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Processo n.º 730/06                                       
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            A. e outros instauraram, no Tribunal Administrativo do Círculo do 
 Porto, acção popular administrativa, na modalidade de recurso de impugnação de 
 normas, contra a Assembleia Municipal do Porto, pedindo que fosse declarada, com 
 força obrigatória geral, a ilegalidade de todas as normas integrantes do 
 Regulamento das Normas Provisórias do Município do Porto (fls. 2 e seguintes).
 
  
 
                  A Assembleia Municipal do Porto contestou (fls. 74 e 
 seguintes), seguindo-se as alegações dos autores (fls. 102 e seguintes) e o 
 parecer do Ministério Público (fls. 106 e seguintes).
 
  
 
                  Por sentença de 31 de Outubro de 2003, o juiz do Tribunal 
 Administrativo do Círculo do Porto julgou o recurso improcedente (fls. 109 e 
 seguintes).
 
  
 
  
 
 2.            Desta sentença recorreram de agravo A. e outro (fls. 122), tendo 
 nas alegações respectivas (fls. 127 e seguintes) concluído, para o que agora 
 releva, do seguinte modo:
 
 “Primeira conclusão
 Nos termos do art. 8° do DL 69/90, o recurso ao estabelecimento de normas 
 provisórias apenas era possível em relação a procedimentos de elaboração de 
 planos municipais de ordenamento destinados a regular o uso e ocupação do solo 
 em áreas por eles ainda não abrangidas, estando excluída a sua admissibilidade 
 em relação a procedimentos de revisão. 
 Segunda conclusão 
 A norma do art. 8°/5 do DL 69/90, na medida em que permite que o regulamento de 
 um PDM, precedido de inquérito público, seja alterado automaticamente por um 
 regulamento de normas provisórias cujo procedimento não integra qualquer momento 
 de participação dos interessados, é inconstitucional, por violação do art. 65°/5 
 da Constituição da República Portuguesa, que garante «a participação dos 
 interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de 
 quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território».
 
 […].”.
 
  
 
  
 
                  A Assembleia Municipal do Porto contra-alegou (fls. 156 e 
 seguinte).
 
  
 
                  A sentença foi mantida, por despacho de fls. 175 e v.º.
 
  
 
                  O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso 
 não merecia provimento (fls. 183).
 
  
 
  
 
 3.            Por acórdão de 25 de Maio de 2006, o Supremo Tribunal 
 Administrativo negou provimento ao recurso jurisdicional, para o que agora 
 releva pelos seguintes fundamentos (fls. 185 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 
 2.2.2. Quanto à matéria da conclusão 1ª
 
 […] independentemente do mais, todo o esforço argumentativo desenvolvido pelos 
 recorrentes em abono da interpretação do preceito em causa [artigo 8º do 
 Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março] como apenas aplicável à elaboração dos 
 planos fica sem qualquer suporte justificativo em face do que, muito claramente, 
 se estatui no art.º 19º, n.º 4 do mesmo diploma legal: «A revisão dos planos 
 municipais obedece ao processo e requisitos estabelecidos no presente diploma, 
 nomeadamente quanto à sua elaboração, aprovação, ratificação, registo e 
 publicação». 
 O legislador usou, no diploma em causa, um expediente técnico-legislativo 
 bastante frequente para evitar a repetição de normas, ou seja, uma norma de 
 remissão, mandando aplicar ao procedimento de revisão o regime jurídico 
 disciplinador do processo de elaboração de planos, sem exceptuar, como se vê, o 
 regime das normas provisórias; o que significa, conforme ensina Baptista Machado 
 
 […] que foi o próprio legislador que se deu conta da existência de analogia 
 entre as situações a regular. 
 Compreende-se, assim, melhor que o n.º 5 do aludido art.º 8º se reporte à 
 alteração automática, durante a sua vigência, das disposições de qualquer plano 
 municipal, na parte abrangida por essas normas, e que o n.º 6, ao prescrever a 
 necessidade de ratificação das normas provisórias, faça expressa alusão às 
 situações em que as mesmas se relacionam com a elaboração de planos municipais 
 que careçam de ratificação ou alterem disposições de plano municipal ratificado. 
 
 
 A disjuntiva é claramente estabelecida entre as duas situações – elaboração ou 
 alteração –, o que sempre retiraria qualquer hipótese de êxito à tentativa dos 
 Recorrentes de destruir a argumentação usada na sentença a este propósito, 
 alvitrando que os citados n.ºs 5 e 6 se refeririam a outros planos municipais 
 que não àquele que estivesse em elaboração. 
 Improcede, assim, a conclusão 1ª das alegações. 
 
 2.2.3 - Quanto à matéria da conclusão 2ª 
 Alegam os recorrentes que a norma do art.º 8º, n.º 5 do D. Lei 69/90, na medida 
 em que permite que o regulamento de um P.D.M., precedido de inquérito público, 
 seja alterado automaticamente por um regulamento de normas provisórias, cujo 
 procedimento não integra qualquer momento de participação dos interessados, é 
 inconstitucional, por violação do art.º 65º/5 da Constituição da República 
 Portuguesa, que garante «a participação dos interessados na elaboração dos 
 instrumentos de planeamento físico do território». 
 Sem razão, contudo. 
 Efectivamente a circunstância de não estar legalmente prevista no processo de 
 elaboração das normas provisórias a participação dos interessados, nomeadamente 
 através de inquérito público, é justificada pela natureza urgente da adopção das 
 referidas medidas, as quais visam neutralizar os perigos e inconvenientes para o 
 interesse público da demora na aprovação final dos planos. 
 Ora, tendo em conta que, em sede de controlo da constitucionalidade, não cabe 
 aos tribunais emitir propriamente um juízo «positivo» sobre a solução legal, mas 
 tão só um juízo «negativo» que afaste aquelas soluções de todo o modo 
 insusceptíveis de credenciação racional, dir-se-á que a opção legal em causa não 
 merece a censura inerente ao aludido juízo negativo, atenta, nomeadamente, a 
 justificação acima referida.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 4.            Deste acórdão recorreu A. para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 8º, n.º 5, 
 do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, “interpretada no sentido de as 
 disposições dos Regulamentos de Normas Provisórias não precedidos de inquérito 
 público prevalecerem sobre as disposições de Regulamentos de outros instrumentos 
 de planeamento urbanístico aprovados na sequência de um procedimento que integra 
 esse mecanismo de audição dos interesses dos particulares”, por violação do 
 princípio consagrado no artigo 65º, n.º 5, da Constituição (fls. 218 e 
 seguinte).
 
  
 
                  O recurso foi admitido por despacho de fls. 226.
 
  
 
  
 
 5.            Já no Tribunal Constitucional, produziu o recorrente alegações 
 
 (fls. 233 e seguintes), formulando as conclusões que seguem:
 
  
 
 “Primeira
 O tribunal recorrido interpretou a norma do art. 8º/5 do Decreto-Lei 69/90, de 2 
 de Marco, no sentido de as disposições dos Regulamentos de Normas Provisórias 
 não precedidos de inquérito público, destinado a assegurar a participação dos 
 interessados, prevalecerem, alterando-as automaticamente, sobre as disposições 
 de Regulamentos de outros instrumentos de planeamento urbanístico aprovados na 
 sequência de um procedimento integrador dessa fase de audição dos interesses dos 
 particulares. 
 Segunda 
 Interpretação essa que levou o tribunal recorrido a sustentar a admissibilidade 
 legal da utilização do mecanismo das normas provisórias nos procedimentos de 
 revisão de planos directores municipais em vigor. 
 Terceira 
 Porém, interpretada assim, tomada com esse significado normativo, a norma do 
 art. 8º/5 do D.L. 69/90, de 2 de Março, viola frontalmente o preceito do art. 
 
 65º/5 da CRP, segundo o qual «garantida a participação dos interessados na 
 elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros 
 instrumentos de planeamento físico do território», pelo que deve julgada 
 inconstitucional.
 
 […].”. 
 
  
 
  
 
                  A Assembleia Municipal do Porto contra-alegou (fls. 240 e 
 seguintes), concluindo do seguinte modo:
 
  
 
 “A) O regime jurídico das normas provisórias resulta de uma opção do legislador 
 ao disciplinar juridicamente uma matéria especial, através de diploma 
 legislativo (Decreto-Lei). 
 B) A regulamentação do art.º 8º do D.L. 69/90, de 2/3 (posteriormente revogado 
 pelo D.L. 380/99, de 22 de Setembro), que previa a possibilidade de a Assembleia 
 Municipal, mediante proposta da Câmara Municipal (e com parecer da comissão 
 técnica ou da comissão de coordenação regional, consoante os casos) estabelecer 
 normas provisórias para a ocupação, uso e transformação do solo em toda ou em 
 parte das áreas a abranger por planos municipais em elaboração quando o estado 
 dos trabalhos fosse de modo a possibilitar a sua adequada fundamentação, era 
 também aplicável à revisão dos planos municipais, por força do estatuído no artº 
 
 19º, n.º 4 do mesmo diploma legal. 
 C) A norma do artº 8º, n.º 5 do DL. 69/90 não infringe o disposto no artº 65º, 
 n.º 5 da C.R.P., que garante «a participação dos interessados na elaboração dos 
 instrumentos de planeamento físico do território», pois, a omissão da previsão 
 legal de participação dos interessados no processo de elaboração das normas 
 provisórias justifica-se pela natureza urgente e cautelar das referidas medidas. 
 
 
 D) A «antecipação» das soluções urbanísticas constantes do plano em elaboração 
 ou em revisão nas normas provisórias não constitui um desvio ilegal do 
 procedimento, antes, como medida cautelar que visa obviar ao perigo de uma 
 decisão tardia, a utilidade prática das normas provisórias será tanto maior 
 quanto mais acentuada for a identidade de conteúdo com as correspondentes 
 disposições do plano. 
 E) A adopção de normas provisórias e/ou de medidas preventivas traduz um 
 verdadeiro e próprio sub procedimento que se insere no procedimento mais amplo 
 de elaboração, revisão ou alteração de um instrumento de planeamento, onde 
 estava, e está, assegurado o direito de participação dos cidadãos – arts. 14º, 
 
 15º e 19º do revogado DL n.º 69/90 e arts 6º e 77º do RJIGT.”.
 
  
 
  
 
                  Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
 6.            É a seguinte a redacção do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 69/90, de 
 
 2 de Março, que disciplinava – antes da sua revogação pelo Decreto-Lei n.º 
 
 380/99, de 22 de Setembro – o regime jurídico dos planos municipais de 
 ordenamento do território:
 
  
 
 “Artigo 8º
 Normas provisórias
 
 1 – A assembleia municipal, mediante proposta da câmara municipal e com parecer 
 da comissão técnica ou da comissão de coordenação regional, consoante os casos, 
 pode estabelecer normas provisórias para a ocupação, uso e transformação do solo 
 em toda ou em parte das áreas a abranger por planos municipais em elaboração, 
 quando o estado dos trabalhos seja de modo a possibilitar a sua adequada 
 fundamentação.
 
 2 – O parecer referido no número anterior é emitido no prazo de 60 dias a contar 
 da recepção do respectivo pedido, interpretando-se a sua não emissão como nada 
 havendo a opor.
 
 3 – A assembleia municipal, ao estabelecer as normas provisórias, fixa também o 
 prazo da sua vigência, que não pode exceder dois anos.
 
 4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, as normas provisórias caducam 
 com a entrada em vigor dos planos a que respeitam, bem como com a entrada em 
 vigor de qualquer outro plano na área que tal plano com elas tenha em comum.
 
 5 – Com a entrada em vigor das normas provisórias caducam as medidas 
 preventivas, se as houver, e ficam automaticamente alteradas, durante a sua 
 vigência, as disposições de qualquer plano municipal, na parte abrangida por 
 essas normas.
 
 6 – As normas provisórias, quando estejam relacionadas com a elaboração de 
 planos municipais que careçam de ratificação ou alterem disposições de plano 
 municipal ratificado, estão sujeitas a ratificação nos termos do artigo 16º.
 
 7 – Aplica-se às normas provisórias o disposto nos artigos 17º e 18º, sobre 
 registo e publicação, com as necessárias adaptações.”.
 
  
 
  
 
                  Constitui objecto do presente recurso a norma do n.º 5 deste 
 preceito legal, interpretada no sentido de “as disposições dos Regulamentos de 
 Normas Provisórias não precedidos de inquérito público prevalecerem sobre as 
 disposições de Regulamentos de outros instrumentos de planeamento urbanístico 
 aprovados na sequência de um procedimento que integra esse mecanismo de audição 
 dos interesses dos particulares”.
 
  
 
                  Segundo o recorrente, tal norma, nesta interpretação, é 
 inconstitucional, por violação do disposto no artigo 65º, n.º 5, da 
 Constituição.
 
  
 
                  O artigo 65º da Constituição, que tem como epígrafe “Habitação 
 e urbanismo”, integrando-se sistematicamente no Capítulo da Constituição 
 dedicado aos direitos e deveres sociais, determina o seguinte no seu n.º 5:
 
  
 
 “É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de 
 planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico 
 do território.”.
 
  
 
                  Vejamos se a apontada interpretação normativa viola este 
 preceito constitucional, como sustenta o recorrente.
 
  
 
                  Refira-se, porém, e antes de mais, que ao Tribunal 
 Constitucional não cumpre apreciar se o artigo 8º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 
 
 69/90, de 2 de Março, restringe a admissibilidade das normas provisórias aos 
 procedimentos de elaboração de planos municipais de ordenamento destinados a 
 regular o uso e ocupação do solo em áreas por eles ainda não abrangidas (como 
 quer o recorrente) ou, diversamente, se as admite também em relação a 
 procedimentos de revisão (como entendeu o tribunal recorrido e a recorrida).
 
  
 
                  Este é um problema de interpretação do direito ordinário, que, 
 em regra, não compete ao Tribunal Constitucional resolver. No âmbito do recurso 
 previsto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, 
 este Tribunal deve partir, sem questionar a respectiva legalidade, da 
 interpretação que, a esse propósito, foi perfilhada pelo tribunal recorrido, 
 cabendo-lhe unicamente apreciar se tal interpretação é ou não conforme com a 
 Constituição.
 
  
 
  
 
 7.            Segundo o recorrente, e em síntese, a violação do artigo 65º, n.º 
 
 5, da Constituição, pela interpretação normativa que constitui o objecto do 
 presente recurso, decorreria do seguinte (supra, 5.):
 
  
 
                  a)            A disposição constitucional invocada exige que as 
 próprias normas provisórias aprovadas durante o procedimento de elaboração ou 
 revisão de planos municipais sejam precedidas da participação dos interessados, 
 não legitimando a respectiva natureza cautelar e urgente a total ausência de 
 participação dos interessados;
 
                  b)            Ainda que tal ausência de participação dos 
 interessados seja constitucionalmente admissível, não é aceitável a preterição 
 de um regulamento precedido de participação dos interessados por um outro que 
 não é precedido dessa participação.
 
  
 
                  Na óptica do tribunal recorrido (supra, 3.), porém, a 
 inexistência de participação dos interessados no processo de elaboração das 
 normas provisórias justificar-se-ia “pela natureza urgente das referidas 
 medidas, as quais visam neutralizar os perigos e inconvenientes para o interesse 
 público da demora na aprovação final dos planos”; também a Assembleia Municipal 
 do Porto, nas contra-alegações (supra, 5.), sustenta que “a omissão da previsão 
 legal de participação dos interessados no processo de elaboração das normas 
 provisórias justifica-se pela natureza urgente e cautelar das referidas 
 medidas”.
 
  
 
                  Apreciemos, então, a questão de constitucionalidade colocada.
 
  
 
  
 
 8.            O artigo 65º, n.º 5, da Constituição, ao garantir a participação 
 dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de 
 quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território, constitui, 
 como sublinham Jorge Miranda / Rui Medeiros (Constituição portuguesa anotada, 
 Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 678), “uma das diversas manifestações 
 constitucionais do princípio da democracia participativa proclamado no artigo 
 
 2º”, e, “ao contrário do que sucede noutros preceitos constitucionais 
 
 (designadamente, artigo 267º, n.º 4), o artigo 65º, n.º 5, não contém qualquer 
 remissão para a lei, sendo antes um preceito directamente aplicável, sem 
 prejuízo, naturalmente, da liberdade de conformação do legislador na concreta 
 concretização do modo como se efectiva uma tal participação […]”. 
 
  
 
                  Para Gomes Canotilho / Vital Moreira (Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotação 
 ao artigo 65°, n.º XII), o n.º 5 do artigo 65º da Constituição “é uma 
 concretização em sede do ordenamento e do urbanismo do direito da participação 
 dos interessados nas tarefas e estruturas da administração (cfr. art. 267º-1)”. 
 No entender destes autores, “a Constituição visou alicerçar a democracia 
 participativa no âmbito do planeamento territorial procurando estimular uma 
 cidadania territorial indispensável à prossecução das tarefas do Estado 
 referentes ao correcto ordenamento do território e desenvolvimento harmonioso 
 
 (arts. 9º/e e g e 82º/d, i, l e m) e à efectivação de direitos fundamentais 
 
 (direito ao ambiente e qualidade de vida, direito ao património cultural, 
 direito à paisagem, direito ao desenvolvimento sustentado, direito das futuras 
 gerações, direito à fruição cultural, direito à igualdade real entre 
 portugueses)”.
 
  
 
                  O dever de audiência prévia e de audição dos interessados na 
 elaboração de planos directores e de ordenamento do território foi objecto de 
 regulação no artigo 4º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto – a lei que rege o 
 direito de participação procedimental e acção popular – e voltou a ser 
 reafirmado em recentes instrumentos de gestão territorial (vejam-se, por 
 exemplo, os artigos 6º e 48º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que 
 revogou o diploma onde se insere a norma aqui em apreciação).
 
  
 
                  No Acórdão n.º 394/04, de 2 de Junho (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional considerou que “a 
 participação dos interessados está constitucionalmente prevista em quaisquer 
 instrumentos de planeamento físico do território (artigo 65º, n.º 5, da 
 Constituição), mas apenas na sua elaboração […]. É dizer que a prorrogação do 
 regime pré-existente, não sendo este constitucionalmente definido como 
 transitório, não carece, à face da Constituição, de participação obrigatória dos 
 cidadãos”.
 
                  A referência à exigência de participação dos interessados 
 apenas a propósito da elaboração dos instrumentos de planeamento territorial não 
 significa, porém, na lógica deste Acórdão, que a alteração de um regime anterior 
 não deva estar também submetida a tal exigência: significa apenas que só para a 
 prorrogação de um regime pré-existente se prescinde dessa participação. Como aí 
 se diz: “[…] as próprias razões que depõem a favor da criação de Parques 
 Naturais depõem a favor da sua natureza permanente, salvo circunstâncias 
 excepcionais, e sem prejuízo da alteração do regime que lhes é aplicável (quer 
 no sentido de o flexibilizar, ou reduzir, quer no sentido de o endurecer, ou 
 aumentar), justificando-se então, de novo, a participação dos cidadãos, como 
 constitucionalmente previsto («criação e desenvolvimento de parques naturais»)”.
 
  
 
                  A necessidade de participação dos interessados, quer na 
 elaboração, quer na alteração de um instrumento de planeamento urbanístico, é 
 sublinhada por Jorge Miranda / Rui Medeiros (ob. cit., p. 678), que, citando 
 Fernando Alves Correia, consideram que “a teleologia do preceito [do artigo 65º, 
 n.º 5, da Constituição] abrange qualquer modificação substancial de instrumentos 
 de planeamento urbanístico”. Também Gomes Canotilho / Vital Moreira (ob. e loc. 
 cits.) entendem que “o direito de participação incide sobre a elaboração (e 
 sobre a revisão) de todos os instrumentos de planeamento urbanístico e de 
 planeamento físico do território e tem por beneficiários todos os cidadãos e 
 organizações residentes ou sedeadas nas áreas correspondentes” e que “dado o 
 
 âmbito dos interessados, o mecanismo de participação deve contemplar 
 procedimentos adequados (debates públicos, audiências públicas, etc.) a uma 
 eficaz participação”.
 
  
 
                  Sendo este o sentido do preceito, o que se pode, então, 
 perguntar é se também as normas provisórias a que alude o artigo 8º do 
 Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, ora em apreciação, consubstanciam, elas 
 mesmas, a elaboração ou a alteração de um instrumento de planeamento 
 territorial, e se, consequentemente, estão abrangidas pela exigência de 
 participação dos interessados, contida no artigo 65º, n.º 5, da Constituição.
 
  
 
  
 
 9.            Importa desde logo reconhecer que, de acordo com o que se 
 estabelece no próprio artigo 8º do Decreto-Lei n.º 69/90, as normas provisórias 
 aí previstas dizem respeito a “ocupação, uso e transformação do solo em toda ou 
 em parte das áreas a abranger por planos municipais em elaboração, quando o 
 estado dos trabalhos seja de modo a possibilitar a sua adequada fundamentação” 
 
 (itálico aditado).
 
  
 
                  Por outro lado, não pode deixar de se ter em consideração que 
 as normas provisórias, tal como se encontram reguladas no preceito em análise, 
 têm um prazo de vigência limitado, que não pode exceder dois anos (n.º 3), e que 
 essas normas provisórias caducam com a entrada em vigor dos planos a que 
 respeitam (n.º 4).
 
  
 
                  Tal significa que a adopção das normas provisórias se inscreve 
 num processo de elaboração de um determinado instrumento de planeamento 
 territorial e se encontra por isso vinculada a um certo fim – a elaboração desse 
 instrumento de planeamento territorial. Ora, no âmbito do procedimento mais 
 amplo de elaboração de um instrumento de planeamento, encontra-se assegurado, no 
 sistema do revogado Decreto-Lei n.º 69/90, o direito de participação dos 
 cidadãos (vejam-se os artigos 14º, 15º e 19º).
 
  
 
                  A determinação de participação dos interessados contida no 
 artigo 65º, n.º 5, da Constituição não é absoluta. O direito de participação dos 
 interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento territorial deve 
 harmonizar-se com outras exigências constitucionais que, no caso concreto, podem 
 até prevalecer, implicando, por exemplo, um prazo mais curto do que o geral para 
 o exercício do direito de participação dos interessados, ou até a aprovação de 
 medidas provisórias não precedidas desta participação. 
 
  
 
                  Segundo Fernando Alves Correia, são múltiplas as formas de 
 participação e existem diversos graus de intensidade ou de profundidade da 
 participação (cfr. Manual de direito do urbanismo, Vol. I, 3ª ed., Almedina, 
 
 2006, p. 380 ss).
 
  
 
                  No caso em apreço, é certo que não se encontra prevista – como 
 pretendia o recorrente – a modalidade de participação mais rigorosa traduzida no 
 inquérito público, regulado no artigo 14º do Decreto-Lei n.º 69/90. Mas não 
 seria desadequado considerar que as exigências estabelecidas no diploma quanto 
 ao procedimento a seguir para a aprovação das normas provisórias permitem, de 
 algum modo, acautelar o direito de participação dos interessados, através da 
 intervenção da assembleia municipal.
 
  
 
                  Conclui-se, assim, tal como no acórdão recorrido, que a 
 circunstância de não estar legalmente prevista no processo de elaboração das 
 normas provisórias a participação dos interessados, através de inquérito 
 público, é justificada pela natureza urgente da adopção das referidas medidas. 
 Tais normas provisórias visam neutralizar os perigos e inconvenientes que para o 
 interesse público poderiam decorrer da demora na aprovação final dos planos. A 
 omissão da previsão legal de participação dos interessados no processo de 
 elaboração das normas provisórias, através de inquérito público, não traduz uma 
 solução arbitrária, encontrando o seu fundamento na natureza urgente e cautelar 
 das referidas medidas.
 
  
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 11.          Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal 
 Constitucional decide negar provimento ao presente recurso, confirmando a 
 decisão recorrida no que se refere à questão de constitucionalidade.
 
  
 
                  Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20  ( 
 vinte )  unidades  de conta.
 
  
 Lisboa, 6 de Março de 2007
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Artur Maurício