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Processo n.º 11/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro  Carlos Fernandes Cadilha
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório 
 
  
 A., Lda. e B., arguidos em processo de inquérito que corre termos no Tribunal 
 Central de Instrução Criminal, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa 
 do despacho do juiz de instrução que indeferiu o seu pedido de restituição dos 
 saldos bancários que haviam sido apreendidos à ordem do processo, ao abrigo do 
 disposto no artigo 181º do Código de Processo Penal, alegando, em síntese, que a 
 manutenção da apreensão de bens para além do prazo máximo da duração do 
 inquérito sem que tenha sido deduzida acusação, é inconstitucional, por violação 
 do direito à propriedade consagrado no artigo 62º, dos princípios da 
 proporcionalidade e da adequação, a que se refere o artigo 18º,  nº 2, e ainda 
 do princípio da presunção de inocência do arguido e do direito a um processo 
 célere, consignados no artigo 32º, nº 2, todos da Constituição da República.
 
  
 O recurso foi julgado improcedente por acórdão de 23 de Outubro de 2007, com a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 Por despacho de 9 de Dezembro de 2004, proferido pelo Juiz de Instrução 
 Criminal, foi considerado indiciada a prática de crimes de actividade ilícita de 
 recepção de depósitos (art. 200º, do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro - 
 Regime Geral das Instituições de Crédito), fraude fiscal qualificada (arts. 
 
 103º, nº1, alínea b), e 104º, nº1, alínea f), do RGIT), branqueamento de 
 capitais (art. 361º-A, nºs 1 e 2, do CP) e ordenada a colocação sob controlo de 
 determinadas contas bancárias, ao abrigo do disposto no art. 4, nºs 2 e 4, da 
 Lei nº 5/02, de 11 de Janeiro.
 Esse controlo permitiu apurar que essas contas, em pouco mais de um mês, 
 registaram transferências para os Estados Unidas da América e para Hong Kong, no 
 valor de USD 5.110.606,00, o que justificou despacho de 28 de Janeiro de 2005, 
 determinando a apreensão do saldo das mesmas, ao abrigo do art. 181º, nº1, do 
 CPP.
 Decorridos mais de dois anos sobre a notificação desse despacho, os arguidos 
 requereram o levantamento dessa apreensão, na sequência do que foi proferido o 
 despacho recorrido.
 Alegam os recorrentes que, tendo decorrido o prazo máximo de inquérito sem 
 acusação, deixaram de existir as razões que estiveram na base da apreensão.
 Contudo, como é sabido, a nossa lei não atribui qualquer significado ao decurso 
 daquele prazo sem dedução de acusação, não sendo legítimo daí concluir que 
 diminuíram ou deixaram de se verificar os indícios da prática de determinados 
 ilícitos. O excesso daquele prazo apenas pode originar responsabilidade 
 disciplinar ou justificar o recurso a incidente de aceleração processual.
 
 É certo que uma apreensão, representa uma restrição ao direito de propriedade 
 privada (art. 62º da CRP).
 Porém, essa restrição está justificada, no caso em apreço, pela necessidade de 
 satisfação de um interesse superior- a realização da justiça.
 Essa restrição, relativa ao direito de propriedade, não é equiparável às 
 restrições de direitos pessoais, nomeadamente da liberdade, caso em que a 
 Constituição prevê a existência de prazos (art. 29º, nº4, da CRP), determinados 
 no art. 215º do CPP e cujo decurso, só por si, conduz à extinção da medida 
 restritiva da liberdade.
 Embora o decurso dos prazos de inquérito não conduzam, automaticamente, ao 
 levantamento das apreensões ordenadas, terão de existir regras que permitam esse 
 levantamento, quando o interesse da realização da justiça deixe de justificar 
 tal restrição de direitos.
 Alegam os recorrentes que, não tendo as quantias depositadas em contas bancárias 
 grande interesse para a prova, porque a prova a produzir é essencialmente 
 documental, tornam-se desnecessárias para o exercício da acção penal, devendo 
 ser restituídas nos termos do art. 186º, nº 1, do CPP.
 Este preceito prescreve “logo que se tornar desnecessário manter a apreensão 
 para efeito de prova, os objectos apreendidos são restituídos a quem de 
 direito”.
 O apelo a este preceito não nos parece correcto, em relação à apreensão de 
 depósitos bancários, desde logo porque o termo “objecto” não se adequa a 
 direitos daquela natureza.
 Na verdade, no depósito bancário o que está em causa são direitos, que não se 
 encontram na disponibilidade imediata do titular, mas de um terceiro que os 
 detém com base num contrato, razão por que, com o levantamento da apreensão, não 
 existe uma verdadeira “restituição”, mas tão só a cessação de uma limitação aos 
 direitos decorrentes de tal contrato.
 A apreensão de depósito bancário tem preceito próprio, o art. 181º do CPP, que 
 prevê as razões que a poderão justificar, devendo o levantamento ocorrer quando 
 as mesmas cessam. 
 E, como decorre deste preceito, a apreensão de valores ou quantias em 
 estabelecimento bancário, deve ser ordenada quando o juiz tiver fundadas razões 
 para crer que estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse 
 para a descoberta da verdade ou para a prova.
 Assim, ao contrário do previsto no art. 186º, citado pelos recorrentes, não será 
 de ponderar, apenas, a necessidade para efeitos de prova, mas também o interesse 
 para a descoberta da verdade.
 Aliás, a aceitar-se a interpretação dos recorrentes, nunca se justificaria a 
 apreensão de quantias monetárias em estabelecimentos bancários, pois bastaria 
 que estes certificassem documentalmente o saldo existente e haveria prova 
 suficiente.
 Contudo, outras razões poderão justificar a manutenção da apreensão, que não a 
 simples prova dos respectivos montantes.
 Em relação ao caso em apreço, é preciso ter presente que estão em causa crimes 
 abrangidos pela Lei nº 5/02, de 11de Janeiro (estabelece medidas de combate à 
 criminalidade organizada e económico-financeira), diploma que alterou, não só as 
 regras processuais, como também algumas regras substantivas, relativas à perda 
 de bens a favor do Estado. O legislador, considerando que nem sempre se afigura 
 fácil a prova de que, os bens patrimoniais dos arguidos em certos crimes 
 organizados ou económico-financeiros, são vantagens provenientes da actividade 
 ilícita e, portanto, sujeitos a perda a favor do Estado, nos termos dos arts. 
 
 109º a 111º do CP, veio estabelecer algumas regras que impedem os agentes 
 criminosos de se refugiarem, quanto a esse aspecto, numa mera aparência de 
 legalidade, ou de pretenderem prevalecer-se da dúvida, consagrando no art. 7º 
 uma presunção sobre a origem das vantagens obtidas pelo agente.
 Ora, existindo um regime especial que visa combater este tipo de criminalidade, 
 que em regra usa o sistema financeiro para a sua actividade, não faria sentido 
 levantar as apreensões de depósitos bancários, por existir outra forma de os 
 provar, o que na prática significaria deixar sem utilidade aquele regime 
 especial, na medida em que os agentes facilmente colocariam os meios financeiros 
 relacionados com a actividade ilícita fora do alcance de uma execução, com 
 prejuízo para a descoberta da verdade, ou seja, para a realização da justiça.
 A manutenção da apreensão não é desproporcionada, atentos os meios que os 
 agentes deste tipo de crimes colocam ao serviço da sua actividade ilícita, nem 
 desadequada, antes se apresentando como a única susceptível de permitir alcançar 
 os fins pretendidos por legislação aprovada com intenção de combater esta 
 específica criminalidade.
 Esta limitação ao direito de propriedade, em nada viola o princípio da presunção 
 de inocência, uma vez que não representa qualquer antecipação da pena e visa, 
 apenas, alcançar outras finalidades relacionadas com a boa administração da 
 justiça, recaindo sobre a acusação o ónus de provar em julgamento os elementos 
 típicos dos crimes que vierem a ser imputados aos arguidos.
 Também não se justifica o apelo a violação do direito a um processo célere, pois 
 a manutenção da apreensão em nada prejudica tal celeridade.
 Em conclusão, justificando o interesse na descoberta da verdade que se mantenha 
 a apreensão dos depósitos bancários oportunamente ordenada e tendo essa 
 manutenção apoio no art. 181º, nº 1, do CPP, deve ser confirmado o despacho 
 recorrido. 
 
  
 Inconformados com o assim decidido, os arguidos vieram interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70° da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da 
 constitucionalidade da norma contida no artigo 181°, n.° 1, do Código de 
 Processo Penal, quando aplicada e interpretada no sentido de que a apreensão de 
 quantias que se revelem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para 
 a prova, pode manter-se indefinidamente, ainda que se encontrem largamente 
 ultrapassados os prazos processuais, maxime o prazo de inquérito, sem que tenha 
 sido proferida acusação. 
 
  
 Nada tendo obstado ao prosseguimento do recurso, no Tribunal Constitucional, os 
 arguidos apresentaram as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:
 
  
 a) - No caso em apreço a apreensão dos bens teve por base salvaguardar os 
 elementos de prova, permitir que o Ministério Público investigasse e que 
 proferisse, caso fossem recolhidos indícios suficientes, uma acusação contra os 
 arguidos — vide artº 181º, nº 1, e artº 283, nºs 1 e 2, do CPP; 
 b) — Encontra-se largamente ultrapassado o prazo máximo de duração do inquérito 
 sem que tenha sido proferido qualquer despacho de acusação ou arquivamento pelo 
 Ministério Público — art. 276º do CPP; 
 c) — O Ministério Público não conseguiu obter indícios suficientes da 
 verificação de um crime, caso contrário teria acusado como é sua obrigação — 
 art. 279º, n.º 1, e 283º, n.º 2, do CPP; 
 d) — A apreensão de bens consubstancia uma restrição ao direito constitucional 
 de propriedade privada — cfr. art. 62º da CRP — e deve limitar-se ao necessário 
 para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente consagrados, 
 nomeadamente a realização da justiça — cfr. art. 18º, nº 2, da CRP; 
 e) - Decorrido o prazo máximo de inquérito sem que tenha sido proferida uma 
 acusação não se poderá manter a restrição ao direito de propriedade dos arguidos 
 nos termos do art. l81º, n.º 1, do CPP, porque deixou de existir o fundamento 
 para a restrição do direito constitucional à propriedade privada plena, 
 devendo-se, para o efeito, mandar restituir as quantias apreendidas; 
 f) O entendimento defendido no douto acórdão recorrido é inconstitucional porque 
 viola o direito de propriedade privada dos arguidos, o princípio da 
 proporcionalidade ou mais concretamente o princípio da adequação, porque a 
 restrição ao direito de propriedade, depois de excedido o prazo de inquérito, 
 não é adequada a prossecução dos fins visados na lei — violando o preceituado 
 nos artigos l8º e 62º da CRP; 
 g) A decisão recorrida é inconstitucional porque consubstancia uma violação do 
 princípio da presunção de inocência consagrado no art. 32º, nº 2. da CRP, 
 nomeadamente porque mantém por tempo indefinido a apreensão de bens o que 
 consubstancia uma pena a título de medida cautelar; 
 h) O atraso do inquérito não é, nem pode ser imputado ao arguido, pelo que a 
 manutenção da apreensão nos termos do douto acórdão recorrido consubstancia uma 
 violação do direito ao processo célere consagrado no n.º 2 do art. 32º da CRP, 
 nomeadamente porque os prazos de inquérito não foram observados pelo Ministério 
 Público; 
 i) O douto despacho recorrido ao admitir a manutenção da apreensão das quantias 
 depositadas nos termos do art. l8lº, nº 1, do CPP, depois de decorridos todos os 
 prazos de inquérito, viola os direitos constitucionais dos arguidos, 
 nomeadamente o direito a um processo célere e o direito à presunção de 
 inocência, porque, sobre a capa da manutenção da prova impõe uma verdadeira 
 pena; 
 j) É inconstitucional a interpretação de que ao abrigo do art. 181º, n.º 1, do 
 CPP se pode manter a apreensão dos depósitos bancários dos arguidos, por tempo 
 indeterminado, decorrido que estejam os prazos de inquérito consagrados no art. 
 
 276º do CPP, sem que o Ministério Público tenha deduzido acusação nos termos do 
 art. 283º do mesmo Código, por violação dos princípios da adequação, 
 proporcionalidade, do principio da presunção da inocência e do direito 
 constitucional da propriedade privada, tal como se encontram consagrados nos 
 artigos 18°, n.º 2, 32º, nº 2, e 62º da CRP.
 
  
 O Exmo Magistrado do Ministério Público, na sua contra-alegação, chama a atenção 
 para o facto de o tribunal recorrido ter aplicado a norma do artigo 181º do CPP 
 em função de uma dada uma situação processual concreta (quando não tinham ainda 
 decorrido três anos sobre a data em que as apreensões se efectuaram), 
 considerando não ser lícito afirmar que esse preceito tenha sido interpretado no 
 sentido de que é constitucionalmente admissível a apreensão de bens por tempo 
 indeterminado ou até ao termo do prazo prescricional do procedimento criminal, e 
 conclui, neste contexto, que a norma do nº 1 do artigo 181º do CPP não é 
 inconstitucional, quando entendida no sentido de poder ser mantida a apreensão 
 de depósitos bancários, ainda que não tenha sido proferida acusação no prazo 
 estabelecido 276º do mesmo diploma.
 
  
 
             Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
  
 
  
 Os recorrentes impugnaram perante o Tribunal da Relação o despacho do juiz de 
 instrução que indeferiu o seu pedido de restituição dos saldos bancários que 
 haviam sido apreendidos à ordem do processo, em aplicação do disposto no artigo 
 
 181º do Código de Processo Penal.
 
  
 O recurso assentava essencialmente no entendimento de que é inconstitucional a 
 manutenção da apreensão de bens para além do prazo máximo da duração do 
 inquérito sem que tenha sido deduzida acusação.
 O acórdão recorrido analisou a questão de constitucionalidade que lhe foi 
 colocada à luz da situação processual então existente e de acordo com a 
 delimitação feita pelos recorrentes na própria alegação de recurso e julgou este 
 improcedente por considerar que a apreensão constitui uma restrição ao direito 
 de propriedade justificada pelo superior interesse da realização da justiça, que 
 poderá manter-se enquanto subsistir o interesse para a descoberta da verdade ou 
 para a prova, e que não envolve qualquer violação do princípio da presunção da 
 inocência do arguido nem representa uma antecipação da pena. Em nenhum momento 
 tendo declarado que entendia como constitucionalmente válida uma interpretação 
 do citado preceito que permitisse que a apreensão de bens pudesse manter-se 
 indefinidamente.
 
  
 Sendo estes os termos em que a questão se coloca, passemos à sua análise.
 
  
 Conforme resulta dos elementos dos autos, o juiz de instrução criminal, por 
 despacho de 9 de Dezembro de 2004, ordenou a colocação sob controlo de 
 determinadas contas bancárias, ao abrigo do disposto no artigo 4º, nºs 2 e 4, da 
 Lei nº 5/02, de 11 de Janeiro, por considerar indiciada a prática de crimes de 
 actividade ilícita de recepção de depósitos, previsto e punido pelo artigo 200º 
 do Regime Geral das Instituições de Crédito, de fraude fiscal qualificada, 
 previsto e punido pelos artigos 103º, nº 1, alínea b), e 104º, nº 1, alínea f), 
 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), e de branqueamento de 
 capitais, previsto e punido pelo artigo 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal.
 
  
 Por despacho de 28 de Janeiro de 2005, o mesmo magistrado, com invocação do 
 disposto no artigo 181º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP),  determinou a 
 apreensão dos saldos bancários referentes às mesmas contas.
 
  
 Por requerimento entrado em 11 de Junho de 2007, os arguidos, ora recorrentes, 
 vieram pedir a restituição das quantias apreendidas à ordem do processo, 
 alegando que se encontrava já ultrapassado o prazo máximo da duração do 
 inquérito sem que tenha sido deduzida acusação, o que seria revelador da 
 inexistência de índicios suficientes da prática de crime que pudesse justificar 
 a apreensão.
 
  
 Por despacho de 18 de Junho seguinte, o juiz de intrução criminal indeferiu o 
 requerido, por considerar que, havendo indícios de que as importâncias 
 apreendidas resultaram da actividade ilícita de recepção de depósitos e dos 
 lucros auferidos com essa actividade, e de que tais importâncias poderiam 
 destinar-se a ser transferidas para o estrangeiro, a manutenção da apreensão 
 constitui um relevante elemento de prova da prática de crime, independentemente 
 do tempo de duração do inquérito, encontrando-se, por isso, preenchidos os 
 pressupostos a que se refere o artigo 181º do CPP.
 
  
 Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, através da decisão ora 
 recorrrida, nos termos que há pouco se deixaram transcritos,  confirmou o 
 despacho do juiz de instrução criminal, julgando improcedentes  as já 
 identificadas questões de constitucionalidade, que cabe agora dilucidar.
 
  
 O artigo 181º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «Apreensão em 
 estabelecimento bancário», na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto (vigente à data em que teve lugar a apreensão), determina o seguinte:
 
  
 
 1 - O juiz procede à apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de 
 documentos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros objectos, mesmo que em 
 cofres individuais, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão 
 relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta 
 da verdade ou para a prova, mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam 
 depositados em seu nome. 
 
 2 - O juiz pode examinar a correspondência e qualquer documentação bancárias 
 para descoberta dos objectos a apreender nos termos do número anterior. O exame 
 
 é feito pessoalmente pelo juiz, coadjuvado, quando necessário, por órgãos de 
 polícia criminal e por técnicos qualificados, ficando ligados por dever de 
 segredo relativamente a tudo aquilo de que tiverem tomado conhecimento e não 
 tiver interesse para a prova. 
 
  
 
 É o subsequente artigo 186.º que, por sua vez, regula os termos em que se 
 efectua a restituição dos objectos apreendidos, dispondo do seguinte modo:
 
  
 
 1 - Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os 
 objectos apreendidos são restituídos a quem de direito. 
 
 2 - Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são 
 restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor 
 do Estado. 
 
 3 - Ressalva-se do disposto nos números anteriores o caso em que a apreensão de 
 objectos pertencentes ao arguido ou ao responsável civil deva ser mantida a 
 título de arresto preventivo, nos termos do artigo 228.º 
 
  
 Estando em causa a investigação, entre outros, de um crime de branqueamento de 
 capitais, tem aplicação o disposto na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que 
 estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra de segredo 
 profissional e perda de bens a favor do Estado relativo a esse tipo de ilícitos 
 
 (artigo 1º).
 
  
 Tem especial relevo, a presunção - estabelecida no artigo 7º -, de que constitui 
 vantagem criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele 
 que seja congruente com o seu rendimento lícito, para efeito de perda de bens a 
 favor do Estado, em caso de condenação pela prática de qualquer dos crimes 
 mencionados no artigo 1º. Definindo o artigo 12º os termos em que se processa, 
 na sentença condenatória, a declaração de perda de valores a favor do Estado e o 
 seu montante.
 
  
 Paralelamente, o artigo 10º da mesma Lei prevê o arresto dos bens do arguido 
 para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 
 
 7º, sendo declarados perdidos a favor do Estado os bens arrestados quando não 
 tenha sido prestada caução económica ou não tenha sido efectuado o pagamento 
 voluntário pelo arguido do valor que se considere corresponder à vantagem 
 patrimonial decorrente da actividade ilícita.
 
  
 Para além disso, também o Código Penal prevê a perda a favor do Estado de 
 instrumentos ou de produtos do crime, ainda que se trate de objectos 
 pertencentes a terceiros (quando estes tenham concorrido, de forma censurável, 
 para a sua utilização ou produção, ou tiverem retirado vantagem do facto 
 ilícito), bem como de direitos  ou vantagens que, através do facto ilícito 
 típico, tiverem sido directamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos 
 agentes do crime ou representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie 
 
 (artigos 109º, 110º e 111º).
 
  
 
  A apreensão de saldos bancários em aplicação do disposto no artigo 181º do CPP, 
 como logo de depreende da inserção sistemática dessa disposição na Título III do 
 Livro III desse diploma, é um meio de obtenção prova, mas que poderá 
 simultaneamente funcionar como meio de prova e como medida cautelar destinada a 
 assegurar o cumprimento de certos efeitos de direito substantivo que estão 
 associados à prática do ilícito penal, como seja a perda desses valores a favor 
 do Estado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo, 
 
 1999, pág. 197) .
 
  
 No sentido da sua caracterização como meio de prova aponta o facto de o artigo 
 
 181º, n.º 1, permitir a apreensão de valores depositados em estabelecimentos 
 bancários, não apenas quando se encontrem relacionados com o crime, mas também 
 cumulativamente quando se revelem de «grande interesse para a descoberta da 
 verdade ou para a prova», o que faz supor que as quantias apreendidas podem 
 apresentar um valor probatório específico que deva ser tido em consideração na 
 fase de julgamento.
 
   
 Por outro lado, a apreensão é também um meio de segurança dos bens que tenham 
 servido ou estivessem destinados a servir a prática do crime, ou que constituam 
 o seu produto, lucro, preço ou recompensa, como forma de garantir a execução da 
 sentença penal, o que também justifica a conservação dos objectos apreendidos à 
 ordem do processo até à  decisão final.
 
  
 Assim se compreende que o artigo 186º, ao referir-se aos termos em que se 
 processa a restituição dos bens apreendidos, admita que essa restituição apenas 
 venha a ter lugar após o trânsito em julgado da sentença, mediante a entrega ao 
 seu legítimo proprietário ou a declaração de perda a favor do Estado, o que 
 pressupõe que, nessa circunstância, os bens ou valores apreendidos devam ter o 
 destino que for fixado na própria decisão final do processo (n.ºs 2 e 3).
 
  
 A que acresce, no que especificamente se refere à investigação dos crimes de 
 catálogo mencionados no artigo 1º da Lei n.º 5/2002, que os bens do arguido, 
 incluindo os valores depositados em instituições bancárias, podem ser 
 arrestados, não com a finalidade de garantia patrimonial do pagamento de pena 
 pecuniária, de custas do processo ou de qualquer outra dívida relacionada com o 
 crime (como prevê o artigo 228º do CPP), mas como garantia do pagamento do valor 
 que se presuma constituir uma vantagem da actividade criminosa (cfr. artigo 10º 
 desse diploma).  
 Podendo manter-se o seu interesse quer para efeitos probatórios quer para 
 garantia do cumprimento de certas consequências jurídicas da prática do crime, a 
 manutenção da apreensão de bens ou valores não está, por isso, necessariamente 
 dependente da observância dos prazos de duração do inquérito, aparecendo antes 
 interligada com as finalidades do processo penal (referindo-se à natureza 
 híbrida da perda do produto do crime, que poderá revestir um carácter quase 
 penal ou a feição de uma medida de segurança, Simas Santos/Leal-Henriques, 
 Noções Elementares de Direito Penal, Vislis Editores, 1999, pág. 239).
 
  
 O artigo 276.º do CPP determina, na verdade, a fixação de prazos de duração 
 máxima do inquérito, de acordo com a situação do arguido, o tipo legal de crime 
 e a complexidade da respectiva investigação, podendo o Procurador-Geral da 
 República determinar, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do 
 assistente, a aplicação do regime de aceleração processual, nos termos do artigo 
 
 109.º, quando tenham sido ultrapassados esses prazos. Todavia, a única 
 consequência que decorre do incumprimento desses prazos, ou daqueles que forem 
 fixados em aplicação do mecanismo previsto no artigo 109º, é a agora 
 estabelecida no artigo 89º, n.º 6, do CPP, na redacção da Lei n.º 47/2007, de 27 
 de Agosto (que se entende ser imediatamente aplicável), que se traduz na 
 possibilidade de levantamento do segredo de justiça, a requerimento do arguido, 
 do assistente ou do ofendido.
 
  
 Nada permite, por outro lado, concluir que  a ausência de libelo acusatório, no 
 termo do prazo máximo definido para a duração do inquérito, representa a 
 inexistência de índicios da prática de crime, já que esse prazo é meramente 
 ordenador e a sua ultrapassagem, para além da consequência processual há pouco 
 mencionada, não tem quaisquer efeitos preclusivos.
 
  
 
 É certo que o n.º 1 do citado artigo 186º também admite que os objectos 
 apreendidos possam ser restituídos a quem de direito «logo que se tornar 
 desnecessário manter a apreensão para efeito de prova»; mas isso apenas 
 demonstra que não há lugar à restituição quando tenham terminado os prazos de 
 duração do inquérito, mas apenas quando deixem de se verificar os requisitos de 
 que a lei faz depender a utilização desse meio de obtenção de prova, e, 
 designadamente, quando não haja motivos para levar o processo a julgamento por 
 não haver indícios bastantes da prática de crime ou quando a apreensão deixe de 
 ter interesse para a prova ainda que o processo deva prosseguir.
 
  
 Alegam, no entanto, os recorrentes que a norma do artigo 181º, n.º 1, do CPP é 
 inconstitucional, quando interpretada no sentido de que pode manter-se a 
 apreensão dos bens quando tenha já sido ultrapassado o prazo máximo de duração 
 do inquérito sem que tenha sido proferido qualquer despacho de acusação ou 
 arquivamento pelo Ministério Público, por considerarem que deixa então de haver 
 fundamento para a restrição ao direito de propriedade dos arguidos e são, além 
 disso, postos em causa o princípio da presunção de inocência do arguido e o 
 direito ao processo célere, consagrados no n.º 2 do art. 32º da CRP.
 
  
 Conforme o Tribunal Constitucional tem sublinhado noutras ocasiões e constitui 
 entendimento doutrinário assente, o direito de propriedade, tal como previsto no 
 artigo 62º, n.º 1, da Constituição, não é garantido em termos absolutos, mas sim 
 dentro dos limites e com as restrições definidas noutros lugares do texto 
 constitucional ou na lei, quando a Constituição para ela remeter, ainda que 
 possa tratar-se de limitações constitucionalmente implícitas (Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 
 
 4ª edição revista, Coimbra, pág. 801; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição 
 Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, Coimbra, pág. 628).   
 
  
 Referindo-se especialmente às apreensões em processo penal (estando então em 
 causa a norma do artigo 178º, n.º 3, do CPP de 1987, na sua redacção 
 originária), o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87 (publicado no Diário 
 da República n.º 33, I Série, de 9 de Fevereiro de 1987), afirmou que as 
 apreensões, quando autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária, nos 
 casos referidos nesse preceito, não podem deixar de considerar-se um limite 
 imanente  ao direito de propriedade, daí se extraindo a sua completa 
 conformidade com a garantia constitucional. E, na mesma linha de orientação, o 
 acórdão n.º 340/87 (publicado no Diário da República n.º 220, II Série, de 24 de 
 Setembro de 1987) entendeu que o artigo 108º do Código Penal de 1982 (também na 
 sua redacção originária), quando prevê a perda a favor do Estado de objectos de 
 terceiro, não é inconstitucional, por violação do direito de propriedade, por 
 ser de considerar que esse direito constitucional pode ser sacrificado em 
 homenagem aos valores da segurança das pessoas, da moral ou da ordem pública  
 enquanto elementos constitutivos do Estado de Direito democrático.
 
  
 No caso vertente, não se vê que a manutenção da aprensão de quantias para além 
 dos prazos legalmente fixados para o termo do inquérito, represente uma 
 restrição ilegítima do direito de propriedade por violação do princípio da 
 proporcionalidade, designadamente na sua dimensão de adequação aos fins visados 
 pela lei.
 
  
 Vimos que a apreensão tem a dupla função de meio de obtenção de prova e de 
 garantia patrimonial do eventual decretamento de perda de valores a favor do 
 Estado (cfr. Damião da Cunha, Perda de bens a favor do Estado, Centro de Estudos 
 Judiciários, 2002, pág. 26), e, nesse sentido, tem pleno cabimento que enquanto 
 providência processual instrutória ela possa manter-se até à fase de julgamento 
 e venha apenas a ser declarada extinta com a sentença final (absolutória ou 
 condenatória), quando nela tenha sido entretanto fixado o destino a dar aos bens 
 apreendidos.
 
  
 A apreensão de bens ou valores que constituam o produto do crime não está 
 relacionada, por isso, com quaisquer vicissitudes processuais, mas unicamente 
 com os próprios fins do processo penal, e é justificada à luz do interesse da 
 realização da justiça, nas suas componentes de interesse na descoberta da 
 verdade e de interesse na execução das consequências legais do ilícito penal.
 
  
 E neste plano de compreensão tem relevo chamar a atenção para o facto de 
 estarmos perante formas de criminalidade económica-financeira organizada que é 
 de muito difícil prova e relativamente à qual o legislador sentiu necessidade, 
 através da mencionada Lei n.º 5/2002, de adoptar  medidas especiais de controlo 
 e repressão, mediante a derrogação do segredo fiscal e bancário, para facilitar 
 a investigação criminal (artigos 2º a 5º), a permissão do registo de voz e de 
 imagem, como específico meio de produção de prova (artigo 6º), e a previsão de 
 um mecanismo especial de perda de bens a favor do Estado tomando por base a 
 presunção de obtenção de vantagens patrimoniais ilícitas através da actividade 
 criminosa (artigo 7º) – sobre estes aspectos, Damião da Cunha, ob. cit., págs. 
 
 7-10).
 
  
 Num outro plano, os recorrentes invocam ainda a violação do princípio da 
 presunção da inocência do arguido e do direito ao processo célere, tal como 
 consagrados no artigo 32º, n.º 2, da Constituição.
 
  
 Não existindo dúvidas, no âmbito do processo, quanto ao alcance do primeiro dos 
 princípios enunciados, e aceitando que este possa representar, no ponto em que 
 mais releva para o caso, a proibição de antecipação de uma pena, haverá de 
 convir-se que a manutenção da apreensão de valores, destinando-se a funcionar 
 como  elemento de prova a ser considerado nas fases ulteriores do processo e 
 como garantia patrimonial de uma eventual medida de perda de bens a favor do 
 Estado, não põe em causa esse parâmetro constitucional. Desde logo, porque não 
 fica de nenhum modo excluído que, nos precisos termos do artigo 186º, se venha a 
 determinar a restituição dos bens apreendidos ao seu titular, quer porque se 
 reconheça, no decurso do processo, a desnecessidade da apreensão para efeitos 
 probatórios, quer porque, na  decisão final, se considere não verificada a 
 prática dos factos ilícitos que eram imputados aos arguidos.
 
  
 
  Não é, por conseguinte, a circunstância de a apreensão subsistir para além dos 
 prazos legalmente fixados para a conclusão do inquérito, como vem alegado, que 
 poderá implicar uma violação do princípio da presunção da inocência do arguido, 
 visto que nada fica decidido quanto ao destino a dar às quantias apreendidas e é 
 a própria natureza da medida processual (meio de obtenção de prova e medida 
 cautelar) que justifica que possa manter-se até ao termo do processo.
 
  
 Por identidade de razão, não é o prolongamento da situação de  apreensão de bens 
 que pode pôr em causa o direito ao processo célere, enquanto garantia de defesa 
 do arguido. Esta pode considerar-se afectada, de algum modo, pelo esgotamento 
 dos prazos de conclusão do inquérito – caso tenha efectivamente ocorrido -, 
 visto que, por si, essa eventualidade é determinante de um atraso na resolução 
 final do processo (ainda que possa discutir-se se é suficiente para que se 
 considere violado o princípio constitucional).
 
  
 
   Não há, no entanto, uma directa correlação entre a manutenção da apreensão e a 
 possível violação do direito ao processo célere, porquanto não é a pretendida 
 restituição dos quantias apreendidas que poderá obstar a que processo prossiga e 
 impedir a consequência processual negativa que advenha  da demora na ultimação 
 do processo do inquérito.
 
  
 Nenhum motivo existe, por conseguinte, para que se considerem verificados os 
 invocados vícios de inconstitucionalidade.
 
  
 III. Decisão
 
  
 Termos em que se decide negar provimento ao recurso.
 
  
 Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC para cada um 
 deles. 
 
  
 Lisboa, 29 de Maio de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão