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Processo n.º 847/09 
 
 
 
 2ª Secção 
 
 
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro 
 
 
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I - Relatório 
 
 
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A. e recorrido o 
 Conselho Superior da Ordem dos Advogados, o relator proferiu decisão sumária de 
 não conhecimento do objecto do recurso, nos seguintes termos: 
 
 
 
 «1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é 
 recorrente A. e recorrido o CONSELHO SUPERIOR DA ORDEM DOS ADVOGADOS, foi 
 interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, para apreciação da constitucionalidade «do arco normativo 
 constituído pelos artigos 3.° G), 43.° n.° 1 a), 54.° a), 109.° n.° 1; 110.º, 
 
 111.º n.° 1 EOA, por confronto com o artigo 32.° n.° 2 CRP, quando interpretado 
 no sentido de permitir aos órgãos disciplinares da O.A. um juízo penal, 
 fundamento da decisão punitiva forense.» 
 
 
 
 2. Não obstante as omissões de que padece o requerimento de interposição de 
 recurso, constata-se que não estão verificados os pressupostos necessários ao 
 conhecimento do objecto do recurso, o que torna inútil um convite ao 
 aperfeiçoamento e justifica a imediata prolação de decisão sumária, nos termos 
 do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC. 
 
 
 Na verdade, a questão que o recorrente afirma pretender submeter à apreciação do 
 Tribunal Constitucional não é idónea a constituir objecto de um recurso de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade. 
 
 
 Desde logo, porque o recorrente não enuncia com um mínimo de densidade qual a 
 interpretação normativa, alegadamente baseada naquele conjunto de seis preceitos 
 do Estatuto da Ordem dos Advogados, que reputa inconstitucional. 
 
 
 A interpretação indicada no requerimento de interposição do recurso ? assim como 
 na conclusão ?L.? das alegações de recurso apresentados perante o Supremo 
 Tribunal Administrativo ? é a de permitir aos órgãos disciplinares da Ordem dos 
 Advogados um juízo penal, fundamento da decisão punitiva forense. Ora, com esta 
 formulação algo elíptica, fica por saber a que ?juízo penal? se refere esta 
 suposta interpretação. 
 
 
 Como este Tribunal Constitucional tem reiteradamente salientado, incumbe ao 
 recorrente identificar com precisão o sentido da norma que considera 
 inconstitucional e que pretende submeter a julgamento, de modo a que o Tribunal 
 a possa enunciar na sua decisão, assim permitindo, caso a venha a julgar 
 inconstitucional, que os destinatários saibam qual o sentido da norma que não 
 pode valer por incompatível com a Constituição (cfr., entre outros, os Acórdãos 
 n.ºs 178/95 e 116/02). 
 
 
 No caso vertente, se o Tribunal viesse a julgar inconstitucional o sentido 
 daquelas normas enunciado pelo recorrente ? o de permitir aos órgãos 
 disciplinares da Ordem dos Advogados um juízo penal, fundamento da decisão 
 punitiva forense ? sempre ficaria por saber qual a interpretação daqueles seis 
 preceitos legais (qual o juízo penal não permitido aos órgãos da OA) que não 
 poderia ser utilizada, por não ser conforme à Constituição. 
 
 
 Uma formulação precisa da ?norma? cuja fiscalização foi pedida impunha-se tanto 
 mais quanto é certo que o recorrente indicou, como objecto do recurso, um 
 conjunto vasto de preceitos do Estatuto da Ordem dos Advogados ? que regulam 
 situações tão diversas como as atribuições da OA (artigo 3.º, alínea g), do EOA); 
 a competência do Conselho Superior e dos conselhos de deontologia (artigos 43.º, 
 n.º 1, alínea a), e 54.º, alínea a)); a jurisdição disciplinar e a infracção 
 disciplinar (artigos 109.º, n.º 1, e 110.º); e a independência da 
 responsabilidade disciplinar (artigo 11.º do EOA). Assim, mostrava-se 
 absolutamente indispensável que o recorrente identificasse, com um mínimo de 
 rigor, qual a dimensão ou interpretação normativa que o acórdão recorrido 
 alegadamente extraiu desses preceitos e aplicou como fundamento da decisão do 
 caso concreto. 
 
 
 Diga-se, ainda, que tal ?interpretação?, tal como formulada pelo recorrente, nem 
 mesmo permite perceber qual a questão de constitucionalidade que o recorrente 
 pretende colocar ao Tribunal, sendo manifestamente insuficiente para o efeito a 
 afirmação de que pretende o confronto dessa ?interpretação? com o artigo 32.º da 
 Constituição. 
 
 
 Não tendo o recorrente cumprido o ónus de delimitação do objecto do recurso ? 
 nem tendo, em bom rigor, suscitado qualquer questão de constitucionalidade 
 normativa perante o tribunal recorrido, pelos mesmos fundamentos ? não pode o 
 presente recurso ser admitido. [?.]» 
 
 
 
 2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos: 
 
 
 
 «[?]1. É defendido no despacho reclamado que o reclamante nem mesmo formulou um 
 pedido que permitisse perceber qual a questão de constitucionalidade colocada ao 
 tribunal e que, por isso, não cumpriu o ónus de delimitação do objecto do 
 recurso, nem sequer tendo, em bom rigor, suscitado qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa, perante o tribunal recorrido. 
 
 
 
 2. Contudo, o recorrente viu confirmada pelo S.T.A. decisão de primeira 
 instância que negou procedência ao recurso interposto da deliberação do C.S.O.A., 
 cujo conteúdo se traduziu em aplicar ao recorrente uma pena disciplinar forense, 
 por factos tipificados de abuso de confiança; por conseguinte, decisão que 
 implicou um juízo penal vestibular contra o visado. 
 
 
 
 3. Defende o Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Conselheiro Relator que o 
 recorrente, nestas circunstâncias, teria tido de identificar a norma penal 
 crítica, conjugá-la com o arco normativo do E.O.A. posto em crise constitucional 
 e enunciar, depois, o preceito da C.R.P. infringido, pela aplicação daquela 
 norma penal, ao abrigo da competência disciplinar estatutária forense. 
 
 
 
 4. Entende o reclamante que não é, nem pode ser assim: o que pôs em crise desde 
 o primeiro momento da lide é poder o C.S.O.A. emitir juízos penais e daí tirar 
 consequências normativo-disciplinares. 
 
 
 
 5. Assim, o problema de inconstitucionalidade posto e que continua a pôr-se, é o 
 de saber se, para efeito do prazo de prescrição da falta disciplinar a ter em 
 conta, está constitucionalmente habilitado um órgão não judicial a qualificar 
 como matéria criminal, um conjunto de factos que nunca foram apreciados 
 jurispenalmente. 
 
 
 
 6. Por conseguinte, a norma cuja inconstitucionalidade se argumenta é a norma de 
 competência estatutária forense, na leitura em que permite ao C.S.O.A. 
 qualificar certa matéria disciplinar também como matéria criminal, para decidir 
 que não é in casu aplicável o prazo geral de prescrição do procedimento 
 disciplinar, mas o prazo maior da prescrição criminal. 
 
 
 
 7. Neste sentido, o recorrente não tinha que indicar qual a norma penal que a 
 decisão do C.S.O.A. convocou para determinar o prazo de prescrição alargado, mas 
 apenas as normas de competência estatutária críticas, e que todas foram nomeadas 
 uma a uma, na dita leitura de permitirem o juízo penal por parte do órgão 
 superior de disciplina da O.A., não jurisdicional, ou, pelo menos, não 
 jurisdicional criminal. 
 
 
 
 8. E justamente, porque o princípio da presunção de inocência, levado ao art.° 
 
 32.°/2 C.R.P., proíbe a qualquer instância não jurisdicional penal formular um 
 juízo de imputação definitivo da prática de um crime contra um qualquer visado, 
 como é neste caso o arguido disciplinar. 
 
 
 
 9. Vejamos: o arco normativo enunciado do E.O.A., como contendo uma 
 inconstitucionalidade a ser declarada por acórdão do Tribunal Constitucional, na 
 leitura que lhe deram as instâncias, permite ao C.SO.A. imputar matéria criminal 
 sem sentença penal transitada e, por conseguinte, contra o princípio da defesa, 
 ancorado na presunção de inocência do visado. 
 
 
 
 10. Parece, pois, que a questão da inconstitucionalidade normativa, não só foi 
 sempre posta nos materiais forenses do recorrente que agora reclama, como também 
 assim no requerimento de interposição do recurso, delimitando com precisão o 
 objecto da discordância de constitucionalidade. 
 
 
 
 11. Por isso mesmo, Vossas Excelências não darão apoio ao despacho liminar 
 reclamado, para que a lide de constitucionalidade siga no âmbito e alcance da 
 verificação da compatibilidade não de um conjunto vasto de preceitos do E.O.A., 
 mas apenas do segmento estatutário donde foi possível retirar pelas instâncias o 
 conteúdo jurídico da permissão de um juízo em matéria penal, preambular à 
 apreciação disciplinar, dada ao órgão superior da regulação forense. 
 
 
 
 12. Em suma: o Tribunal Constitucional deverá pronunciar-se sobre se o «arco 
 normativo constituído pelos art.°s 3.°-G, 43.°/1.a, 54.°-A, 109.°/1, 110..º, 111.º/1 
 E.O.A., quando interpretado no sentido de permitir aos órgãos disciplinares da 
 Ordem um preliminar juízo penal, em ordem a estabelecer, no caso concreto, o 
 prazo de prescrição alargado (por se tratar de matéria criminal também a matéria 
 disciplinar considerada), é, ou não, inconstitucional, por vício do principio da 
 presunção de inocência ? art.° 32.°/2 CRP. 
 
 
 
 13. Este que reserva ao transito em julgado, portanto, às decisões penais 
 jurisdicionais, a derrogação propriamente daquela garantia genérica de defesa 
 processual em espécie.» 
 
 
 
 3. O recorrido Conselho Superior da Ordem dos Advogados apresentou resposta nos 
 termos seguintes: 
 
 
 
 «[?] 1. De acordo com o teor da decisão sumária proferida pelo Exm.º Juiz Cons.° 
 Relator, em 10 de Novembro de 2009, foi negado provimento ao recurso no que se 
 refere à alegada inconstitucionalidade ?(...) do arco normativo constituído 
 pelos artigos 3.º G, 43.°, n,ç 1 a), 54.º, a), 109.º n.°l, 110.°. 111.° n.°1 EOA, 
 por confronto com o artigo 32.º. n.°2 CRP, quando interpretado na sentido de 
 permitir aos órgãos disciplinares da 0A um juízo penal, fundamento da decisão 
 punitiva forense?. 
 
 
 
 2. Considerou o Exmo Juiz Cons.° Relator que o Recorrente não cumpriu o ónus que 
 sobre si recaía de indicar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido 
 normativo dos preceitos que considera inconstitucionais. 
 
 
 
 3. Ora, da análise da presente reclamação resulta claro que o recorrente, mais 
 do que assacar qualquer nulidade à decisão sumária proferida pelo Exm.º Sr. Juiz 
 Cons.° Relator, procurou corrigir (tardiamente) o seu requerimento de 
 interposição de recurso, explicitando o que alegou de forma deficiente. 
 
 
 Nestes termos e nos melhores de direito deverá ser indeferida a reclamação 
 apresentada pelo recorrente, por falta manifesta de cobertura legal.» 
 
 
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir. 
 
 
 II ? Fundamentação 
 
 
 
 4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do 
 objecto do recurso com base, fundamentalmente, no facto de o ora reclamante não 
 ter cumprido o ónus de delimitação do objecto do recurso. 
 
 
 A presente reclamação em nada abala este fundamento. 
 
 
 O reclamante parece laborar no erro de que a decisão reclamada fundamentou o não 
 conhecimento do objecto do recurso na falta de indicação de uma ?norma penal (cfr., 
 por exemplo, o ponto 7. da reclamação). Ora não foi esse o caso. 
 
 
 A decisão reclamada não diz, nem o poderia fazer, que normas devem ser objecto 
 do recurso. Esse ónus, o de indicar as normas objecto do recurso, pertence em 
 exclusivo a quem recorre. O que a decisão reclamada afirma é que o recorrente 
 não cumpriu esse ónus, na medida em que se limita a indicar, como objecto do 
 recurso, um vasto conjunto de preceitos do Estatuto da Ordem dos Advogados sem 
 enunciar, com um mínimo de precisão, qual o sentido normativo com que tais 
 preceitos foram alegadamente aplicados na decisão recorrida e que reputa 
 inconstitucional. 
 
 
 Como também se salienta na decisão sumária reclamada, a pretensa ?interpretação? 
 indicada no requerimento de interposição do recurso ? os referidos preceitos 
 interpretados no sentido de permitir aos órgãos disciplinares da Ordem dos 
 Advogados um juízo penal, fundamento da decisão punitiva forense ? é uma 
 formulação ?algo elíptica?, que deixa por esclarecer qual o ?juízo penal? a que 
 se refere esta suposta interpretação. 
 
 
 Tanto assim, que o próprio reclamante vem ?completar? a referida ?interpretação? 
 no ponto 12. da presente reclamação. Simplesmente este já não é o momento 
 próprio para delimitar o objecto do recurso, pois tal ónus tem que ser cumprido 
 necessariamente no requerimento de interposição do recurso, o que, como vimos, 
 não aconteceu. 
 
 
 E ainda que assim não fosse, sempre se dirá que esta ?interpretação?, indicada 
 pela primeira vez na presente reclamação, não poderia assentar no conjunto 
 normativo impugnado, que com ela não tem relação directa. E, por outro lado, não 
 vem impugnada(s) a(s) norma(s) directamente relaciona(s) com a questão do prazo 
 de prescrição, que na presente reclamação vem indicada como integrando o objecto 
 do recurso. 
 
 
 III. Decisão 
 
 
 Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação. 
 
 
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta. 
 
 
 Lisboa, 12 de Janeiro de 2010 
 
 
 Joaquim de Sousa Ribeiro 
 
 
 Benjamim Rodrigues 
 
 
 Rui Manuel Moura Ramos