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Processo n.º 163/07                                                             
 Plenário
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
    (Conselheiro Benjamim Rodrigues)
 
 
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
 
 
 I - RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em 
 que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., S.A., foi interposto 
 recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (LTC), da sentença proferida por aquele Tribunal, com 
 fundamento na recusa da aplicação, por inconstitucionalidade, da norma constante 
 do artigo 98.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas 
 Colectivas (CIRC).
 
  
 
 2. Dos autos emergem as seguintes ocorrências processuais, com relevância para a 
 presente decisão:
 
             a) No Serviço de Finanças Loulé-1 foi instaurado contra A., S.A., um 
 processo de contra-ordenação por falta de entrega do pagamento por conta, 
 previsto no artigo 96.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, sancionado nos termos dos 
 artigos 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), e 26.º, n.º 4, do RGIT. [cfr. doc. fls. 5 
 dos autos.]
 
             b) Por despacho do Director da Direcção de Finanças de Faro, de 
 
 02.06.2006, foi aplicada à arguida a coima de € 30.000,00, com fundamento na 
 violação do artigo 96.º, n.º 1, alínea a), do CIRC (falta de entrega de 
 pagamento por conta). [cfr. doc. fls. 68/70.]
 c) Por despacho do Chefe de Finanças de Loulé, de 06.06.2006, foi determinado o 
 seguinte:
 
 «A fls. 5 vem A., S.A., devidamente identificada, apresentar defesa no presente 
 processo de Contra-Ordenação n.º 1082200506007465, alegando em resumo que não há 
 lugar ao pagamento por conta, uma vez que apresentou em 08 de Julho de 2003 a 
 declaração de limitações aos pagamentos por conta prevista no artigo 96.º do 
 C.I.R.C.
 Na verdade, dispõe o art. 99.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das 
 Pessoas Colectivas (C.I.R.C.), que se o contribuinte verificar, pelos elementos 
 de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efectuado é igual ou 
 superior ao imposto que será devido com base na matéria colectável do exercício, 
 pode deixar d e efectuar novo pagamento por conta…
 Isto significa que tendo enquadramento no artigo 96.º do C.I.R.C., o primeiro 
 pagamento por conta é sempre devido, pelo que não tem qualquer eficácia a 
 referida declaração apresentada.
 Nestes termos, foi aplicado pelo Sr. Director de Finanças de Faro, conforme 
 parte final da alínea b) do art. 52.º do R.G.I.T., a coima no valor de € 
 
 30.000,00 (trinta mil Euros).
 Vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”.
 Custas pela infractora, nos termos do Capítulo IX do Decreto-Lei n.º 433/82, de 
 
 27/10, aplicável “ex vi” do art. 66.º do Regime Geral das Infracções Tributárias 
 
 (R.G.I.T.).
 Notifique-se para pagamento das importâncias devidas, ficando ciente que, se não 
 for interposto recurso judicial ou efectuado o respectivo pagamento, no prazo de 
 
 20 (vinte) dias a contar da notificação, proceder-se-à à emissão da certidão de 
 dívida.» [cfr. doc. fls. 110 dos autos.]
 d) A A., S.A., intentou, ao abrigo do artigo 80.º do RGIT, recurso judicial da 
 decisão de aplicação de coima, no qual conclui, nomeadamente, o seguinte:
 
 «(…) A) Ao contrário do que considera a Administração Fiscal, a Recorrente não 
 se encontrava obrigada a efectuar o primeiro pagamento por conta em sede de IRC 
 relativo ao exercício de 2003 no valor reclamado;
 B) Porquanto a Recorrente apresentou, em tempo, a necessária declaração de 
 limitação de pagamentos por conta;
 C) Não se verificando, assim, a prática de contra-ordenação prevista e punida 
 nos termos do art. 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f) do RGIT, por violação ao 
 disposto no artigo 96.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, como lhe pretende 
 imputar a Administração Fiscal (…)». [cfr. doc. fls. 97/104.]
 e) O recurso judicial foi julgado procedente e, em consequência, anulada a 
 decisão recorrida, por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé de 
 
 09.10.2006.
 
  
 
 3. Essa sentença, ora recorrida, tem o seguinte teor, no que agora releva:
 
 «(…) «1. Factos provados.
 O Director de Finanças de Faro aplicou uma coima à sociedade A., S.A., no valor 
 de € 30.000,00, por ter considerado que ela não efectuou o primeiro pagamento 
 especial por conta do IRC de 2003 (Julho de 2003), cujo prazo terminou em    
 
 31-07-2003.
 Foi ali considerado que essa conduta infringiu a norma do art. 98.º do CIRC e 
 que era punível pelos arts. 114.º, n.º 2 e 5, alínea f) e 26.º, n.º 4, do RGIT.
 E foi essa a decisão que lhe foi notificada.
 
 (…)
 
 5. O mérito do recurso
 Salvaguardando o respeito devido pela opinião da Arguida, cremos que a 
 Administração Fiscal interpretou adequadamente a lei ao considerar sempre 
 exigível o primeiro pagamento especial por conta.
 Na verdade, o n.º 1 do art. 98.º do CIRC reza assim:
 
 “Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 96º, os sujeitos 
 passivos aí mencionados, excepto os abrangidos pelo regime simplificado previsto 
 no artigo 53º, ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar 
 durante o mês de Março ou, em duas prestações, durante os meses de Março e 
 Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação 
 não coincidente com o ano civil, no 3º mês e no 10º mês do período de tributação 
 respectivo.”
 Por sua vez, o n.º 1 do preceito legal que se lhe segue diz-nos o seguinte:
 
 “Se o contribuinte verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do 
 pagamento por conta já efectuado é igual ou superior ao imposto que será devido 
 com base na matéria colectável do exercício, pode deixar de efectuar novo 
 pagamento por conta, mas deve remeter à direcção de finanças da área da sede, 
 direcção efectiva ou estabelecimento estável onde estiver centralizada a 
 contabilidade uma declaração de limitação de pagamento por conta, de modelo 
 oficial, devidamente assinada e datada, até ao termo do prazo para o respectivo 
 pagamento.”
 Deste modo, se é verdade que os sujeitos passivos podem pedir a limitação dos 
 pagamentos por conta conforme diz o n.º 1 do artigo 99.º do CIRC, também é 
 seguro que, á luz do n.º 1 do art. 99.º do mesmo diploma legal, se terá que 
 concluir que tal só é possível depois de se ter efectuado o primeiro pagamento 
 por conta (foi esta também a opinião perfilhada por Vítor Monteiro, a qual pode 
 ser vista em http://pwp.netcabo.pt/0163251501/PCePEC.htm).
 E porque assim é, não pode acolher-se a tese da Arguida/Recorrente.
 Pese embora isso, a decisão não pode manter-se, ainda que pelas razões que 
 abaixo se vão alinhar.
 
 ***
 Dispõe o n.º 1 do art. 98.º do CIRC (Redacção do Decreto-Lei n.º 198/2001- 3 de 
 Julho) que:
 
 “Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º, os sujeitos 
 passivos aí mencionados, excepto os abrangidos pelo regime simplificado previsto 
 no artigo 53.º, ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar 
 durante o mês de Março ou, em duas prestações, durante os meses de Março e 
 Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação 
 não coincidente com o ano civil, no 3.º mês e no 10.º mês do período de 
 tributação respectivo.”
 E do art. 33.º da LGT consta a seguinte comando:
 
 “As entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pêlos sujeitos 
 passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamento por 
 conta do imposto devido a final.”
 Por seu turno, o art. 114.º do RGITT diz-nos o seguinte:
 
 “1. A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período 
 superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da 
 prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável 
 entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o 
 limite máximo abstractamente estabelecido.
 
 2. Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de 
 negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será 
 aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa 
 ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
 
 5. Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da 
 prestação tributária:
 
 (…)
 f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a 
 título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações 
 de pagamento especial por conta.
 
 (…).”
 E a seu tempo o n.º 5 do art.º 27.º da Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro 
 estatui o que segue:
 
 “O incumprimento do disposto no artigo 98.º do Código do IRC é punido, nos 
 termos da alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções 
 Tributárias, com coima variável entre 50% e o valor da prestação tributária em 
 falta, no caso de negligência, e com coima variável entre o valor e o triplo da 
 prestação tributária em falta, quando a infracção for cometida dolosamente.”
 Também é sabido que no, n.º 4 do art. 26.º do RGIT estabeleceu-se esta norma:
 
 “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites estabelecidos nos 
 números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos 
 diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre 
 que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente 
 constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada.”
 Sendo as coisas assim e uma vez que a Arguida deixou de entregar nos cofres do 
 Estado o pagamento especial por conta a que a citada norma do art. 98.º, n.º 1, 
 do CIRC refere, naturalmente que a conclusão a retirar dessa situação seria a 
 que a Administração Fiscal retirou, a saber, o cometimento negligente da 
 contra-ordenação prevista e punível pelos demais normativos atrás referidos.
 Acontece, porém, que o n.º 2 do art.º 104.º da Constituição da República 
 Portuguesa reza assim: “A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre 
 o seu rendimento real.»
 E ainda relevante se mostra o que, ao tempo, dispunha o n.º 2 do art.º 98.º do 
 CIRC (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro e 
 que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, que lhe deu a 
 actual redacção):
 
 “O montante do pagamento especial por conta é igual a 1% do volume de negócios 
 relativo ao exercício anterior, com o limite mínimo de (euro) 1250, e, quando 
 superior, será igual a este limite acrescido de 20% da parte excedente, com o 
 limite máximo de (euro) 40000.”
 Discorrendo sobre o citado comando constitucional, refere o Prof. Saldanha 
 Sanches (em Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, página 263 e seguinte), que:
 
 “A proclamação constitucional do direito subjectivo do contribuinte a ser 
 tributado de acordo com o seu lucro real é uma particularidade do ordenamento 
 jurídico-tributário português. O legislador constitucional optou pela 
 consagração expressa desse direito.
 
 (…)
 Pode mesmo fazer-se um contraste entre a liberdade de conformação que tem o 
 legislador ordinário quanto à escolha do objecto de tributação e à escolha do 
 nível das taxas com a obtenção da igualdade na distribuição dos encargos 
 tributários que a Constituição lhe impõe: uma vez legalmente decidida a 
 tributação das empresas o modo como é distribuída a carga tributária entre elas 
 tem que respeitar o princípio da igualdade.
 E isso conduz-nos às regras de determinação do valor ou da quantificação do 
 imposto: uma zona onde uma obrigação de resultado, a distribuição justa dos 
 encargos tributários, incide sobre o legislador ordinário.
 E essa especifica concretização do princípio da igualdade vai exigir uma 
 tributação segundo o rendimento líquido objectivo o que por sua vez se vai 
 decompor num conjunto de sub-princípios …”
 Daí que as dúvidas que sobre a questão assaltaram o Prof. Casalta Nabais (em 
 Direito Fiscal, 2.ª edição, 3.ª reimpressão da edição de 2003, página 263 e 
 seguinte), as quais abaixo se sintetizam:
 
 “Introduzido em 1998, o pagamento especial por conta foi objecto de profundas 
 alterações na LOE/2003. Nos termos daquele artigo na redacção dada por esta Lei, 
 este pagamento é igual à diferença entre o valor correspondente a l % dos 
 respectivos proveitos ou ganhos do ano anterior, com o limite mínimo de € 1.250 
 e máximo de € 200.000 e o montante dos pagamentos por conta efectuados no ano 
 anterior. O pagamento especial por conta, diferentemente do que acontece com os 
 pagamentos por conta normais (que segundo o art.º 96.° dão lugar ao imediato 
 reembolso caso sejam superiores ao imposto devido), será deduzido, nos termos do 
 art. 87.°, ao montante apurado na declaração periódica de rendimentos do próprio 
 exercício a que respeita ou, se insuficiente, até exercício seguinte.
 O que torna o pagamento especial por conta num empréstimo forçado ou mesmo num 
 imposto (na medida em que não venha a ser deduzido nos quatro exercícios 
 seguintes) de discutível constitucionalidade.”
 Note-se que nessa mesma linha seguiram Leite de Campos, Silva Rodrigues e Lopes 
 de Sousa, em Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada, 3.ª edição, página 163 
 
 (em anotação ao citado art. 33.º da LGT), como se pode ver deste passo dali 
 retirado:
 
 “As entregas em causa são qualificadas de pagamento por conta do imposto; sem se 
 indicar o seu regime jurídico, do qual tudo depende.
 As entregas pecuniárias antecipadas poderão ser entendidas em termos de 
 pagamentos fraccionados do imposto sujeitos às condições resultantes da 
 existência e do montante deste.
 Contra esta caracterização invocar-se-á, porventura, o princípio da capacidade 
 contributiva. Antes de verificado (completamente) o facto tributário não se sabe 
 sequer se há lugar a imposto. É certo que tais prestações assentam em 
 rendimentos passados que se presume manterem-se. Mas não se pode considerar como 
 facto tributário algo que não se prende com rendimentos, riqueza ou despesa 
 actuais.
 Tais prestações antecipadas poderão ser configuradas como meros financiamentos 
 ao Estado. Cria-se uma conta devedora do Estado que será compensada com o 
 imposto a pagar.
 Estaríamos, pois, nesta perspectiva perante empréstimos forçados, não se lhes 
 aplicando as normas dos impostos.
 Na tese oposta, dir-se-á que são prestações antecipadas do imposto devido a 
 final. Assim, aplicar-se-lhes-iam as normas dos impostos.”
 Mais definitivo se mostrou João de Avillez Ogando (em estudo que vimos no sítio 
 
 web da Ordem dos Advogados, de onde seguimos o link para a página 
 http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=16885&idsc=16886&ida=16888), 
 o qual, inter alia, referiu o seguinte:
 
 “No que em particular diz respeito à tributação das pessoas colectivas, a 
 Constituição da República Portuguesa adoptou, como critério aferidor da 
 capacidade contributiva das empresas, o seu lucro real, ao proclamar que “a 
 tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento 
 real”(19), o que demonstra claramente que a tributação das empresas deve 
 basear-se fundamentalmente na sua contabilidade, o que foi aliás adoptado pelo 
 legislador ordinário ao consagrar que “o lucro tributável (...) é constituído 
 pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações positivas 
 e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, 
 determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos 
 deste Código.”(20). 
 A determinação do lucro com base na contabilidade foi adoptada como critério de 
 aferição do rendimento real das empresas por ser a forma mais rigorosa de 
 determinar a imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados 
 das empresas, e por essa via, de apurar em atenção à sua capacidade 
 contributiva, a sua medida de oneração fiscal.
 
 (…)
 Até à reforma operada pelo Orçamento de Estado para 2003, não existia qualquer 
 dúvida de que como vimos, o pagamento especial por conta pago, com a 
 configuração que lhe era dada pela Lei n.° 30-G/ 2000 de 29 de Dezembro, 
 tinha-se transformado num verdadeiro e próprio imposto mínimo, dada a 
 impossibilidade de reembolso em caso de insuficiência de colecta, excepto em 
 situações de cessação de actividade. A verdade é que dada a sua baixa expressão 
 na contabilidade das empresas, o pagamento especial por conta encontrava-se 
 integrado no IRC, e era este que conferia legitimidade para a imposição do 
 pagamento especial por conta e não o contrário, sendo que quando constituía um 
 tributo não era contestado pela generalidade dos agentes económicos. 
 Ora, não temos hoje qualquer razão para sustentar entendimento diferente, pelo 
 que o actual regime do pagamento especial por conta continua a apresentá-lo como 
 um verdadeiro imposto sobre as vendas, e agora sobre os proveitos e ganhos. 
 Mais: com a actual configuração do pagamento especial por conta, quer no que diz 
 respeito à ampliação da sua base de incidência, quer no que diz respeito ao 
 aumento dos seus limites mínimo e máximo o método de cálculo do IRC passa a 
 definir-se como um conjunto de normas unicamente dirigidas à Administração 
 Tributária como segundo critério na cobrança de impostos sobre o rendimento das 
 pessoas colectivas. A utilidade das regras sobre tributação do lucro esgota-se 
 na questão de saber se a excepção se verifica, ou seja, se o pagamento especial 
 por conta foi insuficiente para cobrir uma outra colecta possível. Como segundo 
 critério na cobrança de impostos, o IRC passou apenas a ser uma forma de 
 legitimação da nova fórmula de tributação das empresas: a de um imposto 
 subsidiário sobre os proveitos e ganhos, pago em caso de insuficiência do lucro 
 tributável.
 
 (…)
 O pagamento especial por conta viola o princípio da tributação na medida da 
 capacidade contributiva, na sua função solidarista, ao não ter em linha de conta 
 
 — por ser calculado com a medida de uma taxa única sobre os proveitos (23) — as 
 diferenças económicas entre empresas, designadamente de que diferentes sectores 
 de actividade apresentam diferentes rácios de rentabilidade, e, por conseguinte 
 uma diferente capacidade para pagar imposto. Além disso, apresenta o efeito 
 perverso a que atrás se faz referência, de permitir às empresas que apresentem 
 volumes anuais de proveitos e ganhos superiores a e 20.000.000,00, de apresentar 
 inferiores rentabilidades dos proveitos e ganhos antes de impostos. É do 
 conhecimento geral, não apenas dos estudiosos das matérias económico 
 financeiras, que as vendas são um indicador que pode ser altamente falacioso 
 atenta a diversidade de actividades empresariais, uma vez que há negócios pouco 
 interessantes com elevadas rentabilidades de vendas mas com baixa rotação do 
 activo, podendo o inverso também ser verdadeiro. Quando ainda se acrescentam 
 outros proveitos e ganhos, sem distinção, ainda se agrava a sua iniquidade (24). 
 
 
 Viola ainda o princípio da capacidade contributiva na sua função garantística, 
 por duas vias: pois pagam em termos iguais os que podem e os que não podem 
 pagar, por não apresentarem rendimentos, sejam quais forem os seus proveitos — 
 pois que sempre os terão ainda que não tenham lucro —, e ainda por afastar 
 arbitrariamente possibilidade de reembolso às empresas que sejam susceptíveis de 
 ser abrangidas pelo regime simplificado de tributação (25), o que é 
 incompreensível. 
 Finalmente e no âmbito do princípio da igualdade tributária, o pagamento 
 especial por conta viola outro seu corolário formal que é o princípio da 
 uniformidade na tributação, uma vez que a sua taxa é proporcional e não 
 progressiva (26), o que é indutor de maior desigualdade entre os contribuintes. 
 Como atrás se fez referência, caso se revele a insuficiência da colecta apurada 
 no ano a que se refere o pagamento especial por conta, o contribuinte pode 
 proceder à sua dedução até ao quarto exercício seguinte (27). Nesta 
 circunstância, o pagamento especial por conta perde a sua característica de 
 pagamento por conta passando a afirmar-se como uma entrega antecipada de imposto 
 de anos vindouros. Isto decorre aliás do disposto no artigo 33.° da Lei Geral 
 Tributária (28), que reforça esta ideia ao referir que os pagamentos por conta 
 do imposto devido a final são “entregas pecuniárias antecipadas que sejam 
 efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário”. 
 E isto viola o princípio da capacidade contributiva, pois esta não é levada em 
 consideração — como aliás não poderia em qualquer caso sê-lo por tratar-se do 
 pagamento por conta — e na medida em que a capacidade contributiva de anos 
 vindouros não existe, por ser indeterminada e indeterminável (29).”
 Diremos, por fim, que a violação do mencionado princípio constitucional da 
 capacidade contributiva resulta patente na seguinte circunstância (assinalada 
 pelo jornal Diário Económico, edição de 27-01-2006, a propósito da última 
 alteração introduzida no pagamento especial por conta, vista no sítio Web 
 daquele periódico, a saber, 
 http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diario_economico/ edicion_impresa 
 
 /impostos/ pt/ desarrollo/612881.html):
 
 “Outra alteração importante a esta matéria tem ver com o facto de, pela primeira 
 vez desde a criação do pagamento especial por conta em 1998, pelo Decreto-Lei 
 n.º 44/98, de 3 de Março, o Governo Português ter tomado uma posição em relação 
 ao pagamento especial por conta devido pelos sujeitos passivos que apenas 
 aufiram rendimentos isentos de IRC.
 
 (…) com esta alteração fica claro que o pagamento especial por conta, que até 
 agora era entendido como um adiantamento por conta do imposto devido a final, 
 também abrange os sujeitos passivos que tenham apenas rendimentos isentos de IRC 
 e que, de facto, podem não ter qualquer imposto devido a final.”
 Ora, sendo as coisas assim e considerando que, de acordo com o disposto no n.º 3 
 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa, “ninguém pode ser 
 obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, 
 que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos 
 termos da lei”, impõe-se concluir que a decisão que aplicou a coima à Arguida 
 violou o nosso texto legislativo fundamental e por isso se não pode manter.
 
 (…)».
 
  
 
 4. Notificado para alegar, o representante do Ministério Público junto deste 
 Tribunal manifestou-se pela procedência do recurso, concluindo que:
 
 «1°
 A norma constante do nº 1 do artigo 98° do CIRC, enquanto vincula as empresas ao 
 pagamento especial por conta, aí previsto, aplicável no âmbito de um processo de 
 natureza contraordenacional — resultante da qualificação como contraordenação, 
 sendo sancionada com coima pela Administração Fiscal a omissão de tais 
 pagamentos, com fundamento nos artigos 114°, nº 2 e 5, alínea f), e 26°, nº 4, 
 do RGIT — não viola qualquer preceito ou princípio constitucional. 
 
 2°
 Na verdade, o estabelecimento de uma presunção de estabilidade dos lucros 
 auferidos em anteriores exercícios — susceptível de oportuna ilisão pelo 
 contribuinte, quer no momento em que apresenta a respectiva declaração de 
 rendimentos, quer pela via da imediata formulação de um pedido de limitação dos 
 pagamentos por conta, quando já se mostre excedido o imposto devido com base na 
 matéria colectável do exercício — e a exigência de um pagamento parcelar 
 
 “antecipado”, durante a formação do facto tributário e com uma função de 
 garantia da prestação devida a final, não violam o princípio constitucional da 
 tributação do rendimento real das empresas, expresso no nº 2, do artigo 104° da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 
 3°
 Termos em que deverá proceder o presente recurso».
 
  
 
 5. Por decisão do Presidente do Tribunal Constitucional, tomada com a prévia 
 concordância deste Tribunal, foi determinado que o julgamento se fizesse com 
 intervenção do plenário, nos termos do artigo 79.º-A da LTC.
 
  
 
 6. Discutido o memorando apresentado pelo relator, decidiu o plenário lavrar o 
 acórdão n.º 22/2008, nos termos do qual foram as partes notificadas para se 
 pronunciar sobre a eventualidade de não conhecimento do objecto do recurso, por 
 
 «a decisão recorrida não ter recusado, com fundamento em inconstitucionalidade, 
 a aplicação da norma identificada no requerimento de interposição do recurso».
 
  
 
 7. O representante do Ministério Público neste Tribunal pronunciou-se nos termos 
 seguintes:
 
 «1º
 Embora os termos em que se mostra lavrada a decisão recorrida se configurem como 
 peculiares quanto à forma de fundamentação (por mera adesão a diversas opiniões 
 ou artigos doutrinários), considerou-se que dela resultará, em termos bastantes, 
 uma recusa de aplicação da norma constante do preceito legal especificado pelo 
 Ministério Público.
 
 2º
 Na verdade, tal decisão:
 
 - começa por concordar inteiramente com a interpretação que a Administração 
 Fiscal fez da norma do artigo 98.º, n.º 1, do CIRC;
 
 - de seguida, objecta, em contraponto a tal entendimento, com o princípio 
 constitucional constante do artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa, enquanto estabelece que “a tributação das empresas incide 
 fundamentalmente sobre o seu rendimento real” (p.127);
 
 - e passa a sustentar em vários opiniões e artigos a tese de que o regime legal 
 em vigor quanto ao pagamento especial por conta seria “de discutível 
 constitucionalidade” ou violaria mesmo o referido princípio da capacidade 
 contributiva (p. 127/131);
 
 - parecendo concluir que o dito regime legal estaria em colisão com “o disposto 
 no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (p.132).
 
 3º
 Ou seja: uma interpretação adequada dos termos da decisão recorrida, parece 
 ter-se entendido que o regime plasmado na norma objecto de recurso violaria os 
 princípios da legalidade fiscal e da capacidade contributiva, embora se 
 expresse, na parte final, em termos pouco precisos, ao concluir que a “decisão” 
 que aplicou a coima teria violado “o nosso texto legislativo fundamental”.
 
 4º
 Tratando-se, porém, de recurso fundado na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º, a 
 circunstância de o juiz imputar a inconstitucionalidade a uma decisão 
 administrativa não precludirá o objecto “normativo” do recurso, se do teor da 
 decisão recorrida, devidamente interpretada, se puder identificar, ainda que em 
 termos implícitos, qual é a “norma” cuja aplicação é, em termos substanciais, 
 recusada.
 
 5º
 Estas as razões que nos levaram a tomar a posição sobre o mérito da questão, na 
 alegação apresentada.»
 
  
 
 8. Apresentado e novamente discutido o memorando em Plenário e tendo ocorrido 
 mudança de relator, cumpre decidir.
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 9. Sendo inquestionável que não cabe na competência do Tribunal Constitucional 
 pronunciar-se sobre a aplicação do direito infraconstitucional pelas instâncias 
 para tal legitimadas, não pode deixar de se notar, no caso em apreço, que a 
 decisão recorrida, quer na parte da matéria de facto, quer nas considerações de 
 direito, labora no erro de considerar que está em causa o incumprimento da 
 obrigação de efectuar o pagamento especial por conta previsto no artigo 98.º do 
 CIRC. Na realidade, tal não acontece, pois, quer o processo de contra-ordenação 
 levantado contra a empresa em causa, quer a decisão da Administração Fiscal que 
 lhe aplicou a coima, quer o recurso judicial que aquela interpôs desta decisão, 
 têm sempre por objecto o incumprimento do pagamento por conta, previsto no 
 artigo 96.º, n.º 1, alínea a), do CIRC. É esta a norma que a Administração 
 Fiscal considera violada, tendo, em consequência, dado por verificada a prática 
 da contra-ordenação prevista e punida no artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), do 
 RGIT.
 Não tendo o Tribunal Constitucional – repete-se - competência para se pronunciar 
 sobre a regularidade ou ausência de vícios da sentença recorrida − nessa 
 matéria, um dado inalterável −, e considerando o objecto do presente recurso de 
 inconstitucionalidade, tal como se encontra delimitado no requerimento de 
 interposição, impõe-se começar por decidir a questão de eventual não 
 conhecimento do objecto do recurso.
 Como fundamentação, a decisão recorrida, dispensando-se de qualquer arrazoado 
 argumentativo próprio, limitou-se a proceder a uma colagem, em termos algo 
 desconexos, de textos doutrinários em que se lançam dúvidas sobre a 
 constitucionalidade de certos pontos do regime do pagamento especial por conta, 
 previsto no artigo 98.º, n.º 1, do CIRC, ou se sustenta, mesmo, que eles estão 
 feridos de inconstitucionalidade.
 No termo desse somatório de citações, a parte propriamente decisória da sentença 
 vem formulada do seguinte jeito:
 
 «Ora, sendo as coisas assim e considerando que, de acordo com o disposto no n.º 
 
 3 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa, “ninguém pode ser 
 obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, 
 que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação ou cobrança se não façam nos 
 termos da lei”, impõe-se concluir que a decisão que aplicou a coima à Arguida 
 violou o nosso texto legislativo fundamental e por isso se não pode manter.»
 Não se conformando com esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso para 
 o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC, indicando como norma desaplicada o artigo 98.º, n.º 1, do Código do 
 IRC.
 Em face destes dados, constantes dos autos, levanta-se, com total pertinência, a 
 dúvida quanto ao preenchimento dos pressupostos deste tipo de recurso de 
 constitucionalidade.
 Dúvida que nasce, desde logo, pelo facto de a sentença imputar a 
 inconstitucionalidade directamente à decisão administrativa, como resulta, 
 expressis verbis, do trecho acima transcrito. Referenciando essa decisão, em si 
 mesma, como violadora da Constituição, a decisão judicial recorrida não parece 
 situar a questão de constitucionalidade no plano normativo, como se impunha para 
 estar assegurada a idoneidade do objecto do recurso. Não transparece dessa 
 decisão qualquer confronto entre uma norma de direito ordinário e uma regra ou 
 princípio constitucionais, em termos fundamentadores da desconformidade da 
 primeira em face dos segundos. Nessa medida, o recurso não terá por objecto uma 
 questão de constitucionalidade “normativa”, o que leva à preclusão do seu 
 conhecimento.
 Poder-se-á dizer, em contrário, que o juízo formulado pela sentença quanto à 
 decisão administrativa assenta necessariamente numa precedente valoração como 
 inconstitucional da base normativa em que esta se apoia. Nessa linha, 
 admitir-se-á que, ainda que formulada “em termos pouco precisos”, como reconhece 
 o Ministério Público, a decisão deve ser interpretada como contendo um juízo de 
 inconstitucionalidade da norma fiscal que criou para a arguida a obrigação de 
 proceder aos pagamentos especiais por conta, ou seja, do n.º 1 do artigo 98.º do 
 CIRC. 
 Mas é, no mínimo, muito duvidoso que, no âmbito do direito estrito, como é o que 
 regula os pressupostos de admissão dos recursos de constitucionalidade, caiba ao 
 Tribunal Constitucional proceder àquela tarefa reconstrutiva, nos termos 
 propugnados. Tarefa que, em casos como o sub judice, se revestiria de especial 
 complexidade e se rodearia de particular incerteza, pois não se pode olvidar que 
 a decisão administrativa impugnada tem carácter sancionatório, resultando de um 
 processo de natureza contra-ordenacional, pelo que só num segundo momento de um 
 percurso ascendente se poderia eventualmente identificar uma norma-fundamento de 
 direito fiscal material. E a falibilidade dessa análise retrospectiva fica bem a 
 descoberto em casos como o presente, em que o dever infringido e a norma que o 
 impõe – fundamentos últimos da aplicação da coima — não foram os considerados na 
 decisão recorrida.
 
  Para além deste primeiro obstáculo ao conhecimento do recurso, depara-se-nos um 
 segundo, verdadeiramente intransponível.
 Tem ele a ver com a exigência de que a norma que constitui objecto de recurso 
 tenha sido efectivamente desaplicada pelo tribunal a quo. Na verdade, o 
 pressuposto do recurso só ficará preenchido se, no termo daquele esforço 
 interpretativo, se puder afirmar, com segurança, que houve recusa de aplicação 
 de uma norma ou normas, com fundamento em inconstitucionalidade, e que a(s) 
 norma(s) em causa coincide(m) com a(s) apontada(s) pelo recorrente, no seu 
 recurso.
 O Ministério Público, no requerimento de interposição do recurso, especificou 
 como preceito legal desaplicado o artigo 98.º, n.º 1, do Código do IRC. Todavia, 
 percorrendo a decisão recorrida, em momento algum nela se equaciona a 
 inconstitucionalidade da norma constante desse artigo. A disposição apenas é 
 referida na matéria de facto dada como provada e na parte inicial da 
 fundamentação de direito, em articulação com o artigo 99.º, n.º 1, para 
 sustentar que o pedido de limitação dos pagamentos por conta, ao abrigo deste 
 
 último preceito, não exoneraria a arguida de efectuar o primeiro pagamento, 
 contrariamente à sua pretensão.  
 Consciente, porventura, deste facto, o Ministério Público, como já fizera no 
 processo decidido pelo Acórdão n.º 241/2007 – processo em tudo idêntico ao 
 presente e que correu termos no mesmo tribunal −, vem, na resposta à questão 
 suscitada, levantar a hipótese de uma recusa implícita de aplicação do artigo 
 
 98.º, n.º 1. 
 E, na verdade, essa via hermenêutica não é estranha aos critérios decisórios 
 deste Tribunal, tendo sido considerada nalguns arestos (cfr., entre outros, os 
 Acórdãos n.º 605/99, n.º 399/89 e n.º 16/96). Mas sempre, diga-se, com um 
 elevado grau de exigência quanto à concludência dos dados de onde se poderá 
 inferir uma rejeição de aplicação. Importa, pois, averiguar se estão 
 preenchidas, neste caso, as condições que justificam essa conclusão.
 O artigo 98.º, n.º 1, do CIRC contém a norma instituidora dos pagamentos 
 especiais por conta, servindo, digamos assim, de “porta de entrada” a esse 
 instituto, no ordenamento fiscal português. Para além da previsão da obrigação, 
 limita-se a estabelecer o número das prestações tributárias e o calendário da 
 sua efectivação, silenciando, por inteiro, qualquer outro aspecto do regime. 
 Isto dito, resultando a decisão recorrida da impugnação de uma coima pelo não 
 cumprimento dessa obrigação, ressalta à evidência que o predito artigo 98.º, n.º 
 
 1, “tem a ver” com a matéria nela tratada e decidida, integrando-se, com 
 destaque, no campo normativo que emoldura a decisão sancionatória.
 Mas isso está muito longe de bastar para que, de imediato, se possa estabelecer 
 uma relação de mútua implicação entre a anulação da decisão condenatória em 
 coima e a recusa de aplicação do artigo 98.º, n.º 1. Para que assim seja, 
 imperioso se torna dar por assente que uma coisa não subsiste sem a outra, que a 
 decisão recorrida não poderia ter sido proferida com o sentido e alcance que lhe 
 foram conferidos sem, simultaneamente, se denegar validade constitucional àquele 
 preceito, com a consequente desaplicação. Será esse o caso dos autos?
 Para o valorarmos e decidirmos, há que articular as magras considerações 
 decisórias, acima transcritas, com os excertos doutrinários que pretendidamente 
 lhes servem de fundamento. O que deles sobressai é a contestação e crítica de 
 alguns pontos do regime dos pagamentos especiais por conta, mormente os que se 
 relacionam com a fixação da base de incidência — o volume de negócios e não os 
 lucros —, com uma taxa única não progressiva, e a extrema dificuldade de 
 reembolso, em caso de insuficiência das colectas a considerar para a dedução, 
 dado o apertado condicionalismo que o rodeia. São esses aspectos da disciplina 
 da figura que são confrontados com parâmetros constitucionais, designadamente 
 com o princípio da capacidade contributiva e o princípio da tributação das 
 empresas sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP).
 
  E a selecção desses textos e dos pontos neles focados não foi arbitrária, tendo 
 em conta a configuração, em concreto, do caso em juízo e o interesse que moveu 
 ao recurso judicial. Na verdade, o que sobremodo inquietou o contribuinte foi a 
 possibilidade de ficar exposto a pagamentos por conta, no exercício de 2003, 
 cada um deles muito superior ao imposto liquidado a final, dada a disparidade de 
 resultados económicos e de montantes da colecta, entre esse ano e o anterior.
 Ora, nenhum desses aspectos particulares (ainda que não marginais, reconheça-se) 
 do regime dos pagamentos especiais por conta vem regulado no artigo 98.º, n.º 1. 
 Eles representam opções legislativas autonomamente tomadas no quadro de outros 
 preceitos: o artigo 98.º, n.º 2 e n.º 4, do CIRC, quanto à taxa e base de 
 incidência, o artigo 83.º, n.º 2, alínea f), quanto à dedução à colecta do 
 exercício a que respeita, ou, se insuficiente, até ao quarto exercício seguinte 
 
 (artigo 87.º, n.º 1, do CIRC), e ainda o artigo 87.º, n.º 3, do mesmo diploma, 
 quanto aos requisitos de reembolso da parte não deduzida. Estas soluções não vêm 
 necessariamente na decorrência da decisão “primária” de impor prestações 
 antecipadas “por conta”, nem corporizam um ponto de vista valorativo único que a 
 todas inspire. Tanto assim é que, sem mudar uma vírgula ao enunciado normativo 
 do artigo 98.º, n.º 1, tal como está formulado, e sem pôr minimamente em causa a 
 sua conformidade constitucional, o mesmo é dizer, a conformidade constitucional 
 da previsão de entregas antecipadas, em certas datas do período de formação do 
 facto tributário (mais não diz o preceito…), a disciplina das questões reguladas 
 naquelas normas poderia ser outra, sem oferecer o flanco a objecções de 
 constitucionalidade. Ou, visto na perspectiva da decisão: pode ser dado, como 
 foi, provimento ao recurso de contra-ordenação, sem que isso passe pela 
 desaplicação, por inconstitucionalidade, do artigo 98.º, n.º 1. 
 Tanto basta para que se conclua que, não só não se detecta na decisão recorrida 
 qualquer elemento sinalizador de uma recusa implícita de aplicação deste artigo 
 
 – assim decidiu, de igual modo, o Acórdão n.º 241/2007 −, como, mais ainda, dela 
 transparecem dados que contrariam uma tal inferência. A pretexto de se tratar da 
 norma de previsão dos pagamentos especiais por conta, não pode, na verdade, o 
 recorrente transferir para o âmbito do artigo 98.º, n.º 1, questões de 
 constitucionalidade que essa norma, em si, não suscita nem suscitou, como se ela 
 fosse o habitáculo qualificado, em bloco e concentradamente, do regime fiscal 
 cuja aplicação justificaria a coima.
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não conhecer do objecto do 
 presente recurso de constitucionalidade.
 Sem custas.
 Lisboa, 11  de Março de 2008
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Gil Galvão
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Benjamim Rodrigues (vencido nos termos da declaração anexa)
 João Cura Mariano (vencido, nos termos da declaração que anexo)
 Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
 José Borges Soeiro (vencido, acompanhando o voto formulado pelo Exmo.
 Conselheiro Benjamim Rodrigues).
 Maria Lúcia Amaral (vencido, pelas razões expressas na declaração de voto do
 Exmo. Conselheiro Benjamim Rodrigues)
 Carlos Fernandes Cadilha (vencido pelas razões constantes da declaração de voto
 do Exmo. Conselheiro Mário Torres)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1 – Votei vencido quanto à questão prévia do não conhecimento do recurso. 
 
             Na verdade,como primitivo relator propus o seu conhecimento. 
 
  
 
             2 – A tese que fez vencimento obnubilou que sob recurso 
 constitucional está apenas a sentença judicial que conheceu da impugnação 
 judicial da decisão administrativa de aplicação de coima e que lhe cabe apenas a 
 ela definir o âmbito da impugnação deduzida, valendo essa definição como um dado 
 para o Tribunal Constitucional, para todos os efeitos, como, por exemplo, para 
 aferir da utilidade do conhecimento do recurso constitucional, em face da 
 natureza instrumental deste.
 
              Por outro lado, o acórdão ignorou completamente que nessa 
 impugnação vale o princípio da oficiosidade do conhecimento do direito, 
 traduzido pelo velho brocardo latino jus novit curia, e que o tribunal a quo não 
 estava assim vinculado à qualificação jurídica efectuada pela autoridade 
 administrativa da conduta contravencional imputada à arguida.
 
             Nesta medida, torna-se irrelevante que a entidade administrativa que 
 aplicou a coima tenha indicado “como norma infringida o art.º 96.º, n.º 1, 
 alínea a), do CIRC e como normas punitivas os art.ºs 114.º, n.º 2, alínea f), e 
 
 26.º, n.º 4, do RGIT”, como discreteia o acórdão.
 
             O que se afigura relevante e decisivo é que a sentença sob recurso 
 considerou, como resulta logo da sua primeira parte, transcrita, que a 
 administração aplicara o art.º 98.º, n.º 1, do CIRC (que depois a mesma sentença 
 veio a desaplicar) para exigir o primeiro pagamento especial por conta cuja 
 falta constituía elemento constitutivo da infracção imputada.
 
  
 
             3 – A argumentação no sentido de que o recurso não coloca qualquer 
 questão de constitucionalidade normativa mas antes de constitucionalidade da 
 decisão (administrativa) assenta, essencialmente, sobre o facto de sentença 
 recorrida rematar o seu discurso de fundamentação do modo acima transcrito e que 
 importa aqui relembrar:
 
  
 
             “Ora, sendo as coisas assim e considerando que, de acordo com o 
 disposto no n.º 3 do art. 103.º da Constituição da República Portuguesa, 
 
 «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos 
 termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e 
 cobrança se não façam nos termos da lei», impõe-se concluir que a decisão que 
 aplicou a coima à Arguida violou o nosso texto legislativo fundamental e por 
 isso se não pode manter.”.
 
  
 
             Neste passo do discurso, a sentença recorrida limita-se, porém, a 
 projectar sobre o caso concreto, cuja apreciação lhe fora colocada no recurso de 
 impugnação da coima, com vista a ditar a sorte do mesmo, o juízo de 
 inconstitucionalidade antes firmado pelo tribunal a quo sobre as normas legais 
 que a autoridade administrativa aplicara como fundamento jurídico do decidido.
 
             Ao dizer que “impõe-se concluir que a decisão que aplicou a coima 
 violou o nosso texto legislativo fundamental e por isso se não pode manter”, o 
 trecho do discurso não está a fazer mais do que a fixar a conclusão a tirar, no 
 plano da aplicação ao objecto do recurso judicial (a impugnação administrativa 
 de aplicação de uma coima), do resultado (juízo de inconstitucionalidade) do 
 juízo de subsunção ao quadro jurídico-constitucional, anteriormente definido, da 
 norma legal que constituiu o fundamento normativo da decisão administrativa 
 impugnada.
 
             Pode sintetizar-se a estrutura racional da decisão na seguinte 
 consequenciação temática: ao contrário do defendido pela arguida, o pedido de 
 limitação dos pagamentos por conta [que fez à administração] apenas poderá ser 
 efectuado depois de realizado o primeiro pagamento por conta, pelo que o 
 primeiro é sempre devido, nos termos do art.º 98.º, n.º 1, do CIRC, como 
 considerara a decisão administrativa impugnada; todavia, esta norma, com o 
 conteúdo que lhe é emprestado pelas demais que conformam o regime do instrumento 
 fiscal, é inconstitucional em face do princípio constitucional da tributação do 
 rendimento real consagrado no n.º 2 do art.º 104.º da CRP como é demonstrado nos 
 excertos doutrinários que transcreve; sendo assim, estamos perante um 
 instrumento fiscal cujo regime afronta o disposto no art.º 103.º, n.º 3, da CRP; 
 consequentemente, ao fazer aplicação de uma norma inconstitucional (aquele art.º 
 
 98.º, n.º 1, do CIRC), a decisão administrativa “violou o texto legislativo 
 fundamental”.
 
             Embora, como refere o Ministério Público, “os termos em que se 
 mostra lavrada a decisão recorrida se configurem como peculiares quanto à 
 fundamentação (por mera adesão a diversas opiniões ou artigos doutrinários)”, 
 não deixa de ser claro que a interpretação adequada dos termos da sentença 
 recorrida são aqueles que se deixam condensados.
 
             Em ponto algum da sentença recorrida vemos estabelecido qualquer 
 confronto dialéctico entre as normas ou princípios constitucionais, assumidos 
 como parâmetros, e a decisão administrativa impugnada, de aplicação da coima.
 
             O diálogo está construído directamente em torno da conformidade 
 constitucional do instrumento normativo fiscal do pagamento especial por conta, 
 tal como este se encontra conformado nas normas de direito infraconstitucional.
 
             Afigura-se claro que a sentença recorrida anulou a decisão 
 administrativa que aplicou a coima por entender que esta, para decidir como 
 decidira, aplicou o art.º 98.º, n.º 1, do CIRC, mas que este preceito é 
 inconstitucional por violar as normas e princípios constitucionais conforme 
 entendeu estar demonstrado na argumentação doutrinária que deixou transcrita e 
 em cuja bondade se reviu.
 
             Foi, pois, oficiosamente, colocada uma questão de 
 constitucionalidade normativa relativa ao instituto do pagamento especial por 
 conta, tal como o mesmo se achava conformado na lei, e decidida a mesma enquanto 
 questão de dilucidação necessariamente prejudicial (por atinente à validade 
 constitucional da lei) da resposta a dar quanto ao fundo da causa (objecto do 
 recurso judicial).
 
  
 
             4 – Sustenta ainda o acórdão que o art.º 98.º, n.º 1, do CIRC se 
 limita a proceder à instituição, através da enunciação dos respectivos 
 pressupostos, da obrigação de pagamento especial em causa e da sua 
 periodicidade, mas que o seu regime jurídico (global) consta também de outras 
 normas, pelo que não se poderá conhecer da questão de constitucionalidade na 
 medida que a mesma se reporte ao respectivo regime quando derivado de outras 
 normas.
 
             Entende-se, porém, que esta objecção não tem consistência. O 
 recorrente interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no 
 art.º 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC, “restrito à questão de constitucionalidade 
 decidida na sentença, a qual recusou a aplicação da norma contida no art.º 98.º, 
 n.º 1, do Código do IRC, aprovado pelo DL n.º 442-B/88 de 30/11, com a redacção 
 introduzida pelo DL n.º 198/2001 de 03/07, norma cuja inconstitucionalidade se 
 pretende que seja apreciada pelo Tribunal Constitucional”.
 
             Ora, antes de mais, verifica-se que a decisão recorrida leu o artigo 
 
 98.º, n.º 1, do CIRC, com o sentido de que é o próprio instrumento normativo 
 fiscal, conformativo da obrigação de pagamento do contribuinte que nele é 
 definida, que está em causa, pese embora o respectivo regime seja desenvolvido 
 ainda em outros preceitos.
 
             O que a decisão recorrida relevou como norma inconstitucional foi o 
 instrumento normativo-fiscal criado no art.º 98.º, n.º 1, do CIRC, em si 
 próprio, ou seja, enquanto obrigação fiscal do contribuinte de pagamento ao 
 título aí estabelecido, com tudo o que legalmente o caracteriza. 
 
             Donde, se tem de considerar que em causa está tudo o que 
 normativamente corresponda a elemento de identificação do instrumento fiscal em 
 causa.
 
             De resto, estando constitucionalmente impugnado certo e determinado 
 instrumento normativo-fiscal de arrecadação de receitas, sempre se teriam de 
 ponderar os termos em que o mesmo se acha regulado ou que lhe dêem corpo 
 jurídico, para aferir da sua constitucionalidade. 
 
             Mesmo que se considere que o art.º 98.º, n.º 1, do CIRC, se limita a 
 prever a existência da obrigação de pagamento especial por conta e a definir 
 alguns dos seus pressupostos, não pode deixar de relevar-se o regime que decorra 
 de outros preceitos legais, para apurar se o meio normativo aí instituído é 
 conforme ou não à Lei fundamental.
 
  
 
             5 – Por fim, haverá de ter-se em conta que a questão do conhecimento 
 do recurso nas situações abrangidas pela alínea a) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC 
 se coloca em termos diferentes dos que são demandados pela alínea b) do mesmo 
 número e artigo.
 
             No caso da alínea a) a previsão do recurso encontra o seu fundamento 
 essencial no “princípio da presunção de constitucionalidade das leis (e actos 
 com valor equivalente) (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria 
 da Constituição, 6.ª edição, p. 986). 
 
             A Constituição torna obrigatório o recurso para o Ministério Público 
 
 (art.º 280.º, n.º 3) para que o Tribunal Constitucional controle a correcção do 
 juízo feito pela decisão recorrida no sentido da desaplicação da norma de 
 direito infraconstitucional e da aplicação da Constituição.
 
             Deste modo, desde que haja um juízo judicial de afastamento da 
 aplicação, ao caso concreto, de uma norma, sob fundamento de 
 inconstitucionalidade, impõe-se que esse juízo seja reapreciado pelo Tribunal 
 Constitucional. 
 
             O decisivo, neste campo, é que o Tribunal tenha recusado a aplicação 
 de certa norma na regulação da concreta questão que foi objecto da sua decisão.
 
             Já no que importa ao recurso a que se refere a alínea b) este visa 
 propiciar ao recorrente, dentro de uma lógica de respeito pelo princípio da 
 autonomia e da auto-responsabilidade processuais, a faculdade deste poder 
 controlar a correcção do juízo feito pela decisão recorrida sobre a validade 
 constitucional de um certo e determinado critério normativo que foi usado como 
 fundamento da decisão.
 
             Tratando-se de um controlo motivado pelo recorrente relativo a norma 
 infraconstitucional, que foi aplicada por ter sido considerada conforme com a 
 Constituição, compreende-se que a intervenção do Tribunal Constitucional esteja 
 sujeita a especiais exigências de recorribilidade conexionadas com o exercício 
 dessa faculdade da parte.
 
             Ora a situação em análise integra-se naquela primeira hipótese.
 
             6 – Finalmente, haverá ainda de dizer-se que, não deixando o acórdão 
 de admitir a existência de dúvidas relativamente aos analisados pressupostos do 
 recurso constitucional, deveria ter concluído, em congruência, no sentido 
 sugerido pelo princípio do favor actionis que se distrai da garantia 
 constitucional do acesso aos tribunais, concedida no art.º 20.º da CRP, na 
 medida em que o mesmo dá tradução ao princípio da maior eficácia dos direitos e 
 garantias fundamentais. 
 
             Também por esta via deveria ter conhecido do recurso constitucional.
 
    Benjamim Rodrigues
 
   
 
  
 
  
 VOTO  DE  VENCIDO
 
  
 
  
 Votei vencido por, contrariamente à posição maioritária, entender que a sentença 
 recorrida se apoiou na recusa da aplicação do artigo 98.º, do CIRC, com 
 fundamento na sua inconstitucionalidade, pelo que, nos termos do artigo 70.º, 
 n.º 1, a), da LTC, deveria conhecer-se o mérito do recurso interposto pelo 
 Ministério Público.
 A sentença recorrida, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, 
 julgou procedente recurso da decisão do Director de Finanças de Faro que aplicou 
 uma coima no valor de €. 30.000, por a arguida não ter efectuado o primeiro 
 pagamento especial por conta do IRC de 2003.
 Da leitura integral e atenta daquela peça resulta, para nós sem equívocos, que a 
 mesma, socorrendo-se da opinião de vários fiscalistas, confrontou o disposto no 
 artigo 98.º, do CIRC, que prevê o denominado “pagamento especial por conta”, com 
 o princípio constitucional tributário enunciado no artigo 104.º, n.º 2, da 
 C.R.P., concluindo pela inconstitucionalidade da previsão normativa daquele 
 pagamento.
 E, com esse único fundamento, julgou procedente o recurso.
 
 É certo que na conclusão da fundamentação se escreveu que se considerava que “a 
 decisão que havia aplicado a coima” violava “o texto legislativo fundamental”, 
 mas a incorrecção desta referência não pode servir de pretexto para não se 
 reconhecer na argumentação da sentença um claro juízo de desaplicação normativa, 
 com fundamento em inconstitucionalidade, até porque o Tribunal Constitucional 
 tem sustentado o conhecimento do recurso de simples recusas implícitas de 
 aplicação de normas.
 Saber se a declarada inconstitucionalidade deveria recair sobre a previsão do 
 pagamento especial por conta ou sobre outros normas que estabelecem o seu regime 
 já respeita ao mérito do recurso, importando apenas para o seu conhecimento que 
 o preceito desaplicado pela sentença recorrida foi, na nossa leitura, o artigo 
 
 98.º do CIRC, pelo que nada obstava à apreciação de fundo do recurso interposto 
 pelo Ministério Público.
 João Cura Mariano
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                         Votei vencido por entender que, no caso, se verificavam 
 todos os requisitos necessários e suficientes ao conhecimento do mérito do 
 presente recurso, interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 
 n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC).
 
  
 
                         1. Esse específico tipo de recurso – que cabe das 
 decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento 
 em inconstitucionalidade, a interpor imediata e directamente para o Tribunal 
 Constitucional (sem necessidade de prévia exaustão dos recursos ordinários no 
 caso cabíveis) e que é obrigatório para o Ministério Público quando a norma cuja 
 aplicação haja sido recusada conste, designadamente, de acto legislativo (como 
 no caso se verifica) – visa fundamentalmente impor a intervenção do Tribunal 
 Constitucional sempre que ocorra um “conflito” entre o poder judicial e o poder 
 legislativo, recusando aquele a aplicação de um acto deste, com base em alegada 
 violação da Constituição. Por isso, sempre se entendeu que para a 
 admissibilidade deste tipo de recurso basta que a recusa judicial de aplicação 
 de norma constante de acto legislativo seja implícita, não se exigindo (ao 
 invés do que se passa, por exemplo, com os recursos previstos na alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em que se impõe à parte a suscitação da questão da 
 inconstitucionalidade da norma em causa, “de modo processualmente adequado 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar 
 obrigado a dela conhecer” – artigo 72.º, n.º 2, da LTC) uma recusa explícita de 
 aplicação da norma com fundamento em inconstitucionalidade.
 
                         No presente caso, resulta – a meu ver, claramente – do 
 discurso argumentativo desenvolvido pela decisão recorrida que ela reputou 
 inconstitucional o regime jurídico do pagamento especial por conta – do qual 
 constitui preceito central o do artigo 98.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o 
 Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 442‑B/88, de 30 
 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho 
 
 (CIRC) –, por violação dos princípios constitucionais da capacidade 
 contributiva, da igualdade tributária e da tributação do rendimento real das 
 empresas.
 
                         É certo que, na formulação final da decisão recorrida se 
 alicerça a anulação judicial da decisão administrativa que aplicou a coima à 
 arguida na constatação de que esta decisão “violou o nosso texto legislativo 
 fundamental”. Mas afigura‑se‑me inteiramente abusivo extrair desta formulação a 
 conclusão de que, no caso, a violação da Constituição foi imputada directamente 
 
 à decisão administrativa, em si mesma considerada, e que, por isso, não 
 estaríamos perante uma questão de inconstitucionalidade normativa. A decisão 
 judicial recorrida não imputa ao acto administrativo em causa qualquer vício 
 próprio que o torne, qua tale, violador da Constituição. Ele viola a 
 Constituição, não por força de um qualquer seu elemento específico, mas, única e 
 simplesmente, porque aplicou um regime jurídico inconstitucional. Assim, o 
 juízo de inconstitucionalidade das normas que prevêem e regulam o pagamento 
 especial por conta constitui pressuposto lógico necessário do juízo de 
 inconstitucionalidade do acto administrativo que a decisão ora recorrida, por 
 esse exclusivo motivo, anulou. A sentença não aponta ao acto administrativo 
 anulado qualquer outra violação da Constituição que não seja a que deriva de ter 
 aplicado normas inconstitucionais.
 
                         É, assim, a meu ver, patente que a decisão judicial ora 
 recorrida tem como ratio decidendi a recusa inequívoca da aplicação de normas 
 constantes de acto legislativo com fundamento em inconstitucionalidade, pelo que 
 o presente recurso, obrigatoriamente interposto pelo Ministério Público, devia 
 ter sido considerado admissível e o Tribunal devia ter conhecido do seu mérito.
 
                         A solução que fez vencimento, ao admitir que basta que, 
 na formulação escolhida pela decisão judicial recorrida para rematar o seu 
 discurso argumentativo, se acabe por referir que o acto administrativo impugnado 
 
 é inconstitucional para por isso concluir que inexiste recusa de aplicação de 
 normas com fundamento em inconstitucionalidade, quando é patente que pressuposto 
 lógico necessário do juízo de inconstitucionalidade do acto administrativo é o 
 juízo de inconstitucionalidade do regime jurídico por esse acto aplicado, abre a 
 porta à defraudação da finalidade constitucional deste tipo de recurso, 
 inicialmente salientada: fazer intervir obrigatoriamente o Tribunal 
 Constitucional sempre que um órgão do poder judicial recuse aplicar um acto do 
 poder legislativo. Para evitar esta intervenção constitucionalmente relevante 
 do Tribunal Constitucional bastará, na esteira do agora decidido, que os 
 tribunais, após reputarem inconstitucional determinado regime legal, terminem 
 as suas decisões utilizando formulações em que a violação da Constituição seja 
 reportada ao acto administrativo aplicador desse regime legal. É esta uma 
 solução que, de todo em todo, não posso subscrever.
 
  
 
                         2. Igualmente discordei do precedente acórdão na parte 
 relativa à adequação do preceito legal seleccionado pelo recorrente para 
 reportar o regime jurídico cuja inconstitucionalidade foi afirmada pela decisão 
 recorrida.
 
                         A meu ver, essa selecção é minimamente adequada, pois o 
 artigo 98.º, n.º 1, do CIRC, na redacção do Decreto‑Lei n.º 198/2001, é a norma 
 instituidora do regime do pagamento especial por conta, assumindo, por isso, 
 uma posição central nesse regime. É certo que o juízo de inconstitucionalidade 
 desse regime resulta, designadamente, da consideração de outros preceitos, mas 
 constitui prática corrente – e correcta – deste Tribunal tomar em conta, para a 
 aferição da conformidade constitucional de determinada norma, as soluções 
 vigentes na ordem jurídica portuguesa, com ela conexas, mesmo que derivadas de 
 outros preceitos legais.
 
                         O juízo de inconstitucionalidade, constante da decisão 
 recorrida, do regime do pagamento especial por conta, instituído pelo artigo 
 
 98.º, n.º 1, do CIRC, teve naturalmente em consideração o modo concreto como 
 esse regime se encontra regulado no mesmo diploma. Salvo o devido respeito, é 
 descabido – para aferir da adequação da identificação da norma objecto do 
 presente recurso – afirmar‑se que aquele artigo 98.º, n.º 1, ao limitar‑se a 
 estabelecer quais os sujeitos passivos do pagamento especial por conta e qual a 
 periodicidade deste pagamento, seria compatível com a consagração de um regime 
 que não padecesse das violações dos princípios constitucionais detectadas na 
 decisão recorrida. Na verdade, é irrelevante saber se noutras ordens jurídicas e 
 noutras épocas coexistiram ou coexistem, com norma idêntica à do artigo 98.º, 
 n.º 1, do CIRC, regimes jurídicos relativamente aos quais não seriam aplicáveis 
 os juízos de inconstitucionalidade constantes da sentença recorrida. A norma do 
 artigo 98.º, n.º 1, do CIRC tem de ser apreciada em si mesma e na sua 
 circunstância – a sua circunstância realmente existente aqui e agora, e não uma 
 circunstância eventual ou imaginária. Por isso, considero absolutamente 
 irrelevante a afirmação de que “sem mudar uma vírgula ao enunciado normativo do 
 artigo 98.º, n.º 1, tal como está formulado”, “a disciplina das questões 
 reguladas naquelas normas [artigos 83.º, n.º 2, 87.º, n.ºs 1 e 3, e 98.º, n.ºs 2 
 e 4, do CIRC] poderia ser outra, sem oferecer o flanco a objecções de 
 constitucionalidade”: é evidente que a disciplina podia ser outra, mas o que 
 interessa é que, de facto, não o é, e é em face da disciplina que existe (e não 
 da que podia existir) que a questão de constitucionalidade tem de ser 
 identificada e apreciada. Contrariamente ao que se refere no precedente acórdão, 
 para o presente efeito não existe autonomia (ou separabilidade) entre o artigo 
 
 98.º, n.º 1, do CIRC e as normas que pormenorizam o regime de pagamento especial 
 por conta por esse preceito instituído: se se viesse a julgar inconstitucional a 
 norma do artigo 98.º, n.º 1, do CIRC, consequencialmente cairiam as normas dos 
 artigos 83.º, n.º 2, 87.º, n.ºs 1 e 3, ou 98.º, n.ºs 2 e 4, do CIRC, sendo, de 
 todo em todo, insustentável que estas continuariam a ser aplicáveis depois de se 
 fulminar com um juízo de inconstitucionalidade o preceito central do instituto 
 em causa.
 
  
 
                         3. Por último, considerei descabida a crítica à decisão 
 da matéria de facto apurada pela decisão recorrida, a que se procedeu nos n.ºs 
 
 2 e 9 do precedente acórdão.
 
                         Bem ou mal, a sentença recorrida incluiu entre os factos 
 provados os de que o Director de Finanças de Faro aplicou à arguida uma coima de 
 
 € 30 000 por ter considerado que ela não efectuou o primeiro pagamento especial 
 por conta do IRC de 2003, constituindo esta conduta infracção da norma do artigo 
 
 98.º do CIRC. As partes no processo, podendo tê‑lo feito, não requereram a 
 reforma da sentença, designadamente com fundamento em erro manifesto, por 
 constarem dos autos elementos que imporiam a constatação de que estava em causa 
 um pagamento por conta e que a decisão sancionatória teria considerado 
 infringido o artigo 96.º, n.º 1, alínea a), do CIRC. Assim sendo, a verdade 
 processual – que o Tribunal Constitucional tinha de aceitar como um dado da 
 questão, não lhe sendo lícito criticar oficiosamente a decisão da matéria de 
 facto feita pelas instâncias – é a de que a arguida foi punida por ter 
 infringido o artigo 98.º, n.º 1, do CIRC, pelo que tinha toda a pertinência 
 apreciar, como a sentença recorrida fez, a conformidade constitucional desta 
 norma.
 Mário José de Araújo Torres