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Processo n.º 462/07                                        
 
 3.ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
  
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO 
 PÚBLICO, foi proferida a seguinte decisão sumária (cfr. fls.111 a 114):
 
  
 
 «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é 
 recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, foi interposto recurso para este 
 Tribunal, respectivamente, em 05 de Abril de 2007 (fls. 83 a 86), do Acórdão do 
 Tribunal da Relação do Porto, de 29 de Novembro (fls. 42 a 48), que rejeitou o 
 recurso de decisão do 1º Juízo do Tribunal do Peso da Régua, que julgou 
 intempestivo o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente 
 em 02 de Abril de 2005. O referido requerimento foi julgado intempestivo por se 
 considerar que, tendo-se iniciado a contagem do prazo de 20 dias (287º, n.º 1 do 
 CPP), em 06 de Abril de 2005, o mesmo teria terminado em 27 de Abril de 2005, 
 por força do n.º 4 do artigo 66º do CPC, ainda que o recorrente tivesse mudado 
 de defensor oficioso.
 
  
 
 2. Por não ter indicado qual a decisão de que recorria, nem qual o sentido da 
 interpretação normativa que reputava de inconstitucional, o recorrente foi 
 convidado pela ora Relatora a suprir os elementos em falta (fls. 106 e 
 
 106-verso). O recorrente viria a responder a tal convite através do requerimento 
 de fls. 108 a 109.
 
  
 
  
 II – INADMISSIBILIDADE PARCIAL DOS RECURSOS
 
  
 
 3. Apesar de o n.º 1 do artigo 76º da LTC conferir ao tribunal recorrido – in 
 casu, o Tribunal da Relação do Porto – o poder de apreciar a admissão de 
 recurso, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do 
 n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que, antes de mais, cumpre apreciar se estão 
 preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos 
 artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
 
  
 
 4. Na sequência do convite que lhe foi dirigido para suprir os elementos em 
 falta no requerimento de recurso para este Tribunal, veio o recorrente 
 esclarecer que “a interpretação que se considera inconstitucional dos número[s] 
 
 3 e 4, do artigo 66º do Código de Processo Penal, aplicadas nas decisões dos 
 tribunais «a quo», foi com o sentido ou interpretação que lhes foi aí dad[a], de 
 que: com o requerimento em que o arguido pede, por causa justa, a substituição 
 de defensor nomeado, não se suspende nem se interrompe o prazo que estiver em 
 curso (…)” (fls. 108). Ora, sucede que, em sede de conclusões de recurso para o 
 Tribunal da Relação do Porto, o recorrente limitou-se a afirmar, de modo 
 genérico, e sem uma única referência à norma constante do n.º 4 do artigo 66º do 
 CPC – nem através da motivação, nem das conclusões –, que, porque os recorrentes 
 
 “queriam que o patrono por eles escolhido os representasse no requerimento de 
 abertura de instrução”, gozavam de um “direito que lhes é garantido pelo n.º 3 
 do artigo 32º, e n.ºs 1 e 2 do artigo 20º e n.ºs 1 e 2 do art. 13º da 
 Constituição da República Portuguesa” (fls. 3-verso).  
 
  
 Na verdade, a mera referência genérica a direitos que são (alegadamente) 
 protegidos por preceitos constitucionais não configura uma suscitação 
 processualmente adequada de questão de constitucionalidade, a cuja decisão o 
 tribunal recorrido se encontra obrigado, nos termos e para os efeitos do n.º 2 
 do artigo 72º da LTC. Como tal, as suas alegações de recurso para o Tribunal da 
 Relação do Porto não são aptas a suscitar, de modo processualmente adequado, 
 qualquer questão de inconstitucionalidade da norma constante do n.º 4 do artigo 
 
 66º do CPP.
 
  
 
 5. E nem se diga que o recorrente veio, mais tarde, através de requerimento de 
 arguição de nulidades (fls. 52 e 53), invocar uma alegada inconstitucionalidade 
 da interpretação dada à norma contida no n.º 4 do artigo 66º do CPP. Conforme 
 decorre do requerimento de arguição de nulidades, é o próprio recorrente que 
 reconhece que a pretendida inconstitucionalidade não constitui fundamento 
 autónomo de nulidade, visto que elenca, como §§ 1 e 2, duas nulidades 
 processuais, e, quanto ao § 3, já não o apelida de nulidade, atribuindo-lhe a 
 epígrafe de “Inconstitucionalidade da interpretação dada pelo acórdão ao n.º 4 
 do art. 66º do CPP”. 
 
  
 Daqui decorre que o próprio recorrente admite implicitamente (é certo) que o 
 requerimento de arguição de nulidades não é o meio processual próprio para 
 suscitar uma questão de inconstitucionalidade “ex novo”, na medida em que tal 
 questão já deveria ter sido suscitada em sede de alegações de recurso. Isso 
 mesmo concluiu o tribunal recorrido, quando não se julgou competente para, em 
 sede de arguição de nulidades, conhecer de questão que não foi tempestivamente 
 suscitada, afirmando que “a questão extravasa, manifestamente, o que é 
 consentido pelos poderes deste tribunal após prolação do acórdão” (fls. 62).
 
  
 Em suma, como decorre do requerimento de aperfeiçoamento (fls. 108 e 108-verso), 
 o recorrente pretende ver sindicada a constitucionalidade de interpretação do 
 n.º 4 do artigo 66º do CPC, quando apenas suscitou tal inconstitucionalidade em 
 sede de requerimento de arguição de nulidade, ou seja, de um modo 
 processualmente inadequado. Como tal, o tribunal recorrido não estava obrigado a 
 conhecer de tal questão, nos termos do n.º 2 do artigo 72º da LTC.
 
  
 
  
 III. DECISÃO
 
  
 Nestes termos, e ao abrigo do disposto no do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 
 
 26 de Fevereiro, e pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do objecto 
 do recurso.»
 
  
 
  
 
 2. Inconformado, o recorrente apresentou a seguinte reclamação (cfr. fls. 121 e 
 
 121 verso):
 
  
 
 «Discorda-se na íntegra, do ponto 5, fls. 3, da decisão sumária, de que ora se 
 reclama. 
 
  
 Com todo o respeito, deve dizer-se, porque é a verdade, que o recorrente invocou 
 a inconstitucionalidade da interpretação dada à norma contida no n.° 4 do artigo 
 
 66° do CPP, conforme decorre precisamente e manifestamente do requerimento de 
 fls. 52 e 53.
 
  
 E, com douta vénia, contrariamente ao referido na decisão sumária, o recorrente 
 não reconhece nem tinha que reconhecer que a pretendida inconstitucionalidade 
 não constitui fundamento autónomo de nulidade, e o apelidar ou não de nulidade 
 ou de inconstitucionalidade um seu ponto de um seu requerimento não vincula o 
 senhor juiz pela simples razão de que, na relação entre a actividade das partes 
 e a do juiz, este “não está sujeito às alegações das partes no tocante à 
 indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (cfr. artigo 664° do 
 C.P.C.) 
 
  
 Contrariamente, o recorrente entendeu e continuar a entender, que aquele era o 
 momento próprio e também o único meio processual ao seu dispor para suscitar 
 aquela questão de inconstitucionalidade. 
 
  
 Se foi a primeira vez que o tribunal “a quo” se pronunciou abertamente e 
 directamente sobre a norma contida no n.º 4 do artigo 66° do CPP, com uma 
 interpretação que entendemos ferida de inconstitucionalidade, pela razões 
 vertidas no requerimento de fls. 52 e 53, é evidente, que também só nesta altura 
 
 é que o recorrente poderia suscitar a questão da inconstitucionalidade da 
 interpretação que lhe foi dada pelo tribunal ”a quo”. 
 
  
 Só podemos pôr algo em causa quando ela nos surge, nunca antes disso. 
 
  
 O tribunal “a quo” não conheceu a questão quando na realidade a poderia e 
 deveria ter conhecido, isto porque, e em primeiro lugar, por ter sido a primeira 
 vez que proferiu essa interpretação e, em segundo lugar, ainda que não o tivesse 
 sido, sempre lhe era lícito ainda fazê-lo ao abrigo do disposto nos números 2 e 
 
 3 do artigo 666° do CPC.
 
  
 
                   Da forma como o tribunal “a quo” o fez, acaba por se 
 pronunciar sobre a alegada inconstitucionalidade, por omissão. Negando assim, 
 essa mesma inconstitucionalidade e legitimando o recorrente e o presente 
 recurso. 
 
  
 A questão, na realidade, não ultrapassava nem ultrapassa o que é consentido 
 pelos poderes daquele tribunal após prolação do acórdão. 
 
  
 Por isso, o único meio próprio legal que o recorrente tinha ao seu alcance 
 naquela altura, e não tinha outro, era o requerimento que usou, constante de 
 fls. 52 e 53, tendo suscitado a questão da inconstitucionalidade no tempo 
 próprio e de modo processualmente adequado, contrariamente ao entendimento 
 vertido no ponto 5 da decisão sumária. 
 
  
 A título de desabafo, dir-se-á ainda, que têm sido muitas as inadmissibilidades 
 dos recursos com preocupações meramente formais, quando o sentido do direito e 
 da justiça moderna, do século XXI, e já o era no final do século XX, vai, ou 
 pelo menos deveria, no sentido da procura constante da verdade, das preocupações 
 materiais, únicas que na realidade podem fazer justiça na verdadeira acepção que 
 ela comporta.
 
  
 Nestes termos, e nos melhores de direito que V.ªs. Ex.ªs superiormente suprirão, 
 deve decidir-se no sentido de se conhecer o objecto do presente recurso, 
 mandando o recorrente apresentar as suas alegações, como único acto de justiça.» 
 
 
 
  
 
  
 
 3. O Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos (cfr. fls. 123):
 
  
 
 «1º
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
  
 
 2°
 Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso.» 
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
  
 
 4. O recorrente fundamenta, essencialmente, a sua reclamação na discordância com 
 o ponto 5 da Decisão Sumária. 
 
  
 Porém, o cerne da fundamentação da Decisão Sumária, isto é, a ratio decidendi, 
 encontra-se no ponto 4, quando se diz que “a mera referência genérica a direitos 
 que são (alegadamente) protegidos por preceitos constitucionais não configura 
 uma suscitação processualmente adequada de questão de constitucionalidade, a 
 cuja decisão o tribunal recorrido se encontra obrigado, nos termos e para os 
 efeitos do n.º 2 do artigo 72º da LTC. Como tal, as suas alegações de recurso 
 para o Tribunal da Relação do Porto não são aptas a suscitar, de modo 
 processualmente adequado, qualquer questão de inconstitucionalidade da norma 
 constante do n.º 4 do artigo 66º do CPP.”. 
 
  
 O ponto 5 tem apenas em vista complementar a fundamentação expendida no ponto 4.
 
  
 Ora, o reclamante não logra demonstrar a suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade de forma processualmente adequada, pelo que não consegue 
 abalar a fundamentação da Decisão Sumária reclamada.
 
  
 E nem se diga, como pretendeu ora reclamante, que “o único meio próprio legal 
 que o recorrente tinha ao seu alcance naquela altura, e não tinha outro, era o 
 requerimento que usou”, por só em sede de arguição de nulidade ter sido 
 confrontado com a alegada interpretação inconstitucional. 
 
  
 
 É que o recorrente apenas poderia ser dispensado do dever processual de prévia 
 invocação da inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 66º do CPP, se não pudesse 
 contar – de modo objectivo – com a aplicação dessa norma na decisão alvo de 
 recurso nos presentes autos.
 
  
 Disso tem, aliás, dado nota o Tribunal Constitucional em vários Acórdãos, dos 
 quais se destacam os seguintes:
 
  
 i)                             O Acórdão n.º 394/2005, no qual afirma que “A 
 razão pela qual o Tribunal Constitucional tem dispensado este ónus em casos 
 excepcionais ou anómalos, como se refere na decisão reclamada, é a de considerar 
 não exigível antecipar um sentido objectivamente inesperado, sobre o qual o 
 recorrente não teve a oportunidade de se pronunciar antes de proferida a decisão 
 recorrida”;
 
  
 ii)                         O Acórdão n.º 120/2002, no qual se pode ler: 
 
 “Todavia, como este Tribunal também tem salientado (assim, por exemplo, do 
 citado Acórdão n.º 352/94), tal situação sofre restrições 'em situações 
 excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de oportunidade 
 processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a 
 decisão final'. É o que acontece também quando, pela natureza insólita ou 
 surpreendente da interpretação (ou da aplicação) da norma em causa efectuada 
 pela decisão recorrida, não era exigível ao recorrente que contasse com ela.
 Entende-se que é esta a situação no caso presente – tal como, por exemplo, nos 
 casos dos Acórdãos 74/00 e 56/01 (ainda não publicados), considerando-se como 
 
 'decisão-surpresa', de conteúdo imprevisível para o recorrente, a decisão 
 proferida pelo tribunal recorrido, para rejeição do recurso em causa”;
 
  
 Além disso, este Tribunal tem considerado que as partes devem antecipar as 
 várias possibilidades interpretativas e suscitar antecipadamente as 
 inconstitucionalidades daí decorrentes, como resulta dos seguintes Acórdãos:
 
  
 i)                             Acórdão n.º 489/94 – “O Tribunal tem considerado 
 até que cabe às partes considerar antecipadamente as várias hipóteses de 
 interpretação razoáveis das normas em questão e suscitar antecipadamente as 
 inconstitucionalidades daí decorrentes antes de ser proferida a decisão”;
 
  
 ii)                         Acórdão n.º 479/89) – “(…) não pode deixar de recair 
 sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades 
 interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face 
 delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de 
 definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). E isso – 
 acrescentar-se-á – também logo mostra como a simples «surpresa» com a 
 interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos, 
 certamente, em princípio) a configurar uma dessas situações excepcionais (…) em 
 que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação 
 
 «prévia» da inconstitucionalidade perante o tribunal «a quo».
 Mas – e agora em segundo lugar – se alguma vez tal for de admitir, então haverá 
 de sê-lo apenas numa hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita 
 e imprevisível, que seria de todo o ponto desrazoável a parte contar (também) 
 com ela”.
 
  
 Atento o teor das alegações de recurso do ora reclamante, perante o tribunal “a 
 quo” é evidente que, pelo menos, aquele equacionou como possível que aquele 
 tribunal viesse a julgar não inconstitucional a interpretação conferida ao n.º 4 
 do artigo 66º do CPP. Aliás, mesmo que não o tivesse equacionado, tal ser-lhe-ia 
 objectivamente exigível.
 
  
 Assim sendo, a presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se:
 
  
 a)        Indeferir a presente reclamação;
 b)        Confirmar a decisão sumária reclamada. 
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 25 de Julho de 2007
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão