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Processo n.º 396/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
 
 Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
 1. Relatório
 
  
 A. interpôs recurso, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 
 
 2008, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 da Lei do 
 Tribunal Constitucional (fls. 97 a 102), alegando o seguinte:
 
  
 
 “[…]
 As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional 
 aprecie são as dos artigos 410.º, 412.º, 428.º e 431.º al. b) do CPP, com o 
 entendimento que lhe foi dado pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, que 
 infra se exporá de forma sucinta, o referido entendimento foi consolidado pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça no Douto Acórdão ora proferido, quando sustenta que 
 o recurso apresentado pelo ora recorrente, referente ao Acórdão proferido pela 
 Relação de Évora a 30 de Janeiro de 2007, não é passível de ser conhecido pelo 
 STJ por tal decisão ser irrecorrível e por isso não conhece da omissão de 
 pronúncia do Tribunal da Relação de Évora. 
 Tal entendimento viola expressamente o artigos 31.º n.ºs 1 e 2 da Lei 
 Fundamental.
 Se o recurso da decisão sobre a matéria de facto, não foi rejeitado por 
 incumprimento das exigências do n.º 3 do art. 412.º do CPP, como o próprio 
 Tribunal da Relação de Évora afirmou, dizendo que o recorrente deu cumprimento 
 aos mencionados requisitos, esse Tribunal, no exercício do poder/dever 
 estabelecido no n.º 1 do art. 428.º do CPP, não podia ter-se furtado a apreciar 
 o mérito do recurso e decidir em conformidade (art. 431.º, al. b), do mesmo 
 Código), a pretexto de que o recorrente não podia pôr em crise o princípio da 
 livre apreciação da prova nem podia sindicar a valorização das provas feitas 
 pelo tribunal colectivo, já que o recurso da decisão sobre a matéria de facto 
 tem exactamente esse alcance não consentido: não se trata de um novo julgamento, 
 mas apenas de verificar se, relativamente a factos concretos, o Tribunal da 1.ª 
 instância julgou bem, em função do que concretamente foi alegado.
 Não tendo apreciado o recurso na referida dimensão, imposta pelas respectivas 
 motivações e conclusões apresentadas, o/s Acórdão/s do Tribunal da Relação de 
 
 Évora omitiu/omitiram pronúncia sobre a questão de que era obrigado a conhecer.
 O Tribunal da Relação de Évora, com a interpretação que fez das normas 
 supracitadas, violou o princípio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32.º, 
 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Mas não só, quando a fls. 24, do 
 Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora a 30 de Janeiro de 
 
 2007, que “Ora e relativamente à discordância factual do recorrente, da 
 convicção do tribunal a quo, a fundamentação desta convicção e a sua conjugação 
 com a matéria de facto apurada constante da decisão de facto, não revela que 
 seja notoriamente errada, ilógica, contrária às regras de experiência comum. A 
 credibilização do seu fundamento probatório é do domínio do recurso em matéria 
 de facto referente à impugnação da valoração da mesma. A matéria fáctica 
 questionada, da forma em que se encontra estruturada e fundamentada, não integra 
 a verificação de qualquer dos vícios aludidos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, 
 nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, na amplitude explicitada 
 pelo recorrente para a pretendida renovação da prova.” é claramente violadora do 
 disposto no artigo 428º do Código de Processo Penal, da garantia constitucional 
 de defesa em processo penal nomeadamente de recurso consagrada no artigo 32º, 
 n.º 1, e no artigo 210º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa. 
 Do confronto do raciocínio supra exposto, com o raciocínio plasmado em diversos 
 Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, sobre o funcionamento dos 
 números 2 e 3 do artigo 410.º do Código de Processo Penal com o que é declarado 
 no acórdão do Tribunal da Relação de Évora que ora se recorre, nomeadamente na 
 sua página 24: “A matéria fáctica questionada, da forma em que se encontra 
 estruturada e fundamentada, não integra a verificação de qualquer dos vícios 
 aludidos no artigo 410º, n.º 2, do CPP (…)” resulta que o recurso sobre a 
 matéria de facto interposto nestes autos para o Tribunal da Relação de Évora, 
 foi alvo de uma sindicância baseada numa leitura ilegal do artigo 410º do Código 
 de Processo Penal quanto aos poderes/deveres de cognição daquele recurso, o que 
 ditou por consequência uma incorrecta análise do mesmo recurso, e a ilegalidade 
 do acórdão proferido por aquele Tribunal de 2.ª Instância, tendo o recorrente 
 recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça que se negou também a conhecer 
 desse recurso, porquanto entendeu que o recorrente estava a interpor recurso 
 sobre a decisão de não renovação da prova, entendimento este errado porque tal 
 como já se explicou o Acórdão proferido pela Relação de Évora a 30 de Janeiro de 
 
 2007, não se limitou a negar a renovação da prova, tanto mais que no Acórdão 
 proferido pela mesma Relação a 5 de Junho de 2007, verifica-se que o Tribunal da 
 Relação não conhece/analisa as questões levantadas pelo recorrente sobre a 
 matéria de facto, limitando-se no Acórdão a verificar se estavam cumpridos os 
 requisitos do números 2 e 3 do artigo 410º do Código de Processo Penal, pois é o 
 próprio Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que se refere aos poderes de 
 
 “intromissão” em aspectos fácticos que julga ter, são os referidos no art. 410º, 
 n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal.
 O referido entendimento, viola o disposto nos artigos 410º, n.º 1, e 428º ambos 
 do Código de Processo Penal, e viola consequentemente as garantias de defesa em 
 processo penal que incluem o recurso, previstas no número 1 do artigo 32º da 
 Constituição da República Portuguesa, e viola ainda o artigo 210º, n.º 4, também 
 da Lei Fundamental, quando estabelece os tribunais da Relação como tribunais de 
 
 2.ª instância.
 A admitir-se a tese defendida no acórdão recorrido, pôr-se-iam os sujeitos 
 processuais perante este beco sem saída: se não são cumpridas as exigências do 
 art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, a Relação não conhece da impugnação da matéria 
 de facto por razões formais, mas se são cumpridas essas exigências legais, a 
 Relação também não conhece da impugnação da matéria de facto, pois, por razões 
 agora substanciais, diz-se impotente perante os princípios (assim tornados 
 inultrapassáveis) da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediatividade 
 
 é este entendimento que em nosso entender é inconstitucional e violador das mais 
 elementares garantias de defesa dos arguidos, garantias estas decorrentes dos 
 artigos 32.º, n.ºs 1 e 2, e 210.º, n.º 4, da CRP.
 
 É que tal como já se disse, com esse argumento, nunca a Relação poderia 
 modificar a matéria de facto pela análise da documentação da prova, o que viola 
 frontalmente os art.ºs 412.º, n.ºs 3 e 4, 428.º, n.º 1 e 431.º, al. b), do CPP, 
 frustra o direito de reapreciação da matéria de facto em sede de recurso e põe 
 em causa os direitos constitucionais da defesa.
 Se o Tribunal da Relação de Évora no Douto Acórdão proferido a 30 de Janeiro de 
 
 2007, recusasse unicamente a renovação da prova requerida pelo recorrente, tal 
 decisão era de facto irrecorrível como bem entendeu o STJ quanto a esse ponto. 
 Mas o Acórdão da Relação de Évora foi mais longe, recusou conhecer da matéria de 
 facto impugnada pelo ora recorrente na vertente por este requerida, mesmo tendo 
 o recorrente cumprido, escrupulosamente, todos os requisitos legais necessários 
 a essa avaliação tal como supra de expôs, e por este motivo e porque entendemos 
 que o recurso interposto pelo ora recorrente da decisão de 30 de Janeiro de 
 
 2007, não é um recurso do despacho que recusa a renovação da prova, mas sim um 
 recurso baseado no facto da Relação de Évora se ter negado a apreciar a matéria 
 de facto, nos termos em que o ora recorrente tinha direito, tal recurso 
 interposto tinha de ser obrigatoriamente apreciado pelo STJ, sob pena de 
 violação das garantias de defesa dos arguidos.
 Face ao supra exposto e por se entender que a interpretação do Venerando 
 Tribunal de Évora é inconstitucional e por tal inconstitucionalidade ter sido 
 arguida em ambos os recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, se 
 requer que seja admitido o presente recurso.
 
  […]”
 
  
 Por despacho de 3 de Abril de 2008, não foi admitido o recurso de 
 constitucionalidade (cfr. fls. 104 e 105), com o seguinte fundamento:
 
  
 
 “[…]
 O recorrente A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional da decisão 
 proferida a fls. 4442 e ss., com fundamento na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º 
 da Lei n.º 28/82, de 15/11, relativamente aos segmentos da decisão em que se 
 teve por irrecorrível a decisão da Relação que não admitiu a renovação da prova, 
 nos termos do art. 431.º do CPP, e à parte que diz respeito à impugnação da 
 matéria de facto (art. 412.º, n.ºs 3 a 4, do mesmo diploma legal).
 Ora, quer num caso, quer no outro, o recorrente não suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade de qualquer norma do Código de Processo Penal, por força 
 de uma dada interpretação que colidisse com normas ou princípios 
 constitucionais, nomeadamente referentes ao direito de defesa. O recorrente 
 limitou-se a invocar genericamente o direito de defesa e a violação do princípio 
 in dubio pro reo, sem enunciar de que forma é que o decidido os afrontava. O que 
 ele põe em causa é o bem fundado ou o acerto da decisão, nos segmentos 
 apontados, afirmando que tal decisão viola o direito de defesa e o princípio in 
 dubio pro reo. Em suma: ele diz que esses pontos foram mal julgados e, porque 
 assim, houve ofensa daqueles preceitos e princípios constitucionais. Não é uma 
 interpretação (que não explicita), mas sim a decisão que é inconstitucional, 
 por, num caso, ter indeferido a renovação da prova e o recurso dessa decisão não 
 ter sido admitido no STJ, e por, no outro caso, não ter conhecido da impugnação 
 da matéria de facto, apesar de, no seu entender, terem sido cumpridas as 
 exigências legais, cuja validade não questiona.
 Acresce que o recorrente desvirtua o que foi decidido neste Tribunal quanto à 
 impugnação da matéria de facto, pois, tendo sido arguida a nulidade por omissão 
 de pronúncia quanto a tal matéria (e só essa omissão poderia ser conhecida no 
 
 âmbito dos poderes de cognição do STJ e não a impugnação propriamente dita), 
 decidiu-se expressamente essa questão, tendo-se concluído pela inexistência da 
 nulidade arguida.
 Deste modo, mais se confirma que o que o recorrente realmente põe em relevo é a 
 sua inconformidade com o decidido e não a inconstitucionalidade de uma qualquer 
 interpretação que tivesse sido conferida a determinadas normas processuais 
 penais.
 Eis por que se não recebe o recurso interposto. […]”
 
  
 
  
 Deste despacho reclamou A. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 no artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional (fls. 13 e seguintes), 
 alegando o seguinte:
 
  
 
 “[…]
 Entende o ora recorrente que alegou e em tempo a interpretação inconstitucional 
 de normas de processo penal, pois entende que foi o Venerando Tribunal da 
 Relação de Évora que fez uma interpretação inconstitucional das normas do Cód. 
 de Proc. Penal, transcrevendo-se infra, alguns segmentos do recurso interposto, 
 por forma a melhor poder explanar a sua posição.
 
 É facto que não fundamentou, da mesma forma que fundamentaria e espera 
 fundamentará o Recurso para o Tribunal Constitucional, porquanto a nossa 
 legislação obriga-o tão somente a arguir a inconstitucionalidade.
 Entende o recorre que consistentemente arguiu a inconstitucionalidade da 
 interpretação de normas do Cód. de Proc. Penal, em diversas passagens dos 
 recursos por si interpostos e desde já refere que, mesmo correndo o risco de vir 
 a maçar V. Exas. e podendo não ser esta a forma mais adequada de se efectuar uma 
 reclamação, só se consegue perceber as inconstitucionalidades arguidas, se se 
 proceder à transcrição de algumas passagens na integra, não todas como é óbvio, 
 conforme infra o fará:
 
 “5 – O art. 32.º, n.º 1, da CRP consagra expressamente, o direito ao recurso 
 como uma das garantias de defesa que deve ser assegurada pelo processo penal, 
 garantia que só o será se, no caso de recurso da decisão sobre a matéria de 
 facto, o tribunal ad quem fizer uma apreciação substantiva e não meramente 
 formal dessa decisão.
 
 6 – Se o recurso da decisão sobre a matéria de facto, não só não foi rejeitado 
 por incumprimento das exigências do n.º 3 do art. 412.º do CPP, como o próprio 
 Tribunal da Relação afirmou que os recorrentes deram cumprimento aos mencionados 
 requisitos, esse Tribunal, no exercício do poder/dever estabelecido no n.º 1 do 
 art. 428.º do CPP, não podia ter-se furtado a apreciar o mérito do recurso e 
 decidir em conformidade (art. 431.º, al. b), do mesmo Código), a pretexto de que 
 o recorrente não podia pôr em crise o princípio da livre apreciação da prova nem 
 podia sindicar a valorização das provas feitas pelo tribunal colectivo, já que o 
 recurso da decisão sobre a matéria de facto tem exactamente esse alcance não 
 consentido: não se trata de um novo julgamento, mas apenas de verificar se, 
 relativamente a factos concretos, o Tribunal da 1.ª instância julgou bem, em 
 função do que concretamente foi alegado.”
 
 “9 - Não tendo apreciado o recurso na referida dimensão, imposta pelas 
 respectivas motivações e conclusões, o Acórdão de que ora se recorre omitiu 
 pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, razão por que é nulo, 
 nos termos dos arts. 428.º, n.º 1, 431.º, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, al. c), 
 todos do CPP.
 
 10 – O Tribunal da Relação de Évora, não só deixou passar um erro nas premissas 
 do Acórdão proferido em 1.ª instância, a propriedade do n.º de telemóvel, 
 conforme supra se referiu, porquanto sem que se tenha produzido qualquer prova 
 que impugnasse a versão do arguido, e a prova testemunhal constante nos autos 
 corroborasse a versão deste, decidiu em sentido contrário, levantando ainda sem 
 que se desse sequer ao trabalho de o fundamentar suposições tais como, e se o 
 ora recorrente tivesse emprestado o telemóvel do seu patrão ao co-arguido Carlos 
 Rodrigues?; e se alguém tivesse permitido o uso do cartão correspondente ao 
 telemóvel referido? e se? … e se? …, cometeu o Tribunal da Relação de Évora, com 
 esta interpretação e sem que a mesma estivesse alicerçada por qualquer meio de 
 prova quer os invocados pelo acórdão recorrido, quer os alegados pelo ora 
 recorrente, e sem que esta estivesse minimamente fundamentada, um erro notório 
 na apreciação da prova, e violou o principio in dubio pro reo, consagrado no 
 artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.”
 
 “11 – A interpretação dos poderes de cognição da Relação, pelo Venerando 
 Tribunal da Relação de Évora, nomeadamente quando diz a fls. 24, que “ Ora e 
 relativamente à discordância factual do recorrente, da convicção do tribunal a 
 quo, a fundamentação desta convicção e a sua conjugação com a matéria de facto 
 apurada constante da decisão de facto, não revela que seja notoriamente errada, 
 ilógica, contrária às regras de experiência comum. A credibilização do seu 
 fundamento probatório é do domínio do recurso em matéria de facto referente à 
 impugnação da valoração da mesma. A matéria fáctica questionada, da forma em que 
 se encontra estruturada e fundamentada, não integra a verificação de qualquer 
 dos vícios aludidos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório 
 na apreciação da prova, na amplitude explicitada pelo recorrente para a 
 pretendida renovação da prova.” é claramente violadora do disposto no artigo 
 
 428º do Código de Processo Penal, da garantia constitucional de defesa em 
 processo penal nomeadamente de recurso consagrada no artigo 32º, n.º 1, e no 
 artigo 210º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa.”
 
 “14 – Ao conhecer somente de direito sob o disposto dos números 2 e 3 do artigo 
 
 410.º do Código de Processo Penal, quando no recurso interposto se lhe pedia que 
 conhecesse de facto, o Tribunal da Relação de Évora no Acórdão que ora se 
 recorre, viola o disposto nos artigo 410º, n.º 1, e 428º ambos do Código de 
 Processo Penal, e viola consequentemente as garantias de defesa em processo 
 penal que incluem o recurso, previstas no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da 
 República Portuguesa, e viola ainda o artigo 210º, n.º 4, também da Lei 
 Fundamental, quando estabelece os tribunais da Relação como tribunais de 2.ª 
 instância”.
 
 “16 – O Código de Processo Penal manda que quando se recorra sobre a decisão da 
 matéria de facto se deva especificar os pontos da decisão em causa e a prova que 
 fundamenta a discordância como dispõe o artigo 412º, o que o recorrente 
 efectivamente fez, e se os artigos 410º, n.º 1, e 428.º demonstram que não 
 existe limite legal sobre a cognição do que se alega no recurso, então mais uma 
 vez, o tribunal da Relação de Évora nos considerandos que presidiram à análise e 
 decisão do recurso interposto pelo recorrente, expostos no acórdão aqui em 
 causa, e na própria decisão está demonstrado à saciedade a violação dos artigos 
 
 127º, 410º, n.º 1, e 428º do Código de Processo Penal e 32.º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa.”
 
 “20 – Quer dizer, apesar de ter considerado correctamente impugnada a matéria de 
 facto, com respeito pelas exigências do artº 412º do CPP, o Tribunal da Relação 
 restringiu os seus poderes de cognição aos vícios do artº 410º, cuja alegação 
 não está curiosamente sujeita àquele especial ónus de motivação e que até são de 
 conhecimento oficioso (cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência, de 19.10.95, 
 DR, Iª S-A, de 28.12.95).
 
 21 – Esta é uma conclusão que, como a de que o recorrente não pode sindicar a 
 valorização das provas feitas pelo colectivo, em termos de o criticar por ter 
 dado prevalência a uma em detrimento de outras», não podemos aceitar. Uma coisa 
 
 é a arguição de vícios do n.º 2 do artº 410º do CPP, que têm a ver com a 
 perfeição formal da decisão da matéria de facto e cuja verificação há-de 
 necessariamente ser evidenciada pelo próprio texto da decisão recorrida, por si 
 ou conjugada com as regras da experiência comum; outra, totalmente diferente, é 
 a impugnação de concretos factos julgados provados, que impõe ao recorrente o já 
 referido ónus de motivação específica imposta pelos n.ºs 3 e 4 do artº 412º do 
 CPP e que obriga o tribunal de recurso a apreciar também especificadamente os 
 fundamentos do recurso e a apreciar, também ele, as provas produzidas, segundo 
 os mesmos critérios legais de valoração, designadamente o da livre apreciação da 
 prova, tendo naturalmente em conta a sua especial situação de Tribunal de 2ª 
 instância.
 
 22 – “O artº 32º, n.º 1, da CRP consagra, agora expressamente, o direito ao 
 recurso como uma das garantias de defesa            que deve ser assegurada pelo 
 processo penal. Garantia que só será se, no caso de recurso da decisão sobre a 
 matéria de facto, o tribunal ad quem fizer uma apreciação substantiva e não 
 meramente formal dessa decisão. Não lhe cabe, é verdade, realizar novo 
 julgamento. Mas a sindicância da decisão sobre a matéria de facto, para 
 constituir a garantia de defesa constitucionalmente consagrada, para se traduzir 
 em efectiva tutela dos direitos de defesa, exige, não pode deixar de exigir, que 
 o tribunal ad quem aprecie de forma completa, ainda que concisa, os concretos 
 fundamentos do recurso para depois concluir pela procedência ou improcedência da 
 impugnação.”
 
 “E – O problema constitucional da interpretação do art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do 
 C.P.P., a não violação do art.º 412º, n.ºs 3 e 4, do C.P.P., direito de defesa e 
 tutela jurisdicional efectiva, dado que o recorrente indicou, tanto em sede de 
 motivação do Recurso, como em sede de conclusões, os pontos de facto que 
 considera incorrectamente julgados; bem como indicou quais os depoimentos em que 
 o Tribunal a quo formou a sua convicção bem como outros elementos de prova, e 
 que com base nesses depoimentos, tanto de testemunhas da acusação, como 
 declarações dos co-arguidos, bem como dos documentos, nomeadamente dos autos de 
 apreensão juntos aos autos, não poderiam ter sido dados como provados aqueles 
 factos; o recorrente, ao indicar as provas que no seu entender impõem decisão 
 diversa da recorrida, fê-lo por referência aos suportes técnicos, no caso, 
 cassetes; o recorrente indicou o volume ou número da cassete em que se 
 encontram, os depoimentos, em que lado da cassete se encontram (lado A ou lado 
 B), as rotações, a data da cassete e as folhas das actas de audiência de 
 julgamento em que tais depoimentos/declarações foram prestados;
 F -  O arguido está convicto e julga ter direito de acesso aos Tribunais para 
 uma tutela jurisdicional efectiva, nos termos do art.º 20º da Lei Fundamental;”
 G – A verdade material deve sobrepor-se à mera justiça formal. O direito 
 português concede ao Tribunal certos poderes instrutórios e inquisitórios no 
 sentido da procura de uma decisão de acordo com a realidade dos factos; A 
 interpretação do Venerando Tribunal da Relação das normas supra referenciadas, 
 além de violar essas normas e ainda o preceito constitucional supra referido, 
 bem como o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, e viola 
 ainda o artigo 210º n.º 4 também da Lei Fundamental, quando estabelece os 
 tribunais da relação como tribunais de 2.ª instância, constituído assim uma 
 desrazoável, intolerável, desproporcional e injustificável restrição ablativa do 
 direito de defesa do arguido;”
 
 “J – O douto acórdão do Tribunal da Relação, ao rejeitar o Recurso em matéria de 
 facto, por no seu entender não se verificarem os vícios do art.º 410.º, n.º 2, 
 do CPP, violou não só o art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, como os já mencionados 
 artigos da Constituição, como ainda violou o disposto no art.º 127.º do C.P.P., 
 cuja apreciação ficou prejudicada pela violação dos normativos supra referidos.
 K – As relações conhecem de facto e de direito (artigo 428º, n.º 1 do CPP), na 
 concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto – 
 reapreciação por um tribunal superior das questões relativas à culpabilidade”
 
 “MM – O «efectivo segundo grau de jurisdição»  em matéria de facto que a lei 
 coloca sobre os ombros da Relação, obviamente sai frustrado, afectando de modo 
 mais ou menos grosseiro o direito de recurso, se não mesmo outros com assento na 
 Constituição – como o direito de defesa – com a operação que se diria meramente 
 
 «cosmética», a que se propôs o tribunal ora recorrido de «apenas… apurar se a 
 convicção do tribunal recorrido tem suporte razoável na prova presente…»”
 
 “PP -  O artigo 127º do CPP padece de inconstitucionalidade material, por 
 violação do princípio constante do artº 32º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa quando interpretado (como foi no caso dos autos), no sentido de o 
 Tribunal a quo poder dar como provados factos delituosos a que ninguém, assistiu 
 ou referiu ter assistido, factos esses nem sequer discutidos na audiência e 
 julgamento.”
 
 “RR – Deste modo, padece o acórdão recorrido de nulidade por ausência de 
 fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões de que o tribunal “a quo” 
 deveria obrigatoriamente ter tomado conhecimento, o que determina a declaração 
 da sua invalidade e a sua substituição por outro que se pronuncie sobre todas as 
 questões suscitadas, com respeito pelo correlativo dever de fundamentação que 
 devem revestir todas as decisões judiciais.
 SS – A não pronúncia sobre tais questões além de geradora de nulidade, nos 
 termos gerais do art.º 379º, n.º 1, al. c), do C.P.P. acima mencionados, 
 consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação dos arts. 32º, n.º 1, 203º 
 e 205º, n.º 1, da C.R.P., inconstitucionalidade essa que desde já se argúi para 
 todos os efeitos legais.”
 Face ao supra exposto e salvo melhor e mais Douto entendimento de V. Exas. e 
 tendo em conta que supra, só transcreveu algumas das passagens, não todas, do 
 recurso por si interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, parece ao ora 
 recorrente que, cumpriu todos os requisitos legais a que estava obrigado 
 invocando devidamente inconstitucionalidade da interpretação das normas do Cod. 
 De Processo Penal.
 
  […]”
 
  
 O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 pronunciou-se nos seguintes termos (fls. 109 v.º):
 
  
 
 “A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 Na verdade, o arguido reclamante não enuncia, em termos inteligíveis, qualquer 
 critério normativo, efectivamente aplicado pelo Tribunal recorrido, susceptível 
 de integrar objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta. ”
 
  
 
  
 
 2. Fundamentação
 
  
 Decorre das várias alíneas – nomeadamente da alínea b), invocada pelo recorrente 
 no requerimento de interposição do presente recurso – do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade só pode ter 
 por objecto uma norma (a esta podendo ser equiparada a interpretação normativa), 
 e nunca uma decisão judicial, em si mesma considerada.
 
  
 Dito de outro modo, o Tribunal Constitucional não possui competência para 
 apreciar a conformidade constitucional das próprias decisões recorridas, apenas 
 a possuindo relativamente a normas por elas aplicadas.
 
  
 Não obstante o recorrente refira, no requerimento de interposição do presente 
 recurso, que pretende ver apreciada a constitucionalidade de determinada 
 interpretação dos artigos 410.º, 412.º, 428.º e 431.º, alínea b), do Código de 
 Processo Penal (a qual não enuncia em termos susceptíveis de constituir objecto 
 idóneo do recurso), a verdade é que imputa à própria decisão recorrida, para 
 além da inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 31.º, n.ºs 1 
 e 2, 32.º, n.ºs 1 e 2, e 210.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, 
 a violação dessas mesmas normas processuais penais.
 
  
 Ou seja, o que o recorrente pretende, no fundo, é que o Tribunal Constitucional 
 aprecie se é correcta a interpretação que o tribunal a quo fez dos artigos 
 
 410.º, 412.º, 428.º e 431.º alínea b) do Código de Processo Penal e que declare 
 qual a melhor interpretação dessas normas.
 
  
 Ora, o Tribunal Constitucional não pode fixar a melhor interpretação do direito 
 ordinário, isto é, controlar o resultado da interpretação da lei a que chegam os 
 tribunais, sob o ponto de vista da sua obediência aos princípios gerais que  
 devem nortear essa interpretação.
 
  
 Assim, estando em causa a inconstitucionalidade da própria decisão judicial, e 
 não uma dada interpretação normativa, não é admissível o recurso, por falta de 
 preenchimento de um dos seus pressupostos processuais.
 
  
 Acresce que, como também anotou a decisão reclamada, no recurso para o STJ, como 
 
 é evidenciado pela extensa transcrição das respectivas alegações, o reclamante 
 não suscitou de forma processualmente adequada qualquer questão de 
 inconstitucionalidade, limitando-se também aí a imputar à própria decisão da 
 Relação (que constituía objecto do recurso) a violação de determinados preceitos 
 constitucionais (cfr., por exemplo, as conclusões G) e J) da alegação).
 
  
 Certo é que na conclusão PP), o reclamante parece pretender enunciar um critério 
 interpretativo que poderia constituir objecto de um recurso de 
 constitucionalidade, ao invocar que «[o] artigo 127º do CPP padece de 
 inconstitucionalidade material, por violação do princípio constante do artº 32º, 
 n.º 1, da Constituição da República Portuguesa quando interpretado (como foi no 
 caso dos autos), no sentido de o Tribunal a quo poder dar como provados factos 
 delituosos a que ninguém, assistiu ou referiu ter assistido, factos esses nem 
 sequer discutidos na audiência e julgamento.»
 
  
 Mas não só não é a norma do artigo 127º do CPP que aparece identificada, no 
 requerimento de interposição de recurso, como constituindo objecto do recurso de 
 constitucionalidade, como também não se vislumbra que a decisão recorrida tenha 
 efectuado uma tal interpretação normativa.
 
  
 E, nestes termos, também por falta de suscitação, no decurso do processo, da 
 questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada pelo Tribunal 
 Constitucional, não poderia o recurso ser admitido (cfr. artigos 70º, n.º 1, 
 alínea b), e 72º, n.º 2, da LTC).   
 
  
 Nada justificando, em consequência, a alteração do julgado.
 
  
 
  
 
 3. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a presente reclamação.
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 21 de Maio de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão