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Processo nº 664/07
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), 
 da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional 
 
 (LTC).
 
  
 
 2. Em 26 de Junho de 2007, foi proferida decisão sumária (artigo 78º-A, nº 1, da 
 LTC), pela qual se decidiu não conhecer do objecto do recurso, com os seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
 «1. Segundo o estabelecido na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, cabe 
 recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem 
 normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo 
 
 “identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do 
 objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as 
 decisões judiciais podem constituir objecto de tal recurso” (cf. Acórdão nº 
 
 361/98, não publicado, itálico nosso, e, entre outros, os Acórdãos nºs 286/93, 
 não publicado, 178/95, 20/96, Diário da República, II Série de 21 de Junho de 
 
 1995 e de 16 de Maio de 1996, 702/96, 27/98 e 223/03, não publicados e as 
 Decisões Sumárias nºs 166/04 e 495/04, não publicadas).
 Requerendo a este Tribunal a apreciação dos artigos 70º e 71º do Código Penal, 
 
 “na interpretação de que «não registando o recorrente quaisquer antecedentes 
 criminais, sendo jovem e de condição social modesta e tendo um filho menor a seu 
 cargo», não se verifica suficiente para acautelar as necessidades de prevenção 
 especial e geral da medida de pena que possa ser suspensa na sua execução por 
 haver na suspensão um juízo de prognose mais favorável a esta”, o recorrente não 
 está, obviamente, a questionar a constitucionalidade de qualquer norma. Deste 
 enunciado, sem qualquer vocação de generalidade e de abstracção, o que decorre, 
 isso sim, é a discordância do recorrente relativamente à decisão judicial de não 
 aplicação da pena de suspensão da execução da pena de prisão. Circunstância que 
 obsta ao conhecimento do objecto do recurso, já que o Tribunal Constitucional é 
 essencialmente um “órgão jurisdicional de controlo normativo” (Cardoso da Costa, 
 
 “A jurisdição constitucional em Portugal”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor 
 Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de 
 Coimbra, p. 223).
 
 2. Ainda que o recorrente tivesse requerido a apreciação de uma qualquer norma 
 extraída dos artigos 70º e 71º do Código Penal, não se poderiam dar como 
 verificados, de qualquer modo, os pressupostos do recurso, o que justificaria 
 sempre uma decisão de não conhecimento do objecto do mesmo.
 Analisada a peça processual que o recorrente identifica, em cumprimento do 
 artigo 75º-A, nº 2, parte final, da LTC, verifica-se que não foi ali questionada 
 a constitucionalidade de qualquer norma. O recorrente limita-se a afirmar que o 
 acórdão recorrido violou por errada interpretação o disposto nos artigos 70º e 
 
 71° do Código Penal, artigo 25° da Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro e artigo 32º 
 da Constituição da República Portuguesa, pelo que não poderia dar-se como 
 verificado o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade 
 normativa (artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC).
 Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou, como ratio decidendi, 
 qualquer norma extraída dos artigos 70º e 71º do Código Penal, o que obstaria 
 sempre ao conhecimento do objecto do recurso. Tendo confirmado a qualificação 
 jurídica dos factos levada a cabo pela primeira instância – qualificação segundo 
 a qual estes integram a prática do crime previsto no artigo 21º, nº 1, da Lei nº 
 
 15/93, de 22 de Janeiro, punível com pena de prisão entre 4 a 12 anos –, não era 
 sequer aplicável ao caso o disposto no artigo 70º do Código Penal, atendendo ao 
 que dispõe o artigo 50º do mesmo Código».
 
  
 
 3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo 
 do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, o que faz nos seguintes termos:
 
  
 
 «O Tribunal a quo entende que “O Recurso para o Tribunal Constitucional não é 
 admissível pois que a invocada inconstitucionalidade não foi arguida durante o 
 processo, nem se entende haver motivo bastante para dispensar o recorrente do 
 
 ónus da referida alegação, tudo conforme arts. 70.° n.° 1 b) e 72. º n.° 2 da 
 Lei 28/82 de 15 de Novembro.”
 
 É claro que o arguido/recorrente não poderia arguir em momento anterior tal 
 inconstitucionalidade – pela simples razão de não poder prever que a mesma se 
 registaria em fase de Recurso!
 
 É a interpretação que o Acórdão do Supremo Tribunal Justiça fez dos preceitos 
 invocados (artigo 70° e 71º do Código de Processo Penal) que gera o vício da 
 inconstitucionalidade que se invocou.
 Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da 
 interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação 
 ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal 
 Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade 
 que cabe a esse alto tribunal. 
 Como é óbvio, também nesta particular questão o arguido/recorrente não podia 
 pressupor, intuir, que o Supremo Tribunal de Justiça agiria como agiu, e 
 interpretaria as normas do Código de Processo Penal e da própria Constituição 
 como interpretou e aplicou.
 
 É com a prolação do Acórdão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios 
 e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de 
 maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático, 
 pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem 
 jurídica portuguesa:
 Assim sendo, o recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto 
 para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade: a) 
 do art.° 70º e 71°, do C.P.P., interpretado e aplicado pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça no sentido de «... ao erguer a culpa – como critério principal de 
 determinação da pena – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a 
 quo» não avalizou correctamente o art.° 71 do CP, não cumprindo com o principio 
 constitucional da adequação e da proporcionalidade das penas, revelando-se justo 
 aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente 
 aplicável para aquele tipo de ilicito, especialmente atenuada.», violando o 
 art.° 32° n°1 da Constituição;
 A inconstitucionalidade resulta da interpretação dada pelo Tribunal de Recurso 
 
 às normas do artigo 70.° e 71° do Código de Processo Penal.
 
 É, pois, um vício que se regista somente no Acórdão que se pretende seja 
 analisado à luz das normas da Constituição.
 Desta forma, tem o recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto 
 para o Tribunal Constitucional».
 
  
 
  
 
 4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público junto deste Tribunal 
 respondeu nos termos seguintes:
 
  
 
 «1°
 A presente reclamação carece manifestamente de fundamento. 
 
 2°
 Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos de 
 admissibilidade do recurso».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 A decisão sumária que é objecto desta reclamação concluiu pelo não conhecimento 
 do objecto do recurso para o Tribunal Constitucional por três razões diversas: o 
 recorrente não requereu a apreciação da inconstitucionalidade de uma norma; não 
 foi suscitada previamente qualquer questão de inconstitucionalidade normativa 
 relativamente aos artigos 70º e 71º do Código Penal; a decisão recorrida não 
 aplicou, como ratio decidendi, qualquer norma extraída destes artigos. 
 Na presente reclamação é posto em causa apenas o decidido quanto ao requisito da 
 suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade. Pelo que, acompanhado os 
 outros fundamentos, sempre seria de manter a decisão de não conhecimento do 
 objecto do recurso.
 Sempre se dirá, no entanto, acompanhando jurisprudência uniforme e reiterada 
 deste Tribunal, que bem se compreende que a questão de inconstitucionalidade 
 tenha de ser suscitada antes de estar esgotado o poder jurisdicional do juiz 
 sobre a matéria a que tal questão respeita. Só deste modo se cumpre a exigência, 
 consagrada no artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição da República 
 Portuguesa, no sentido de o Tribunal Constitucional dever reapreciar uma questão 
 já julgada pelo tribunal recorrido e, consequentemente, não dever conhecer dela 
 ex novo: “a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o 
 poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de 
 inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se 
 estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que 
 pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão 
 
 (de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso (Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 61/92, Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 
 
 1992).
 
  
 Resta, assim, concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 13 de Julho de 2007
 
  
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira