrente, que a dedução de acusação particular possa 
 ser admitida sem que em sede de inquérito tenham sido recolhidos indícios 
 suficientes acerca da identidade do agente do crime”, para por essa via se 
 defender que não foi aplicada a formulação que o recorrente indica. 
 Ora, diremos nós, precisamente por não ter sido aplicada pela decisão recorrida 
 a formulação indicada pelo ora reclamante é que a mesma incorrerá em 
 inconstitucionalidade, pelas razões que se mencionaram. Aliás, na decisão 
 recorrida é feita uma apreciação por demais sumária da questão suscitada, 
 porquanto na mesma é feita uma referência breve à matéria de facto constante dos 
 presentes autos, para depois se concluir que os autos revelam os indícios 
 necessários e que os mesmos estão de acordo com as regras de experiência comum, 
 sem praticamente outras considerações. 
 Com ressalva do devido respeito, não é assim. Na verdade, dos autos decorre que: 
 
 
 
 - a denunciante realiza participação criminal contra pessoa que possui um nome 
 diferente do ora reclamante e que seria um tal B.; 
 
 - a denunciante refere que essa pessoa é filho de C. e que reside na mesma 
 morada deste; 
 
 - Nos depoimentos constantes de fls. 30, 41 e 42 todas as depoentes identificam 
 o tal B. como autor dos factos; 
 A posteriori verifica-se que: 
 a) A identificação e identidade do arguido/reclamante é totalmente distinta da 
 denunciada; 
 b) O arguido/reclamante é irmão e não filho do dito C.; 
 c) O arguido tem residência em local distinto do identificado nos autos; 
 d) É com base em requerimento, subscrito por ilustre mandatário, que se encerra 
 o inquérito, dando por assente a identificação do arguido/reclamante e 
 respectiva conexão com os factos que posteriormente vieram a constar da acusação 
 criminal, deduzida ao abrigo do disposto no art. 285.°, n° 1, do CPP. 
 
 É contra este estado de coisas que se insurgiu e insurge o ora reclamante. É 
 certo que nos presentes autos está em causa um crime supostamente de menor 
 relevância criminal. Todavia, mesmo nas chamadas bagatelas penais todos os 
 cidadãos nacionais têm direito a ver salvaguardados os princípios 
 constitucionais, quando está em causa o seu bom-nome e consideração, que para 
 todos nós que vivemos em sociedade são bens essenciais e a salvaguardar. Mesmo 
 quando estão em causa bagatelas penais, não podem, nem devem ser atropelados 
 princípios e direitos básicos de cidadania, tal como vêm consagrados na 
 Constituição da República. Foi esta questão que foi suscitada atempadamente nos 
 presentes autos e que não mereceu a decisão correcta por parte das instâncias 
 inferiores, uma vez mais se diz no entender do ora reclamante e com ressalva do 
 devido respeito por entendimento diverso. Está efectivamente em causa uma 
 questão com dignidade para ser objecto de apreciação por este Tribunal, estando 
 preenchidos todos os necessários e legais requisitos de admissibilidade, devendo 
 nesses termos ser revogada a douta decisão sumária proferida nos autos, para 
 todos os devidos e legais efeitos. 
 
  
 
 3.            O representante do Ministério Público responde que a reclamação 
 deverá ser indeferida.
 
  
 
 4.            Cumpre decidir.
 
  
 O recurso não foi admitido porque se considerou que o recorrente pretendia 
 sindicar directamente a própria decisão recorrida, sem questionar a conformidade 
 constitucional de qualquer norma jurídica aplicada naquela decisão como sua 
 razão de decidir, ao contrário do que impõe  a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º 
 da LTC.
 
  
 Na presente reclamação, visa o recorrente demonstrar que, no seu recurso, 
 pretende afinal questionar a constitucionalidade da norma que resulta do artigo 
 
 285° n.º 1 do Código de Processo Penal, designadamente o 'critério normativo 
 dotado de generalidade, a saber, o critério que permite, ou não, a dedução de 
 acusação (neste caso, particular), sem que em sede de inquérito tenham sido 
 recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e, principalmente, 
 de quem foi o seu agente, ao abrigo do disposto no artigo 285° n.º 1 do Código 
 de Processo Penal'. 
 
  
 Mas o que revela a já transcrita reclamação, sem margem para dúvida, é que o 
 recorrente, ao sindicar o critério que conduziu o Tribunal recorrido a concluir 
 que se verificam indícios suficientes do cometimento da infracção, põe 
 directamente em causa a própria decisão recorrida. Com efeito, esse critério não 
 
 é uma norma (ou seja, a realidade que o Tribunal apelida de critério normativo), 
 antes constitui o raciocínio lógico de valorização jurídica dos factos, que 
 concretiza, tipicamente, a decisão jurisdicional.
 Em suma: ao pretender questionar o juízo de suficiência dos indícios recolhidos 
 no inquérito para suportar a acusação – é isto o que efectivamente o recorrente 
 contesta –, o reclamante está a pretender questionar directamente a decisão 
 recorrida e não qualquer norma que ela tenha aplicado.
 Apura-se, portanto, que o recurso não tem por objecto uma norma jurídica e que, 
 tal como se decidiu na decisão reclamada, não pode ser conhecido.
 
  
 
 5.            Em consequência, decide-se indeferir a reclamação, mantendo a 
 decisão de não conhecimento do recurso.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 15 de Setembro de 2006
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos