Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 756/07
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. A., Recorrido nos presentes autos em que figura como Recorrente o Ministério 
 Público, intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão, em 19 de 
 Dezembro de 2003, acção de impugnação e investigação da paternidade contra B., 
 C. e a Herança aberta por óbito de D., representada pelos seus herdeiros, 
 pedindo (1) que se declare que não é filho do primeiro réu e (2) que se 
 reconheça que é filho do falecido D.. Pediu ainda que lhe seja reconhecida a 
 qualidade de herdeiro, entregues as quantias entretanto recebidas pelos outros 
 herdeiros e declarados nulos os actos por eles realizados.
 Por despacho saneador de 30 de Maio de 2005, foram considerados provados os 
 seguintes factos:
 
 “Encontram-se provados, nos presentes autos, com relevância para a boa decisão 
 da causa, os seguintes factos: 
 A) O autor é filho da ré C., tendo nascido a 08.07.1967. 
 B) A referida C. foi casada em primeiras núpcias com o réu B. em 16.08.1956, de 
 quem se divorciou em 18.05. 1984. 
 C) À data do nascimento do autor, a ré C. encontrava-se separada de facto do réu 
 B. desde 1965, sendo que desde então não mais com aquele havia coabitado, tomado 
 refeições ou vivido em condições análogas às dos cônjuges, não mais com aquele 
 tendo mantido relações de sexo, nomeadamente nos 180 dias anteriores ao período 
 da concepção do autor. 
 D) Em tal período de concepção, e durante 3 anos, a ré C. viveu com o falecido 
 D. em relação idêntica e exclusiva à dos cônjuges, uma vez que já se encontrava 
 separada de facto do seu então marido. 
 E) O referido D. era feirante e com ele a ré C. conviveu intimamente, mantendo 
 ambos uma relação amorosa de carácter notório, sendo vistos em locais públicos, 
 acompanhando-o a ré C. e com ele residindo no lugar de Lageosa nos três anos de 
 convivência que com aquele manteve. 
 F) O autor foi concebido na constância de tal relação, sendo seu pai biológico o 
 referido D.. 
 G) Durante a sua vida, o falecido D. conviveu com o autor, chamava neta à filha 
 deste, e ajudou-o economicamente, nomeadamente, no ano de 1992, altura em que 
 lhe comprou uma camioneta e o ajudou no negócio, tendo ainda nesse ano com ele 
 residido. 
 H) Pelo menos desde essa data, o autor foi reputado como filho pelo falecido D., 
 tratado como tal por aquele e assim reconhecido publicamente, o que só foi 
 interrompido pelo óbito súbito de D., que faleceu em 03.01.2002, vítima de um 
 atropelamento mortal. 
 
 1) O autor e o falecido D. desentenderam-se sem que este tenha chegado a 
 reconhecer-lhe a paternidade, nunca tendo também o autor, até à instauração da 
 presente acção, impugnado formalmente a paternidade que se encontrava 
 estabelecida a favor do marido de sua mãe.” 
 O Réu E. contestou, nomeadamente, por excepção, invocando a caducidade do 
 direito de acção do Autor nos termos do artigo 1842.º, alínea c), do Código 
 Civil.
 Considerando que o processo reunia os elementos necessários à decisão da causa, 
 o Exmo. Juiz da Comarca de Santa Comba Dão, no despacho saneador, decidiu pela 
 seguinte forma:
 
 “A) Não aplicar o prazo de caducidade previsto no artigo 1842º, n.º 1, al. c) do 
 Código Civil por inconstitucionalidade;
 B) Julgar a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
 
 – Reconhecer que o autor, A., não é filho de B., ordenando o respectivo 
 cancelamento do registo de nascimento;
 
 – Reconhecer que o falecido D. é o pai do autor A., ordenando-se o respectivo 
 averbamento no registo de nascimento.”
 Na parte respeitante à questão de constitucionalidade, a decisão recorrida 
 fundou-se, essencialmente, na seguinte argumentação:
 
 “4 Numa primeira abordagem seria pois de afirmar, em obediência ao sobredito 
 artigo 1842° e às razões acima aduzidas, a caducidade do direito do autor de 
 intentar a presente acção, o que determinaria a improcedência da mesma. 
 Mas será de aplicar ao caso em apreço (em que se encontra cientificamente 
 comprovado que o autor não é filho do marido da mãe) o referido prazo de 
 caducidade? 
 Na esteira do doutamente decidido no acórdão do STJ de 31.01.2007 (disponível em 
 
 www.dgsi.pt), somos de entender que não, na medida em que – conforme aí foi 
 sustentado – o respeito pela verdade biológica sugere a imprescritibilidade do 
 direito de impugnar a paternidade. 
 Conclui-se em tal aresto pela inconstitucionalidade da citada disposição legal, 
 com argumentos inteiramente aplicáveis ao caso dos autos, por identidade de 
 razões (ainda que aí o juízo de inconstitucionalidade recaia sobre a al. a) e no 
 nosso caso esteja em discussão a al. c), sufragando-se essencialmente no citado 
 acórdão o entendimento de que perante a verdade biológica trazida aos autos pelo 
 exame de ADN não relevam os prazos que a lei impõe para o exercício do direito 
 de acção, por ofender o direito à ‘identidade pessoal’, constitucionalmente 
 consagrado nos artigos 25°, 26°, n.° 1, e 18°, n.° 2 da CRP. 
 A este propósito convirá chamar à colação o acórdão n.° 23/2006 do Tribunal 
 Constitucional (publicado no DR, I Série, de 8 de Fevereiro de 2006), por força 
 do qual foi declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da 
 norma contida no artigo 1817° do Código Civil, na medida que prevê para a 
 caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a 
 partir da maioridade do investigante – tendo, em virtude de tal declaração de 
 inconstitucionalidade, deixado de existir qualquer prazo de caducidade para a 
 propositura das acções de investigação de paternidade, como acontece, aliás, na 
 maior parte dos sistemas jurídicos que nos são próximos, consagrando a 
 imprescritibilidade das acções de reconhecimento da filiação propostas pelo 
 filho os artigos 133° do Código Civil Espanhol, 270° do Código Civil Italiano, 
 
 1600° do Código Civil Alemão e 1606.º do Código Civil Brasileiro (cfr., neste 
 sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 23.05.2006, proferido no processo n.º 
 
 776/06-3 e relatado pelo Dr. Cura Mariano, onde se pode ler que ‘até nova 
 intervenção do legislador nesta matéria, o filho poderá exercitar a todo o 
 tempo, durante toda a sua vida, o seu direito a ver judicialmente reconhecida a 
 sua filiação’). 
 Ora, o que o acórdão do STJ vem dizer, com o que concordamos, é que os 
 pressupostos do referido acórdão do Tribunal Constitucional ‘têm inteira 
 aplicação ao caso concreto, por tal temática ser muito semelhante à ora em 
 apreciação’. 
 Como parâmetros constitucionais mais significativos para aferir das limitações 
 ao direito de investigar a paternidade, apela o acórdão em questão ao direito de 
 constituir família (por um lado), com a correspectiva previsão de meios para o 
 estabelecimento jurídico dos vínculos da filiação; e (por outro lado) ao direito 
 
 à identidade pessoal, com que abre logo o n.° 1 do artigo 26.º da CRP. Mas para 
 além disso, vai buscar apoio à ideia de que se tem verificado ‘uma progressiva, 
 mas segura e significativa, alteração dos dados do problema, constitucionalmente 
 relevantes, a favor do filho e da imprescritibilidade da acção – designadamente 
 com o impulso científico e social para o conhecimento das origens, os 
 desenvolvimentos da genética e a generalização dos testes genéticos de muito 
 elevada fiabilidade. Alteração esta que ‘não deixa incólume o equilíbrio de 
 interesses e direitos, constitucionalmente protegidos, alcançado há décadas, e 
 sancionado também pela jurisprudência, empurrando-o claramente a favor do 
 direito de conhecer a paternidade’. 
 Grande parte da responsabilidade vai aqui – continua o citado aresto – para ‘o 
 peso dos exames científicos nas acções de paternidade e para a alteração da 
 estrutura social e da riqueza, levando a encarar a outra luz a dita ‘caça às 
 fortunas’ Mas nota-se também um movimento científico e social em direcção ao 
 conhecimento das origens, com desenvolvimentos da genética, nos últimos 20 anos, 
 que têm acentuado a importância dos vínculos biológicos (mesmo se porventura com 
 exagero do seu determinismo). O desejo de conhecer a ascendência biológica tem 
 sido tão acentuado que se assiste a movimentações no sentido de afastar o 
 segredo sobre a identidade dos progenitores biológicos, mesmo para os casos de 
 reprodução assistida’. 
 
 ‘Não deve, igualmente, ignorar-se a valorização da verdade e da transparência, 
 com a possibilidade de acesso a informação e dados pessoais e do seu controlo, 
 com a promoção do valor da pessoa e da sua ‘autodefinição’, que inclui, 
 inevitavelmente, o conhecimento das origens culturais e genéticas. A partir de 
 
 1997 consagrou-se aliás, expressamente, um direito ao desenvolvimento da 
 personalidade no artigo 26° da CRP (.) comportando dimensões como a liberdade 
 geral de acção e uma cláusula geral de tutela da personalidade. E se tanto o 
 pretenso filho como o suposto progenitor podem invocar este preceito 
 constitucional, não é excessivo dizer-se que ele pesa mais do lado do filho, 
 para quem o direito de investigar é indispensável para determinar as suas 
 origens.’ 
 Dentro deste contexto, e partindo das premissas assinaladas, facilmente se 
 rebatem os argumentos que acima expendemos a propósito da (im)prescritibilidade 
 das acções de filiação. 
 A começar pelo argumento do ‘riscos de fraudes’ decorrentes de um envelhecimento 
 das provas, o qual não pode hoje ser considerado relevante. É que os avanços 
 científicos permitiram o emprego de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da 
 certeza e, por esse meio, mesmo depois da morte é hoje muitas vezes possível 
 estabelecer com grande segurança a maternidade ou a paternidade. 
 Por outro lado, também o argumento de que as acções de impugnação / investigação 
 visam frequentemente fins tão-só patrimoniais de ‘caça à herança’ tem hoje de 
 ser visto a outra luz. Para além das mudanças operadas quer no acesso ao 
 direito, quer no acesso à riqueza (podendo muitas acções corre hoje entre 
 autores e réus com meio de fortuna não muito diversos), a verdade é que o citado 
 argumento se situa num plano predominantemente patrimonial, ‘não podendo ser 
 decisivo ante o exercício de uma faculdade personalíssima, constituinte clara da 
 identidade pessoal’ – cfr., acórdão n.° 23/2006 do Tribunal Constitucional, 
 publicado no DR, I Série, de 8 de Fevereiro de 2006, cuja fundamentação 
 continuamos a seguir de perto. 
 Quanto ao interesse do pretenso ou impugnado progenitor de não ver indefinida ou 
 excessivamente protelada a dúvida quanto à sua paternidade, afigura-se que o 
 mesmo não deve ser sobrevalorizado no confronto com bens constitutivos da 
 personalidade, não podendo conceder-se a uma certeza ou segurança patrimonial 
 relevância decisiva para excluir o direito eminentemente pessoal, que integra 
 uma dimensão fundamental da personalidade, de repor a verdade biológica acerca 
 da filiação. 
 Concluiu, pois, o referido acórdão do Tribunal Constitucional que ‘o regime em 
 apreço (...) tem como consequência uma diminuição do alcance do conteúdo 
 essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, 
 que incluem o direito ao reconhecimento da paternidade ou da maternidade’, 
 decidindo (como aliás já o haviam decidido os acórdãos n.° 486/04, de 7 de 
 Julho, e n.° 11/2005, de 12 de Janeiro e as decisões sumárias n.°s 114/2005 e 
 
 288/2005, de 9 de Março e 4 de Agosto) pela inconstitucionalidade do artigo 
 
 1817°, n.° 1 do Código Civil, nos termos acima referidos. 
 Pois bem. Uma vez aqui chegados, e transpondo os parâmetros constitucionais 
 supra referidos para o caso em apreço, entendemos – como entendeu o citado 
 acórdão do STJ de 31.01.2007 – que o juízo normativo de inconstitucionalidade 
 que incidiu sobre o artigo 1817°, n.° 1 do Código Civil, deve igualmente incidir 
 sobre o artigo 1842° do mesmo diploma legal. 
 Como salientam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (in, ‘Curso de Direito da 
 Família’, Vol. II, Tomo 1, 2006, pág. 137), ‘os prazos de caducidade para as 
 acções de estabelecimento de filiação estão em crise ou tornaram-se menos 
 sedutores, sobretudo quando a caducidade não visa proteger urna realidade 
 familiar efectiva, um vínculo de filiação ‘social’ que desempenhe as suas 
 funções, apesar de lhe faltar o fundamento biológico. Na verdade, a previsão de 
 um prazo para os fins típicos e abstractos da defesa e segurança tornou-se pouco 
 convincente nestas matérias.’ 
 Com efeito, ao direito fundamental à identidade e integridade pessoal, como 
 ainda ao direito ao desenvolvimento da personalidade não devem ser colocadas 
 desproporcionadas restrições, pelo que as razões que estiveram na origem da 
 declaração de inconstitucionalidade do mencionado artigo 1817.º do Código Civil, 
 estão outrossim para a disposição contida no artigo 1842°, n.° 1 do mesmo 
 Código” – cfr., acórdão do STJ de 31.01.2007. 
 Na verdade, ‘não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança 
 prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do 
 interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da 
 tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da 
 personalidade. Assim, reitera-se o já afirmado – o respeito puro e simples pela 
 verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade. Essa verdade 
 biológica consubstancia-se num direito de conformação da própria vida, um 
 direito de liberdade geral de acção cujas restrições têm de ser 
 constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais. Ora, não se 
 antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, seja necessário e 
 proporcional face aos valores que estão em causa sempre que uma questão de 
 filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do o direito ser conforme à 
 realidade em homenagem a essas restrições. A valorização dos direitos 
 fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de onde vem, na vertente da 
 ascendência genética, e a inerente força redutora da verdade biológica fazem-na 
 prevalecer sobre os prazos de caducidade para as acções de estabelecimento de 
 filiação’ – Cfr., acórdão do STJ de 31.01.2007. 
 Concluímos assim – estribando-nos no entendimento sufragado pelo douto acórdão 
 do STJ que vimos citando – pela inconstitucionalidade do prazo de caducidade 
 estabelecido no artigo 1842°, n.° 1, al. c), pelo que o direito do autor de 
 impugnar a paternidade estabelecida a favor do marido da mãe se não encontra 
 sujeito a qualquer prazo, podendo ser exercitado a todo o tempo. 
 Entender diferentemente seria promover a desconformidade do direito com a 
 realidade e descurar a verdade biológica, ofendendo de forma desproporcional e 
 injustificado os direitos fundamentais do autor à sua identidade e integridade 
 pessoal. 
 Excepto, claro está, se o exercício do direito de impugnar configurar uma 
 verdadeira situação de abuso de direito, por ofender a boa fé, os bons costumes 
 e sobretudo, o fim social do direito ao reconhecimento da filiação – o que se 
 não verifica, in casu, atentas as especiais circunstâncias resultantes da 
 matéria de facto considerada provada, uma vez que se revela compreensível que 
 face ao tratamento de facto dispensado ao autor pelo seu pai biológico (igual ao 
 de uma relação parental) este não sentisse qualquer necessidade de obter um 
 reconhecimento jurídico dessa situação, impugnando a paternidade estabelecida a 
 favor do marido da mãe (cfr., neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 
 
 23.05.2006, proferido no processo n.° 776/06-3 e relatado pelo Dr. Cura 
 Mariano).”
 
 2. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da Comarca de Santa Comba Dão 
 veio interpor recurso obrigatório para este Tribunal, ao abrigo do disposto no 
 artigo 70.º, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (Lei do 
 Tribunal Constitucional). 
 Notificado para alegar, concluiu o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste 
 Tribunal Constitucional pela seguinte forma:
 
 “1.º
 A norma constante do artigo 1842°, n° 1, alínea c) do Código Civil, enquanto 
 estabelece o prazo de caducidade de um ano, contado da data em que o filho teve 
 conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido 
 da mãe, para a respectiva acção de impugnação, viola as disposições conjugadas 
 dos artigos 26°, n° 1, 36°, n° 1, e 18°, n° 2, da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 
 2.º
 Na verdade, o estabelecimento de tal prazo de caducidade, colide com o direito 
 fundamental ao reconhecimento do vínculo de filiação biológica por parte do 
 filho, revelando-se desproporcionado, pelo menos nas situações em que é 
 manifesta a inexistência de qualquer interesse relevante da família conjugal na 
 estabilidade da filiação presumida.”
 Não foram produzidas contra-alegações.
 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 II – Fundamentos
 
 3. A decisão recorrida desaplicou, com fundamento em inconstitucionalidade, a 
 norma contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, conquanto 
 prevê um prazo de caducidade de um ano para o filho, nascido na constância do 
 matrimónio da mãe, intentar acção de impugnação da paternidade presumida contra 
 o marido daquela. 
 Dispõe assim aquela norma:
 
 “[A acção de impugnação da paternidade pode ser intentada] pelo filho, até um 
 ano depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou 
 posteriormente, dentro de um ano a contar da data em que teve conhecimento de 
 circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.”
 A argumentação da decisão recorrida remete, no seu essencial, para a 
 argumentação expendida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de 
 Janeiro de 2007 que desaplicou, por inconstitucionalidade, o artigo 1842.º, n.º 
 
 1, alínea a), do Código Civil e, ainda, no Acórdão n.º 23/2006, do Plenário do 
 Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, I Série, de 8 de 
 Fevereiro de 2006, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória 
 geral, da norma constante do artigo 1817.º, n.º 1, aplicável ex vi do artigo 
 
 1873.º, do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de 
 investigar a paternidade, um prazo de dois anos a contar da maioridade do 
 investigante.
 Este Tribunal já apreciou, em duas ocasiões, a constitucionalidade de prazos de 
 caducidade relativamente ao direito de impugnar a paternidade presumida. No 
 Acórdão n.º 589/2007, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de 
 Janeiro de 2008, proferido exactamente na sequência de recurso interposto do 
 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça já citado, para que remete o despacho ora 
 recorrido, o artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), não foi julgado inconstitucional, 
 face ao direito à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade.
 Já a norma objecto do presente recurso, contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea 
 c), foi objecto de julgamento de inconstitucionalidade no Acórdão n.º 609/2007, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Março de 2008, na medida em 
 que prevê, para a caducidade do direito do filho maior ou emancipado de impugnar 
 a paternidade presumida do marido da mãe, o prazo de um ano a contar da data em 
 que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho 
 daquele. 
 
 4. Estribando-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça mencionado o qual, 
 por sua vez, adere, em larga medida, à fundamentação do citado Acórdão n.º 
 
 23/2006, o despacho a quo fundou o juízo de inconstitucionalidade da norma em 
 apreço no direito a constituir família, no direito à identidade pessoal, no 
 direito ao desenvolvimento da personalidade, e na violação do princípio da 
 proporcionalidade, atendendo à crescente importância atribuída à verdade 
 biológica tributária do progresso científico que, nos últimos tempos, se 
 consolidou no domínio dos testes de paternidade.
 
 5. Como já se referiu, o citado Acórdão n.º 609/2007, julgou inconstitucional, o 
 artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), “na medida em que prevê, para a caducidade do 
 direito do filho maior ou emancipado de impugnar a paternidade presumida do 
 marido da mãe, o prazo de um ano a contar da data em que teve conhecimento de 
 circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, por 
 violação dos artigos 26.°, n.° 1, 36.°, n.°s 1 e 18.°, n.° 2 da Constituição da 
 República Portuguesa.” 
 Vejamos a argumentação expendida nesse aresto:
 
 “[…] resulta dos autos que a Autora terá conhecido as circunstâncias das quais 
 podia inferir não ser filha do Recorrido ….., ‘pelo menos em 3 de Abril de 
 
 2000’. Assim, face ao artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, o seu 
 direito de acção extinguir-se-ia um ano depois, em Abril de 2001, na medida em 
 que havia atingido a maioridade em 21 de Março de 1997.
 Não poderá, no entanto, deixar de se atender a outros factores, nomeadamente o 
 facto de, até Abril de 2000, a Autora ter vivido com a sua mãe e ter, então, 
 apenas vinte e um anos de idade.
 Com efeito, o prazo de um ano previsto no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), para 
 que o filho pondere adequadamente as circunstâncias e promova a acção de 
 impugnação da paternidade presumida, parece manifestamente exíguo, 
 particularmente nos casos em que, como o dos autos, o conhecimento das 
 circunstâncias que indiciam a não paternidade biológica do marido da mãe ocorreu 
 em momento temporalmente próximo da data em que o interessado alcançou a 
 maioridade e a sua própria autonomia.
 Nesta medida, e na sequência da lógica argumentativa que o Tribunal 
 Constitucional tem desenvolvido em sede de caducidade das acções de investigação 
 da paternidade, justifica-se o juízo de inconstitucionalidade material da norma 
 contida no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil.
 
 17. Com efeito, o “direito fundamental à identidade pessoal” e o “direito 
 fundamental à integridade pessoal” ganhando uma dimensão mais nítida, como, 
 ainda, o “direito ao desenvolvimento da personalidade”, leva, em si, a que não 
 se coloquem desproporcionadas restrições aos direitos fundamentais 
 consubstanciados na aludida identidade pessoal e ao desenvolvimento da 
 personalidade, pelo que as razões que estiveram na origem da declaração da 
 inconstitucionalidade do mencionado artigo 1817.°, n.° 1, do Código Civil estão, 
 outrossim para a disposição contida no artigo 1842.°, n.° 1 alínea c), do mesmo 
 Código. 
 
 18. Não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, quer 
 dizer, que seja necessário e proporcional face aos valores que estão em causa 
 sempre que uma questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do 
 direito ser conforme à realidade em homenagem a essas restrições. 
 A valorização dos direitos fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de 
 onde vem, na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da 
 verdade biológica fazem-na prevalecer sobre os prazos de caducidade, tal como se 
 prefigura na norma em apreço, para as acções de estabelecimento de filiação. 
 Com efeito, como bem acentua o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto na sua alegação, 
 
 ‘o único interesse que poderia invocar-se em contraponto ao direito fundamental 
 do filho a conhecer e determinar juridicamente a sua verdadeira paternidade 
 biológica seria o da ‘harmonia’ e estabilidade da vida e da família conjugal.’
 Tal interesse não poderá, no entanto, prevalecer, face ao princípio da 
 proporcionalidade, pois que tais limitações específicas ao direito de agir 
 contra supostos progenitores casados (ao tempo do nascimento ou apenas no 
 momento do reconhecimento), embora com antecedentes no nosso sistema jurídico, 
 traduzem-se em efeitos discriminatórios, constitucionalmente vedados, contra os 
 filhos concebidos fora do casamento. 
 
 19. É certo que o réu, no caso o marido da mãe, poderá também invocar direitos 
 fundamentais, como o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, 
 que poderão ser afectados pela revelação de factos que o possam pôr em crise. 
 Não se vê, porém, que se possa proteger tais interesses do eventual progenitor à 
 custa do direito de investigar a própria paternidade, determinada 
 fundamentalmente pelo ‘princípio da verdade biológica’ que inspira o nosso 
 direito da filiação. 
 
 20. Por outro lado, destinando-se os prazos de caducidade a sancionar a inércia 
 ou o desinteresse do titular do direito, esse argumento não pode ser 
 considerado, já que tal prazo decorrerá, na grande parte das situações, quando o 
 filho ainda vive em casa da mãe e do marido, em economia comum e sem autonomia 
 económica. 
 Assim, a fixação de tal prazo, manifestamente exíguo, tendo em vista, 
 nomeadamente, que não devem desconsiderar-se as diversas circunstâncias que 
 envolvem a sua decisão no sentido de vir impugnar a paternidade que lhe é 
 atribuída, acarreta uma injustificada e desproporcionada limitação aos direitos 
 fundamentais do filho em causa, nomeadamente o direito à identidade e 
 integridade pessoal, bem como o direito a constituir família, que incluem o 
 direito a conhecer a filiação materna e paterna e, como tal, apresenta-se como 
 violadora do conteúdo desses mesmos direitos. 
 
 21. Consequentemente, quer no plano da sua justificação, quer no plano dos seus 
 efeitos, a solução em causa não pode hoje ser constitucionalmente admissível por 
 se revelar desproporcionado, violando também o disposto no artigo 18.º, n.° 2 da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 Com efeito, e, conforme foi decidido pelo Exmo. Juiz da Comarca de Abrantes, as 
 desvantagens que advêm da perda da possibilidade do direito de vir a ter a sua 
 paternidade em correspondência com a verdade biológica são superiores e 
 claramente desproporcionadas em relação às desvantagens eventualmente 
 resultantes, para o impugnado e sua família. 
 
 22. Um último argumento, de carácter pragmático, que vem esgrimido não só na 
 decisão recorrida, como também na alegação de recurso, leva-nos a concluir no 
 mesmo sentido, uma vez que, a impugnação da paternidade presumida, em casos como 
 o dos autos, se apresenta como um mecanismo essencial no iter processual que o 
 impugnante-investigante tem de percorrer de forma a alcançar a definição e 
 estabelecimento da verdade biológica da sua ascendência. Com efeito, existindo 
 uma paternidade estabelecida e devidamente registada, a fixação de outra depende 
 impreterivelmente do afastamento daquela. Caso procedesse a caducidade do 
 direito de impugnação daquela, assim se cercearia, em definitivo, o direito do 
 filho a ver reconhecida a paternidade biológica tanto mais que não há 
 coincidência entre os prazos de tais acções.
 Conclui-se que a norma prevista no artigo 1842.°, n.º 1, alínea c), na dimensão 
 interpretativa explicitada, é inconstitucional por violação dos artigos 26.º, 
 n.° 1, 36.°, n.º 1 e 18. °, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.”
 
 6. Em primeiro lugar, cumpre realçar que a ratio subjacente à previsão 
 legislativa de prazos de caducidade para as acções de impugnação e de 
 investigação da paternidade não é inteiramente coincidente.
 Assim, a propósito da limitação do direito a investigar, têm-se avançado com 
 argumentos atinentes à segurança jurídica dos pretensos pais e respectivos 
 herdeiros bem como ao enfraquecimento da prova devido ao decurso do tempo. Por 
 outro lado, também a necessidade de obviar a comportamentos egoísticos e 
 abusivos, motivados por interesses de cobiça, tem sido invocada para a 
 justificação destes prazos (uma síntese destes argumentos pode ser encontrada no 
 Acórdão n.º 23/2006 bem como em Guilherme de Oliveira, Caducidade das Acções de 
 Investigação, Lex Familiae – Revista Portuguesa de Direito da Família, ano 1, 
 n.º 1, 2004, pp. 7-8).
 Estes argumentos vingaram, durante largo período de tempo, no plano legislativo, 
 dogmático e jurisprudencial. A solução vigente, todavia, consagrada com a 
 aprovação do Código Civil de 1966, veio afastar a tradição anterior que permitia 
 a proposição de acções de investigação com maior amplitude.
 Assim, a versão originária do Código de Seabra previa que as acções de 
 investigação da paternidade pudessem ser intentadas durante toda a vida dos 
 pretensos pais ou durante pouco tempo depois da morte dos mesmos, desde que 
 ocorrida durante a menoridade do filho. Tais acções podiam ainda ser propostas a 
 todo o tempo desde que se fundassem em escrito do pai.
 O Decreto n.º 2, de 1910, consagrou a possibilidade de intentar a acção no ano 
 subsequente à morte do suposto progenitor. Em análise a este regime anterior ao 
 actual Código Civil, Guilherme de Oliveira fala de prazos que podiam “chegar a 
 tocar as fronteiras da imprescritibilidade.” (Critério Jurídico da Paternidade, 
 Reimpressão, Almedina, Coimbra, 1998, p. 462).
 O regime então em vigor não foi incólume a críticas. Gomes da Silva, por 
 exemplo, defendeu, por um lado, que o mesmo propiciava situações de “caça à 
 herança dos pais” e, por outro, que o estabelecimento da filiação devia ser 
 estimulado perto do nascimento, em momento crucial, portanto, do desenvolvimento 
 da personalidade do filho (apud Guilherme de Oliveira, Critério…, cit., p. 464).
 Estabeleceu-se então, com o Código Civil de 1966, a regra da caducidade da acção 
 de investigação da maternidade ou paternidade no termo dos dois anos 
 subsequentes à maioridade ou emancipação do filho, ressalvados os casos de 
 existência de escrito do pretenso progenitor, de posse de estado ou, ainda, de 
 registo inibitório ou de suspensão do início e do curso do prazo.
 A Reforma do Código Civil de 1977 manteve, no essencial, este regime, com base, 
 muito presumivelmente, na consideração do direito fundamental do suposto pai à 
 reserva da intimidade da vida privada e familiar (como assinala Guilherme de 
 Oliveira, Caducidade…, cit., p. 9).
 
 7. De igual modo, em sucessivas pronúncias, também o Tribunal Constitucional 
 começou por entender que os prazos de caducidade estabelecidos para as acções de 
 investigação da paternidade não beliscavam qualquer norma constitucional 
 
 (Acórdãos n.ºs 99/88, 413/89, 451/89 e 506/99, publicados, respectivamente, 
 Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1988, 15 de Setembro de 1989, 
 
 21 de Setembro de 1989 e 17 de Março de 2000, e Acórdãos n.ºs 311/95 e 525/2003 
 
 – disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Razões de certeza e segurança 
 motivaram os vários julgamentos no sentido da não inconstitucionalidade das 
 normas contidas nos artigos 1817.º, n.ºs 1 e 2, tendo em vista a necessidade de 
 obviar a situações de pendência ou dúvida sobre a filiação por períodos 
 demasiadamente longos.
 Já o Acórdão n.º 456/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de 
 Fevereiro de 2004, julgou inconstitucional o artigo 1817.º, n.º 2, na medida em 
 que estabelecia um prazo para o filho intentar a acção de investigação assente 
 em factos estritamente objectivos impedindo, na prática, o direito de agir 
 sempre que os fundamentos e as razões para instaurar a acção surgissem pela 
 primeira vez em momento posterior ao decurso daquele prazo. No caso concreto, o 
 filho tinha-se deparado com a impugnação da paternidade presumida intentada pelo 
 pai legal num momento em que já não lhe era possível, face ao prazo previsto na 
 norma, intentar a acção de investigação da paternidade. A norma foi julgada 
 inconstitucional por violação do direito à identidade pessoal, nos termos dos 
 artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 3, da Constituição.
 Posteriormente, o Acórdão n.º 486/2004, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 18 de Fevereiro de 2005, julgou novamente inconstitucional a referida 
 norma, por violação dos direitos fundamentais à identidade pessoal, ao 
 desenvolvimento da personalidade e a constituir família, em conjugação com o 
 princípio da proporcionalidade. Este aresto, reflectindo a evolução que se 
 começou a fazer sentir relativamente a esta temática, particularmente ao nível 
 de alguma doutrina, face ao desenvolvimento científico e à nova centralidade do 
 princípio da verdade biológica, extraível do direito à identidade pessoal e ao 
 desenvolvimento da personalidade, bem como do próprio direito fundamental à 
 família, veio a desencadear, a par de outras decisões no mesmo sentido – Acórdão 
 do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 11/2005, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 18 de Março de 2005, e Decisões Sumárias n.ºs 114/2005 e 
 
 288/2005, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt – a declaração de 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 
 
 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 1873.º, conquanto nela 
 se estabelecia a extinção, por caducidade, do direito de investigar a 
 paternidade em regra a partir dos 20 anos de idade do filho (Acórdão n.º 
 
 23/2006, citado). 
 
 8. Atente-se no seguinte excerto do Acórdão n.º 486/2004, para cuja 
 fundamentação remete o Acórdão n.º 23/2006:
 
 “14. Na análise referida, não pode ignorar-se a evolução dos elementos 
 relevantes para a questão de constitucionalidade, que, entre outras, tem 
 determinado também a alteração de soluções legislativas e doutrinais. Tal 
 alteração dos dados normativos do sistema (incluindo a nível constitucional) e 
 dos elementos sociológicos e científico‑técnicos, que como que ‘envolvem’ a 
 questão de constitucionalidade do prazo de investigação de paternidade previsto 
 no artigo 1817.º do Código Civil, não deve, na verdade, ser desconhecida, mesmo 
 por quem conclua que, ainda assim, tal norma pode não padecer de 
 inconstitucionalidade.
 Com efeito, tem-se verificado uma progressiva, mas segura e significativa, 
 alteração dos dados do problema, constitucionalmente relevantes, a favor do 
 filho e da imprescritibilidade da acção – designadamente, com o impulso 
 científico e social para o conhecimento das origens, os desenvolvimentos da 
 genética, e a generalização de testes genéticos de muito elevada fiabilidade. 
 Esta alteração não deixa incólume o equilíbrio de interesses e direitos, 
 constitucionalmente protegidos, alcançado há décadas, e sancionado também pela 
 jurisprudência, empurrando-o claramente em favor do direito de conhecer a 
 paternidade.
 Grande parte da responsabilidade vai, aqui, para o peso dos exames científicos 
 nas acções de paternidade e para a alteração da estrutura social e da riqueza, 
 levando a encarar a outra luz a dita ‘caça às fortunas’. Mas nota-se também um 
 movimento científico e social em direcção ao conhecimento das origens, com 
 desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, que têm acentuado a 
 importância dos vínculos biológicos (mesmo se, porventura, com exagero no seu 
 determinismo). O desejo de conhecer a ascendência biológica tem sido tão 
 acentuado, que se assiste a movimentações no sentido de afastar o segredo sobre 
 a identidade dos progenitores biológicos, mesmo para os casos de reprodução 
 assistida (cuja consideração está, evidentemente, fora do âmbito do presente 
 recurso), tendo até, entre nós, sido já aprovada uma proposta de lei (a Proposta 
 n.º 135/VII, in Diário da Assembleia da República, I série, n.º 95 de 18 de 
 Junho de 1999, págs. 3439-3440 e 3459-3460) que previa a possibilidade de as 
 pessoas nascidas em resultado da utilização de técnicas de procriação 
 medicamente assistida obterem, após a maioridade, informações sobre a identidade 
 dos seus progenitores genéticos (só não tendo entrado em vigor por ter sido 
 objecto de veto político pelo Presidente da República).
 Não deve, igualmente, ignorar-se a valorização da verdade e da transparência, 
 com a possibilidade de acesso a informação e dados pessoais e do seu controlo, 
 com a promoção do valor da pessoa e da sua ‘autodefinição’, que inclui, 
 inevitavelmente, o conhecimento das origens genéticas e culturais. A partir de 
 
 1997, consagrou-se, aliás, expressamente um “direito ao desenvolvimento da 
 personalidade” no artigo 26.º da Constituição (Paulo Mota Pinto, O direito ao 
 livre desenvolvimento da personalidade, in Portugal‑Brasil, ano 2000, Coimbra, 
 
 2000), comportando dimensões como a liberdade geral de acção e uma cláusula de 
 tutela geral da personalidade. E, se tanto o pretenso filho como o suposto 
 progenitor podem invocar este preceito constitucional, não é excessivo dizer-se 
 que ele ‘pesa’ mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de 
 investigar é indispensável para determinar as suas origens.
 Importa, porém, analisar especificamente a procedência, hic et nunc, das 
 justificações avançadas para a exclusão do direito a investigar a paternidade 
 depois dos vinte anos de idade do pretenso filho.
 
 15. Como se disse, invocam-se, para justificar o regime actual, os riscos de 
 fraudes decorrentes de um ‘envelhecimento das provas’.
 Tal dificuldade de prova constituía uma justificação de peso, frequentemente 
 invocada, para a limitação temporal prevista na lei, desde logo, porque 
 contendia com a própria fiabilidade do resultado da acção, e, consequentemente, 
 com a credibilidade do resultado quanto à identidade pessoal invocada.
 Não parece, porém, que esta justificação possa actualmente ser considerada 
 relevante. É que os avanços científicos permitiram o emprego de testes de ADN 
 com uma fiabilidade próxima da certeza – probabilidades bioestatísticas 
 superiores a 99,5% -, e, por esse meio, mesmo depois da morte é hoje muitas 
 vezes possível estabelecer com grande segurança a maternidade ou a paternidade. 
 Assim, a justificação relativa à prova perdeu quase todo o valor, com a eficácia 
 e a generalização das provas científicas, podendo as acções ser julgadas com 
 base em testes de ADN, que não envelhecem nunca. Como salienta Guilherme de 
 Oliveira, Caducidade…, cit., pág. 11, ‘os exames podem fazer-se muitos anos 
 depois da morte do suposto pai, ou na ausência do pai! Morrem as testemunhas, 
 mudam os lugares, é certo, mas nada disso altera, verdadeiramente, o caminho que 
 as acções seguem, e hão-de seguir cada vez mais, no futuro’.
 
 16. Não é, pois, o valor da certeza objectiva da identidade pessoal que está em 
 causa, mas antes a segurança para sujeitos ou pessoas concretas – 
 designadamente, o interesse do pretenso progenitor, que poderia ser investigado, 
 em não ver indefinida ou excessivamente protelada uma situação de incerteza 
 quanto à sua paternidade, bem como o interesse, sendo o caso, da paz e harmonia 
 da família conjugal constituída pelo pretenso pai, a que se junta o argumento de 
 que as acções de investigação visam frequentemente fins tão-só patrimoniais (de 
 
 ‘caça à herança’).
 Começando por este último, também ele não pode deixar de ser visto a outra luz. 
 Se já anteriormente não era claro que acções antigas fossem necessariamente 
 intentadas contra honestos cidadãos, com uma finalidade de cobiça, é certo que, 
 hoje, quer o acesso ao direito quer a composição da riqueza mudaram, podendo 
 mesmo muitas acções que poderiam beneficiar da imprescritibilidade decorrer 
 hoje, provavelmente, entre autores e réus com meios de fortuna não muito 
 diversos, com formação profissional e um emprego – Guilherme de Oliveira (ob. 
 cit., pág. 11, nota 14) pergunta mesmo: ‘Seria concebível, nas leis 
 contemporâneas, ler: ‘O filho ilegítimo (…) presume-se pobre, salvo prova em 
 contrário…’, como se lia no art. 44.º, do Decreto n.º 2, de 1910?’. E o móbil do 
 investigante pode bem ser apenas esclarecer a existência do vínculo familiar, 
 chamar o progenitor a assumir a sua responsabilidade e descobrir o lugar no 
 sistema de parentesco para deixar de estar só. Isto, mesmo em momentos em que 
 não tenha pretensões patrimoniais, por não poder deduzir pretensões de natureza 
 alimentar e não ter ainda previsivelmente expectativas sucessórias.
 Acresce que o argumento se situa num plano predominantemente patrimonial, não 
 podendo ser decisivo ante o exercício de uma faculdade personalíssima, 
 constituinte clara da identidade pessoal, como a de averiguar quem é o seu 
 progenitor. Pode, aliás, deixar-se em aberto a questão de saber se a motivação, 
 também patrimonial, da família do pretenso progenitor merece maior apreço do que 
 a do investigante, quando aquela pretende ‘proteger’ a herança, [face] à 
 protecção deste último, por se afigurar decisiva a impossibilidade de anular 
 totalmente a possibilidade de exercer o ‘direito pessoal” a conhecer o 
 progenitor, a partir dos vinte anos, com invocação de uma tal motivação de 
 segurança patrimonial. Perante esta diferença, verdadeiramente qualitativa, dos 
 interesses em presença, afigura-se, aliás, difícil que se possa sindicar a 
 motivação do investigante – e, de toda a forma, se a motivação censurável pode 
 fundar limitações em casos extremos (a aplicação do instrumento do abuso do 
 direito ou de outro remédio expressamente previsto), não legitimará por certo 
 uma exclusão geral e total do direito a investigar a paternidade.
 Poderá aceitar-se que o argumento da segurança possa eventualmente justificar um 
 prazo de caducidade da investigação de paternidade. Mas o certo é que no 
 presente caso está apenas em causa o concreto prazo previsto no artigo 1817.º, 
 n.º 1, do Código Civil, que conduz à caducidade da acção logo a partir dos vinte 
 anos de idade.
 
 17. Quanto ao interesse do pretenso progenitor em não ver indefinida ou 
 excessivamente protelada a dúvida quanto à sua paternidade, não pode, desde 
 logo, deixar de observar-se que, se o que está em questão é realmente a 
 incerteza quanto à paternidade, esta pode hoje, com grande segurança, ser logo 
 eliminada, com a concordância do próprio pretenso progenitor que nisso estiver 
 realmente interessado, bastando, para tal, aceitar a realização de um vulgar 
 teste genético de paternidade.
 Não deve sobrevalorizar-se, no confronto com bens constitutivos da 
 personalidade, a garantia de ‘segurança jurídica’, que releva sobretudo no 
 
 âmbito patrimonial. Note‑se que a ordem jurídica não mostra uma preocupação 
 absoluta com a segurança patrimonial dos herdeiros reconhecidos do progenitor, 
 podendo qualquer herdeiro preterido intentar acção de ‘petição da herança’, a 
 todo o tempo, com sacrifício de quem tiver recebido os bens (artigo 2075.º do 
 Código Civil).
 E, de qualquer modo, pode duvidar-se de que o pretenso progenitor mereça uma 
 protecção da segurança da sua vida patrimonial que justifique a regra de 
 exclusão do direito do investigante, logo a partir dos vinte anos e sem 
 consideração de outras circunstâncias, a saber que é o seu pai. É que não pode 
 conceder-se a uma certeza ou segurança patrimonial de outros filhos, ou do 
 pretenso progenitor, relevância decisiva para excluir o direito, eminentemente 
 pessoal e que integra uma dimensão fundamental da personalidade, a saber quem é 
 o pai ou a mãe biológicos.
 Na verdade, afigura-se que a pretensão de satisfazer, através do sacrifício do 
 direito do filho a saber quem é o pai, um puro interesse na tranquilidade – em 
 
 ‘ser deixado em paz’ – ou na eliminação rápida de dúvidas – em resolver o 
 assunto – não é digna de tutela, se se tratar realmente do progenitor. Este tem 
 uma responsabilidade para com o filho que não deve pretender extinguir pelo 
 decurso do tempo, logo que aquele completa 20 anos, pela simples invocação de 
 razões de segurança, confiança ou comodidade. E se, diversamente, não se tratar 
 do verdadeiro progenitor, pode, como se disse, submeter-se a um teste genético 
 sem nada a temer. Retomando as palavras de Guilherme de Oliveira (ob. cit., pág. 
 
 10), ‘se o suposto progenitor julga que é o progenitor, está nas suas mãos 
 acabar com a insegurança – perfilhando – e se tem dúvidas pode mesmo promover a 
 realização de testes científicos que as dissipem; se, pelo contrário, não tem a 
 consciência de poder ser declarado como progenitor, não sente a própria 
 insegurança. E se for um dia surpreendido pelas consequências de um ‘acidente’ 
 passado há muito tempo, dir-se-á que tem sempre o dever de assumir as 
 responsabilidades, porque mais ninguém o pode fazer no lugar dele.’
 Também a circunstância, aduzida em defesa do regime actual, de o estabelecimento 
 da filiação alegadamente dever ter lugar quando é mais necessário, e pode ser 
 mais útil para o filho, não pode considerar-se decisiva, desde logo, porque – 
 mesmo aceitando a lógica ‘assistencial’ deste argumento – o dever de prestação 
 de alimentos pelos pais aos filhos se prolonga bem para além da maioridade. E, 
 de qualquer forma, a apreciação da conveniência em determinar a identidade do 
 seu progenitor, como elemento da sua identidade pessoal, corresponde a uma 
 faculdade eminentemente pessoal, em que apenas pode imperar o critério do 
 próprio filho, e não qualquer ‘interpretação’ externa do seu interesse ou 
 utilidade deste na investigação da paternidade.
 E também não se vê que possa só por si a protecção do interesse na paz e 
 harmonia da família conjugal que pode ter sido constituída pelo pretenso pai, 
 considerar-se decisiva. Ao que acresce especificamente, ainda, que o investigado 
 casado não deve ou pode seguramente receber, por esse facto, maior protecção 
 contra potenciais investigantes do que o solteiro. Tal tratamento desigual 
 baseia-se numa circunstância irrelevante para o fim visado pelo investigante, 
 com a acção de investigação de paternidade, para além de tais limitações 
 específicas ao direito de agir contra supostos progenitores casados (ao tempo do 
 nascimento ou apenas no momento do reconhecimento), embora com antecedentes no 
 nosso sistema jurídico, se traduzirem em efeitos discriminatórios, 
 constitucionalmente vedados, contra os filhos concebidos fora do casamento.
 
 É certo que o investigado poderá também invocar direitos fundamentais, como o 
 
 ‘direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar’ (ou, mesmo, também, 
 como se disse, o direito ao desenvolvimento da personalidade), que poderão ser 
 afectados pela revelação de factos que o possam comprometer. Não se vê, porém, 
 que se possa proteger tais interesses do eventual progenitor à custa do direito 
 de investigar a própria paternidade. Uma alegada 
 
 ‘liberdade-de-não-ser-considerado-pai’, apenas por terem passado muitos anos 
 sobre a concepção, ou um interesse em eximir-se à responsabilidade jurídica 
 correspondente, determinada fundamentalmente pelo ‘princípio da verdade 
 biológica’ que inspira o nosso direito da filiação, não podem considerar-se 
 dignos de tutela, pelo menos, a ponto de sacrificar o direito do filho a apurar 
 e ver judicialmente declarado que é o seu pai (e lembre-se, aliás, que como se 
 disse, não é de excluir que se possa chegar, mesmo fora de um processo judicial, 
 mediante exames realizados no próprio Instituto Nacional de Medicina Legal, à 
 conclusão de que certa pessoa é progenitora de outra, ficando, porém, a verdade 
 biológica sem relevância simplesmente porque o progenitor não pretende perfilhar 
 e o filho já completou vinte anos).
 
 18. Pode, pois, concluir-se que o regime em apreço, ao excluir totalmente a 
 possibilidade de investigar judicialmente a paternidade (ou a maternidade), logo 
 a partir dos vinte anos de idade, tem como consequência uma diminuição do 
 alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a 
 constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da 
 maternidade.
 Neste ponto, não pode ignorar-se, desde logo, que o prazo de dois anos em causa 
 se esgota normalmente num momento em que, por natureza, o investigante não é 
 ainda, naturalmente, uma pessoa experiente e inteiramente madura (constatação 
 que não é contrariada, nem pelo limite legal para a aquisição de capacidade de 
 exercício de direitos, nem, muito menos, pela previsão legal de uma tutela geral 
 da personalidade, no seu potencial de aperfeiçoamento). E, sobretudo, que tal 
 prazo pode começar a correr, e terminar, sem que existam quaisquer 
 possibilidades concretas de – ou apenas justificação para – interposição da 
 acção de investigação de paternidade, seja por não existirem ou não serem 
 conhecidos nenhuns elementos sobre a identidade do pretenso pai (os quais só 
 surgem mais tarde), seja simplesmente por, v.g., no ambiente social e familiar 
 do filho ser ocultada a sua verdadeira paternidade, ou não existir justificação 
 para pôr em causa a paternidade de quem sempre tenha tratado o investigante como 
 filho (sem, todavia, que a paternidade deste esteja estabelecida e venha a ser 
 impugnada, como aconteceu no caso que deu origem ao julgamento de 
 inconstitucionalidade proferido no acórdão n.º 456/2003).
 Logo por esta razão, portanto, se conclui que o prazo de dois anos é 
 inconstitucional, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 
 
 3, da Constituição.
 
 19. Mesmo, porém, que se negasse uma verdadeira afectação do conteúdo essencial 
 dos direitos referidos, por se entender que podem ainda restar (pelo menos, na 
 maioria dos casos) certas possibilidades investigatórias ao filho, afigura-se, 
 também logo no plano da sua justificação – que não já apenas no dos efeitos –, 
 que a solução em causa não pode, hoje, ser considerada constitucionalmente 
 admissível, por violação da exigência de proporcionalidade (lato sensu) 
 consagrada no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.
 
 É que, pelo menos no actual contexto, tal regime passou a traduzir uma 
 apreciação manifestamente incorrecta dos interesses ou valores em presença, em 
 particular, quanto à intensidade e à natureza das consequências que esse regime 
 tem para cada um destes: não só os prejuízos, designadamente não patrimoniais, 
 que advêm da perda, aos vinte anos de idade, do direito a saber quem é o pai, se 
 apresentam claramente desproporcionados em relação às desvantagens eventualmente 
 resultantes, para o investigado e sua família, da acção de investigação (quer 
 esta proceda – caso em que só será mais evidente a falta de justificação para 
 invocar estes interesses –, quer não), como são possíveis, como se disse, 
 alternativas, quer ligando o direito de investigar às reais e concretas 
 possibilidades investigatórias do pretenso filho, sem total imprescritibilidade 
 da acção (por exemplo, prevendo um dies a quo que não ignore o conhecimento ou a 
 cognoscibilidade das circunstâncias que fundamentam a acção), quer para obstar a 
 situações excepcionais, em que, considerando o contexto social e relacional do 
 investigante, a invocação de um vínculo exclusivamente biológico possa ser 
 abusiva, não sendo de excluir, evidentemente, o tratamento destes casos-limite 
 com um adequado ‘remédio’ excepcional (seja ele específico – cfr. o regime 
 referido do Código Civil de Macau – ou geral, como o abuso do direito, 
 considerando-se ilegítimo desprezar os efeitos pessoais a ponto de se considerar 
 a paternidade como puro interesse patrimonial, a ‘activar’ quando oportuno).”
 Tanto no Acórdão n.º 486/2004, como nos arestos que se lhe seguiram, o Tribunal 
 Constitucional não se pronunciou no sentido de a imprescritibilidade da acção de 
 investigação ser a única solução constitucionalmente admissível. A possibilidade 
 de previsão legislativa de um prazo de caducidade que dê satisfação aos vários 
 interesses em presença ficou, por conseguinte, salvaguardada.
 
 9. No entanto, algumas vozes têm ecoado a favor da imprescritibilidade das 
 acções de filiação. No recente Curso de Direito da Família, de Francisco Pereira 
 Coelho e Guilherme de Oliveira, pode-se ler que “os prazos de caducidade para as 
 acções de estabelecimento de filiação estão em crise ou tornaram-se menos 
 sedutores, sobretudo quando a caducidade não visa proteger uma realidade 
 familiar efectiva, um vínculo de filiação ‘social’ que desempenhe as suas 
 funções, apesar de lhe faltar o fundamento biológico. Na verdade, a previsão de 
 um prazo com os fins típicos e abstractos da defesa e segurança tornou-se pouco 
 convincente nestas matérias” (Volume II, Tomo I, p. 137). E, mais adiante, “os 
 tempos correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação (…). De 
 facto, não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das 
 provas; e não se pode atribuir o relevo antigo à ideia de insegurança 
 prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do 
 interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da 
 tutela crescente dos direitos fundamentais à identidade pessoal e ao 
 desenvolvimento da personalidade.” (ob. cit., p. 139)
 Impõe-se, no entanto, realçar que as justificações avançadas no sentido da não 
 limitação do direito a intentar a acção de investigação da paternidade (para 
 além das já mencionadas de índole jurisprudencial e dogmática, cfr. o regime 
 vigente ao nível comparado exposto no citado Acórdão n.º 23/2006), não são 
 matematicamente transponíveis para a análise dos prazos de impugnação da 
 paternidade. 
 
 10. Vejamos então se os argumentos em que se funda o despacho recorrido, e que 
 foram colhidos, no essencial, no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 
 o qual, por sua vez, buscou apoio na fundamentação expendida no Acórdão n.º 
 
 486/2004, são mobilizáveis para a análise da situação que se prefigura nos 
 autos.
 Comecemos por recordar o que dispõe o Código Civil em matéria de impugnação da 
 filiação paterna. 
 O regime da impugnação da paternidade presumida do filho nascido ou concebido na 
 constância do matrimónio da mãe assenta, por um lado, no estabelecimento da 
 legitimidade de vários interessados (a mãe, o marido e o filho) e, por outro, na 
 fixação de diferentes prazos de caducidade. Assim, a mãe pode intentar a acção 
 de impugnação no prazo de dois anos após o nascimento do filho. Já ao presumido 
 pai assiste o prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de factos 
 que possam indiciar a sua não paternidade. No que diz respeito ao filho, o prazo 
 
 é de um ano após ter atingido a maioridade ou emancipação ou, quando apenas 
 tomou conhecimento de circunstâncias que permitam concluir a não paternidade do 
 presumido pai, posteriormente, no prazo de um ano contar de tal data. A acção 
 pode ainda ser proposta pelo Ministério Público a requerimento de quem se 
 declarar pai do filho desde que judicialmente reconhecida a viabilidade do 
 pedido. O prazo, neste caso, é de sessenta dias a contar da inscrição no registo 
 da paternidade do marido da mãe.
 Já a impugnação da perfilhação, nos termos do artigo 1859.º, está sujeita a um 
 regime totalmente diverso, sendo a legitimidade activa atribuída não só ao 
 perfilhante e perfilhado mas também a qualquer pessoa que tenha interesse moral 
 ou patrimonial na sua procedência, bem como ao Ministério Público. Esta acção 
 não se encontra sujeita a qualquer prazo, podendo ser intentada a todo o tempo, 
 mesmo depois da morte do perfilhado.
 
 11. São conhecidas as razões que se costumam invocar para justificar a 
 caducidade das acções de impugnação da paternidade: o perigo do enfraquecimento 
 das provas e o dano resultante de uma insegurança prolongada em matéria tão 
 sensível. No que se refere, especialmente, à impugnação da paternidade do marido 
 da mãe, reflexo da presunção legal pater is est (nos termos do artigo 1826.º, 
 n.º 1, do Código Civil), avulta ainda uma outra razão, relacionada com o 
 princípio da protecção da família conjugal, enquanto “direito à protecção da 
 sociedade e do Estado, tornando-a, assim, objecto de uma garantia 
 
 [institucional]” (Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da 
 Família, Volume I, Introdução. Direito Matrimonial, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 
 
 2008, p. 132).
 Relativamente aos prazos curtos previstos para a acção da mãe e do marido desta, 
 adianta-se, ainda, “a vantagem de tutelar os interesses do próprio filho em não 
 ver indefinidamente pendente o risco de afastamento da presunção legal de 
 paternidade. […] ‘[A] acção do filho subsistirá normalmente por muitos anos, 
 após estar esgotado o direito de impugnar a paternidade pelos restantes 
 interessados (necessariamente pela mãe, provavelmente pelo marido, já que 
 plausivelmente terá este conhecimento das circunstâncias que inculcam a 
 inexistência do vínculo biológico durante a menoridade do filho.’ […] ‘[O] 
 estabelecimento de prazos ‘curto[s]’ – embora razoáveis e adequados – para os 
 progenitores impugnarem a paternidade presumida radicará, deste modo, numa 
 tutela do interesse do próprio filho menor, réu na acção, evitando, 
 nomeadamente, que o impugnante/marido da mãe – conhecedor de circunstâncias que 
 inculcam a sua não paternidade – possa prolongar indefinidamente a pendência de 
 tal situação, servindo-se dela como instrumento de ‘pressão’ sobre o cônjuge e, 
 indirectamente, sobre o próprio filho, nomeadamente quando confrontado com o 
 dever de pagamento de alimentos ou de contribuição para as despesas 
 domésticas.’”  (cfr. Acórdão n.º 609/2007, citado)
 E, nesta sede, vincando a possibilidade de, contrariamente ao defendido 
 relativamente à caducidade do direito de investigar a paternidade, as acções de 
 constituição de novos vínculos poderem merecer um regime diferente da pretensão 
 de impugnar vínculos existentes, sustentam os mesmos Autores que as razões que 
 levam a defender a imprescritibilidade das acções de investigação não parecerão 
 tão líquidas para as acções de impugnação. Assim, no que concerne a estas 
 acções, “se me parece hoje claro que a investigação da paternidade deve ser 
 imprescritível, não me parece tão líquido que a impugnação da paternidade (do 
 marido ou do perfilhante) deva ser assim tão livre”, na medida em que “as 
 impugnações agridem um estado jurídico e social prévio, que pode ter uma duração 
 e uma densidade consideráveis” (Curso…, Volume II, cit., pp. 139-140).
 Vejamos o cenário comparatístico descrito no Acórdão n.º 609/2007:
 
 “A regra da caducidade da impugnação é conhecida pela generalidade dos sistemas 
 jurídicos (como nota Guilherme de Oliveira, Critério…, cit., p. 371).
 O Código Civil espanhol prevê um prazo curto para o marido agir, contado desde o 
 nascimento do filho (artigo 136 do Código Civil espanhol). Já o filho dispõe de 
 um ano a contar do registo da filiação ou da maioridade ou do acesso à plena 
 capacidade jurídica. Este prazo de caducidade, no entanto, apenas está previsto 
 no caso em que existe posse de estado de filiação matrimonial. No caso 
 contrário, o direito de impugnar pode ser exercido a todo o tempo pelo filho ou 
 pelos seus herdeiros (artigo 137).
 O artigo 136 foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional 
 espanhol, por violação do direito à tutela judicial efectiva, na parte em que 
 prevê o prazo de um ano para o marido da mãe intentar a acção de impugnação da 
 paternidade sempre que se demonstra que não tinha conhecimento que não era, 
 efectivamente, o pai biológico (Sentenças do Plenário n.ºs 138/2005 e 156/2005). 
 Estas pronúncias limitaram-se, no entanto, a aferir a inconstitucionalidade do 
 prazo concretamente previsto na norma, mormente do respectivo dies a quo. 
 Explicitou-se, por conseguinte, a possibilidade de o legislador, no âmbito da 
 sua margem de conformação, estabelecer um outro prazo para a impugnação da 
 paternidade presumida, em ordem à salvaguarda da segurança jurídica, ‘dentro de 
 cânones respetuosos con ele derecho a la tutela judicial efectiva (…).”
 Em França, a recente reforma da filiação, concretizada pela Ordonnance n.º 
 
 2005-709, que entrou em vigor em 1 de Julho de 2006, veio simplificar e 
 harmonizar o regime das acções de contestação da paternidade, nomeadamente no 
 que diz respeito à legitimidade activa e aos prazos para agir. Existem agora 
 dois meios processuais disponíveis para contestar a paternidade, consoante se 
 verifique ou não posse de estado conforme ao título (assente em paternidade 
 presumida ou por reconhecimento).
 Na ausência de posse de estado, qualquer interessado, incluindo o filho, pode 
 intentar a acção no prazo de dez anos a contar do estabelecimento da filiação. O 
 filho pode ainda contestar a paternidade nos dez anos seguintes após ter 
 atingido a maioridade (artigos 334 e 321 do Code Civil). Caso exista posse de 
 estado conforme ao título, apenas a mãe, o pretenso pai, o filho ou o marido ou 
 autor do reconhecimento, conforme o caso, podem contestar a paternidade 
 estabelecida. Neste caso, o prazo é de apenas de 5 anos a contar daquele 
 estabelecimento (artigo 333). 
 No direito suíço, a presunção de paternidade pode ser impugnada judicialmente 
 pelo marido e pelo filho mas, relativamente a este último, apenas se a comunhão 
 de vida dos cônjuges terminou antes de atingir a maioridade (artigo 256 do Code 
 Civi suíço). O marido tem o prazo de um ano para intentar a acção após o 
 conhecimento do nascimento e dos indícios de que poderá não ser o pai biológico. 
 Já o filho pode agir durante a menoridade e no prazo de um ano após ter atingido 
 a maioridade. Em todo o caso, a acção pode ainda ser intentada após o decurso 
 dos referidos prazos em caso de motivo atendível que justifique a não 
 observância dos mesmos (artigo 256c).
 Na Alemanha, vigora um regime muito semelhante ao estabelecido pelo nosso Código 
 Civil, ressalvando-se a possibilidade de o pai biológico poder impugnar a 
 paternidade presumida apenas nos casos em que não existe, entre o filho e o 
 marido da mãe, relações ‘sócio-familiares’.  
 A previsão de prazos de caducidade e de limitações ao direito de impugnar a 
 paternidade não se revela, por conseguinte, uma opção legislativa isolada no 
 plano comparatístico.
 Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já teve oportunidade de se 
 pronunciar sobre a previsão legal de prazos para a impugnação da paternidade 
 presumida do marido da mãe. Fê-lo, no entanto, apenas relativamente ao direito 
 de acção do pai presumido e da mãe (relativamente ao pai presumido, cfr. 
 Acórdãos Shofman v. Rússia e Mizzi v. Malta; no que diz respeito à mãe, cfr. 
 Acórdãos Znamenskaya v. Rússia e Kroon v. Países Baixos).
 Das várias pronúncias do Tribunal Europeu resulta que a previsão legal de prazos 
 para a impugnação da paternidade presumida não é, em si mesma, contrária à 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente no que diz respeito ao 
 seu artigo 8.º. Assim, o Tribunal aceita que, em atenção aos valores da 
 segurança jurídica e da estabilidade das relações familiares, a paternidade 
 presumida possa tornar-se inatacável. O que se exige, no entanto, é que o prazo 
 estipulado permita, efectivamente, a possibilidade de os titulares do direito de 
 agir, querendo, poderem lançar mão de tal meio processual e contrariar a 
 presunção legal de paternidade em ordem à reposição da verdade biológica.”
 Em crítica aos prazos de caducidade previstos na lei, Guilherme de Oliveira já 
 havia defendido que os prazos deveriam ser mais longos: “A decisão de impugnar é 
 fundamental e difícil para um qualquer dos titulares: o marido desencadeia ou 
 ratifica a desagregação familiar; a mulher faz o mesmo e assume publicamente a 
 violação da fidelidade conjugal; o filho decide com base em factos que chegam ao 
 seu conhecimento por interpostas pessoas, anos depois do seu nascimento, com a 
 agravante possível de algumas relações subsistentes com o marido da mãe lhe 
 tolherem a vontade. Além disso a perempção devia ceder perante alterações 
 excepcionais e graves da vida familiar que tornassem injusta e inútil a 
 subsistência do vínculo: a prática de ofensas muito graves contra o marido, 
 imputáveis ao filho, que afectassem desesperadamente a relação paternal, ou a 
 ocorrência de outros factos ponderosos tais que a manutenção do vínculo acabasse 
 por ser gravemente lesiva dos interesses do filho.” (Critério…, cit., p. 390). 
 Analisados os interesses subjacentes às normas que prevêem prazos de caducidade 
 para a acção de impugnação da paternidade resultante da presunção pater is est, 
 vejamos agora, mais concretamente, a norma objecto do recurso – o artigo 1842.º, 
 n.º 1, alínea c). Tendo em atenção a multifacetada axiologia que se vem 
 concretizando, destacam-se nesta norma, fundamentalmente, os interesses da 
 segurança e certeza na determinação do estado das pessoas e da protecção da 
 família conjugal (na medida em que se está perante a legitimidade activa do 
 filho). 
 Impõe o princípio da segurança jurídica a “transparência da ‘situação jurídica’, 
 i.e., que ela se revele facilmente cognoscível, com total confiança, por 
 qualquer pessoa nisso razoavelmente interessada, e que não possa ser 
 arbitrariamente subvertida, e ainda que sejam previsíveis as concretas decisões 
 das instâncias competentes para as proferir – o que nomeadamente acontecerá se 
 puderem ter-se por justificadamente satisfeitas as exigências da ‘clareza do 
 direito’, da ‘estabilidade jurídica’, da consonância societária do direito’ e da 
 
 ‘paz jurídica’, numa palavra, da ‘vigência do direito’.” (Fernando José Bronze, 
 Lições de Introdução ao Direito, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2006, p. 487) 
 O valor da segurança decorre desde logo do princípio do Estado de Direito, 
 enquanto objectivo e fim último vinculante do exercício dos poderes do Estado. 
 De acordo com este princípio, “a actuação dos poderes públicos deve ser sempre 
 uma actuação antevisível, calculável e mensurável. Num Estado de Direito as 
 pessoas devem poder saber com o que contam.” (Maria Lúcia Amaral, A Forma da 
 República, Coimbra Editora, 2005, p. 178).
 A par desta pré-ordenação institucionalizada, como nunca é demais assinalar, 
 atende ainda a norma em análise ao interesse da protecção da família conjugal, 
 que resulta, aliás, de exigência constitucional imposta ao legislador, nos 
 termos do artigo 67.º, da Constituição. Com efeito, enquanto elemento 
 fundamental da sociedade, a família beneficia de uma garantia institucional que 
 a protege, nomeadamente, de factores de perturbação ou instabilidade que 
 coloquem em crise a união familiar.
 Referidos que estão, de um prisma normativo, os interesses em presença, resta 
 saber se o preceito belisca as normas e princípios constitucionais, 
 designadamente as que parametrizaram o despacho recorrido.  
 Somos desde já levados a considerar que muito dificilmente a consagração de um 
 prazo de caducidade, em concreto, daria cumprimento ao esforço imposto pelo 
 princípio da proporcionalidade em sentido estrito. A consagração de um prazo 
 limitativo do direito de agir cerceia – indiscutivelmente – o direito 
 fundamental à identidade pessoal e à família (que compreende o direito a 
 conhecer e estabelecer a respectiva filiação paterna) e ao desenvolvimento da 
 personalidade.
 Importa, nesta sequência, avaliar, então, se o prazo de caducidade previsto no 
 artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, face aos interesses que 
 tutela, e perante os seus efeitos em face dos direitos fundamentais em jogo, é 
 passível de censura jusconstitucional.
 Na identificação que se impõe, de um ponto de vista lógico-sistemático, dos 
 interesses jusfundamentais em presença, e partindo das concretizações já 
 estabelecidas em jurisprudência anterior (remetendo-se, aqui, para os Acórdãos 
 n.ºs 23/2006, e 609/2007, citados), saliente-se que já no Acórdão n.º 99/88, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1988, este 
 Tribunal afirmou a existência de um direito fundamental ao conhecimento e 
 reconhecimento da paternidade, adiantando que, por referência aos direitos 
 consagrados nos artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Constituição, “não se vê 
 como se possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e ver reconhecido o pai – 
 o direito de conhecer e ‘pertencer ao cujo pai é’, para usar a fórmula vernácula 
 e expressiva do velho Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Julho de 
 
 1938 – como uma das dimensões dos direitos constitucionais referidos, em 
 especial do direito à identidade pessoal, ou uma das faculdades que nele vai 
 implicada.” Se já então, e até anteriormente, como vinha assinalando Guilherme 
 de Oliveira, na edição de 1979 do seu Critério Jurídico da Paternidade, onde, a 
 dado trecho, se lê que “o direito ao conhecimento da ascendência biologicamente 
 verdadeira ganhou uma relevância tal que nos permite considerá-lo como um dos 
 aspectos dos direitos fundamentais da pessoa – designadamente, como uma faceta 
 do direito à integridade pessoal e à identidade (…) que tutelam a ‘localização 
 social’ do indivíduo”, não se olvida que a acentuada tendência biologicista que 
 predomina nas sociedades actuais, vocacionadas para a recepção dos contributos 
 que a evolução científica introduziu ao nível dos testes comprovativos da 
 filiação natural, bem como para uma tendência sociológica exacerbadora do 
 princípio da verdade biológica, reflecte a mutação da axiologia que baseou a 
 regras previstas no Código Civil a propósito do estabelecimento da filiação. 
 Aliás, o direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da filiação 
 biológica busca a sua génese última no princípio de valor irredutível da 
 dignidade que postula uma constante “abertura às novas exigências da pessoa 
 humana” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 1999). E isto 
 procede igualmente no que respeita às acções de impugnação da filiação já 
 estabelecida.
 Perante a já assinalada instrumentalidade do pedido de impugnação relativamente 
 
 à acção de investigação que, em definitivo, permitirá a consolidação da 
 filiação, concluir-se pela caducidade de tal meio processual tem como 
 consequência impedir, em absoluto, a realização do direito a conhecer e 
 estabelecer a filiação biológica. E realce-se que no caso dos autos o Autor (e o 
 Tribunal) sabe, com a máxima certeza permitida pela ciência, que aquela pessoa é 
 
 (era), efectivamente, o seu pai biológico. 
 Inexistindo qualquer realidade familiar digna de tutela, bem como qualquer 
 eventual direito do pai presumido a não ver destruída a relação de afecto que 
 com o filho – ainda que não biológico – desenvolveu durante certo período de 
 tempo – pois que quem é pai legal in casu nunca actuou como tal – é possível 
 vislumbrar ainda alguns interesses que, em abstracto, sejam convocáveis no 
 sentido da validade da caducidade.
 Por um lado, pode ser invocado o direito à reserva da vida privada e à própria 
 identidade pessoal do pretenso pai. É certo, no entanto, que uma pretensa 
 
 “liberdade de não ser considerado pai” não poderia proceder em face do direito 
 do filho “a apurar e ver judicialmente declarado que é o seu pai” (cfr. Acórdão 
 n.º 23/2006, citado).
 Para além destes interesses outros ainda se podem descortinar, relacionados com 
 os descendentes e herdeiros do pai biológico. É certo que a solidez deste tipo 
 de argumentos adquire uma fragilidade ainda maior do que os parâmetros 
 relacionados com os eventuais interesses do pai. Mesmo que se considerassem 
 procedentes os argumentos tradicionalmente invocados a propósito da necessidade 
 de evitar as designadas “caças às heranças” e de salvaguardar os interesses dos 
 restantes herdeiros, o que tem sido contestado por relevante doutrina, com 
 acolhimento no Acórdão n.º 23/2006, o certo é que, como se escreveu nesse 
 aresto, tal sorte de fundamento “se situa num plano predominantemente 
 patrimonial, não podendo ser decisivo ante o exercício de uma faculdade 
 personalíssima, constituinte clara da identidade pessoal, como a de averiguar 
 quem é o seu progenitor.” E, prosseguindo, “perante esta diferença, 
 verdadeiramente qualitativa, dos interesses em presença, afigura-se, aliás, 
 difícil que se possa sindicar a motivação do investigante (…).”
 De qualquer das formas, a consideração dos interesses que poderiam obstar ao 
 interesse do próprio filho, apenas reflexa ou remotamente poderá aqui relevar. É 
 que eles vingam em toda a sua intensidade (ainda que eventualmente enfraquecida 
 face à consideração dos direitos do filho em presença) apenas no campo da 
 caducidade das acções de investigação da filiação – essas é que conduzem à 
 constituição de um (novo) vínculo jurídico. E o objecto do recurso sub judicio 
 prende-se apenas com a consideração do prazo de caducidade da acção de 
 impugnação, meio processual destinado à extinção do vínculo existente. O que 
 significa que o único interesse em presença virtualmente capaz de justificar o 
 prazo legal, a par da segurança jurídica enquanto interesse fundamental da 
 comunidade, relacionar-se-ia, exclusivamente, com eventuais interesses do (ex) 
 marido da mãe. Já vimos, no entanto, que, em concreto, não procedem tais 
 considerações.
 Resta, por conseguinte, a eventual consideração de um interesse abstracto da 
 comunidade na segurança e estabilidade das relações de filiação estabelecidas no 
 sentido de impossibilitar, a partir de determinado momento, a extinção de tais 
 realidades. Não vemos no entanto que esse argumento proceda em casos em que – 
 como o dos autos – a realidade jurídica não assenta correspectivamente – de um 
 ponto de vista sociológico, afectivo, material – no modo de vida dos 
 interessados. 
 Assim, a realização do Direito, mormente do Direito Constitucional enquanto 
 validade normativa constituinte, partindo de uma fiscalização teleológica 
 
 (Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais…, cit., p. 225), exige o 
 afastamento da caducidade prevista na norma atenta a evidente violação do 
 princípio da proporcionalidade em sentido estrito. A gravidade das restrições 
 impostas ao direito fundamental a estabelecer a sua verdade biológica, 
 autonomamente considerado e enquanto dimensão contida nos direitos à identidade 
 pessoal e à família, na medida em que daquelas resulta a absoluta ineficácia de 
 tal faculdade pessoal, abrangida pelo núcleo irredutível da dignidade que deve 
 ser reconhecida a cada ser humano, impõe um juízo de censura jusconstitucional 
 dirigido à norma.
 Por outro lado, a procedência de uma presunção de paternidade relativamente ao 
 marido da mãe em casos em que, comprovada e ostensivamente, a concepção ocorreu 
 em momento temporalmente distante do fim da união conjugal, revela-se 
 desrazoável  face às consequências que inelutavalmente produz na esfera jurídica 
 do filho que se vê, assim, impedido de obter a destruição do vínculo filial que 
 lhe permita a proposição da acção tendente ao estabelecimento da sua verdade 
 biológica na dimensão da ascendência paterna.
 Com efeito, não se observa a necessária relação de proporção ou de justa medida 
 entre a via que foi escolhida para a realização do interesse público e a medida 
 de realização do mesmo interesse (Maria Lúcia Amaral, A Forma…, cit., p. 189).
 Conclui-se, pois, que a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código 
 Civil, na medida em que prevê, para a caducidade do direito do filho maior ou 
 emancipado de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe, o prazo de um 
 ano a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa 
 concluir-se não ser filho do marido da mãe, é inconstitucional, por violação dos 
 artigos 26.°, n.° 1, 36.°, n.°s 1 e 18.°, n.° 2, da Constituição da República.
 III – Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a) Julgar inconstitucional o artigo 1842.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil, na 
 medida em que prevê, para a caducidade do direito do filho maior ou emancipado 
 de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe, o prazo de um ano a contar 
 da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não 
 ser filho do marido da mãe, por violação dos artigos 26.°, n.° 1, 36.°, n.°s 1 e 
 
 18.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa. 
 b)      Consequentemente, negar provimento ao recurso.
 Sem custas.
 Lisboa, 14 de Maio de 2008
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Gil Galvão
 Carlos Pamplona de Oliveira –  Vencido. Concederia
 provimento ao recurso essencialmente pelas razões invocadas
 na declaração que anexei ao Acórdão n.º 609/2007.
 Rui Manuel Moura Ramos