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Processo n.º 206/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 
                  Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal 
 Constitucional
 
  
 
  
 
 1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 
 
 78.º-A da LTC:
 
  
 
 “1. O arguido A., filho de B. e de C., solteiro, desempregado, nascido em Cabo 
 Verde, em 4 de Outubro de 1985, foi condenado no P° n° 1044/04.9PCSNT da 2ª Vara 
 Mista de Sintra, pela co-autoria material de dois crimes de roubo, praticados em 
 concurso real, p. e p., um, pelos arts. 210°, n° 2-b) e 204°, n°s 2-g) e 4, do 
 CPenal, (ofendido D.), o outro, pelos arts, 210°, 2-b) e 204°, n° 2-g), do mesmo 
 código (ofendido E.), nas penas parcelares, respectivamente, de 3 anos de prisão 
 e de 4 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 4 anos e 6 
 meses de prisão. 
 Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo 
 acórdão de 21.12.05, fls. 2055 e segs., lhe negou provimento. 
 De novo inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, pelo 
 acórdão de 23.03.06, fls. 2258 e segs., declarando parcialmente nulo o acórdão 
 recorrido, por se não ter pronunciado sobre a concreta questão de facto objecto 
 de recurso, determinou «que a Relação (se possível com os mesmos juízes) o 
 reformule, procedendo agora, ponto por ponto, a «um exercício crítico 
 substitutivo do exame crítico realizado pelo tribunal de primeira instância» a 
 respeito das provas (oportunamente especificadas) que, segundo o recorrente, 
 suscitem decisão diversa da recorrida quanto a cada um dos pontos de facto que, 
 na motivação do recurso, se consideraram incorre incorrectamente julgados»; e, 
 enfim, ... que a Relação extraia, do complexo fáctico que por essa via fixar, a 
 solução de direito que então se impuser no contexto do recurso do cidadão A.». 
 O Tribunal da Relação proferiu, então, o acórdão de 24.05.06, fls. 2282 e segs., 
 por que voltou a negar provimento ao recurso. 
 O arguido voltou a recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, 
 além do mais, o seguinte:
 
 “Z. No caso concreto, é manifesto que o próprio teor do Acórdão da 1ª Instância, 
 que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, conjugado com as regras da 
 experiência comum, se retira que os Doutos Julgadores decidiram a dúvida que o 
 julgamento evidencia contra o arguido e a favor da acusação, sem base sólida e 
 para além da dúvida razoável. 
 AA. Na verdade, num caso em que a única e exclusiva prova contra o arguido A. é 
 o reconhecimento efectuado durante o inquérito, mas que o seu autor desmente em 
 audiência de julgamento, devidamente conjugado com o facto de haver uma 
 testemunha que afirma ter estado com o arguido no período em causa – sem que 
 haja outro fundamento para duvidar da sua credibilidade que não sejam as 
 circunstâncias de a testemunha se recordar de facto ocorrido há cerca de um ano 
 e de o arguido só trabalhar para ela esporadicamente (então não há agendas e 
 outras situações particulares que nos permitem recordar de certos factos? — a 
 
 única conclusão que um homem médio pode retirar é a de que existe uma dúvida 
 que, de acordo com o principio in dúbio pro réu, tem que ser dirimida a favor do 
 arguido e não contra o arguido, como fizeram as Instâncias. 
 BB. Entendimento normativo distinto acerca do art. 410. n° 2 al. c) do C.P.P. 
 seria inconstitucional por violação do princípio da presunção da inocência, o 
 que se deixa arguido. 
 CC. E neste sentido, a decisão proferida deveria ter sido pela absolvição do 
 arguido pois é injusto e penoso para alguém inocente ser condenado e ficar 
 privado da liberdade por anos, como é o caso do Recorrente. “
 
 2. Por acórdão de 22 de Novembro de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça negou 
 provimento ao recurso.
 Destaca-se deste acórdão, tendo já em vista, o que interessa ao presente recurso 
 de constitucionalidade, o seguinte:
 
 “2.2.1. Quanto à decisão da matéria de facto 
 Entende, em síntese, o Recorrente que as instâncias julgaram erradamente os 
 factos que ditaram a sua condenação, designadamente por terem valorado 
 incorrectamente os depoimentos das duas vítimas (nenhuma delas reconheceu o 
 Recorrente interveniente nos factos) e da testemunha U. (afirmou que o Arguido, 
 no dia e hora dos factos, estava a trabalhar para ela). 
 Como vimos, foi a falta de pronúncia sobre essas concretas questões de facto que 
 determinou a anulação do primeiro acórdão da Relação, para proceder «... ponto 
 por ponto, “a um exercício crítico substitutivo do exame crítico realizado pelo 
 tribunal de primeira instância” a respeito das provas (oportunamente 
 especificadas) que, segundo o recorrente, suscitem decisão diversa da recorrida 
 quanto a cada um dos pontos de facto que, na motivação do recurso, se 
 consideraram incorrectamente julgados». 
 E o Tribunal da Relação, no novo acórdão, agora em recurso, cumpriu essa 
 determinação de forma essencialmente correcta. 
 Com efeito, depois de recordar os factos que 1ª instância havia fixado (os que 
 acima se transcreveram) e a respectiva motivação 
 
 [«Teve-se em consideração o depoimento de D., vítima dos factos elencados, que 
 os descreveu de modo sereno, isento e coerente, demonstrando deles ter 
 conhecimento directo pela circunstância referida. 
 Quanto à identificação dos agentes dos factos elencados refira-se num primeiro 
 momento o auto de reconhecimento fotográfico junto a fls. 612 e 613 (positivo 
 para os arguidos F., G. e A.), e, bem assim a fls. 616 e 617 (F. e G:) também 
 eles devidamente examinados em audiência de julgamento, nomeadamente com a 
 confrontação das testemunhas que neles tiveram intervenção. 
 Esta diligência foi levada a cabo em O5AGoo4, datando os factos de 23JUL04. 
 Num segundo momento, os autos de reconhecimento pessoal: 
 
 - fls. 627 e 628 (arguido G.); 
 
 - fls. 629 e 630 (arguido F.), 
 
 - fls. 631 e 632(arguido F.), 
 
 - fls. 634 e 635 (arguido A.). 
 Estas diligências, devidamente documentadas, todas elas examinadas em audiência, 
 foram realizadas até ao dia 12AG004. 
 Em audiência de julgamento a testemunha D. manifestou algumas dúvidas quanto ao 
 reconhecimento actual do arguido A.. 
 A este respeito diga-se o seguinte: 
 
 À data da realização da diligência documentada a fls. 636, próxima da ocorrência 
 dos factos a testemunha não manifestou quaisquer dúvidas, sendo certo que já 
 havia procedido a idêntico reconhecimento fotográfico, em 05A0004. 
 Não são conhecidos outros contactos visuais que a testemunha possa ter tido com 
 o arguido A.. 
 Com o passar do tempo, sobretudo ocorrendo reclusão, como é o caso, com a 
 mudança radical nos hábitos de vida que tal circunstância implica, é natural que 
 as pessoas registem alterações físicas de vária ordem (nomeadamente quanto ao 
 peso, forma do cabelo ou modo de vestir) que tornam o reconhecimento por quem 
 apenas teve contacto visual com a pessoa em causa em raras situações e em 
 circunstância limite, cada vez mais difícil, directamente (ou exponencialmente) 
 proporcional ao decurso do tempo. 
 As dúvidas manifestadas nestas circunstâncias são clara manifestação de isenção 
 da testemunha. 
 Em lugar de desvalorizar o reconhecimento positivo feito por ocasião da 
 ocorrência dos factos revela que a testemunha é criteriosa e isenta, 
 características que necessariamente valorizam o reconhecimento efectuado nos 
 termos da lei e assim documentado, sujeito a exame em fase de julgamento. 
 Nestes termos, há que atribuir credibilidade ao auto de reconhecimento junto a 
 fls. 634 e 635, não obstante as dúvidas presentes manifestadas pela testemunha 
 D.. 
 Os arguidos exerceram, de um modo geral e à excepção dos arguidos H., I., G. e 
 A., o seu direito ao silêncio, desde o início da audiência. 
 Os restantes arguidos vindos de mencionar limitaram-se a negar a prática dos 
 factos. 
 Os antecedentes criminais resultam dos certificados de registo criminal juntos 
 aos autos. 
 Quanto ao facto da existência do grupo denominado … a que os arguidos pertencem, 
 para além dos depoimentos das testemunhas J., que declarou ter conhecimento do 
 grupo pela existência de grafitis nas paredes do Cacém, K., irmão de L., à data 
 menor com intervenção em algumas das situações descritas, que também menciona a 
 existência deste grupo a que pertence o irmão, M., E., N., residentes no Cacém, 
 que também mencionaram o grupo como associado à prática de crimes contra as 
 pessoas e património, foi ainda essencial, o depoimento dos elementos da PSP, 
 O., P., Q., R. e S:, os quais, por força do exercício das suas funções, por 
 inúmeras vezes tiveram contactos com os arguidos (que mencionam pelos nomes, 
 identificando cada um deles, o que não pode deixar de ser significativo a este 
 respeito). 
 Tal familiaridade com as forças policiais advém exactamente de um modo de vida 
 compatível com a formação de bando ou gang (sucessivo aparecimento público em 
 grupo, em situações de desordem pública ou prática de crimes contra as pessoas 
 ou património e adopção de símbolos que se manifestam nas paredes das zonas 
 habitacionais que pretendem marcar como território e influência próprio) tal 
 como vem sendo caracterizado pelos mais recentes estudos de carácter 
 sociológico. 
 Os factos não provados ficaram a dever-se sobretudo com a ausência de prova 
 produzida ou examinada em audiência de julgamento motivada pela falta de 
 comparência e impossibilidade de localização das testemunhas supostamente 
 envolvidas em cada um dos factos concretos descritos como não provados. 
 Em particular quanto ao afirmado de que o arguido A. estaria a trabalhar no dia 
 
 23 de Julho de 2004 pelas 15 horas e 15 minutos, para a empresa T., Lda, tal 
 apenas de poderá dever a inexactidão ou discrepância quanto ao momento em causa 
 por parte da testemunha U., face aos demais elementos probatórios quando 
 confrontados com a fragilidade do depoimento em causa], considerou o seguinte: 
 
 «Sem prejuízo de se considerar a Motivação da decisão de facto, ora reproduzida, 
 clara e consequente na demonstração dos factos dados como assentes na decisão 
 recorrida, face às questões em apreço no presente recurso caberá abordar alguns 
 pontos. 
 Assim, a comprovação da matéria fáctica dada como assente funda-se não apenas 
 nos depoimentos das testemunhas cujo depoimento o recorrente transcreve – D., 
 E., U. e V. - mas sim como se apura da leitura da Motivação num conjunto mais 
 alargado de distintos elementos de prova, os quais se reportam à ocorrência dos 
 factos descritos sob a epígrafe “situação M”, à pertença do recorrente ao grupo 
 
 …, e ainda aos factos relativos ao dolo e às suas condições pessoais e sociais. 
 Tendo em atenção apenas os factos atinentes à mencionada “situação M”, e 
 concretamente à participação do recorrente na sua ocorrência, a verificação 
 daquela materialidade fáctica assenta no depoimento da testemunha D. e no 
 reconhecimento do recorrente. 
 Quanto a este ponto a decisão recorrida é exemplar na demonstração do modo como 
 a prova recolhida foi utilizada pelo Tribunal para firmar a sua convicção quanto 
 
 à realidade daqueles factos, ao explicitar de uma maneira clara como entendeu as 
 naturais contradições e hesitações na averiguação da identidade dos autores dos 
 factos. 
 Assim, aí se indica como, não obstante em Audiência de Julgamento a testemunha 
 D. tenha manifestado algumas dúvidas quanto ao reconhecimento do recorrente, o 
 Tribunal firmou a sua convicção da autoria daqueles factos pelo recorrente.” Á 
 data da realização da diligência documentada a fls. 636, próxima da ocorrência 
 dos factos a testemunha não manifestou quaisquer dúvidas, sendo certo que já 
 havia procedido a idêntico reconhecimento fotográfico, em 05AG004. Não são 
 conhecidos outros contactos visuais que a testemunha possa ter tido com o 
 arguido A.. Com o passar do tempo, sobretudo ocorrendo reclusão, como é o caso, 
 com a mudança radical nos hábitos de vida que tal circunstância implica, é 
 natural que as pessoas registem alterações físicas de vária ordem (nomeadamente 
 quanto ao peso, forma do cabelo ou modo de vestir) que tornam o reconhecimento 
 por quem apenas teve contacto visual com a pessoa em causa em raras situações e 
 em circunstância limite, cada vez mais difícil, directamente (ou 
 exponencialmente) proporcional ao decurso do tempo. 
 As dúvidas manifestadas nestas circunstâncias são clara manifestação de isenção 
 da testemunha. 
 Em lugar de desvalorizar o reconhecimento positivo feito por ocasião da 
 ocorrência dos factos revela que a testemunha é criteriosa e isenta, 
 características que necessariamente valorizam o reconhecimento efectuado nos 
 termos da lei e assim documentado, sujeito a exame em fase de julgamento. 
 Nestes termos, há que atribuir credibilidade ao auto de reconhecimento junto a 
 fls. 634 e 635, não obstante as dúvidas presentes manifestadas pela testemunha 
 D..”. 
 Assim sendo, considera-se correctamente estabelecido e demonstrado o facto em 
 causa, ou seja a autoria pelo recorrente dos factos atinentes à chamada 
 
 “situação M”. 
 O mesmo se diga quanto ao facto dado como não provado, relativo à circunstância 
 de, na ocasião supra-referida, o recorrente se encontrar a trabalhar por conta 
 da testemunha U.. 
 Sobre esta matéria, e uma vez mais, a decisão recorrida é exemplar ao indicar 
 que a falta de credibilidade que lhe forneceu o depoimento daquela testemunha, é 
 o motivo pelo qual não poderia nunca fundar nesse elemento de prova o 
 estabelecimento de um facto. 
 Falta de credibilidade esta que é realçada pela circunstância de, declarando-se 
 embora que o recorrente trabalhava para si esporadicamente, um ano após os 
 factos se recordar com precisão que na ocasião dos Autos o recorrente se 
 encontraria a almoçar com a testemunha. 
 Nesta conformidade, outra decisão não poderá merecer a matéria fáctica dada como 
 assente pelo Tribunal a quo” que não seja a da sua confirmação». 
 Confirmada assim a decisão sobre a matéria de facto, não pode o Recorrente 
 pretender vê-la revogada pelo Supremo Tribunal de Justiça que, como tribunal de 
 revista, tem os seus poderes de cognição limitados ao exclusivo reexame da 
 matéria de direito – art° 432°, alínea d), do Código Penal. Nos termos do n° 2 
 do art° 722° do CPC, «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos 
 materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo 
 ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a 
 existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». 
 No caso sub judice não ocorre, está visto, qualquer daquelas circunstâncias 
 excepcionais que permitem ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de 
 facto fixada pelas instâncias: por um lado, os factos imputados ao Recorrente 
 não exigiam, para serem julgados provados, a produção de um meio específico de 
 prova; por outro, a prova produzida, concretamente a prova testemunhal 
 consubstanciada nos depoimentos das vítimas e da testemunha U., não está 
 subtraída ao princípio geral da livre apreciação da prova, proclamado pelo art° 
 
 127° do CPP, como não o está o reconhecimento pessoal feito em sede de 
 inquérito. O reconhecimento fotográfico, não obedecendo obviamente ao formalismo 
 rescrito no art° 147°, não pode ser valorado como tal. Mas não só não inquina a 
 restante prova produzida como nada impede que seja valorado no conjunto das 
 declarações prestadas pelas vítimas. 
 O Recorrente alega ainda, neste domínio, que o acórdão recorrido enferma dos 
 vícios das alíneas a) e c) do n°2 do art° 410° do CPP. 
 Também esta questão foi apreciada pelo Tribunal da Relação, abordando-a e 
 decidindo-a do modo seguinte: 
 
 «O recorrente considera também que a decisão proferida em 1ª instância se 
 encontra ferida dos vícios elencados nas alíneas a) e c) do nº 2 do art. 410º do 
 CPP 
 Face ao decidido no já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, importa 
 apreciar de novo aquelas matérias. 
 a) 
 Alega o recorrente que o estabelecimento dos factos dados por assentes está 
 inquinado de “um vício de raciocínio”, o qual consistiria na circunstância de, 
 em seu entender, a prova produzida em Audiência de Julgamento atinente àqueles 
 factos dever conduzir a um “non liquet” e, consequentemente o não acolhimento de 
 tal tese, representar uma violação do princípio “in dúbio pro reo “. 
 Contudo, a sua argumentação carece de sustentação na medida em que não encontra 
 apoio na ponderação a que o Tribunal “a quo” procede sobre os elementos de prova 
 atinentes às “situações” mencionadas. 
 
 …Sendo que o princípio “in dubio pro reo et contra civitatem”, como ensina 
 G.Bettiol “(. ..) não diz respeito ao problema da livre convicção do juiz que se 
 manifesta no pressuposto de que se tenha constatado um facto; mas liga-se 
 fundamentalmente ao problema do ónus da prova e encontra o seu campo e 
 oportunidade de aplicação perante um facto incerto. Desde que haja incerteza 
 quanto ao facto, nunca poderá ter lugar uma sentença de condenação: o juiz 
 absolverá com fórmula dubitativa (sentença de absolvição por insuficiência da 
 prova), em que se traduz e manifesta uma das exigências de liberdade do processo 
 penal moderno. 
 Ora, do exame dos Autos, e designadamente da fundamentação fáctica do Acórdão, 
 não se reputa como uma “incerteza quanto ao facto” a circunstância de se ter 
 dado como provado que na ocasião de tempo e lugar dos Autos o Arguido, ora 
 recorrente, ter praticado os factos que lhe são imputados. 
 O que aqui se encontra em causa é, apenas e tão só, a discordância do recorrente 
 quanto à apreciação da prova feita pelo Tribunal ‘ a quo”. 
 Ora sobre esta matéria, cabe esclarecer que, salvo quando a lei dispuser de 
 diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre 
 convicção da entidade competente – art. ° 127° do C.P.P – e, no caso em análise, 
 a apreciação de todos os meios de prova coube aos três Juízes do Tribunal 
 Colectivo «a quo», os quais, ao decidirem segundo a sua livre convicção, não 
 deixaram de observar as regras da experiência comum. 
 O que está na base do conceito da livre apreciação da prova, segundo Alberto dos 
 Reis, é precisamente «o princípio da libertação do juiz das regras severas e 
 inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder 
 arbitrário de julgar os factos sem prova ou contraprova (..) Porque o sistema de 
 prova livre não exclui e antes pressupõe a observância de regras da experiência 
 e dos critérios da lógica (..)“ - (ín Código de Processo Civil Anotado, Coimbra 
 Editora, 1950, vol. III, pág. 245). 
 Alega ainda o recorrente que o invocado “vício de raciocínio” consubstanciaria 
 também, e, simultaneamente, os vícios elencados nas alíneas a) e c) do n°2 do 
 art. 410° do CPP. 
 Não se vislumbra como possível tal ocorrência, pois no que toca ao vício de 
 
 “insuficiência dos factos provados para a decisão” é entendimento pacífico, que 
 este apenas ocorre quando se verifica uma “omissão de pronúncia pelo tribunal 
 sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da discussão da 
 causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja a que decorre da 
 circunstância de o tribunal não ter dado como provados todos aqueles factos que 
 sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da 
 discussão. 
 Do exame do Acórdão recorrido nada aponta no sentido do cometimento de tal erro, 
 uma vez que nenhum dos factos essenciais integrantes dos ilícitos em causa ou 
 relevantes para a determinação da pena se mostra como não tendo sido apreciado 
 pelo Tribunal “a quo”. 
 O mesmo acontece quanto ao invocado vício de “erro notório na apreciação da 
 prova’. 
 Pois, como se sabe o vício de erro notório na apreciação da prova, apenas ocorre 
 quando “se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente 
 inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que 
 não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se 
 retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e 
 contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou 
 ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente 
 contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da 
 decisão recorrida. 
 Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as 
 regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis 
 artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos 
 peritos. 
 Mas, quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não 
 se pode afirmar a verificação do referido erro. 
 Ora da análise da matéria de facto em causa não se vislumbra qualquer ocorrência 
 como as descritas supra, pois, o acórdão descreve factos que apresentam uma 
 coerência interna, estão articulados entre si de acordo com as regras da lógica, 
 são plausíveis de acordo com as regras da experiência comum, e não assentam em 
 qualquer conclusão desprovida de fundamento que não seja expressamente 
 mencionado, ou que sofra de falta de razoabilidade». 
 Pois bem. 
 O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo, de forma que pode considerar-se 
 pacífica, que os aludidos vícios não podem integrar o objecto do recurso 
 interposto de acórdão da relação proferido em recurso, designadamente se este 
 tribunal superior já sobre eles se pronunciou. Mas também entende que pode 
 declará-los oficiosamente, desde que sua verificação impeça a aplicação correcta 
 e segura do direito. Ponto é que, como dispõe o corpo do n° 2 do art° 410º, o 
 vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as 
 regras da experiência. Ou seja, a justificação da declaração de qualquer desses 
 vícios não pode apoiar-se em elementos estranhos ao texto da sentença, 
 designadamente no sentido em que a prova se terá desenvolvido, não reflectido na 
 motivação da decisão sobre a matéria de facto. 
 Seja como for, no caso em apreço, o que é patente é que o Recorrente confunde os 
 dois vícios que invocou, por um lado, com a alegada insuficiência da prova 
 produzida para a fixação dos factos – matéria sobre que já nos pronunciamos; por 
 outro, com a valoração da prova feita pelas instâncias que, em sua opinião, 
 deveria ter conduzida à sua absolvição. 
 Acresce que lendo o texto da decisão recorrida e a respectiva motivação não 
 topamos aí qualquer daqueles vícios. Designadamente, não vemos que os 
 depoimentos prestados na audiência, com a valoração que deles foi feita, de 
 acordo com a motivação, obstaculize a verificação de qualquer dos factos. E a 
 verdade é que, como se vê das conclusões X, Y, Z e AA, o Recorrente agarra-se 
 não ao texto da decisão mas àquilo que diz ser o sentido da prova produzida em 
 audiência e que é radicalmente diferente do valor que a cada um desses elementos 
 probatórios foi atribuído pelo Tribunal Colectivo e, depois, corroborado pelo 
 Tribunal da Relação. 
 Finalmente, acusa as instâncias de terem violado de forma flagrante o princípio 
 do in dubio pro reo. 
 Mas; mais uma vez, confunde duas realidades distintas, quando reporta essa 
 violação às dúvidas que, em sua opinião, a 1ª instância e o Tribunal da Relação 
 deviam, no mínimo ter tido, sobre a verificação dos factos. Só que, como já 
 vimos e emerge da motivação da decisão de facto, nem uma nem outra tiveram 
 qualquer dívida a esse respeito – o que, por sua vez, retira ao Supremo Tribunal 
 de Justiça qualquer hipótese de aí intervir. 
 Enfim, os factos relevantes para a aplicação do direito são os que, por 
 confirmados, foram definitivamente fixados pelo Tribunal da Relação e que, no 
 início transcrevemos. 
 Perante esses factos, o Arguido cometeu efectivamente os dois crimes por que foi 
 condenado – qualificação que também não contesta. 
 
 3. O arguido recorreu deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), 
 indicando o objecto do recurso nos seguintes termos:
 
 “1º
 Nas conclusões Z), AA) e BB) da sua motivação do recurso para o STJ, ora em 
 causa, o arguido invocou: 
 
 1- “Z. No caso concreto, é manifesto que o próprio teor do Acórdão da 1ª 
 Instância, que o Tribunal da Relação confirmou, regras da experiência comum, se 
 retira que os decidiram a dúvida que o julgamento evidencia contra da acusação, 
 sem base sólida e para além da dúvida razoável. 
 
 2- “AA. Na verdade, no caso em que a única [e exclusiva prova] contra o arguido 
 A. é o seu reconhecimento inquérito, mas que o seu autor desmente em audiência 
 devidamente conjugado com o facto de haver uma testemunha que afirma ter estado 
 com o arguido no período em causa – sem que haja outro fundamento para duvidar 
 da sua credibilidade q circunstâncias de a testemunha se recordar de facto o um 
 ano e de o arguido só trabalhar para ela esporadicamente (…) -  conclusão que um 
 homem médio pode retirar é a de que existe uma dúvida que de acordo com o 
 princípio i dúbio pró reo, tem de ser dirimida a favor do arguido e não contra o 
 arguido, como fizeram as instâncias.”
 
 2º
 Acerca desse fundamento do recurso, o STJ veio dizer que as instâncias “nem uma 
 nem outra tiveram qualquer dúvida a esse respeito – o que, por sua vez, retira 
 ao Supremo Tribunal de Justiça qualquer hipótese de aí intervir” (cf. Pág. 14 de 
 Acórdão).
 
 3ª
 Isto é, o STJ interpretou o art. 410.º, n°2, al. c) do erro notório na 
 apreciação da prova) no sentido de que – mesmo que no caso em que subsista uma 
 dúvida significativa decorrente contra o arguido ter sido um reconhecimento 
 efectuado mas que o seu autor não corrobora em julgamento, devidamente conjugado 
 
  com o facto de haver uma testemunha que afirma ter estado com o arguido no 
 período em causa, sem que haja outro fundamento credibilidade que não sejam as 
 circunstâncias de a testemunha se recordar do facto ocorrido há mais de um ano e 
 de o arguido só ter trabalhado ela esporadicamente – não pode dirimir a dúvida 
 razoável que um homem médio  extrai do texto dos acórdãos das instâncias a favor 
 do arguido, com a sua consequente absolvição, quando as instâncias afirmam não 
 ter qualquer dúvida a este respeito.
 
 4º
 Tal entendimento normativo viola o princípio constitucional da presunção da 
 inocência, consagrado no artigo 32°, n° 2 da CRP.”
 
 4. É manifesto não poder conhecer-se do objecto do recurso, desde logo porque 
 não se verifica o pressuposto do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC que consiste em a norma cuja constitucionalidade se quer ver 
 apreciada ter sido aplicado com o sentido arguido de inconstitucional como ratio 
 decidendi da decisão recorrida.
 Efectivamente, o acórdão recorrido não considerou subsistir dúvida acerca da 
 matéria de facto que tenha sido solucionada pelas instâncias em desfavor do 
 arguido ou que o Supremo Tribunal de Justiça não pode dirimir a favor do arguido 
 a dúvida razoável que um homem médio extraia do texto da decisão das instâncias. 
 O que considerou foi que, ao abrigo do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, não lhe 
 competia substituir-se às instâncias na valoração da prova produzida e que, do 
 texto da decisão recorrida conjugado com as regras da experiência comum, não 
 resultava que tivesse sido utilizado um critério de valoração da prova em 
 desconformidade com o princípio in dubio pro reo.  
 Acresce que, obviamente, nunca seria questão de constitucionalidade da 
 competência deste Tribunal, ao qual não cabe fixar os factos da causa nem 
 aplicar o direito ordinário, mas apenas apreciar a conformidade à Constituição 
 das normas aplicadas (ou a que foi recusada aplicação) pela decisão recorrida, 
 averiguar se subsiste dúvida razoável, no caso concreto, sobre os factos 
 imputados ao recorrente. 
 
 4. Decisão
 Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar 
 o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de 
 conta.”
 
  
 
  
 
                  2. O recorrente reclamou para a conferência (n.º 3 do artigo 
 
 78.º-A da LTC), nos seguintes termos:
 
  
 
 “Nos termos já constantes do requerimento de interposição de recurso, que se 
 renovam, o ASTJ interpretou efectivamente o artº 410º nº 2 do CPP no sentido 
 apontado no requerimento de interposição de recurso.
 
 É que a fundamentação da decisão de facto proferida nas instâncias impunha, 
 tendo em cota o seu próprio teor, o julgamento de que existia uma dúvida 
 razoável que impunha a absolvição do arguido.
 Quando o STJ afirma que não tem possibilidade de intervir, está igualmente, de 
 forma implícita, a entender que do texto das decisões das instâncias, com a 
 fundamentação identificada, não se retira a dúvida razoável que o homem médio 
 deve retirar desses elementos.
 Isto é, o STJ entende que, quando a única e exclusiva prova contra o arguido é o 
 reconhecimento efectuado em inquérito, mas que o seu autor desmente em audiência 
 de julgamento, devidamente conjugado com a circunstância de existir uma 
 testemunha que afirma ter estado com o arguido no período em causa – sem que 
 haja outros fundamentos para duvidar da sua credibilidade que não seja a 
 circunstância de a testemunha se recordar de facto ocorrido há cerca de um ano e 
 de o arguido só trabalhar para ela esporadicamente -, o artº 410º nº 2 do CPP 
 não permite estabelecer a dúvida razoável que deve levar à absolvição do 
 arguido.
 Ora, tal entendimento normativo é, ressalvado o devido respeito, 
 inconstitucional, por violar o princípio da presunção de inocência, ofendendo 
 igualmente idêntica garantia que a CEDH assegura.”
 
  
 
  
 
                  O Ministério Público respondeu que a reclamação é 
 manifestamente improcedente, em nada sendo abalados pela argumentação do 
 reclamante os fundamentos da decisão quanto à evidente inverificação dos 
 pressupostos do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                  3. A argumentação do reclamante é improcedente, merecendo a 
 decisão sumária confirmação, pelo essencial dos seus fundamentos.  
 Efectivamente, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no critério que 
 enunciou sobre o alcance do controlo da decisão das instâncias sobre o “erro 
 notório na apreciação da prova” e na apreciação da fundamentação do acórdão da 
 Relação quanto à análise crítica das provas, de modo algum se retira que deva 
 resolver-se contra o arguido a dúvida razoável sobre os factos pertinentes. E 
 não cabe na competência do Tribunal Constitucional apreciar se o homem médio 
 valoraria de modo diverso os elementos de prova efectivamente produzidos, na sua 
 substância concreta, que é o que o recorrente, afinal, pretende com o presente 
 recurso.
 
                  
 
  
 
 4. Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas 
 custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 2 de Março de 2007
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício