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Processo n.º 384/08
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
 
 Acordam, na 1ª Secção, do Tribunal Constitucional
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. A., LDA, ora recorrente, impugnou judicialmente a liquidação de IRC do 
 exercício de 2002, no montante de €181.736,72. Para o efeito invocou, no 
 essencial, a ilegalidade da referida liquidação, porquanto a acção de 
 fiscalização se prolongou para lá do período de seis meses estipulado pela lei. 
 Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 8 de Março de 
 
 2007, a impugnação foi julgada improcedente.
 
  
 
 2. Inconformada com esta decisão a impugnante recorreu para o Supremo Tribunal 
 Administrativo, tendo, a concluir a sua alegação e para o que agora importa, 
 afirmado que: “A interpretação conjugada dos artigos 14º e 36º, nºs 1, 2 e 3, do 
 RCPIT, na redacção anterior à Lei 50/2005, de 30 de Agosto, e 46º, nº 1, da LGT, 
 segundo a qual, os prazos definidos na lei para a inspecção apenas relevam no 
 
 âmbito do instituto da caducidade, é inconstitucional por violação do artigo 
 
 266º, nº 2, da CRP”.
 
  
 
 3. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 27 de Fevereiro de 2008, 
 negou provimento ao recurso, fundamentando assim, na parte ora relevante, a 
 decisão:
 
 “(…) A discordância da recorrente com a sentença assenta em que a inspecção 
 durou mais do que os seis meses previstos na lei, sendo ilegais as prorrogações 
 de que foi objecto. Assim, o procedimento inspectivo é anulável, e nulo o acto 
 de liquidação que dele resultou.
 A sentença, ao invés, decidiu que o excesso de procedimento «não tem qualquer 
 efeito sobre a validade da liquidação». Para isso, afastou a «aplicação ao caso 
 dos autos» do n° 5 do artigo 45º da LGT, «eliminado pela Lei n° 32-B/2002, de 
 
 30/12». Porque, reconheceu, «o n° 5 do art.° 45. ° da LGT, na redacção da Lei n° 
 
 15/2001, de 5 de Junho, apontava para outra solução, já que estabelecia um 
 limite ao próprio prazo de caducidade». 
 A sentença aparenta acompanhar, deste modo, a jurisprudência deste Tribunal, 
 consubstanciada em acórdão de 29 de Novembro de 2006, no processo n° 695/06, 
 que, aliás, cita, como faz o Exm°. Procurador-Geral Adjunto. Aí se entendeu que 
 
 « (...) o prazo de inspecção é contínuo, devendo esta ser concluída no prazo de 
 
 6 meses, com as excepções previstas no n° 3 deste artigo [46° da LGT]. 
 E que consequência para a violação de tal prazo? 
 O citado artigo 46°, n° 1 da LGT diz-nos qual a consequência: o prazo de 
 caducidade, que estava suspenso, cessa esse efeito, contando-se o prazo desde o 
 seu início.
 
 É esta a consequência. E mais nenhuma. O legislador pretende que o prazo de 
 inspecção não seja ultrapassado. E, se for ultrapassado, há uma consequência 
 para a administração fiscal. Tudo se passa como se não tivesse sido feita a 
 inspecção correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer 
 suspensão».
 
 [...]
 
 3.5. O direito à liquidação de impostos caduca, em regra, nos periódicos, com o 
 decurso de 4 anos após o termo daquele em que ocorreu o facto tributário. É o 
 que resulta do disposto no artigo 45º n.°s. 1 e 4 da LGT. 
 Sendo o imposto ora em causa o IRC relativo ao exercício do ano de 2002, o 
 direito a liquidá-lo ocorreria, se nada mais houvesse a considerar, em 1 de 
 Janeiro de 2007. 
 A liquidação teve lugar em 25 de Maio de 2005. E, ainda que na sentença se não 
 tenha fixado a data da respectiva notificação, é seguro que ela ocorreu antes de 
 
 6 de Julho de 2005, data que na decisão impugnada se estabeleceu como limite 
 para o pagamento voluntário. 
 Assim, e se nada mais relevasse, quando a liquidação foi notificada à recorrente 
 estava longe de caducar o direito respectivo. 
 
 3.6. Defende a recorrente que também o direito à inspecção caduca, pois é de 
 caducidade, por força do disposto no artigo 298° n° 2 do Código Civil, o prazo 
 para o efeito fixado na lei.
 Pode, efectivamente, defender-se que o artigo 36° n.º 1 do RCPIT, ao dispor que 
 o procedimento de inspecção só pode iniciar-se até ao termo do prazo de 
 caducidade do direito de liquidação, estabelece um prazo de caducidade para o 
 exercício do direito à inspecção.
 
 É, porém, certo que o artigo 298° n° 2 do Código Civil não visa a prática de 
 actos judiciais ou procedimentais, mas o exercício de direitos atribuídos pela 
 ordem jurídica, cujo titular é livre de os usar ou não, o que não acontece com o 
 Estado que, estando obrigado a cobrar impostos, obrigado está, também, a adoptar 
 os procedimentos necessários ao apuramento da realidade material em que assenta 
 a tributação. Conforme é referido na letra do artigo, ele refere-se aos direitos 
 que a lei não considere indisponíveis. Assim, o prazo de que a Administração 
 dispõe para proceder a inspecções externas não estaria sujeito a caducidade. Mas 
 também é verdade que o direito à liquidação, sendo indisponível, nem por isso 
 deixa de estar submetido a um prazo de caducidade. 
 Acontece que, no caso, o procedimento inspectivo iniciou-se dentro do prazo a 
 que se refere o artigo 36° n° 1 do RCPIT, assim escapando à alegada caducidade. 
 
 3.7. Nos termos do artigo 46°, n° 1, da LGT, o prazo de caducidade do direito à 
 liquidação suspende-se com a notificação da ordem de serviço no início da acção 
 de inspecção externa. 
 Já se viu que é desconhecida a data dessa notificação, mas infere-se ser 
 anterior a 18 de Novembro de 2003, pois é de supor que o anúncio da acção 
 inspectiva ao sujeito visado tenha antecedido o seu começo, como, aliás, é 
 imposição legal. Porém, ainda de acordo com a mesma norma, o efeito interruptivo 
 do prazo de caducidade cessa se a inspecção se prolongar para além do prazo 
 legal.
 Não sabemos, também, qual o prazo legal para terminar a inspecção: nos termos do 
 artigo 36° n° 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária 
 
 (RCPIT) aprovado pelo decreto-lei n° 413/98, de 31 de Dezembro, o procedimento 
 deve ser concluído dentro de seis meses após a notificação exigida pelo artigo 
 
 49° n° 1 do diploma. E a data dessa notificação não foi apurada.
 Ignora-se, deste modo, se o efeito interruptivo chegou a cessar.
 Mas, independentemente do efeito interruptivo do prazo de caducidade, 
 coincidente com a notificação do início da acção inspectiva; e da eventual 
 cessação desse efeito, em resultado do alegado prolongamento indevido daquela 
 acção — independentemente de tudo isso, o certo é que nunca, em 6 de Julho de 
 
 2005, estava esgotado o prazo de caducidade do direito à liquidação. 
 
 É que do regime dos artigos 45° e 46° da LGT, na sua actual redacção, em caso 
 algum resulta que da inspecção resulte o encurtamento do prazo geral de 
 caducidade de quatro anos previsto no n° 1 daquela primeira norma.
 Essa redução do prazo só poderia ocorrer em resultado da aplicação do n° 5 do 
 dito artigo 45°; mas, como se viu, esta norma não rege o presente caso.
 Assim, mesmo sem conhecermos outros factos, além dos já apontados, alegados pela 
 recorrente e não atendidos na sentença, designadamente, que o âmbito da 
 inspecção foi definido pela própria Administração Fiscal como parcial, e que 
 houve duas prorrogações do prazo para conclusão da inspecção, mesmo sem isso, 
 podemos concluir com segurança que não caducou o direito à liquidação.
 
 3.8. Aponta, por último, a recorrente, a violação dos princípios da legalidade, 
 da proporcionalidade, da necessidade, da imparcialidade, e do numerus clausus em 
 matéria de impostos. 
 Aquilo contra o que reagiu a agora recorrente, através do presente processo, foi 
 o acto de liquidação de IRC relativo ao exercício do ano de 2002. 
 O êxito da impugnação, ou seja, a anulação desse acto, depende da verificação 
 judicial de que ele enferma dos vícios invocados pela impugnante, ou de outros 
 que o juiz deva conhecer por dever de ofício. Já se viu que o acto de liquidação 
 não foi praticado depois de passado o respectivo prazo de caducidade. E outro 
 vício próprio do dito acto não aponta a impugnante/recorrente. 
 O vício que alega — e se consubstancia em a inspecção ter demorado mais do que o 
 tempo legal — é próprio do procedimento inspectivo, e não se comunica ao de 
 liquidação. 
 Como se viu, fora do campo de aplicação do n° 5 do artigo 45° da LGT, do excesso 
 do prazo de inspecção não resulta o encurtamento do prazo de caducidade do 
 direito à liquidação, ou seja, o prazo é meramente ordenador ou disciplinador.
 O procedimento inspectivo é distinto do de liquidação, ainda que, como estatui o 
 artigo 11º do RCPIT, sob a epígrafe «impugnabilidade dos actos», tenha «um 
 carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários ou em matéria 
 tributária, sem prejuízo do direito de impugnação das medidas cautelares 
 adoptadas ou de quaisquer outros actos lesivos dos direitos e interesses 
 legítimos dois sujeitos passivos e demais obrigados tributários». 
 Deste modo, e em resultado do carácter meramente preparatório ou acessório 
 atribuído ao procedimento de inspecção, a regra é que as ilegalidades nele 
 cometidas se projectam na liquidação, acto definidor da situação tributária do 
 sujeito passivo. Mas são imediatamente impugnáveis os actos lesivos praticados 
 no procedimento inspectivo, como será o caso daquele que, ilegalmente, determina 
 o prolongamento da inspecção, porventura ofendendo, como é tese da recorrente, 
 os princípios constitucionais da legalidade (ao. prorrogar o prazo para a sua 
 conclusão para além do que lhe permitia a lei), da proporcionalidade e da 
 necessidade (ao causar transtornos - em todo o caso, não concretizados 
 superiores aos que a realização do direito à tributação implicava), e da 
 
 «imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade», bem como a 
 garantia da recorrente a um procedimento inspectivo confinado aos limites 
 temporais fixados na lei. 
 De todo o modo, o excesso do prazo da inspecção não tem, no caso, nenhum relevo 
 invalidante quanto à liquidação, já que a impugnante se não queixa de ter havido 
 violação daqueles princípios e garantias quando a Administração constatou que os 
 elementos da sua escrita ocultavam a realidade dos seus negócios, impossível de 
 atingir através de tais elementos, e por isso se viu na necessidade de se 
 socorrer de métodos indirectos; nem quando a Administração fixou, por essa via, 
 o seu lucro tributável; nem quando, por fim, lhe fixou o montante de imposto 
 devido, isto é, a medida do esforço para as despesas da comunidade 
 correspondente aos ganhos que a sua contabilidade não revelava. 
 E, assim, o excesso do prazo ordenador fixado na lei não é vício que inquine a 
 liquidação.”
 
  
 
 5. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de 
 constitucionalidade, através de um requerimento que tem, em síntese, o seguinte 
 teor:
 
 “[…] a) O presente recurso é interposto nos termos da al. b) do n. ° 1 do art. 
 
 70.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela 
 Lei n. ° 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei n. ° 13-A/98, de 26 de Fevereiro; 
 b) Pretende a recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 
 conjugados, 46. °, n.° 1 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 
 
 398/98 de 17 de Dezembro (LGT) e 36.°, n.°s 1 e 2 do Regime Complementar do 
 Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n. ° 413/98 de 
 
 31 de Dezembro (RCPIT), na interpretação segundo a qual, os prazos definidos na 
 Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do instituto da 
 caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito a legalidade 
 da liquidação, mormente na vigência do n.° 3 do art. 36.°, na redacção anterior 
 
 à Lei n.° 50/2005, de 30 de Agosto, conjugado com o n. ° 1, als. a) e b) do art. 
 
 14.°, ambos do RCPIT, em sede de procedimento qualificado como parcial;
 c) De facto, no modesto entendimento da recorrente, tais normas assim 
 interpretadas, violam os princípios da proporcionalidade, necessidade, 
 imparcialidade e legalidade, consagrados no art. 266, n.° 2 da Constituição da 
 República Portuguesa; 
 d) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nas Alegações de Recurso 
 interposto da Sentença de 1 a Instância para o Supremo Tribunal Administrativo, 
 com data de entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada de 9 de Maio 
 de 2007 (…)”.
 
  
 
 6. Notificada a recorrente para alegar, concluiu do seguinte modo:
 
 “I. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à 
 Lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios 
 da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé 
 
 (art. 266.°, n.° 2 da CRP).
 II. Por força do princípio da prevalência da lei, dimensão do princípio da 
 legalidade, os actos da administração devem conformar-se com as leis, sob pena 
 de violação do princípio da subordinação da administração à lei. 
 III. Sendo o procedimento inspectivo efectuado em sede de IVA e IRS, tal basta 
 para que o procedimento inspectivo seja considerado como parcial ou univalente 
 
 (al. b) do n.° 1 do art. 14.° do RCPIT).
 IV. .A lei determina que o prazo para conclusão do procedimento de inspecção é 
 de seis meses (art. 36.°, n.° 2 do RCP1T).
 V. De acordo com a lei em vigor à data da acção inspectiva na génese dos 
 presentes autos, a lei não permitia a prorrogação de inspecções de âmbito 
 parcial ou univalente (art. 36. °, n. ° 3 do RCPIT).
 VI. Durante a vigência do n.° 3 do art. 36.°, do RCPIT, na redacção anterior à 
 Lei n.° 50/2005, de 30 de Agosto, as prorrogações de acção inspectiva de âmbito 
 parcial, são ilegais.
 VII.O prazo de duração da acção inspectiva, não se afigura como meramente 
 ordenador ou disciplinador.
 VIII. O entendimento contrário, conduziria a que desde que respeitado o prazo de 
 caducidade do direito à liquidação, a inspecção tributária pudesse durar não 
 seis meses, mas indefinidamente, esvaziando de qualquer conteúdo as normas 
 legais a que deve obedecer a duração do procedimento de inspecção, as quais 
 constituem garantias dos contribuintes.
 IX. Mais, tal entendimento torna totalmente inúteis os prazos de inspecção, as 
 condições em que podem os mesmos serem prorrogados, bem como, o imperativo da 
 notificação de tais prorrogações, o que equivale a presumir que o legislador foi 
 distraído e colide de frente com o disposto no art. 9.°, n.° 3 do CC
 X. Para além, de tal entendimento atentar contra a LGT, diploma que o RCPIT visa 
 regulamentar, porquanto o legislador definiu os casos restritos em que pode ser 
 efectuado mais do que um procedimento inspectivo relativo ao mesmo período (n. ° 
 
 3 do art. 63.° da LGT).
 XI. Na verdade, se o legislador pretendeu evitar que o contribuinte fosse 
 sujeito a várias fiscalizações relativas ao mesmo período, tal entendimento 
 conduziria, salvo o devido respeito, a deixar entrar pela janela aquilo a que o 
 legislador fechou a porta.
 XII. Apenas agindo de forma ilegal, a Administração Fiscal finalizou o 
 procedimento inspectivo, motivo pelo qual, estando a actuação daquela sujeita ao 
 princípio da legalidade consagrado no art. 266.°, n.° 2 da CRP, não deveria ter 
 prevalecido a liquidação por resultar de uma inspecção ilegalmente efectuada.
 XIII. Assim, estabelecendo a lei o prazo de seis meses para a conclusão do 
 procedimento de inspecção, prazo que não se afigura como meramente ordenador ou 
 disciplinador e, que em sede de procedimento inspectivo de âmbito parcial ou 
 univalente não podia sequer, antes da entrada em vigor da Lei n.° 50/2005, de 30 
 de Agosto ser prorrogado, os artigos conjugados 46.°, n.° 1 da LGT e 36.°, n.°s 
 
 1 e 2 do RCPIT, são inconstitucionais na interpretação segundo a qual, os prazos 
 definidos na Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do 
 instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito 
 a legalidade da liquidação, por violação do princípio da legalidade consagrado 
 no art. 266. °, n.° 2 da CRP.
 XIV.O Legislador do RCPIT, consagrou, em regra, o prazo de seis meses para 
 conclusão da inspecção tributária, no cumprimento do princípio legal da 
 proporcionalidade, consagrado no n.° 2 do art. 266.° da CRP, considerando tal 
 prazo, como de entre os meios adequados à prossecução do interesse público, 
 aquele que menos sacrifício representa para os particulares.
 XV. Na sua actuação a Administração Fiscal encontra-se ainda vinculada ao 
 princípio da imparcialidade, por imperativo constitucional, consagrado no art. 
 
 66.°, n.° 2 da CRP, principio que aquando da colisão entre o interesse público e 
 o interesse particular, impede a Administração Fiscal de impor aos particulares 
 mais do que o mínimo de sacrifício;
 XVI. Assim, estabelecendo a lei o prazo de seis meses para a conclusão do 
 procedimento de inspecção, prazo que se configura como de entre os adequados à 
 prossecução do interesse público, aquele que menos sacrifício representa para os 
 contribuintes, os artigos conjugados 46°, n. ° 1 da LGT e 36.°, n.°s 1 e 2 do 
 RCPIT, são inconstitucionais na interpretação segundo a qual, os prazos 
 definidos na Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do 
 instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito 
 a legalidade da liquidação por violação dos princípios da proporcionalidade, 
 necessidade e imparcialidade, consagrados no art. 266°, n. ° 2 da CRP.
 XVII. Nas alegações de recurso para o Tribunal Constitucional pode ser invocada 
 a violação de normas e princípios constitucionais, cuja violação não havia sido 
 invocada durante o processo ou sequer no requerimento de interposição do recurso 
 de inconstitucionalidade, porquanto não acarretam alteração do objecto do 
 recurso.
 XVIII. Na sua actuação os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à 
 Constituição (art. 266. °, n.° 2 da CRP (1ª parte).
 XIX. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática, 
 sendo que a validade dos actos praticados por qualquer entidade pública depende 
 da conformidade com a Constituição (art. 3.° n.°s 2 e 3.° da CRP).
 XX. Assim, determinando a CRP que a Administração deve actuar no respeito pelo 
 princípio da legalidade, proporcionalidade, necessidade, imparcialidade, 
 consagrados no seu art. 266. °, n.° 2, os artigos conjugados, 46. °, n.° 1 da 
 LGT e 36.°, n.°s 1 e 2 do RCPIT, na interpretação segundo a qual, os prazos 
 definidos na Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do 
 instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito 
 a legalidade da liquidação, mormente na vigência do n.° 3 do art. 36.°, na 
 redacção anterior à Lei n.° 50/2005, de 30 de Agosto, conjugado com o n. ° 1, 
 als. a) e b) do art. 14°, ambos do RCPIT, em sede de procedimento qualificado 
 como parcial, são ainda inconstitucionais por violação dos arts. 2.°, 3º, 266. ° 
 n° 2 (1ª parte) da CRP.
 XXI. Em sede de Direito Fiscal, atendendo à sua natureza, o Legislador 
 Constitucional consagrou em sede de princípio da legalidade, um “plus”, 
 relativamente à actuação da generalidade da Administração, consagrado no art. 
 
 266. °, n.° 2 da CRP, que se manifesta em sede de liquidação dos impostos (art. 
 
 103.°, n.° 2 e 3 da CRP).
 XXII. Assim, estabelecendo a lei o prazo de seis meses para a conclusão do 
 procedimento de inspecção, prazo que não se afigura como meramente ordenador ou 
 disciplinador e, que em sede de procedimento inspectivo de âmbito parcial ou 
 univalente não podia sequer, antes da entrada em vigor da Lei n.° 50/2005, de 30 
 de Agosto ser prorrogado, os artigos conjugados 46°, n° 1 da LGT e 36°, n.°s 1 e 
 
 2 do RCPIT, são inconstitucionais na interpretação segundo a qual, os prazos 
 definidos na Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do 
 instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito 
 a legalidade da liquidação por violação do princípio da legalidade fiscal 
 consagrado no art. 103. °, n.°s 1 e 2 da CRP. Nestes termos, nos melhores de 
 direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., devem as presentes 
 alegações e respectivas conclusões serem recebidas e as questões de 
 inconstitucionalidade suscitadas serem apreciadas e em consequência, declaradas 
 inconstitucionais as normas conjugadas em causa, nos termos expostos, com todas 
 as consequências legais dai advindas. 
 
  
 
 7. Notificada para responder, querendo, à alegação do recorrente, a Fazenda 
 Pública veio sustentar a improcedência do recurso.
 
  
 Corridos os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 II – Fundamentação.
 
  
 
 8. Os preceitos de que se extrai a norma cuja constitucionalidade a recorrente 
 pretende ver apreciada têm o seguinte teor: 
 O artigo 46º da LGT:
 
 “1. O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos 
 termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção 
 externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu 
 início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de 6 
 meses”.
 
  
 O artigo 36º, nºs 1 e 2 do RCPIT: 
 
 “1. O procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo 
 de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento 
 sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a 
 situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e 
 demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.
 
 2. O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo 
 de seis meses a contar da notificação do seu início”.
 
  
 Considerou a decisão recorrida que o desrespeito pelo prazo de 6 meses ali 
 definido para a realização da inspecção tributária apenas releva no âmbito do 
 instituto da caducidade, determinando a cessação da suspensão do prazo de 
 caducidade, que se passará a contar (sem suspensão) desde o seu início, mas não 
 determina a invalidade da própria liquidação. Diferentemente, sustenta a 
 recorrente que o desrespeito daquele prazo determina a invalidade (nulidade) da 
 própria liquidação e, para o que agora importa, que os preceitos em causa são 
 inconstitucionais, designadamente por violação dos princípios da legalidade, 
 proporcionalidade, necessidade e imparcialidade, consagrados no art. 266º, n.º 2 
 da Constituição, quando interpretados, como na decisão recorrida, no sentido de 
 que “os prazos definidos na lei para a inspecção tributária apenas relevam no 
 
 âmbito do instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu 
 desrespeito a legalidade da liquidação, mormente na vigência do n.º 3 do art. 
 
 36°, na redacção anterior à Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, conjugado com o n. 
 
 ° 1, als. a) e b) do art. 14°, ambos do RCPIT, em sede de procedimento 
 qualificado como parcial”.
 
  
 Antes, porém, de apreciar a questão colocada, importa sublinhar que, dada a 
 natureza da intervenção do Tribunal Constitucional no âmbito do processo de 
 fiscalização concreta, restrita à apreciação da constitucionalidade da norma 
 efectivamente aplicada na decisão recorrida, não está em causa neste recurso, 
 nem poderia nunca estar, a determinação de qual a “melhor interpretação” das 
 normas infraconstitucionais questionadas. Com esta advertência, analisemos então 
 a questão de constitucionalidade.
 
  
 
 9. Será inconstitucional, como entende a recorrente, designadamente por violação 
 dos princípios consagrados no art. 266º, n.º 2, da Constituição, interpretar os 
 preceitos supra identificados no sentido de considerar que o desrespeito pelo 
 prazo de 6 meses neles definido para a realização da inspecção tributária apenas 
 releva no âmbito do instituto da caducidade, determinando a cessação da 
 suspensão do prazo de caducidade, que passará a contar-se (sem suspensão) desde 
 o seu início, mas sem determinar a invalidade da própria liquidação? Vejamos.
 
  
 
 9.1. Desde logo é manifesto que a interpretação normativa que vem questionada 
 não implica qualquer violação do princípio constitucional da legalidade (B.1 a 
 B.22 das alegações de recurso e conclusões I a XIII). Com efeito, considerando a 
 decisão recorrida que a consequência legalmente prevista para o incumprimento do 
 prazo definido para a realização da inspecção tributária é a cessação da 
 suspensão do prazo de caducidade (consequência resultante directamente do 
 próprio teor do preceito questionado), deixa de ter qualquer sentido a 
 invocação, nesta sede, da violação do princípio da legalidade. É certo que, na 
 interpretação que a ora recorrente faz das normas de direito infraconstitucional 
 relevantes, a consequência legalmente estabelecida para aquele incumprimento 
 seria outra (a invalidade da liquidação); mas, como é evidente, esta já não é 
 uma questão de constitucionalidade normativa, que a este Tribunal caiba dirimir, 
 mas de mera interpretação do direito ordinário, que, no caso, como já se viu, é 
 da exclusiva competência dos tribunais fiscais.
 
  
 
 9.2. A interpretação normativa que vem questionada também não viola, por outro 
 lado, os princípios constitucionais da proporcionalidade ou da necessidade (B.23 
 a B.34 das alegações de recurso e conclusões XIV a XVI). Com efeito, ao mesmo 
 tempo que tem reconhecido a consagração constitucional desses princípios, o 
 Tribunal Constitucional tem, contudo, também reiteradamente, sublinhado que se 
 não deve simultaneamente perder de vista que o juízo de constitucionalidade se 
 não pode confundir com um juízo sobre o mérito da lei, pelo que não cabe ao 
 Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na determinação das opções 
 políticas sobre a necessidade ou a conveniência de uma concreta opção 
 legislativa. Na verdade, é pacífico que não pertence aos órgão jurisdicionais, 
 mas sim às entidades dotadas de poder legislativo, a deliberação não só sobre a 
 oportunidade desta ou daquela lei mas também sobre a sua bondade intrínseca. Daí 
 que ao juiz constitucional apenas caiba verificar a conformidade das normas 
 aplicadas com os critérios constitucionais, sem transformar o juízo de 
 constitucionalidade em juízo sobre o mérito da própria lei.
 
  
 Isto dito, é manifesto que a opção legislativa por que, na interpretação da lei 
 que faz a decisão recorrida, optou o legislador – i.e., fixar um prazo regra de 
 seis meses para a realização da inspecção tributária e sancionar o seu 
 incumprimento com a cessação da suspensão do prazo de caducidade, em vez de 
 fulminar esse incumprimento com a nulidade da liquidação – não pode entender-se 
 como manifestamente desproporcionada do ponto de vista dos interesses em jogo em 
 termos de permitir um juízo de censura por parte deste Tribunal. Quer porque 
 essa solução visa assegurar que o Estado arrecada a receita fiscal que lhe é 
 devida, quer porque ela não desprotege o contribuinte na medida em que 
 precisamente sanciona o incumprimento daquele prazo com a cessação da suspensão 
 do prazo de caducidade.
 
  
 
 9.3. Afirma ainda a recorrente que a interpretação normativa que vem questionada 
 viola o princípio da imparcialidade (B.35 a B.38 das alegações de recurso e 
 conclusão XVI). Verifica-se, porém, que, na fundamentação deste ponto, a 
 recorrente acaba por reconduzir esta questão à da violação do princípio da 
 proporcionalidade, já apreciada no ponto anterior, pelo que apenas há que 
 concluir, também aqui, pela improcedência do que vem alegado.
 
  
 
 9.4. Finalmente (C.39 a C.54 das alegações de recurso e conclusões XVII a XXII), 
 invoca a recorrente a violação dos artigos 2º, 3º, e 103º, nºs 2 e 3 da 
 Constituição. Trata-se, como a própria reconhece, da invocação da violação de 
 princípios e normas que não tinham sido por si invocadas nem perante o Tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida nem no requerimento de interposição do recurso 
 de constitucionalidade. Porém, e independentemente da questão de saber se, em 
 geral, isso impede ou não a apreciação do recurso nesta parte, a verdade é que, 
 no caso concreto, a invocação destes preceitos e princípios nada acrescenta, 
 manifestamente, à invocação daqueles que já tinham sido alegados pela recorrente 
 durante o processo e apreciados por este Tribunal nos pontos imediatamente 
 anteriores. Com efeito, não só já se concluiu que não há, na interpretação 
 normativa que vem questionada, qualquer violação do princípio da legalidade, 
 constitucionalmente censurável – questão que vem reiterada a propósito dos 
 artigos 2º, 3º, e 103º, nºs 2 e 3 da Constituição –, como também nada acrescenta 
 agora a invocação dos princípios da constitucionalidade ou do Estado de direito, 
 que, no caso, só poderiam ser eventualmente violados se procedessem os 
 fundamentos antes invocados pela recorrente.
 
  
 Nestas circunstâncias, nada mais resta ao Tribunal do que concluir pela 
 improcedência do recurso interposto.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) 
 unidades de conta.
 
                                          Lisboa, 25 de Setembro de 2008
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos