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Processo n.º 498/09 
 
 
 
 2.ª Secção 
 
 
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano 
 
 
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 Relatório 
 
 
 No âmbito do processo penal comum que corre os seus termos sob o n.º 1552/04.1 
 SELSB, na 3.ª Secção do 5.º Juízo Criminal de Lisboa, por sentença proferida em 
 
 16 de Outubro de 2008, o arguido A. foi condenado: 
 
 
 a) na pena de 1 ano de prisão, pela prática, como autor material e em concurso 
 efectivo, de um crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, e de um crime 
 de injúria p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, ambos do Código Penal; 
 
 
 b) e a pagar ao assistente a quantia de ? 2.500,00 a título de indemnização por 
 danos não patrimoniais. 
 
 
 Na sequência de recurso interposto pelo arguido, tal decisão condenatória foi 
 integralmente confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 
 
 23 de Abril de 2009. 
 
 
 O arguido interpôs então recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC). 
 
 
 Tendo sido liminarmente considerado que o requerimento de interposição de 
 recurso não indicava todos os elementos legalmente exigíveis, o recorrente foi 
 notificado para enunciar de forma clara, precisa e sintética quais as 
 interpretações normativas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada e 
 quais os parâmetros constitucionais que considerava violados por essas 
 interpretações normativas. 
 
 
 Respondendo ao convite que lhe fora formulado, o recorrente requereu a 
 fiscalização concreta da constitucionalidade das seguintes normas: 
 
 
 
 «[...] 
 
 
 a.) Art.º 63.º n.º 1 do CPP (se interpretado no sentido e com a interpretação 
 normativa subjacente ao recorrido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 
 que a notificação para a audiência de julgamento não teria de ser notificada 
 também ao arguido mas apenas ao seu advogado). Sendo, ?in casu? o parâmetro 
 constitucional violado, o disposto no art.º 32.º n.º 1 da Lei Fundamental, o 
 disposto no art.º 20.º n.º 4 da mesma Lei Fundamental e o disposto no artº 6.º 
 da CEDH (Direito a um processo justo e equitativo). 
 
 
 b.) Art.º 113.º n.º 9 do CPP (em conjugação com o disposto no art.º 373.º n.º 3 
 do CPP) no sentido e com a dimensão normativa sufragada no recorrido Acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa de que o arguido não teria de ser notificado 
 pessoalmente da data da audiência de discussão e julgamento, sendo o parâmetro 
 constitucional violado por essa interpretação normativa o estatuído no art.º 32.º 
 n.º 1, (direitos do arguido em Processo Penal), 20.º n.º 4 da mesma Lei 
 Fundamental (Direito a um processo justo e equitativo) e art.º 6.º - 3 da CEDH (Direito 
 a um processo justo e equitativo). 
 
 
 c.) Art.º 333.º n.º 3 do CPP na interpretação normativa feita pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa de que o arguido não teria de ser notificado pessoalmente para 
 a sua comparência em juízo, sendo o parâmetro constitucional violado por essa 
 interpretação normativa o disposto nos art.ºs 32.º n.º 1 e 5, 20.º n.º 4 da Lei 
 Fundamental e ainda o art.º 6º da CEDH (direito a um processo justo e equitativo). 
 
 
 
 [...]». 
 
 
 O Recorrente foi então notificado pelo relator para apresentar as pertinentes 
 alegações, com a advertência para o eventual não conhecimento da primeira e 
 terceira questões de inconstitucionalidade anteriormente referidas. 
 
 
 O Recorrente apresentou as respectivas alegações, culminando as mesmas com a 
 formulação das seguintes conclusões: 
 
 
 
 «[...] 
 
 
 
 1. O art.º 63.º n.º 1 do CPP, se interpretado no sentido de que deve ser 
 considerado suficiente a notificação ao defensor da data da audiência, sem que 
 da mesma designação de data tivesse sido dado conhecimento pessoal ao arguido, - 
 encontra-se ferido de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do 
 princípio da lealdade e da transparência processuais e do direito a um processo 
 justo e equitativo consignado no art.º 6.º n.º 3 alínea b) da Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem, e da ampla garantia de direitos do arguido em processo 
 penal, a que faz jus o art.º 32.º n.º 1 da Lei Fundamental uma vez que o arguido 
 deverá obrigatoriamente ter conhecimento do conteúdo do mesmo despacho, que 
 designa dia para a audiência e que lhe concede (ao arguido) um prazo (tempo) e 
 meios necessários para se defender da acusação que sobre o mesmo pende. 
 
 
 
 2. Diversa interpretação da Lei retiraria toda a eficácia e toda a razão de ser 
 ao disposto no art.º 61.º n.º 1 alínea h) do CPP, esvaziando de modo 
 absolutamente intolerável de sentido o efectivo direito ao recurso por parte do 
 arguido em processo penal, constitucionalmente consagrado no art.º 32.º n.º 1 da 
 Lei Fundamental e o princípio do efectivo direito ao recurso consagrado na Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem. (art.º 13.º). 
 
 
 
 3. Além do mais, a própria natureza e génese do Mandato, regulado no art.º 1157.º 
 do Código Civil já citado, ao conferir ao defensor o direito de representação, 
 ou seja, o direito de actuar em nome do seu representado ou mandante, não 
 confere nem concede a possibilidade de se substituir ao próprio arguido, em 
 matéria da sua exclusiva esfera pessoal, como seja ao direito de se pronunciar 
 pessoalmente na audiência, nos termos em que entender mais adequados para a sua 
 defesa, sendo certo que não existe nos autos mandato com poderes especiais a que 
 alude o art.º 1159º n.º 1 do Código Civil. 
 
 
 
 4. O art. 113.º n.º 9 do CPP, se ou quando interpretado ? em conjugação com o 
 disposto no art. 373º n.º 3 do CPP ? no sentido de que o arguido não terá que 
 ser notificado pessoalmente da data da audiência de discussão e julgamento e só 
 a partir dessa notificação se iniciando a contagem do prazo de contestação e 
 entrega do Rol de Testemunhas a que alude o art. 315.º do CPP -, encontra-se 
 ferido de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do mesmo art. 
 
 32.º n.º 1 da Constituição da República e dos princípios de garantia dos 
 direitos de defesa do arguido nele consignado. 
 
 
 
 5. Resultando dos autos que no caso concreto, o arguido prestou TIR e após essa 
 prestação de TIR, veio a ser devolvida a carta que o Tribunal lhe endereçara 
 convocando-o para a audiência de julgamento (com a informação constante do verso 
 de fls. 241), entende a defesa que a decisão recorrida, ao ordenar esta 
 notificação de carácter não pessoal, (em vez de ordenar a notificação pessoal do 
 recorrente), fez clara interpretação inconstitucional do citado art.º 113.º n.º 
 
 9 do CPP, no qual se exige, também para este caso (de conhecimento da data da 
 audiência) a notificação do arguido com carácter pessoal. 
 
 
 
 6. Estatuindo o art.º 196.º n.º 3 alínea a) do CPP que o arguido passa a ter a 
 obrigação de comparecer perante o Tribunal quando e sempre que para tal for... 
 devidamente notificado?, o certo é que a sobredita obrigação processual tem como 
 premissa expressamente indicada no artigo em causa, a legalidade ou a 
 normalidade dessa notificação, não valendo uma qualquer ?notificação?. 
 
 
 
 7. Não sendo o arguido obrigado a conhecer todo o Rol de notificações a que a 
 lei alude (art.º 113.º do CPP) e que são inúmeras, a normalidade ou a legalidade 
 dessa notificação, no caso ?subjuditio? traduzir-se-ia na notificação efectuada 
 pessoalmente, sendo essa a imposição da lei processual no referente à designação 
 de dia para o julgamento (art.º 113.º n.º 9 do CPP e sendo essa também a 
 exigência do texto constitucional, art.º 32º n.º 1 e 6 e 20º n.º 4 da CRP). 
 
 
 
 8º. Ora, ?in casu? não poderia ter sido ?dispensada? a presença do arguido (para 
 a hipótese contida no texto constitucional no seu art.º 32.º n.º 6 CRP) uma vez 
 que não foram, previamente a essa ?dispensa?, assegurados os direitos de defesa 
 do arguido, exigência contida nesse mesmo preceito (o 32.º n.º 6 da CRP). E não 
 foram assegurados, dada a inexistência de notificação pessoal. 
 
 
 
 9º. Pelo que a recorrida decisão fez, com o devido respeito uma interpretação 
 literal do art.º 113.º n.º 9 e do art.º 196.º n.º 3, ambos do CPP. Já que, 
 apesar da exigência contida no art.º 113.º n.º 9 do CPP (quanto à obrigatoriedade 
 de notificação pessoal do arguido neste caso), a instância partiu do princípio (e 
 isso ressalta nas sua decisão) de que se o recorrente não recebeu a carta foi 
 porque não quis recebê-la e que face ao disposto no art.º 196.º do CPP o arguido 
 estaria então ?regularmente notificado?. 
 
 
 
 10º. Por isso se entende que o decidido viola a Constituição e a lei penal 
 adjectiva, porquanto não é esse o sentido do art.º 32.º da CRP ou do 20.º n.º 4 
 CRP não sendo também esse o sentido do art.º 113.º n.º 9 ou do art.º 196.º n.º 3 
 ambos do CPP. 
 
 
 
 11º. No caso concreto, esse mesmo direito de defesa do recorrente (como o 
 direito inalienável de ser notificado pessoalmente da data da audiência?) foi 
 postergado pela instância. Ora, ?o que interessa é que (os preceitos legais? 
 tenham como parâmetro de validade imediata, não a lei (?outra lei?) ? no caso o 
 art.º 196.º CPP) ? mas a Constituição (in douto Acórdão do TC n.º 405/87), também 
 sendo certo que ?a validade do Direito não pode afirmar-se com total indiferença 
 pelo seu conteúdo. Se a dimensão jurídica das leis ficasse reduzida ao processo, 
 o seu princípio normativo - material seria apenas o poder?, como já ensinava o 
 insigne professor Castanheira Neves. 
 
 
 
 12º. Num caso como o dos autos em que estava em causa um direito fundamental, a 
 decisão tomada pela instância violou o texto Constitucional, também no sentido 
 em que esqueceu que há leis com uma densificação material determinada, como por 
 exemplo as leis que incidem sobre os actos organizadores dos direitos, 
 liberdades e garantias. A recorrida decisão perfilhou, em nossa opinião, uma 
 visão não substancialista da lei, recusando um critério constitucional - 
 material caracterizador da função legislativa. 
 
 
 
 13º. É que, no caso concreto, o art.º 113.º n.º 9 do CPP tem necessariamente 
 dimensão substantiva - material e não apenas processual ou organizatória. E 
 assim equacionada a questão, dúvidas não restam que o disposto no art.º 196.º nº 
 
 3 alínea d) do CPP (que ainda assim não teria aplicação neste caso dado o 
 arguido nada ter incumprido), sempre deveria ceder face ao comando do art.º 113.º 
 n.º 9 do CPP (único preceito a regular, especificamente a génese da notificação 
 do arguido para o dia da audiência), bem como à exigência contida no próprio 
 texto Constitucional e Constitucional-Europeu (art.º 32.º n.º 5 e outros 32.º n.º 
 
 1, art.º 20.º n.º 4 e ?maxime? art.º 6.º n.º 3 alínea b) da CEDH). 
 
 
 
 14º. - Na verdade, dispondo o art.º 6.º n.º 3 alínea b) da Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem que ?todo o acusado tem, como mínimo, e entre outros, o 
 direito de ?Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua 
 defesa?, é por demais óbvio que no caso concreto o recorrente não teve nem o 
 tempo nem os meios necessários para a preparação da sua defesa. 
 
 
 
 15.º - Daí a suscitada inconstitucionalidade material do mencionado art.º 113,º 
 n.º 9 do CPP se ou quando interpretado no sentido ou com a dimensão normativa de 
 que num caso como o dos autos o arguido não deveria ser notificado pessoalmente, 
 apenas porque a carta que o Tribunal lhe endereçou veio devolvida pelos CTT com 
 a indicação aposta no verso de fls. 241. O parâmetro constitucional desse modo 
 violado é o constante do art.º 32.º n.º 1, 5 e 6 da CRP (já que a excepção de 
 julgamento aqui prevista é para casos muito diferentes do destes autos, ou seja, 
 para aqueles específicos casos em que ao arguido é previamente ?assegurado o 
 direito de defesa?), tendo-se ainda violado, por erro interpretativo, o disposto 
 no art.º 18.º n.º 2 da CRP ao majorar-se o estatuído no art.º 196.º n.º 3 alínea 
 d) do CPP em ordem a sobrepor tal norma quer à apontada exigência contida no art.º 
 
 113.º n.º 9 do CPP quer ao próprio texto Constitucional. 
 
 
 
 16.º- Como corolário do que fica dito, violado também se mostra violado o 
 disposto no art.º 6.º (direito a um processo justo e equitativo) da C.E.D.H. 
 Como refere Ireneu Cabral Barreto na sua Convenção Europeia Anotada (ob. cit.), 
 
 ?Para uma efectiva protecção dos ?direitos do homem? não é suficiente uma 
 consagração substantiva; será necessário estabelecer garantias fundamentais de 
 processo, de modo a reforçar os mecanismos de salvaguarda daqueles direitos?. 
 
 
 
 17.º - A recorrida decisão viola, também, por manifesto erro de interpretação/valoração, 
 o disposto no art.º 20.º n.º 4 da Lei Fundamental, já que, como vimos, ao 
 recorrente não foi assegurado, neste ?interim? o direito a um processo justo e 
 equitativo, exigência também contida no já apontado art.º 6.º da Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem. 
 
 
 
 18.º - Inconstitucionalidade material do art.º 333.º n.º 3 do CPP aplicada na 
 decisão recorrida: valem, ?hic et hunc? os mesmos argumentos já aduzidos ?supra 
 
 ?, ou seja, ao socorrer-se da norma excepcional contida no art.º 333º n.º 1 do 
 Código do Processo Penal, (e não o seu número 3 como por lapso manifesto se 
 deixou exarado em requerimento entregue em 7 de Julho 2009 para este Venerando 
 Tribunal), a instância considerou, tacitamente, que o arguido não deveria ter 
 sido notificado pessoalmente para a audiência em que iria ser julgado. 
 
 
 
 19.º - Deste modo, o art.º 333.º n.º 3 do CPP, se interpretado no sentido ou com 
 a dimensão normativa de que não é necessário ser o arguido notificado 
 pessoalmente da data da audiência (apenas porque uma carta que lhe foi enviada 
 para a morada constante do seu T.I.R. ter sido devolvida), bastando a 
 notificação da mesma data e das obrigações dela decorrentes (cumprimento 
 eventual do disposto no art.º 315.º do CPP), ao seu defensor, encontra-se ferido 
 de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do art.º 32.º n.º 1, 
 
 5 e 6 da Lei Fundamental e do geral princípio do direito ao recurso nele 
 consignado. 
 
 
 
 20.º E, como já se referiu a propósito da inconstitucionalidade material do art.º 
 
 113.º n.º 9 do CPP ? na interpretação feita pela decisão recorrida ? violado se 
 mostra também aqui o parâmetro constitucional contido no art.º 32.º n.º 1 e 5 da 
 Lei Fundamental, bem como o disposto no art.º 20.º n.º 4 da mesma Constituição, 
 o que significa que foi violado ? nessa interpretação ? quer o texto 
 constitucional português, quer a imposição europeia a que faz jus o apontado art.º 
 
 6.º n.º 3 alínea b) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 
 
 
 Razão pela qual o presente recurso de constitucionalidade deve proceder, 
 declarando este alto Tribunal as suscitadas inconstitucionalidades com as 
 respectivas consequências e efeitos processuais. 
 
 
 
 [...]». 
 
 
 O Ministério Público contra-alegou e concluiu pela seguinte forma: 
 
 
 
 «[...] 
 
 
 
 1 ? Porque, quanto à norma do artigo 63º, nº 1, do CPP, a decisão recorrido não 
 a aplicou na dimensão cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver 
 apreciada, não deverá conhecer-se do recurso. 
 
 
 
 2 ? Não tendo sido suscitada, durante o processo e de forma adequada, a 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 333º, nº 3, do CPP, não deverá, também 
 nesta parte, conhecer-se do recurso. 
 
 
 
 3 - As notificações respeitantes ao dia designado para o julgamento devem ser 
 feitas ao arguido e ao seu defensor (artigo 113º, nº 9, do CPP). 
 
 
 
 4 - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 313º, nº 3 e 113º, nºs 1, 
 alínea c , 3 e 9, todos do CPP, aquela notificação ao arguido, quando esta tenha 
 prestado termo de identidade e residência, deve ser feita por via postal simples, 
 com prova de depósito, e dirigida à morada indicada por aquele. 
 
 
 
 5 - Nestas circunstâncias, a notificação, não por contacto pessoal, mas pela 
 forma descrita, não violando as garantias de defesa do arguido (artigo 32º, nº 1, 
 da Constituição), nem o direito a um processo equitativo (artigo 20º, nº 4, da 
 Constituição) mostra-se adequada a uma mais célere tramitação processual, celeridade 
 essa que goza de tutela Constitucional (artigo 32º, nº 2, da Constituição). 
 
 
 
 6 - A conclusão anteriormente extraída, não é posta em causa, nos casos em que, 
 como o dos autos, o arguido tem conhecimento pessoal da acusação, a carta é 
 comprovadamente depositada no receptáculo, e não são adiantados quaisquer factos 
 que levem a legitimamente duvidar que a carta foi recebida e que o arguido teve 
 conhecimento do seu conteúdo. 
 
 
 
 7- Termos a que deverá improceder o presente recurso.? 
 
 
 Por seu turno, o assistente contra-alegou e concluiu pela seguinte forma: 
 
 
 
 «[...] 
 
 
 
 1. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem, reiteradamente, afirmado que, 
 no âmbito de um processo penal equitativo, a comparência do acusado reveste uma 
 grande importância, mas que este direito não reveste um carácter absoluto, antes 
 devendo harmonizar-se com outros interesses, designadamente os da justiça, pelo 
 que são admissíveis os julgamentos in absentia. 
 
 
 
 2. Essencial a essa aceitação, entre outros pressupostos, é que ao arguido que 
 não comparece em julgamento tenha sido dado conhecimento efectivo da data e 
 local da sua realização. 
 
 
 
 3. Esta noção tem sido interpretada pelo TEDH como obrigando os Estados a 
 diligenciarem para que ao arguido seja dado conhecimento da data e local do 
 julgamento, embora sem lhes impor um ónus desproporcionado, designadamente 
 através da exigência de que também o acusado tome as providências adequadas para 
 possibilitar que se torne efectivo esse conhecimento. 
 
 
 
 4. Na esteira deste entendimento o TEDH já decidiu que as autoridades não podem 
 ser responsáveis pela impossibilidade de comparência de um arguido no julgamento 
 se este não tomou as providências necessárias para receber o correio que lhe era 
 endereçado. 
 
 
 
 5. É, portanto, à luz desta jurisprudência que se afigura dever questionar-se se 
 o disposto na lei nacional quanto às obrigações decorrentes da prestação de TIR, 
 concretamente no que respeita à forma como as notificações, após a aplicação 
 dessa medida de coação, serão feitas ao arguido, está ou não de acordo com a 
 exigência de um processo equitativo a que alude o art. 6.º da CEDH. 
 
 
 
 6. Após prestar TIR o arguido, para o efeito de ser notificado por via postal 
 simples, deve indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicilio à 
 sua escolha, ficando obrigado a não mudar de residência ou dela se ausentar por 
 mais de cinco dias sem informar a nova residência ou o lugar onde pode ser 
 encontrado, sendo-lhe comunicado que todas as posteriores notificações 
 processuais serão feitas por via postal simples para a morada que indicou, 
 excepto se, entretanto, tiver comunicado ao processo uma outra morada para 
 receber as notificações (art. 196.º, n.º 1, 2, e 3, al. a) a c) do C.P.P.). 
 
 
 
 7. É-lhe também dado conhecimento de que o incumprimento dessas obrigações 
 legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos 
 quais tenha o direito ou o dever de estar presente, bem como a realização da 
 audiência na sua ausência (art. 196.º, n.º 3, al. d), do C.P.P.). 
 
 
 
 8. A lei processual penal não exige a notificação pessoal do arguido nos casos 
 em que ele presta TIR e, por via disso, toma conhecimento dos trâmites seguintes 
 relativos a notificações. 
 
 
 
 9. Ao arguido cabe tomar as providências necessárias para receber o correio que 
 lhe é endereçado para a morada que para o efeito indicou nos autos. 
 
 
 
 10. Resulta dos autos que, através via postal simples (carta depositada na 
 morada fornecida pelo arguido) foi o arguido notificado da data designada para 
 julgamento, em cumprimento do disposto no artigo 113.º, n.ºs 1, al. c) e 3. 
 
 
 
 11. Decorre igualmente dos autos que a morada para a qual foi enviada a 
 notificação é efectivamente a do arguido, e aquela que o arguido fez constar no 
 TIR que prestou pois foi aí que, também através de carta simples com depósito, 
 foi o mesmo notificado da data designada para a leitura da sentença (cfr. fls. 
 
 287 e 298 dos autos). 
 
 
 
 12. Acresce que, em respeito pelo artigo 32.º, n.º 6 da Constituição da 
 República Portuguesa, estão definidos nos artigos 333.º e 334.º do C.P.P. os 
 casos em que pode ser dispensada a presença do arguido na audiência de julgamento, 
 estando nos termos daquele assegurado o direito de recurso, cujo prazo se conta 
 a partir da notificação da sentença, direito de que o arguido podia ter feito 
 uso. 
 
 
 
 13. Face ao exposto, as decisões tomadas nos autos foram proferidas no respeito 
 pelo disposto nos artigos 63.º, n.º 1, 113.º, n.º 9, 373.º, n.º 3, 333.º, n.ºs 1, 
 
 2 e 3 e 196.º do C.P.P. e não se vê que a interpretação que delas fizeram viole 
 quer a Constituição, nomeadamente os artigos 32.º e 20.º n.º 4, quer a Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente o seu artigo 6.º, nº 3. 
 
 
 
 14. Assim, na interpretação que fizeram das supra normas processuais penais, 
 considerando que o arguido estava notificado da data designada para julgamento e 
 determinando a realização do julgamento na sua ausência, as instâncias não 
 violaram nem a Constituição da República Portuguesa nem a Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem. 
 
 
 Termos e fundamentos por que deve ser considerado improcedente o presente 
 recurso. 
 
 
 
 [...]». 
 
 
 
 * 
 
 
 Fundamentação 
 
 
 
 1. Da delimitação do objecto do recurso 
 
 
 
 1.1. Do não conhecimento do recurso de constitucionalidade na parte respeitante 
 
 à interpretação normativa do artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo Penal 
 
 
 No respectivo requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, 
 oportunamente aperfeiçoado, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade 
 material do artigo 63.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual o 
 arguido não tem de ser notificado do despacho que designa dia para a realização 
 da audiência de julgamento, sendo suficiente a respectiva notificação ao 
 defensor. 
 
 
 Esta questão de inconstitucionalidade emerge de um processo em que a audiência 
 de julgamento foi realizada na ausência do recorrente (arguido), com intervenção 
 de defensor nomeado, tendo o recorrente invocado nas alegações de recurso 
 interpostas para o tribunal recorrido a nulidade da falta de notificação do 
 despacho que designou data para a audiência de julgamento. 
 
 
 Sobre a referida arguição de nulidade recaiu a decisão recorrida mas a aludida 
 interpretação normativa não foi explícita ou implicitamente aplicada como 
 fundamento da mesma (ratio decidendi). 
 
 
 Para ilustrar esta afirmação, passa-se a transcrever o segmento da decisão 
 recorrida em que foi apreciada a matéria respeitante à notificação do despacho 
 que designa a data para a realização da audiência de julgamento: 
 
 
 
 «[...] 
 
 
 Inicia o recorrente a sua impugnação da sentença condenatória manifestando o 
 entendimento de que foi cometida a nulidade do art.º 119º al. c) CPP, com 
 violação do disposto nos art.ºs 113º nº 9 e 333º n.ºs 1 e 2 CPP, por ausência de 
 notificação pessoal do despacho que designou data para julgamento. 
 
 
 Dispõe o art.º 119º al. c) CPP que ?Constituem nulidades insanáveis, que devem 
 ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como 
 tal forem cominadas em outras disposições legais: 
 
 
 
 ? 
 
 
 c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a 
 respectiva comparência; 
 
 
 
 ??. 
 
 
 Nos termos do art.º 332º n.º 1 CPP ?É obrigatória a presença do arguido na 
 audiência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 333.ºe nos n.ºs 1 e 
 
 2 do artigo 334.º 
 
 
 
 ?? 
 
 
 Por sua vez, o art.º 333º CPP estabelece no seu n.º 1 que ?Se o arguido 
 regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da 
 audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis 
 para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar 
 que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua 
 presença desde o início da audiência.? 
 
 
 Fazendo apelo ao que dos autos consta, verifica-se que o arguido havia prestado 
 TIR nos autos (cfr. fls. 45) no qual indicou a morada em que residia. 
 
 
 Na sequência do despacho de fls. 211/214 que recebeu a acusação e designou data 
 para julgamento veio a ser remetida para a morada constante do TIR, depois de 
 devolvida carta registada enviada para outra morada (cfr. fls. 229), a 
 notificação ao arguido daquele despacho, conforme resulta de fls. 232, foi 
 efectuada por carta que foi depositada no receptáculo da morada fornecida pelo 
 arguido no seu TIR (cfr. fls. 242) e que veio, posteriormente, a ser devolvida 
 com a anotação constante do verso de fls. 241. 
 
 
 Ora, da prestação do TIR consta expressamente a obrigação de comunicação de nova 
 residência pelo arguido bem como a consequência dessa não comunicação. 
 
 
 Percorridos os autos, não vemos qualquer comunicação feita pelo arguido acerca 
 da alteração da morada fornecida no TIR pelo que, com a remessa feita a fls. 232 
 para a morada constante do TIR, mostram-se cumpridas as formalidades para a 
 notificação do arguido e, em consequência, deve o arguido ter-se como 
 regularmente notificado, tal como foi considerado no despacho proferido no 
 inicio da audiência. 
 
 
 Sempre acrescentamos que em toda esta questão nunca o recorrente afirmou que não 
 morava na residência que havia fornecido no TIR e que a carta envida para a 
 respectiva notificação não lhe chegara às mãos em virtude desse facto, o que 
 também não pode ser inferido da devolução de tais cartas aos serviços de correio 
 depois de terem sido objecto de depósito na caixa de correio; percorridos 
 novamente os autos constata-se que o arguido foi mais tarde efectivamente 
 notificado nessa morada, através de carta simples com depósito, da data 
 designada para a leitura da sentença tal como se extrai de fls. 287 e 298, tendo 
 comparecido ao acto. 
 
 
 Em suma, a morada para a qual foi enviada a notificação do despacho a que alude 
 o art.º 311º CPP é a do arguido, pelo que a invocada nulidade não se verifica. 
 
 
 
 [...]». 
 
 
 A disposição legal aludida pelo recorrente ? art. 63.º, n.º 1, do CPP ? dispõe 
 que ?o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que 
 ela reservar pessoalmente a este?. 
 
 
 Ora, resulta do excerto da decisão recorrida acabado de transcrever que o 
 Tribunal da Relação de Lisboa não decidiu a referida arguição de nulidade com 
 fundamento na aplicação da norma constante do artigo 63.º, n.º 1, do CPP, muito 
 menos interpretada nos precisos termos enunciados pelo recorrente em sede de 
 recurso de constitucionalidade, tanto mais que o tribunal a quo até considerou 
 que o recorrente foi regularmente notificado do despacho que designou data para 
 a audiência de julgamento. 
 
 
 Sucede que a fiscalização sucessiva concreta apenas tem lugar a propósito da 
 aplicação jurisdicional efectiva de uma norma jurídica cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, assumindo aquela 
 fiscalização, assim, uma função instrumental aferida pela susceptibilidade de 
 repercussão útil no processo concreto de que emerge, não servindo, pois, para 
 dirimir questões meramente académicas. 
 
 
 Uma vez que a interpretação normativa configurada pelo recorrente não 
 corresponde a qualquer ratio decidendi da decisão do Tribunal da Relação de 
 Lisboa, o presente recurso de constitucionalidade não seria dotado de qualquer 
 repercussão útil no processo concreto de que emerge, isto é, o tribunal a quo 
 nunca seria confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu 
 julgamento. 
 
 
 Verificada a falta de aplicação da referida interpretação normativa, importa 
 concluir que não estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do 
 recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, 
 estando, assim, vedado o respectivo conhecimento nesta parte. 
 
 
 
 1.2. Do não conhecimento do recurso de constitucionalidade na parte respeitante 
 
 à interpretação normativa do artigo 333.º, n.º 3, do Código de Processo Penal 
 
 
 No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, oportunamente 
 aperfeiçoado, o recorrente suscitou também a inconstitucionalidade material do 
 artigo 333.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem 
 de ser notificado por contacto pessoal para comparecer em juízo. 
 
 
 A referida disposição legal prescreve que, caso a audiência tenha começado sem a 
 presença do arguido, nas situações previstas no n.º 2, do art. 333.º, ?o arguido 
 mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se 
 ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado 
 ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo 
 juiz ao abrigo do artigo 312.º, n.º 2?. 
 
 
 Em sede de recurso perante o tribunal a quo, o arguido tinha alegado que teria 
 havido violação do disposto nos artigos 333.º e 334.º, n.º 3, do CPP, em virtude 
 de ter sido dispensada a sua presença em julgamento e, por essa via, não ter 
 tido a oportunidade de prestar declarações em audiência. 
 
 
 O tribunal a quo apreciou esta matéria nos seguintes termos: 
 
 
 
 «[...] 
 
 
 Conforme já acima mencionámos, o arguido havia sido notificado da data designada 
 para julgamento através de carta simples, nos termos do disposto nos art.ºs 113º 
 n.ºs 1 c) e 3 e 283º n.º 6 ? 2ª parte, uma vez que o mesmo indicou nos autos a 
 sua residência (vd. fls. 45). 
 
 
 Por outro lado, é também de salientar que, conforme decorre das obrigações do T.I.R., 
 a mudança de residência do arguido sem a respectiva comunicação aos autos, 
 legitima a realização da audiência na sua ausência, nos termos do disposto no 
 art.º 333º do C.P.Penal, como aconteceu nos presentes autos, isto depois de a 
 Mma. Juíza se ter pronunciado pela dispensabilidade da presença do arguido em 
 cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 333º CPP e tal como se demonstra de 
 fls. 259 dos autos. 
 
 
 Na sequência desse despacho, nenhum requerimento foi feito por parte da defesa 
 do arguido no sentido de impugnar os termos daquele despacho judicial interpondo 
 o competente recurso ou requerer, ao abrigo do art.º 333º n.º 3 CPP, nesse 
 momento ou em fase posterior da audiência que o arguido fosse ouvido na segunda 
 data designada para julgamento. 
 
 
 De resto, a sua dispensabilidade de presença mostra-se declarada no despacho em 
 questão sem que do mesmo tivesse sido interposto recurso atempadamente, pelo que 
 o mesmo transitou em julgado, o que se verificava já quando o recorrente 
 compareceu à leitura da sentença no dia 16.10.2008. 
 
 
 Assim sendo, nenhuma violação dos art.ºs 333º e 334º CPP se mostra feita com tal 
 decisão. 
 
 
 
 [...]». 
 
 
 Efectivamente, o tribunal a quo aplicou o art. 333.º, n.º 3, do CPP, na interpretação 
 segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal para 
 comparecer em juízo, nomeadamente para efeito de prestação de declarações até o 
 encerramento da audiência que se iniciou na sua ausência. 
 
 
 Todavia, não obstante o arguido se ter insurgido, perante o tribunal recorrido, 
 contra a circunstância de não ter intervindo até ao final da audiência de julgamento, 
 a verdade é que o arguido não suscitou, podendo e devendo, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade, por referência à referida disposição legal, em termos do 
 tribunal a quo estar obrigado a dela conhecer, conforme exige o n.º 2, do artigo 
 
 72.º da LTC. 
 
 
 Verificada a falta de suscitação adequada da referida questão de inconstitucionalidade, 
 importa concluir que o recorrente carece de legitimidade para interpor o 
 presente recurso de constitucionalidade, estando, assim, vedado o respectivo 
 conhecimento nesta parte. 
 
 
 
 1.3. Do conhecimento do recurso de constitucionalidade na parte respeitante à 
 interpretação normativa dos artigo 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do Código de 
 Processo Penal 
 
 
 No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, oportunamente 
 aperfeiçoado, o recorrente suscitou também a inconstitucionalidade material da 
 norma constante do artigo 113.º, n.º 9, do CPP, em conjugação com o disposto no 
 artigo 373.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem 
 de ser notificado pessoalmente da data da audiência de julgamento. 
 
 
 Verifica-se que a alusão feita pelo recorrente ao artigo 373.º, n.º 3, do CPP, 
 respeitante aos efeitos da leitura da sentença perante o defensor e na ausência 
 do arguido, se deve a mero lapso de escrita, pretendendo o recorrente referir-se 
 ao artigo 313.º, n.º 3, do mesmo diploma, uma vez que é este preceito que 
 estabelece a forma de notificação ao arguido do despacho que designa dia para a 
 audiência, cuja constitucionalidade é aqui impugnada. 
 
 
 Conforme resulta do primeiro excerto da decisão recorrida acima transcrita 
 entendeu-se que a notificação ao arguido do despacho que designou a data para 
 julgamento não tinha que ser efectuada mediante contacto pessoal com o arguido, 
 tendo-se julgado processualmente válida a notificação realizada por via postal 
 simples por referência à morada constante do termo de identidade e residência. 
 Para esse efeito, o tribunal recorrido não enunciou expressamente a aplicação 
 dos artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do CPP, mas implicitamente foram essas 
 as disposições legais aplicadas, dado que são elas que estabelecem essa forma de 
 notificação ao arguido do despacho em causa. 
 
 
 Assim sendo, o objecto do presente recurso de constitucionalidade restringir-se-á 
 ao conhecimento da constitucionalidade das normas constantes do artigo 113.º, n.º 
 
 9, e 313.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de 
 ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para a 
 audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal 
 simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência. 
 
 
 
 2. Do mérito do recurso 
 
 
 
 2.1. O caso dos autos 
 
 
 A tramitação do presente procedimento penal revela que o arguido prestou termo 
 de identidade e residência (T.I.R.) no início do inquérito, tendo declarado 
 residir na R. das Flores, n.º 5, Perolivas, 7200-000, Reguengos de Monsaraz, e 
 sido informado de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal 
 simples para essa morada, excepto se comunicasse a sua alteração (fls. 45). 
 
 
 O arguido nunca comunicou qualquer alteração de morada ou sequer qualquer 
 ausência desta por período superior a 5 dias. 
 
 
 O arguido foi notificado pessoalmente pela GNR naquela morada da dedução da 
 acusação em 18 de Dezembro de 2006 (fls. 193/194). 
 
 
 O despacho que designou dia para a audiência de julgamento em 17-9-2008 foi 
 objecto de notificação ao arguido em 9-4-2008 por via postal simples para a 
 mesma morada indicada pelo arguido aquando da sua sujeição à referida medida de 
 coacção (fls. 232, 233, 241, 242). 
 
 
 A carta enviada para esse efeito foi devolvida aos correios e ao tribunal com a 
 menção ?mudou-se?(fls. 241). 
 
 
 No dia designado para a realização da audiência de julgamento o arguido não se 
 encontrava presente, tendo-se iniciado a audiência, por se considerar que a sua 
 presença não era indispensável (fls. 258-260). 
 
 
 Foi marcado o dia 16-10-2008 para a leitura da sentença, tendo o arguido sido 
 notificado desta marcação em 2-10-2008 por via postal simples para a mesma 
 morada indicada pelo arguido aquando da sua sujeição à referida medida de 
 coacção (fls. 287 e 298) 
 
 
 O arguido esteve presente no dia designado para a leitura da sentença, tendo 
 assistido pessoalmente à respectiva leitura (fls. 313). 
 
 
 Por último, o arguido foi representado por defensor desde a dedução da acusação, 
 nomeadamente durante a audiência de julgamento, e só veio a constituir 
 mandatário judicial após a leitura da sentença condenatória, para efeito de 
 interposição de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 164, 203, 258, 
 
 313 e 319). 
 
 
 Neste recurso o arguido invocou a nulidade da falta da sua notificação pessoal 
 da data designada para a realização da audiência de julgamento, tendo o Tribunal 
 da Relação de Lisboa considerado que o arguido foi correctamente notificado, por 
 via postal simples enviado para a morada indicada pelo arguido aquando da 
 prestação do termo de identidade e residência no processo. 
 
 
 
 2.2. A interpretação normativa questionada 
 
 
 O presente recurso de constitucionalidade versa a temática das garantias de 
 defesa do arguido em processo penal, mais concretamente a forma pela qual se 
 deve processar a convocação do arguido para efeito de intervenção na audiência 
 de julgamento. 
 
 
 O tribunal recorrido aplicou as normas dos artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, 
 do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por 
 contacto pessoal do despacho que designa data para a audiência de julgamento, 
 podendo essa notificação ser efectuada por via postal simples para a morada indicada 
 pelo arguido no termo de identidade e residência. 
 
 
 E é precisamente sobre o acto processual de notificação do despacho que designa 
 data para a audiência que incide todo o interesse do presente recurso de 
 constitucionalidade. 
 
 
 A lei ordinária prescreve que o arguido e seu defensor sejam notificados do 
 despacho que designa dia para a audiência de julgamento, pelo menos, 30 dias 
 antes da data fixada para essa audiência (artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 2, 
 do CPP, este último na redacção do Decreto-lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro). 
 
 
 Esta notificação do arguido é feita mediante via postal simples quando o arguido 
 tiver indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial 
 ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na 
 instrução e nunca tiver comunicado a alteração da mesma através de carta 
 registada, conforme dispõe o artigo 313.º, n.º 3, do CPP, na redacção do Decreto-lei 
 n.º 320-C/2000. 
 
 
 Quando o arguido é sujeito a termo de identidade e residência indica a sua 
 residência, local de trabalho ou outro local à escolha para efeito de ser 
 notificado mediante via postal simples, e fica, desde então, obrigado a não 
 mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova 
 morada ou o lugar onde possa ser encontrado (artigo 196.º, n.os 1, 2 e 3, alínea 
 b), do CPP, na redacção do Decreto-lei n.º 320-C/2000). 
 
 
 O arguido é ainda avisado nesse acto de que as posteriores notificações serão 
 feitas por via postal simples para a morada por ele indicada, excepto se ele 
 vier a comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via 
 postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr termo (artigo 
 
 196.º, n.º 3, c), do CPP, na redacção do Decreto-lei n.º 320-C/2000). 
 
 
 E sempre que a notificação do arguido é efectuada por via postal simples, o 
 funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da 
 expedição da carta e do domicílio para o qual foi enviado e o distribuidor do 
 serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma 
 declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito e envia-a 
 de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação 
 efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo 
 distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de 
 notificação (artigo 113.º, n.º 3, do CPP, na redacção do Decreto-lei n.º 320-C/2000). 
 
 
 A introdução desta forma de notificação do arguido pelo Decreto-lei n.º 320-C/2000, 
 em detrimento da notificação por contacto pessoal, foi assim explicada pelo 
 legislador, no preâmbulo daquele diploma: 
 
 
 
 ?Pretende ajustar-se o Código de Processo Penal?a uma das prioridades da 
 política de justiça, a saber, o combate à morosidade processual. 
 
 
 A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem 
 algumas causas de morosidade processual que comprometem a eficácia do direito 
 penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as 
 garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da 
 República Portuguesa, tornando-se assim imperioso efectuar algumas alterações no 
 processo penal de forma a alcançar tais objectivos. 
 
 
 Para a consecução de tais desígnios, introduz-se uma nova modalidade de 
 notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que 
 estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à 
 autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir 
 no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro 
 domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada 
 através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à 
 secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento. 
 
 
 No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com 
 indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o 
 distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do 
 notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local 
 exacto desse depósito, e envia-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal 
 remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data 
 indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação 
 esta que deverá constar do acto de notificação. 
 
 
 Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o 
 distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a 
 de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente. 
 
 
 Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto 
 pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for 
 constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, 
 n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à 
 sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a 
 esta medida de coacção, justifica-se que as posteriores notificações sejam 
 feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação 
 deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por 
 via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse 
 momento. 
 
 
 Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade 
 judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente 
 e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas 
 próprias notificações.? 
 
 
 Na verdade, a solução legal da exigência da notificação do arguido por contacto 
 pessoal, que caracterizava desde há muito tempo o nosso sistema processual penal, 
 sobretudo quando aplicada aos despachos que designam data para o julgamento, 
 havia sido num passado recente, uma das causas identificadas para os adiamentos 
 sucessivos das audiências de julgamento e para as situações de envelhecimento e 
 perecimento da prova e de prescrição de procedimentos criminais que tanto 
 comprometem a imagem social e a celeridade da administração da justiça. 
 
 
 Daí que o legislador tenha resolvido encarar esse grave problema, optando por 
 consagrar um meio de notificação mais célere e de maior facilidade de execução, 
 mas com menores garantias de certeza quanto ao real conhecimento pelo arguido do 
 conteúdo do despacho notificado. 
 
 
 
 2.3. O direito de defesa do arguido e o direito a um processo equitativo 
 
 
 O recorrente entende que a interpretação normativa sob fiscalização viola as 
 garantias de defesa do arguido em processo criminal e o direito fundamental a um 
 processo equitativo consagrados na Constituição, porque possibilita a realização 
 de julgamentos sem o conhecimento do arguido, ficando este, assim, impedido de 
 intervir no julgamento e de se defender. 
 
 
 Essa situação apenas pode ser prevenida, no entender do recorrente, através da 
 exigência da notificação ao arguido do despacho que designa data para a 
 audiência de julgamento por contacto pessoal. 
 
 
 Nos termos do n.º 4, do artigo 20.º, da Constituição, na redacção da Lei 
 Constitucional n.º 1/97, ?todos têm direito a que uma causa em que intervenham 
 seja objecto de decisão (...) mediante processo equitativo?. 
 
 
 Por outro lado, o n.º 1, do artigo 32.º, da CRP, prescreve que ?o processo 
 criminal assegura todas as garantias de defesa?. 
 
 
 Segundo GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, a relação existente entre estas duas 
 normas constitucionais é evidente (em ?Constituição da República Portuguesa 
 Anotada?, vol. I, pág. 415, da 4.ª edição, da Coimbra Editora): 
 
 
 
 «[...] O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação 
 do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva. Uma 
 densificação do processo justo ou equitativo é feita pela própria Constituição 
 em sede de processo penal (cfr. art. 32.º) - garantias de defesa, presunção de 
 inocência, julgamento em prazo curto compatível com as garantias de defesa, 
 direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, reserva de juiz 
 quanto à instrução do processo, observância do princípio do contraditório, 
 direito de intervenção no processo, etc. [...]». 
 
 
 E os mesmos Autores acrescentam mais à frente (ob. cit., fls. 516): 
 
 
 
 «[...] Em ?todas as garantias de defesa? engloba-se indubitavelmente todos os 
 direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua 
 posição e contrariar a acusação [...]». 
 
 
 A questão da forma pela qual é realizada a notificação ao arguido do despacho 
 que designa a data para a audiência de julgamento não é nada despicienda à luz 
 da Constituição. 
 
 
 A Constituição preocupa-se expressamente com a estrutura da audiência de 
 julgamento em sede de processo penal e prescreve que a mesma está subordinada ao 
 princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 4, da CRP). 
 
 
 O direito de defesa e o direito ao contraditório traduzem-se fundamentalmente na 
 possibilidade do arguido intervir no processo, invocar as razões de facto e de 
 direito, oferecer provas, controlar e contraditar todas as provas e argumentos 
 jurídicos trazidos ao processo. 
 
 
 O legislador ordinário deu corpo a esta garantia constitucional através da 
 aprovação de várias normas do Código de Processo Penal atinentes à estrutura 
 contraditória da audiência de julgamento, entre as quais avultam: 
 
 
 a) a possibilidade do arguido apresentar uma contestação e requerer a produção 
 de prova relativamente à matéria da acusação ou da pronúncia (artigo 315.º); 
 
 
 b) a regra geral da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência (artigo 
 
 332.º, n.º 1). 
 
 
 c) a regra geral da proibição de valoração de provas que não tiverem sido 
 produzidas ou examinadas em audiências (artigo 355.º, n.º 1); 
 
 
 d) a regra geral da submissão de todos os meios de prova apresentados ou 
 produzidos no decurso da audiência ao princípio do contraditório (artigo 327.º, 
 n.º 2): 
 
 
 e) o direito do arguido prestar declarações em qualquer momento da audiência, em 
 especial, no início e no final da audiência de julgamento (artigos 341.º, alínea 
 a) e 361.º). 
 
 
 Obviamente, todos estes direitos de defesa apenas poderão ser exercidos pelo 
 arguido se o mesmo for previamente notificado pelo tribunal para comparecer e 
 intervir na audiência de julgamento, dando-se-lhe conhecimento da data em que a 
 mesma se realiza. 
 
 
 Esta é uma exigência de um processo penal equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), 
 que obrigatoriamente deve assegurar todas as garantias de defesa ao arguido, 
 nomeadamente o direito ao contraditório (artigo 32.º, n.º 1 e 5, da CRP). 
 
 
 Resta saber se o meio utilizado neste processo para notificação do arguido da 
 data da realização da audiência de julgamento e considerado como o adequado pela 
 decisão recorrida ? a notificação por via postal simples para a morada indicada 
 no termo de identidade e residência prestado pelo arguido ? satisfaz aquela 
 exigência constitucional. 
 
 
 
 2.4. A jurisprudência constitucional 
 
 
 O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a forma da notificação da 
 acusação ao arguido, julgando inconstitucional a solução normativa traduzida na 
 possibilidade de notificação edital da acusação ao arguido (Acórdãos n.º 388/99 
 e 54/2000, publicados no DR, II Série, de 8 de Novembro de 1999 e de 23 de 
 Outubro de 2000, respectivamente). 
 
 
 E foi então considerado que aquela forma de notificação não era compatível com 
 as garantias de defesa ao inviabilizar o exercício do direito de requerer a 
 abertura da instrução, uma vez que só excepcionalmente tal forma de notificação 
 levaria ao conhecimento efectivo do seu destinatário o teor do despacho de 
 acusação. 
 
 
 O Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou sobre a solução normativa que 
 constitui o objecto do presente recurso de constitucionalidade, mas já teve 
 oportunidade de apreciar a constitucionalidade da utilização da notificação 
 postal simples noutros momentos do procedimento penal igualmente relevantes no 
 plano das garantias de defesa, nomeadamente para efeito de comunicação ao 
 arguido da sentença condenatória e da decisão revogatória da suspensão da 
 execução da pena de prisão. 
 
 
 Assim, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a interpretação 
 normativa que se traduz na notificação da sentença condenatória ao arguido por 
 via postal simples para a morada indicada no termo de identidade e residência, 
 na sequência de julgamento realizado na sua ausência, a seu pedido, por residir 
 no estrangeiro, tendo sido assegurada a sua representação por defensor durante a 
 audiência de julgamento (Acórdão n.º 111/2007, publicado no DR, II Série, de 20 
 de Março de 2007). 
 
 
 Diversamente, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação 
 normativa que se traduz na notificação da decisão de revogação da suspensão da 
 execução da pena de prisão ao arguido por via postal simples para a morada 
 indicada no termo de identidade e residência (Acórdão n.º 422/2005, publicado no 
 DR, II Série, de 22 de Setembro de 2005). 
 
 
 Em ambas as situações, o Tribunal Constitucional não colocou em causa a eficácia 
 da notificação por via postal simples em si mesma para assegurar a cognoscibilidade 
 do acto notificando. Porém, no último aresto, o Tribunal Constitucional não pôde 
 ser indiferente à circunstância do termo de identidade e residência se ter 
 extinguido com o trânsito em julgado da sentença condenatória, com a consequente 
 caducidade das obrigações assumidas pelo arguido relativamente à morada aí indicada 
 para efeito de ulteriores notificações por via postal simples. 
 
 
 A utilização da notificação por via postal simples iniciou-se no âmbito do 
 processo civil, área onde também se faz sentir, ainda que com diferentes 
 consequências, o peso do direito fundamental a um processo equitativo e da 
 proibição da indefesa, que acabam por ser transversais a todos os ramos de 
 direito adjectivo. 
 
 
 Efectivamente, basta ter presente que numa acção cível declarativa, a mera 
 revelia do demandado pode gerar consequências bastantes desfavoráveis, nomeadamente 
 o efeito cominatório semi-pleno (confissão dos factos articulados pelo autor) 
 que pode levar à rápida condenação do demandado no pagamento de quantias de 
 valores muito elevados. 
 
 
 Em particular, e com pontos de contacto evidentes com a situação sob análise, 
 importa relembrar que, com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 183/2000, de 10 
 de Agosto, nas acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de 
 contrato reduzido a escrito, a citação passou a ser efectuada mediante o envio 
 de carta simples, com prova de depósito, dirigida ao citando e endereçada para o 
 domicílio ou sede que tenha sido inscrito naquele contrato para identificação da 
 parte, excepto se esta tiver expressamente convencionado outro local onde se 
 deve considerar domiciliada ou sediada para efeitos de realização da citação em 
 caso de litígio, tudo acompanhado da concessão da dilação de 30 dias para o 
 início do prazo de contestação (artigos 236.º-A, n.os 1, 5 e 6, e 252.º-A, n.º 3, 
 do CPC). 
 
 
 Ora, o Tribunal Constitucional foi também chamado a apreciar a conformidade 
 constitucional desta nova solução legal e não a reputou inconstitucional à luz 
 das exigências inerentes ao direito a um processo equitativo (Acórdão n.º 182/2006, 
 publicado no DR, II Série, de 8 de Março de 2006). 
 
 
 Segundo o Tribunal Constitucional, as exigentes formalidades e as especiais 
 cautelas adoptadas no sistema de notificação por via postal simples ofereciam 
 garantias suficientes de que o acto de comunicação seria colocado na área de 
 cognoscibilidade do seu destinatário em termos de ele poder exercer os seus 
 direitos de defesa. 
 
 
 Foi também então entendido que não surgia excessivamente oneroso para os 
 particulares destinatários das comunicações judiciais, no âmbito do dever de 
 colaboração com a justiça, enquanto manifestação de uma cidadania responsável, a 
 manutenção, em condições de segurança, dos receptáculos existentes para a correspondência 
 postal que lhes seja dirigida e a consulta regular dos mesmos. 
 
 
 
 2.5. A Jurisprudência do TEDH 
 
 
 Também com relevância para o caso em apreço, importa ter presente que o artigo 6.º, 
 n.º 3, alíneas c) e d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dispõe que 
 o acusado tem inter alia o direito de defender-se a si próprio e de interrogar 
 ou fazer interrogar as testemunhas de acusação. 
 
 
 Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, os referidos 
 direitos só podem ser exercidos plenamente na própria audiência de julgamento, 
 para a qual o acusado tem de ser adequadamente notificado, sem prejuízo da 
 possibilidade de ulterior renúncia ao direito de intervir na audiência (Decisão 
 do caso Colozza v. Italy, de 12 de Fevereiro de 1985, Decisão do caso T. v. 
 Italy, de 12 de Outubro de 1992, Decisão do caso Somogyi. v. Italy, de 18 de 
 Maio de 2004, Decisão do caso Sejdovic. v. Italy, de 10 de Novembro de 2004, 
 Decisão do caso R. R. v. Italy, de 9 de Junho de 2006, disponíveis em www.echr.coe.int). 
 
 
 Nestes arestos, o TEHD, quanto à forma adoptada para efectuar a notificação do 
 acusado para a audiência de julgamento, entendeu que os Estados Contratantes 
 gozam de uma ampla discricionariedade na escolha dos meios utilizados para 
 realizar a referida notificação, desde que seja garantida a efectividade do 
 conhecimento pelo acusado através dos procedimentos legalmente previstos, não 
 relevando, assim, um conhecimento presumido, vago ou informal. 
 
 
 
 2.6. Da constitucionalidade da interpretação normativa questionada 
 
 
 No essencial, o recorrente entende que a notificação por aviso postal simples do 
 despacho que designa dia para a audiência de julgamento não assegura a 
 cognoscibilidade do acto notificando. 
 
 
 Atenta a importância da presença e da intervenção do arguido na audiência de 
 julgamento, acima colocada em evidência, é manifesto que a respectiva notificação 
 deve assumir uma forma que permita assegurar, com alguma segurança, que o 
 arguido teve efectivo conhecimento do acto notificando. 
 
 
 Também ninguém questiona que a notificação por contacto pessoal é a forma mais 
 segura de comunicação dos actos. 
 
 
 Todavia, a solução legal da exigência da notificação do arguido por contacto 
 pessoal, levanta sérios problemas, pois, quando pensada em termos sistemáticos 
 para garantir o princípio do contraditório em todos os momentos processualmente 
 mais relevantes, conduz necessariamente ao bloqueamento da administração da 
 justiça penal. 
 
 
 Para alcançar essa conclusão, basta recordar que no âmbito do processo penal 
 comum, em termos de normalidade, o arguido precisa de ser contactado e/ou 
 convocado, pelo menos, em três momentos processuais relevantes para efeito de 
 exercício do contraditório até ser proferida sentença em primeira instância: 1) 
 notificação do arguido para efeito de prestação de declarações durante o 
 inquérito; 2) notificação da acusação ao arguido; 3) notificação do despacho que 
 designa data para a audiência de julgamento ao arguido. 
 
 
 
 É por demais evidente que a exigência da notificação do arguido por contacto 
 pessoal em todas as referidas situações conduz a bloqueios óbvios e inaceitáveis 
 ao longo de todo o procedimento criminal, sobretudo a partir do encerramento do 
 inquérito e da dedução da acusação. 
 
 
 Foi, aliás, a constatação dessa situação que motivou o legislador a substituir a 
 notificação pessoal pela notificação através de envio de aviso postal para 
 morada previamente indicada pelo arguido para esse fim, procurando assim 
 consagrar uma solução que conciliasse a celeridade processual com a necessidade 
 do arguido ter um efectivo conhecimento da data da realização da audiência de 
 julgamento para nela poder exercer os seus direitos de defesa. 
 
 
 Não se esqueça que a celeridade processual em matéria penal também tem dignidade 
 constitucional ? já que todo o arguido deve ser julgado no mais curto prazo e 
 até pode ser julgado na ausência ?, estando o legislador ordinário apenas 
 obrigado a que as soluções adoptadas nesse sentido não comprometam as garantias 
 de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 2, 2.ª parte, e n.º 6, da CRP). 
 
 
 Daí que seja obrigação do legislador conciliar estes diferentes interesses do 
 processo penal. 
 
 
 Ora, a solução normativa da notificação por via postal simples, se não é capaz 
 de assegurar, com uma certeza absoluta, que o arguido teve conhecimento da data 
 designada para a realização do julgamento, oferece garantias suficientes de que 
 o respectivo despacho é colocado na área de cognoscibilidade do arguido em 
 termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa. 
 
 
 Na verdade, não se pode dizer a respeito desta forma de notificação que a mesma 
 não é idónea a transmitir o acto notificando ao conhecimento do destinatário. 
 
 
 E muito menos se pode dizer que a notificação em questão seja realizada 
 relativamente a arguidos que nem sequer conhecem formalmente a pendência de um 
 procedimento criminal contra si ? como, aliás, sucedeu na maioria dos casos 
 acima referidos que foram submetidos ao crivo do TEDH. 
 
 
 Pelo contrário, tenha-se presente que a solução legal da notificação por via 
 postal simples pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o processo, 
 consubstanciado, pelo menos, na respectiva constituição como arguido e na 
 respectiva sujeição a termo de identidade e residência. 
 
 
 Por outro lado, o receptáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo 
 funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é 
 exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido. 
 
 
 
 É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer 
 motivo (v.g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente, 
 por desleixo) deixa de aceder ao referido receptáculo postal, sem que 
 previamente comunique essa situação ao tribunal. 
 
 
 Mas o não conhecimento pelo arguido do acto notificado nestas situações é 
 imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de 
 identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar 
 assiduamente a correspondência colocada no receptáculo por si indicado e de 
 comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse 
 local. 
 
 
 Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta 
 modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne 
 efectivo esse conhecimento. 
 
 
 Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo 
 esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado 
 que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a 
 facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir. 
 
 
 Além disso, faz-se notar que o depósito da carta pelo distribuidor postal não 
 gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor 
 postal e é rodeada de algumas cautelas processuais. 
 
 
 De facto, importa ter presente que o despacho que designa data para a audiência 
 de julgamento deve ser notificado ao arguido, pelo menos, 30 dias antes da 
 referida data ? para permitir a organização da defesa e para prevenir também 
 eventuais ausências superiores a 5 dias ?, e que essa notificação é também 
 realizada na pessoa do defensor, o qual, em regra, na observância dos seus 
 deveres profissionais, não deixará de tentar entrar em contacto com o arguido 
 para efeito de preparação da defesa. Caso o arguido esteja efectiva e 
 genuinamente contactável para efeito de intervenção no procedimento criminal, 
 raramente se frustrará a comunicação entre o defensor e o arguido durante o 
 referido prazo de 30 dias que antecede o início da audiência de julgamento. 
 
 
 Finalmente, e ainda que as garantias previstas para uma dada fase processual não 
 possam ser completamente postergadas com base na invocação de garantias 
 previstas para a fase processual subsequente, não se pode deixar de relembrar 
 que a defesa do arguido ausente é sempre assumida pelo defensor e, que nesse 
 caso, a lei exige a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal, 
 estando assim minimamente acauteladas as garantias de defesa, incluindo o 
 direito ao recurso (artigos 333.º, n.os 5 e 6, e 334.º, n.º 4, do CPP). 
 
 
 Ponderados todos estes dados, conclui-se que a modalidade de notificação aqui em 
 análise não deixa de satisfazer a exigência de que deve ser proporcionado ao 
 arguido um efectivo conhecimento da data da realização da audiência de 
 julgamento, de modo a que este possa exercer os seus direitos de defesa. 
 
 
 Deve, assim, este recurso ser julgado improcedente porque não se vislumbra que a 
 interpretação normativa aqui fiscalizada viole qualquer parâmetro constitucional, 
 maxime as garantias de defesa do arguido em processo criminal e o direito 
 fundamental a um processo equitativo. 
 
 
 
 * 
 
 
 Decisão 
 
 
 Nestes termos, decide-se 
 
 
 a) Não conhecer do recurso quanto às questões de constitucionalidade das 
 interpretações normativas dos artigos 63.º, n.º 1, e 333.º, n.º 3, do Código de 
 Processo Penal; 
 
 
 b) não julgar inconstitucional as normas constantes dos art. 113.º, n.º 9, e 313.º, 
 n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o arguido 
 não tem de ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para 
 a audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal 
 simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência; 
 
 
 c) e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional por A., do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido 
 nestes autos em 23 de Abril de 2009. 
 
 
 
 * 
 
 
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, 
 de 4 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma). 
 
 
 Lisboa, 12 de Janeiro de 2010 
 
 
 João Cura Mariano 
 
 
 Joaquim de Sousa Ribeiro 
 
 
 Benjamim Rodrigues 
 
 
 Rui Manuel Moura Ramos