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Processo n.º 855/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório 
 
  
 
  
 
 1. A. requereu perante os serviços de segurança social de Coimbra a concessão de 
 apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos 
 com o processo para assim poder intervir num processo de execução fiscal que lhe 
 fora instaurado.
 
  
 Tomando por base o rendimento anual líquido do requerente e da pessoa que com 
 ele vive em situação análoga à dos cônjuges, a que se considerou corresponder o 
 rendimento relevante, para efeitos de protecção jurídica, superior a metade e 
 menor do que duas vezes o valor do salário mínimo nacional, os serviços de 
 segurança social notificaram o requerente, em sede de audiência do interessado, 
 de uma proposta de decisão no sentido de lhe ser deferido o pedido de apoio 
 judiciário na modalidade pagamento faseado.
 
  
 Tendo o requerente manifestado a sua discordância, no uso da faculdade prevista 
 no artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo, o pedido veio a ser 
 indeferido por decisão de 6 de Março de 2007.
 
  
 O requerente impugnou essa decisão perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de 
 Lisboa, que decidiu conceder ao impugnante o apoio judiciário na requerida 
 modalidade de dispensa total de pagamento de custas e demais encargos do 
 processo,  desaplicando, no caso concreto, as normas constantes do Anexo que 
 integra a Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, em conjugação com aos artigos 6º a 10º 
 da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto, por violação dos artigos 1º, 59º, 
 nº 2, alínea a), e 63, nºs 1 e 3, e 20º, nº 1, da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 
  
 A decisão encontra-se fundamentada, na parte que mais interessa considerar, nos 
 seguintes termos:
 
  
 Na sequência deste diploma [referindo-se à Lei nº 34/2004, de 29 de Julho], a 
 concessão de protecção jurídica a quem, tendo em conta factores de natureza 
 económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas 
 para suportar pontualmente os custos de um processo (cf. artigo 8, nº 1, da Lei 
 nº 34/2004) passou a depender do valor do rendimento relevante para efeitos de 
 protecção jurídica (artigos 8°, nº 5, e 20°, n° 1, e ponto 1. do Anexo da Lei n° 
 
 34/2004), determinado a partir do rendimento do agregado familiar — ou seja, 
 também a partir do rendimento das pessoas que vivam em economia comum com o 
 requerente de protecção jurídica (n°s 1 e 3 do ponto 1. deste Anexo) — e das 
 fórmulas previstas nos artigos 6º a 10° da Portaria n° 1085-A/2004, de 31 de 
 Agosto. 
 A apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do requerente de 
 protecção jurídica passou a ter lugar a título excepcional (cf. artigos 20º, nº 
 
 2, da Lei de 2004 e 2 da referida Portaria), diferentemente do que sucedia no 
 direito anterior (cf. artigos 7º, n 1, 20º, nºs 1 e 2, e 23º, nº 2, do 
 Decreto-Lei nº 387-B/87, artigos 7º, nº 1, e 20º, nºs 1 e 2, da Lei nº 30- 
 E/2000 e modelo de requerimento de apoio judiciário para pessoas singulares 
 aprovado pela Portaria nº 1223-A/2000, de 29 de Dezembro), relativamente ao qual 
 
 é de salientar, a título exemplificativo, que o afastamento da presunção de 
 insuficiência económica, legalmente estabelecida, dependia da circunstância de o 
 requerente fruir outros rendimentos, próprios ou de terceiros. 
 A norma que constituía o artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de 
 Dezembro, e que era preenchida em face do caso concreto, passou a ser uma norma 
 preenchida legislativamente. Quer dizer, o que era antes uma norma aberta ao 
 preenchimento do caso concreto passou a ser uma norma fechada, interpretada “ope 
 legis” por critérios económicos e financeiros aplicados através de uma fórmula 
 matemática. 
 No caso concreto, nega-se o apoio judiciário na modalidade de dispensa total do 
 pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo a um peticionante 
 com um agregado composto por três pessoas e com um rendimento global de € 167,86 
 porque, segundo os critérios definidos no Anexo à lei do apoio judiciário, 
 calculados segundo as fórmulas estabelecidas em portaria, apenas tem direito ao 
 pagamento faseado. 
 A situação só por si apresenta contornos inaceitáveis se tivermos em atenção, 
 como devemos ter, o custo de vida, nomeadamente, os custos com as necessidades 
 básicas hodiernas, como a habitação, a educação, a saúde e a exigência de 
 assegurar um nível mínimo de rendimentos para que possa concretizar-se o 
 princípio máximo e supremo da dignidade da pessoa humana. 
 Mas o caso é mais premente porque, como se sabe, o apoio judiciário é concedido 
 para questões ou causas judiciais concretas ou susceptíveis de concretização 
 
 (artigo 6º, n.º 2, da LAJ). Deve ser requerido antes da primeira intervenção 
 processual, salvo se a situação da insuficiência económica for superveniente ou 
 se, em virtude do decurso do processo ocorrer algum encargo excepcional, 
 mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre o mérito da 
 causa e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que em 
 que essa concessão ocorrer (artigo 18º, nº 2, da LAJ). 
 Significa tal que este instituto só se justifica relativamente a questões 
 judiciais em que o interessado queira exercer ou defender os seus direitos o que 
 implica a pendência de uma lide ou a possibilidade dessa pendência. 
 Na situação em análise evidencia-se que o impugnante pretende defender-se em 
 relação a diversas dívidas fiscais objecto de várias execuções fiscais (sendo 
 certo que a apensação das execuções não é automática — artigo 179º do CPPT). 
 Embora o cálculo do montante de prestação mensal não seja em função do montante 
 das custas do processo, mas antes em função de vectores como o rendimento 
 relevante de protecção jurídica e do salário mínimo nacional (ponto II do Anexo) 
 e haja um limite temporal para estas prestações, não sendo exigíveis as que se 
 vençam após o decurso de quatro anos desde o trânsito em julgado da decisão 
 final sobre a causa (nº 2 do artigo 16º da Lei nº 34/2004), o certo é que a 
 justificação do pagamento faseado em situações como a dos autos em que o 
 requerente necessita de instaurar vários processos, desvirtua-se completamente. 
 A injustiça flagrante é o limite mínimo da validade do direito, devendo o 
 intérprete desaplicar a lei quando ela se revele intoleravelmente injusta. A 
 irrazoabilidade, a desproporcionalidade, a irracionalidade são indicadores dessa 
 injustiça flagrante e, na medida em que impedem a aceitação da lei por parte dos 
 seus destinatários, retiram-lhe a validade. 
 Analisada a situação em concreto do requerente - o seu agregado familiar, os 
 seus rendimentos, as suas despesas e todas os demais elementos relevantes -, 
 verifica-se que o mesmo reúne as condições objectivas para que lhe seja 
 concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento total da 
 taxa de justiça e demais encargos com o processo (artigo 8º da LAJ). 
 Assim, é de concluir pela desaplicação das normas constantes do Anexo que 
 integra a Lei nº 34/2004, em conjugação com aos artigos 6º a l0º da Portaria nº 
 
 1085-A/2004, as quais não garantem, na situação em referência, a concessão do 
 apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento total da taxa de justiça 
 e demais encargos com o processo, por violação dos artigos 1º, 59º, nº 2, alínea 
 a), e 63º, nºs 1 e 3, e 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 Desta decisão, interpôs o Ministério Público recurso para Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do 
 Tribunal Constitucional, vindo a apresentar, no seguimento do processo, as 
 seguintes alegações:
 
  
 
 1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada
 O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da 
 decisão, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que recusou 
 aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, as normas constantes do anexo 
 
 à Lei nº 34/04, em conjugação com os artigos 6º a 10º da Portaria 1085-A/2004, 
 enquanto conduziram a denegar ao requerente A. o apoio judiciário, na modalidade 
 de dispensa total da taxa de justiça e demais encargos do processo.
 Na verdade, na óptica da decisão recorrida, o sistema normativo emergente das 
 disposições legais questionadas – conduzindo a uma avaliação da situação 
 económica do requerente assente exclusivamente na aplicação das fórmulas 
 rigidamente estatuídas, inviabilizando a ponderação casuística, substituída por 
 uma “norma fechada, interpretada “ope legis” por critérios económicos e 
 financeiros aplicados através de uma fórmula matemática”, viola o direito de 
 acesso à justiça pelos economicamente carenciados.
 Analisando a especificidade do caso concreto, verifica-se que:
 
 - foi tido em consideração, na avaliação da invocada insuficiência económica do 
 requerente, não apenas o rendimento por ele auferido mensalmente (€ 735,86), mas 
 também o recebido pela pessoa que com ele vive em situação análoga à dos 
 cônjuges;
 
 - a rigidez do sistema normativo vigente implicou que não pudesse ser 
 considerada a especificidade do caso, decorrente de o impugnante pretender 
 defender-se “em relação a diversas dívidas fiscais objecto de várias execuções 
 fiscais” - desvirtuando-se, neste caso, completamente a justificação do 
 pagamento faseado que lhe havia sido autorizado pela Segurança Social.
 Note-se que a primeira circunstância, atrás salientada, é suficiente para 
 conduzir à aplicação do juízo de inconstitucionalidade formulado no acórdão nº 
 
 654/06: na verdade, no cálculo do rendimento relevante para o efeito de 
 concessão do benefício do apoio judiciário, na modalidade peticionada pelo 
 requerente, foi tido em consideração o rendimento global do agregado familiar, 
 incluindo o auferido por quem com ele convivia em união de facto, 
 independentemente de este poder fruir ou dispor de tal rendimento – não sendo 
 perceptível a existência de interesse relevante do “cônjuge de facto” nas acções 
 para que se pretendia obter a protecção jurídica, nem de qualquer obrigação 
 deste em custear as despesas judiciais do interessado directo.
 E tal juízo de inconstitucionalidade implica naturalmente – só por si – a 
 reapreciação do rendimento disponível relevante do requerente – o que nos 
 dispensa, por ora, de abordar a questão numa outra perspectiva: a do carácter 
 eventualmente inibitório da defesa em juízo dos direitos, assente nos critérios 
 económicos-financeiros tabelados, excessivamente restritivos, decorrentes das 
 normas desaplicadas; é que, em certas circunstâncias, a imposição do dever de 
 pagamento faseado a quem se encontre num nível de rendimento pouco superior ao 
 limiar da sobrevivência condigna (inferido do valor salário mínimo) poderá 
 efectivamente funcionar como factor de inibição da defesa judicial dos direitos, 
 obrigando tais pagamentos – embora “faseados” – , a que o interessado tenha de 
 deixar de satisfazer necessidades básicas e fundamentais para os assumir.
 
 2. Conclusão
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
 
 1º - As normas constantes do anexo à Lei nº 34/04, conjugado com os artigos 6º a 
 
 10º da Portaria 1085-A/2004, enquanto impõem que o rendimento relevante para 
 efeitos de concessão do beneficio de apoio judiciário seja determinado a partir 
 do rendimento do agregado familiar (incluindo quem convive com o requerente de 
 protecção jurídica em união de facto), independentemente de este fruir tal 
 rendimento ou de existir uma obrigação do titular do rendimento em custear as 
 despesas dos pleitos em que o requerente está envolvido, viola o direito de 
 acesso à justiça e aos tribunais.
 
 2º - Termos em que deverá, nesta medida, confirmar-se o juízo de 
 inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida.
 
  
 Em idêntico sentido se pronunciou o recorrido, concluindo as suas alegações do 
 seguinte modo:
 
  
 
 1ª As normas constantes do Anexo que integra a Lei n° 34/2094, em conjugação com 
 os artigos 6° a 10º da Portaria n° l085-A/2004, de 31 de Agosto, conduzem a que 
 não seja concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento 
 total da taxa de justiça e demais encargos com o processo uma vez que impõem que 
 o rendimento relevante para efeitos dessa concessão, seja determinado a partir 
 do rendimento integral do agregado familiar, no qual se inclui o rendimento da 
 companheira do recorrido, com quem vive em situação análoga à dos cônjuges, 
 independentemente do mesmo fruir tal rendimento ou se o titular deste tem algum 
 interesse, ou obrigação em custear as despesas da demanda, de forma a que esta 
 conjugação de normas, viola o direito de acesso à justiça e aos tribunais. 
 
 2ª O acesso ao direito e aos tribunais no que à capacidade dos litigantes 
 reporta comporta, pelo menos, três regras: 
 a) A primeira regra é que tal acesso só não é gratuito, porque tal se revelaria 
 impossível de concretizar. Do que extraímos a regra da menor onerosidade 
 possível; 
 b) A segunda regra refere-se aos concretos litigantes e impõe que o acesso a 
 juízo não deva constituir um grande sacrifício. Ou seja, o homem médio, colocado 
 nas circunstâncias do litigante concreto, deve poder desenvolver a sua vida 
 quotidiana, sem que a presença em juízo (muitas vezes, não voluntária) constitua 
 um encargo de tal monta que o impeça de fizer a sua vida normal; 
 c) A terceira regra cruza o acesso aos tribunais com os princípios da 
 necessidade e da adequação, ponderados em concreto. 
 
 3ª Os artigos 6º a 10° da Portaria n.º 1085-A/2004, em si ou interpretados no 
 sentido das despesas a suportar por um agregado não deverem ser integralmente 
 consideradas na determinação da decisão de conceder ou não apoio judiciário na 
 modalidade de dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com 
 o processo, modalidade essa prevista no artigo 16°, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, 
 são inconstitucionais por violação dos princípios do respeito pela dignidade 
 humana, do livre acesso aos Tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, tal 
 como os mesmos resultam do disposto nos artigos 1º, 59º, nº 2, alínea a), 63º, 
 nºs 1 e 3, e 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa 
 Deve, pois, confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão 
 recorrida. 
 
  
 Determinou-se, em substituição dos vistos, a entrega aos Exmos Juízes adjuntos 
 das peças processuais relevantes.
 
  
 Cabe apreciar e decidir.
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 2. Através da decisão ora recorrida, o Tribunal Administrativo e Fiscal de 
 Lisboa, no âmbito de uma impugnação judicial da decisão dos serviços de 
 segurança social que indeferiu ao requerente o pedido de apoio judiciário, 
 recusou a aplicação das normas constantes do Anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de 
 Julho, em conjugação com os artigos 6º a 10º da Portaria n 1085-A/2004, de 31 de 
 Agosto, por violação dos artigos 1º, 59º, nº 2, alínea a), e 63º, nºs 1 e 3, e 
 
 20º, nº 1, da Constituição da República  Portuguesa. 
 
  
 De acordo com a factualidade dada como assente, o impugnante, no requerimento de 
 protecção jurídica, indicou como constituindo o agregado familiar, a 
 companheira, com quem vive em situação análoga à dos cônjuges, e um filho menor, 
 correspondendo-lhe o  rendimento anual líquido € 15751,64.
 
  
 Requereu o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de 
 justiça e demais encargos com o processo, para poder intervir em  execução 
 fiscal que lhe fora instaurada por dívidas de uma sociedade de que foi sócio 
 gerente. 
 
  
 Os serviços de segurança social, tomando em consideração um rendimento anual 
 líquido de €16.350,11, calculado com base na média dos últimos seis meses de 
 vencimento próprio (€ 735,86) e da pessoa com quem vive em união de facto (€ 
 
 432,00), a que corresponde um rendimento relevante  para efeitos de protecção 
 jurídica expresso em múltiplos de salário mínimo actual de 1,41, determinado nos 
 termos dos artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, entendeu 
 que o requerente se encontrava na situação prevista na alínea c) do n.º 1 do 
 Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e, nesses termos, «não reun[ia] as 
 condições de apoio judiciário na modalidade requerida, mas apenas ter[ia] 
 direito ao pagamento faseado, se opta[sse] por esta modalidade».
 
  
 Tendo sido notificado para se pronunciar, em audiência de interessado, quanto a 
 essa proposta de decisão, o requerente, em resposta, manifestou a sua oposição, 
 pugnando pela concessão do apoio judiciário na requerida modalidade de dispensa 
 de taxa de justiça e demais encargos do processo, pelo que, na sequência, o 
 pedido veio a ser integralmente indeferido.
 A impugnação judicial do acto administrativo de indeferimento culminou com a 
 decisão judicial de recusa de aplicação de normas, que está agora sob apreço.
 
  
 Em recurso obrigatório, o Exmo Magistrado do Ministério Público considerou 
 transponível para o caso a doutrina do acórdão do Tribunal Constitucional nº 
 
 654/06, tendo em linha de conta que para o cálculo do rendimento relevante, para 
 o efeito de concessão do benefício do apoio judiciário, se atendeu ao rendimento 
 global do agregado familiar, incluindo o que era auferido pela pessoa que 
 convivia com o requerente em união de facto, independentemente de saber se este 
 poderia fruir ou dispor de tal rendimento.
 
  
 
 3. Com efeito, nos termos do artigo 6º, n.º 1, da Portaria n.º 1085-A/2004, o 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, é o montante que 
 resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado 
 familiar e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica. 
 Conforme explicita o artigo 7º, o valor do rendimento líquido completo do 
 agregado familiar resulta da soma do valor da receita líquida do agregado 
 familiar com o montante da renda financeira implícita calculada com base nos 
 activos patrimoniais do agregado familiar (n.º 1), entendendo-se por receita 
 líquida o rendimento depois da dedução do imposto sobre o rendimento, das 
 contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de segurança social e das 
 contribuições dos empregadores para a segurança social (n.º 2). Por sua vez, o 
 valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica resulta da soma do 
 valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar com o 
 montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar, e é  
 calculado de acordo com o estabelecido no artigo 8º. E, finalmente, o cálculo do 
 valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, à luz de todas 
 as especificações constantes dos artigos precedentes, é efectuada através da 
 fórmula descrita no artigo 9º
 
  
 
 É ainda por referência ao rendimento relevante (em que como se viu intervém o 
 rendimento das pessoas que compõem o agregado familiar) que se aprecia a 
 insuficiência económica do requerente de apoio judiciário, para efeitos da 
 concessão de protecção jurídica, atendendo-se aos parâmetros definidos no Anexo 
 
 à Lei n.º 34/2004. Sendo ainda certo, conforme resulta do n.º 3 desse Anexo, que 
 para efeitos dessa Lei «considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as 
 pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica».
 
  
 Tem-se, por conseguinte, como certo, face ao estipulado na lei, que, para efeito 
 de averiguar a situação de insuficiência económica determinante da concessão de 
 apoio judiciário, em qualquer das suas modalidades,  haverá que ter em conta os 
 rendimentos das pessoas que integram o agregado familiar, entendendo-se como tal 
 as pessoas que vivam em economia comum, independentemente de serem igualmente 
 interessadas no litígio jurisdicional para que o requerente pretende o apoio 
 judiciário.
 
  
 O que o acórdão do Tribunal Constitucional nº 654/06 teve presente, num caso em 
 que o requerente do apoio judiciário vivia com um ascendente do segundo grau que 
 lhe prestava alimentos, é que o mencionado regime legal, deixando de efectuar, 
 em regra, qualquer ponderação em concreto da situação de insuficiência 
 económica, e passando a considerar, para esse efeito, o rendimento do agregado 
 familiar com base na aplicação de uma mera fórmula matemática, poderá 
 representar a denegação do direito de acesso aos tribunais quando se verifique 
 que o requerente poderá não dispor dos rendimentos de terceiros que compõem o 
 agregado familiar e que estes poderão não estão sequer obrigados a contribuir 
 para as despesas judiciais que o requerente pretenda realizar. 
 
  
 Por isso mesmo, o citado aresto decidiu «julgar inconstitucional, por violação 
 do n.º 1 do artigo 20º da Constituição da República, as normas constantes do 
 Anexo à Lei nº 34/04, conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria n.º 
 
 1085-A/2004, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de 
 concessão do benefício de apoio judiciário seja necessariamente  determinado a 
 partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de 
 protecção jurídica fruir tal rendimento».
 
  
 Embora essa solução jurídica não seja directamente transponível para o caso dos 
 autos, em que o agregado familiar, tal como foi declarado para efeitos de 
 atribuição do benefício de apoio judiciário, é composto por pessoas que vivem em 
 união de facto,  não poderá deixar de reconhecer-se que existe alguma similitude 
 entre essas situações.
 
  
 
 4. Foi a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, que, pela primeira vez, no ordenamento 
 jurídico português, veio regular, em termos sistemáticos, a situação de duas 
 pessoas que vivam em união de facto. Esse diploma foi depois revogado pela Lei 
 n.º  7/2001, de 11 de Maio, que, com idêntico objectivo, adoptou medidas de 
 protecção das uniões de facto, em termos similares aos previstos para os 
 cônjuges, e, designadamente, para efeito de atribuição da casa de morada de 
 família, de aplicação do regime jurídico de férias, faltas, licenças e 
 preferência na colocação, de aplicação do regime do imposto de rendimento das 
 pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não 
 separados judicialmente de pessoas e bens, de protecção na eventualidade de 
 morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social ou do 
 regime de acidente de trabalho.
 
  
 A mesma Lei, mediante a alteração da redacção do artigo 85º, n.º 1, alínea c), 
 do Regime de Arrendamento Urbano (entretanto revogado) igualmente permite a 
 favor do unido de facto a transmissão do arrendamento para habitação por morte 
 do primitivo arrendatário (artigo 5º), tal como reconhece o direito de adopção 
 em condições análogas às previstas no artigo 1979º do Código Civil, sem prejuízo 
 das disposições legais respeitantes à adopção por pessoas não casadas (artigo 
 
 7º).
 
  
 Não obstante a instituição de um regime unificado em relação a cada um desses 
 efeitos jurídicos, a Lei não excluiu a aplicação às uniões de facto de quaisquer 
 outras disposições legais ou regulamentares que especialmente prevejam a 
 protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum (artigo 
 
 1º, n.º 2), e algumas dessas disposições estão previstas não só em legislação 
 avulsa como também no Código Civil, na sequência da reforma instituída pelo 
 Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro. É esse o caso da admissão de 
 presunção de paternidade quando, durante o período legal da concepção, tenha 
 existido comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges, da 
 atribuição do exercício do poder paternal aos progenitores que conviverem 
 maritalmente, e, bem assim, da possibilidade do exercício do direito a alimentos 
 contra a herança do falecido, por parte daquele que com ele vivia, no momento da 
 morte, em união de facto  (artigos 1871º, n.º 1, alínea c), 1911º, n.º 3, e 
 
 2020º, do Código Civil).
 
  
 A extensão dos direitos dos cônjuges às pessoas que se encontram em situação de 
 união de facto tem também ocorrido por via jurisprudencial, e designadamente, 
 através da jurisprudência do Tribunal Constitucional; mas, nesse caso, não tanto 
 por efeito do reconhecimento de um princípio de plena equiparação dos 
 respectivos estatutos jurídicos, mas antes como uma decorrência da necessidade 
 de evitar discriminações indevidas. Assim, no acórdão n.º 359/91 declarou-se a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do Assento do Supremo 
 Tribunal de Justiça, de 23 de Abril de 1987 (publicado no Diário da República, I 
 Série, de 28 de Maio de 1987), no ponto em que considerou não aplicáveis às 
 uniões de facto as normas dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 1110º do Código Civil, 
 referentes à transmissão do direito de arrendamento ao cônjuge do arrendatário, 
 por se entender, desse modo, violado o princípio da não discriminação dos 
 filhos, contido no artigo 36.º, n.º 4, da Constituição. E, nos mesmos termos, o 
 acórdão n.º 1221/96 julgou inconstitucional, por violação do mesmo preceito, a 
 norma do artigo 1793º, n.º 1, do Código Civil, na interpretação segundo a qual o 
 regime nele previsto de atribuição da casa de morada de família em arrendamento 
 a um dos cônjuges, em caso de divórcio,  não é aplicável às situações de 
 cessação de união de facto. Por fim, o acórdão n.º 286/99, ainda com invocação 
 do artigo 36.º, n.º 4, da Constituição, julgou inconstitucional as normas dos 
 artigos 42º, n.º 1, e 46º do Decreto-Lei n.º 18/88, de 21 de Janeiro, na medida 
 em que excluem da colocação por preferência conjugal neles estabelecida os 
 professores que, sendo pais de filhos menores, mas não casados, convivam em 
 condições idênticas às dos cônjuges e coabitem com os filhos.
 
  
 Em qualquer destes casos, o Tribunal Constitucional formulou um juízo de 
 inconstitucionalidade em ordem ao princípio da não discriminação dos filhos  
 nascidos fora do casamento, tal como estabelecido no artigo 36º, n.º 4, da 
 Constituição, por forma  a assegurar um tratamento idêntico para os filhos 
 nascidos na constância do matrimónio e os havidos em resultado de situações de 
 união de facto.
 
  
 Esta jurisprudência não pretende, no entanto, esbater a diferente natureza entre 
 o casamento e a união de facto,  mas antes dar relevo, no plano do interesse dos 
 filhos, à projecção ao princípio constitucional da igualdade de tratamento dos 
 filhos nascidos fora do matrimónio, assegurando assim uma forma de tutela 
 indirecta da união de facto.
 
  
 Fora disso, o Tribunal Constitucional tem aceite o entendimento de que a pontual 
 concessão de efeitos jurídicos às situações decorrentes de uniões de facto não 
 permite afirmar o reconhecimento pelo legislador da integral equiparação dos 
 estatutos familiares, consoante provenham de um vínculo legal pré-definido ou de 
 uma mera relação de facto (acórdão n.º 1221/96 citado). E tem antes admitido uma 
 liberdade de conformação legislativa na regulação dos efeitos jurídicos 
 resultantes da existência de uma situação de facto que não possa qualificar-se 
 como uma relação matrimonial legalmente constituída.
 
  
 Como se afirmou no acórdão n.º 134/07, o legislador ordinário não se encontra 
 constitucionalmente obrigado, designadamente por incidência do princípio da 
 igualdade, a excluir do universo dos critérios utilizáveis na modelação do 
 sistema infraconstitucional a atendibilidade do vínculo matrimonial; de tal modo 
 que a diferenciação entre unidos de facto e casados, sendo em si mesma possível, 
 apenas deverá ter em consideração a exigência da proporcionalidade, a qual será 
 respeitada se o elemento diferencial questionado se mantiver dentro da medida da 
 diferença que se verifique existir entre as duas situações relacionais; o 
 agravamento da posição daqueles que se encontram em união de facto pode, por 
 isso, justificar-se como o mero reflexo da inexistência entre eles de um vínculo 
 jurídico.
 
  
 Nesse sentido, o Tribunal, na linha de anterior jurisprudência, decidiu não 
 julgar inconstitucional a norma dos artigos 40°, n.° 1, e 41.°, n.° 2, do 
 Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 
 
 31 de Março, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 
 de Junho, na interpretação segundo a qual aí se faz depender a titularidade do 
 direito à pensão de sobrevivência, em caso de união de facto, da prova pelo 
 companheiro sobrevivo da impossibilidade de obtenção de alimentos da herança do 
 companheiro falecido, em função do que dispõe o artigo 2020º do Código Civil (no 
 mesmo sentido, entre outros, os acórdãos n.ºs 159/05, 644/05, 705/05, 523/06, 
 
 26/07 e 220/07).
 
  
 Em situação similar, também os acórdãos n.ºs 195/03, 233/05 e 517/06 não 
 julgaram inconstitucional a norma do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 
 de Outubro, na parte em que faz depender a atribuição da pensão de 
 sobrevivência, por morte do beneficiário do regime de segurança social, a quem 
 com ele vivia em união de facto, da verificação dos requisitos previstos no n.º 
 
 1 do artigo 2020º do Código Civil; e, por idêntica razão, o acórdão n.º 640/05 
 não julgou inconstitucional a norma do artigo 6º da Lei n.º 135/99, de 28 de 
 Agosto (entretanto substituído pelo artigo 6º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio), 
 interpretada no sentido de que a concessão de prestações sociais por morte de 
 beneficiário da Caixa Nacional de Pensões a pessoa que com ele vivesse em união 
 de facto depende da prova de não obtenção de direito a alimentos através da 
 herança do falecido.
 
  
 Seguindo um idêntico ponto de vista, o acórdão n.º 57/95 considerou 
 constitucionalmente admissível ao legislador fiscal interpretar a incumbência 
 inserta na actual alínea f) do n.º 2 do artigo 67º da Constituição (regular os 
 impostos de harmonia com os encargos familiares), bem como a directiva do actual 
 n.º 1 do artigo 104º (o imposto sobre o rendimento pessoal deve ter em  conta as 
 necessidades e rendimentos do agregado familiar), como dirigidas unicamente às 
 pessoas unidas pelo matrimónio, com exclusão das uniões de facto, entendendo 
 como  não arbitrária (e, como tal, não violadora do princípio da igualdade) a 
 distinção efectuada nas normas de incidência do IRS em relação a esses dois 
 tipos de situações.
 
  
 Pode assentar-se, por conseguinte, na ideia de que existe uma caracterização 
 legislativa da situação de união de facto, quando esta se revista de suficiente 
 estabilidade, para permitir às pessoas que se encontrem nessas condições o 
 reconhecimento de certos efeitos jurídicos – embora em medida mais limitada do 
 que é correspondentemente aplicável ao cônjuges -, e que é ainda exigível, no 
 plano do direito, - como tem sido sublinhado pela jurisprudência constitucional 
 
 -, que o diverso tratamento jurídico entre as duas situações não possa ir além 
 do que se mostra justificável segundo o princípio da justa medida.
 
  
 Subsiste, em todo o caso, uma diferença significativa entre o casamento e a 
 união de facto, que resulta da circunstância de, num caso, a comunhão de 
 interesses se desenvolver a partir de um vínculo juridicamente assumido que 
 envolve um conjunto de direitos e deveres recíprocos dos cônjuges, e, noutro 
 caso, ela se situar no mero plano dos factos, sem qualquer carácter de 
 imperatividade, e por isso também com uma maior liberdade de conformação 
 individual.
 
  
 Assim se compreende que os parceiros de uma união de facto, mesmo quando vivam 
 em situação análoga à dos cônjuges, não se encontrem sujeitos aos deveres 
 conjugais e, especialmente, aos deveres de coabitação, de cooperação ou de 
 assistência a que se referem os artigos 1672º, 1674º e 1675º do Código Civil, 
 assim como se não encontram abrangidos pelos efeitos sucessórios ou pelo regime 
 de bens aplicável nas relações existentes entre pessoas ligadas por vínculo 
 matrimonial (sublinhando este aspecto, a declaração de voto do Conselheiro Luis 
 Nunes de Almeida anexa ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1221/96).
 
  
 Embora possa sustentar-se que determinadas situações geradas pela união de facto 
 devam merecer a tutela do direito, como sucede com a questão da propriedade dos 
 bens adquiridos ou da responsabilidade pelas dívidas contraídas na sua 
 constância, o certo é que a união de facto não produz quaisquer efeitos 
 patrimoniais que sejam directamente decorrente da lei, nem implica (por não ser 
 aplicável o disposto no artigo 1691º do Código Civil) a comunicabilidade das 
 dívidas contraídas por qualquer um dos parceiros, ainda que possa provar-se que 
 se destinaram a ocorrer a encargos normais da vida familiar, ou que redundaram 
 em proveito comum do casal, ou, tendo resultado de actos de comércio, se não 
 prove que não foram contraídas em proveito comum (cfr. França Pitão, Uniões de 
 facto e economia comum, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra, págs. 173 e 
 seguintes e, em especial, págs. 177 e 183).
 
  
 Nessa linha de orientação, os tribunais têm reconhecido que a união de facto, 
 correspondendo a uma opção das partes, não importa, diferentemente do que sucede 
 com o casamento, um dever de solidariedade patrimonial entre os seus membros, o 
 que justifica que o legislador seja, nesse caso, mais exigente na definição das 
 condições de atribuição de certos efeitos jurídicos do que em relação aos 
 cônjuges (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Setembro de 2007, 
 Processo n.º 1619/07, referindo-se à atribuição de pensão de sobrevivência, a 
 que aludem os artigos 3º, alínea e), e 6º, n.º 1, da Lei n.º 7/2001, de 11 de 
 Maio). Assim como tem sido afirmado que essa relação não envolve uma qualquer 
 vinculação a deveres de assistência e cooperação, senão com base num mero 
 princípio de livre vontade entre os seus membros, nenhum deles beneficiando do 
 direito de exigir do outro assistência ou estando onerado com a obrigação civil 
 de prestá-la (acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Março de 2008, 
 Processo n.º 4890/2006, e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Julho de 
 
 2007, Processo n.º 830815, reportando-se ao direito a alimentos a que se referem 
 os artigos 2009º e 2016º do Código Civil).
 
  
 Neste sentido, ainda, um autor refere que «uma união de facto não implica 
 forçosamente solidariedade patrimonial, logo não basta a prova dessa relação 
 para se considerar verificada a diminuição da capacidade económica que é 
 pressuposto da atribuição da pensão», ao contrário do que sucede no casamento em 
 que essa diminuição é pressuposta (Rita Xavier, Uniões de Facto e pensão de 
 Sobrevivência, in «Jurisprudência Constitucional», n.º 3, Julho-Setembro 2004, 
 pág. 17 e segs). 
 
  
 
 4. Revertendo ao caso dos autos, cabe de novo chamar a atenção para o facto de a 
 insuficiência económica para efeito de concessão de apoio judiciário, dever ser 
 apreciada, nos termos das mencionadas normas do Anexo à Lei nº 34/04 e dos 
 artigos 6º a 10º da Portaria n.º 1085-A/2004, por referência ao rendimento do 
 agregado familiar, entendendo-se como pertencendo ao mesmo agregado familiar as 
 pessoas que vivam em economia comum com o requerente da protecção jurídica.
 
  
 O conceito de economia comum não é desconhecido no ordenamento jurídico 
 português e tem sido utilizado, ainda que, por vezes, com diferentes 
 pressupostos, para a atribuição de diversos efeitos de direito. O artigo 1109º 
 do Código Civil, por exemplo, para efeito de determinar o conjunto de pessoas 
 que podem residir no prédio no caso de arrendamento para habitação, definia a 
 economia comum como sendo a situação em que existia uma «obrigação de 
 convivência ou de alimentos», conceito que foi ainda mantido na norma do artigo 
 
 76º, n.º 2, do Regime de Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 321-B/90, de 15 de Outubro, e, por remissão, no subsequente artigo 90º, n.º 1, 
 alínea a), para efeito do reconhecimento do direito a um novo arrendamento em 
 caso de caducidade do contrato por morte do primitivo arrendatário. Esses mesmos 
 princípios mantêm-se no Novo Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei 
 n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que, no entanto, especifica que se consideram 
 como vivendo com o arrendatário em economia comum, para além das pessoas 
 relativamente às quais haja obrigação de convivência e alimentos, «a pessoa que 
 com ele viva em união de facto» (artigos 1093º, n.º 2, e 1106º, n.º 1, alínea 
 b)). 
 
  
 
 É, no entanto, a Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, que, em vista à instituição de 
 medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum, adopta uma 
 formulação mais precisa, entendendo como tal «a situação de pessoas que vivam em 
 comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham estabelecido uma 
 vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos». Desde logo se pode 
 concluir que a situação de economia comum abrange uma realidade mais ampla do 
 que a figura da união de facto; tanto assim que a própria Lei esclarece que as 
 medidas de protecção aí previstas não prejudicam a aplicação de quaisquer outras 
 disposições que se destinem a regular a situação de união de facto (como é o 
 caso das que constam da Lei n.º 6/2001, da mesma data), nem constitui facto 
 impeditivo de aplicação da Lei a coabitação em união de facto (cfr. artigo 1º, 
 n.ºs 2 e 3).
 
  
 A situação de economia comum abrange, pois, quer os que se encontrem vinculados 
 pelo matrimónio, quer os unidos de facto, quer quaisquer pessoas ligadas ou não 
 por parentesco ou relação afectiva - salvo quando se trate de qualquer das 
 categorias de pessoas que  estão excepcionadas pelo artigo 3º da mesma Lei -, 
 desde que vivam em comunhão de interesses e de meios e contribuam com os seus 
 proventos, o seu trabalho ou a cooperação mútua para a manutenção da habitação 
 comum e o sustento dos residentes, assim se compreendendo a exigência de uma 
 
 «vivência de entrajuda e partilha de recursos» (sobre estes aspectos, França 
 Pitão, ob. cit., págs. 343 e 349-350).
 
  
 Sendo essa uma definição fornecida pelo legislador para os fins previstos na Lei 
 n.º 7/2001, com um âmbito de aplicação muito específico – a atribuição de certo 
 tipo de direitos em equiparação com os cônjuges -, ela não deixa de ter um 
 significativo valor heurístico no preenchimento do conceito homólogo a que faz 
 apelo o n.º 3 do Anexo à Lei n.º 34/2004, neste caso, para permitir definir o 
 que se entende por «agregado familiar».
 
  
 A conclusão de que o requerente do apoio judiciário e a pessoa com quem ele vive 
 em união de facto integram um agregado familiar (por aplicação da ideia de que 
 vivem em economia comum) não elimina, no entanto, a dificuldade que foi 
 suscitada, no plano da constitucionalidade, pelo acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 654/06, e que se traduz em saber se o interessado pode fruir 
 de rendimentos que lhe não pertencem para efeito de fazer face a despesas 
 judiciais relativas a um litígio em que se encontre envolvido.
 
  
 Em relação a um conjunto de pessoas que vive em economia comum, pode suceder que 
 qualquer delas não se encontre vinculada, em função do seu estatuto jurídico, a 
 comparticipar com os seus próprios réditos na satisfação de encargos judiciais 
 relativos a um processo judicial que apenas a um outro interessa, ainda que 
 tenha justificado a apresentação de um pedido de apoio judiciário.  
 
  
 
 É essa a situação vertida na espécie jurisprudencial analisada, em que um 
 familiar que recebe alimentos de um ascendente de segundo grau, não pode dispor 
 dos rendimentos que a este pertencem, apesar de o titular integrar o agregado 
 familiar e viver em economia comum.
 
  
 
 É essa, também, manifestamente, a situação dos autos. 
 
  
 A união de facto é apenas um das situações através da qual se exprime a vida em 
 economia comum. No entanto, como se deixou exposto, o unido de facto, pela 
 propria natureza meramente factual da sua relação, não responde pelas dívidas 
 contraídas pelo requerente do apoio judiciário, que devem considerar-se como 
 dívidas próprias deste, do mesmo modo, que não se encontra juridicamente 
 vinculado a contribuir para os encargos correntes da vida em  comum, por se não 
 encontrar sujeito ao estrito cumprimento dos deveres conjugais, e, 
 designadamente, ao dever de assistência a que se refere o artigo 1675º do Código 
 Civil; não tem, por isso, qualquer obrigação de comparticipar na satisfação de 
 despesas judiciais a que o outro interessado se encontra obrigado para intervir 
 na defesa dos seus direitos ou legítimos interesses.
 
  
 As normas do Anexo à Lei nº 34/04 e dos artigos 6º a 10º da Portaria n.º 
 
 1085-A/2004, ao tomarem em consideração o rendimento de todos os membros do 
 agregado familiar - incluindo o daquele que vive com o requerente  em situação 
 de união de facto -, para efeito do cálculo do rendimento relevante para 
 concessão de apoio judiciário, não tem em devida linha de conta que o unido de 
 facto, e ainda que deva considerar-se como vivendo em economia comum, não pode 
 dispor, no plano estritamente jurídico, dos proventos que pertencem ao outro 
 membro do casal, nem exigir que este contribua para a realização de despesas que 
 são próprias.
 
  
 Isto é: embora a união de facto possa corresponder a uma situação análoga à do 
 casamento, a que a lei atribui pontualmente certos efeitos jurídicos,  não pode 
 daí extrair-se a ilação de que essa situação é equiparável à relação familiar 
 matrimonial legalmente constituída, designadamente para os efeitos pessoais e 
 patrimoniais que lhe estão juridicamente associados.
 
  
 
 5. O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência 
 económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus 
 direitos nos tribunais, constituindo uma concretização do direito de acesso ao 
 direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição.
 
  
 Pressupondo que o sistema judiciário não é gratuito, a Constituição pretende aí 
 garantir que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios 
 económicos, impondo que, dentro da margem de livre conformação do legislador, 
 sejam asseguradas às pessoas economicamente carenciadas formas de apoio que 
 viabilizem a tutela dos seus direitos e interesses legítimos (acórdão do 
 Tribunal Constitucional nº 467/91, Diário da República, II Série, de 2 de Abril 
 de 1992; assim, também, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa 
 Anotada, Tomo I, Coimbra, pág. 180).
 
  
 A Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, na redacção anterior à Lei n.º 47/2007, de 28 
 de Agosto, aqui aplicável face ao regime transitório do artigo 6º deste último 
 diploma, considera que se encontra em situação de insuficiência económica 
 
 «aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva 
 capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente 
 os custos de um processo» (artigo 8º, nº 1). No entanto, como já se anotou, a 
 insuficiência económica é avaliada segundo o valor do rendimento relevante para 
 efeitos de protecção jurídica, determinado a partir do rendimento do agregado 
 familiar, de acordo das fórmulas previstas nos artigos 6º a 10º da Portaria nº 
 
 1085-A/2004, só excepcionalmente se admitindo uma apreciação em concreto da 
 situação económica do requerente de protecção jurídica (artigo 20º, nº 2, da Lei 
 n.º 30/2004 e seu Anexo, e artigo 2º da Portaria nº 1085-A/2004).
 
  
 No caso, foi tido em consideração, na avaliação da insuficiência económica do 
 requerente, não apenas o rendimento por ele auferido mensalmente (€ 735,86), mas 
 também o recebido pela pessoa que com ele vive em situação de união de facto (€ 
 
 432,00), concluindo-se que o requerente se encontrava em condições de suportar o 
 pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos do processo, segundo a 
 modalidade de apoio judiciário prevista no artigo 16º, n.º 1, alínea d), da Lei 
 n.º 34/2004, vindo o pedido a ser indeferido a final apenas porque o requerente, 
 no legítimo uso do direito de audição, manifestou discordância relativamente à 
 proposta de decisão.
 
  
 Tendo sido considerado para o cálculo do rendimento relevante o rendimento 
 global do agregado familiar, incluindo o auferido por quem com o requerente vive 
 em união de facto, independentemente de este poder fruir ou dispor de tal 
 rendimento, é de entender que a aplicação, no caso, das normas do Anexo à Lei nº 
 
 34/04 e dos artigos 6º a 10º da Portaria n.º 1085-A/2004, é susceptível de pôr 
 em causa o direito de acesso à justiça, tal como se conclui na decisão sob 
 recurso.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Termos em que se decide:
 
  
 a) Julgar inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição 
 da República Portuguesa, o Anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com 
 os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que 
 impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio 
 judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado 
 familiar, incluindo o da pessoa que vive com o requerente em situação de união 
 de facto, independentemente de este poder fruir tal rendimento; 
 
  
 b) Negar provimento ao recurso, confirmando o juízo de inconstitucionalidade 
 formulado na decisão recorrida
 Sem custas
 Lisboa, 13 de Maio de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão (Votei a decisão, no essencial, por entender que é inteiramente 
 transponível para o presente caso a jurisprudência constante do acórdão N.º 
 
 654/2006,com a qual concordo).