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Processo 666/09 
 
 
 
 3ª Secção 
 
 
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins 
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I ? RELATÓRIO 
 
 
 
 1. Nos presentes autos em que é recorrente Ministério Público e recorrida A., S.A., 
 foi interposto recurso, para aquele obrigatório, nos termos do n.º 3 do artigo 
 
 280º da CRP e do n.º 3 do artigo 72º da LTC, de acórdão proferido pelo Tribunal 
 do Trabalho de Faro, entre fls. 53 a 59, que desaplicou norma jurídica extraída 
 do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade orgânica (fls. 149 a 154). 
 
 
 
 2. Face à ausência de indicação de qual a norma jurídica especificamente alvo do 
 presente recurso, a Relatora proferiu despacho de convite ao aperfeiçoamento do 
 requerimento de interposição de recurso, tendo o Ministério Público esclarecido 
 que a norma que teria sido desaplicada pela decisão recorrida seria a resultante 
 
 ?dos artigos 1º, nº 3, 8º, nºs 1 e 2, e 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 237/2007, 
 de 19 de Junho, que determina a responsabilidade do empregador pela contra-ordenação 
 consistente em violação do limite máximo de duração do trabalho diário dos ?trabalhadores 
 móveis? (definidos no artigo 2º, alínea d), do mesmo diploma)?. 
 
 
 
 3. Notificado para o efeito pela Relatora, o recorrente produziu as seguintes 
 alegações, das quais constam as seguintes conclusões: 
 
 
 
 «(?) 
 
 
 
 2. Apreciação do mérito do recurso. 
 
 
 
 2.1 Após a edição do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que instituiu o 
 regime geral das contra-ordenações, foi publicado o Decreto-Lei nº 491/85, de 26 
 de Novembro que, pela primeira vez, disciplinou a matéria das contra-ordenações 
 laborais. 
 
 
 Neste diploma, e no que respeita às ?Disposições Gerais?, não constava qualquer 
 preceito específico no que toca à definição da autoria das contra-ordenações, 
 aplicando-se, por força do artigo 1º, o disposto no Decreto-Lei nº 433/82. 
 
 
 
 2.2. O Decreto-Lei nº 491/85 foi revogado pela Lei nº 116/99, de 04 de Agosto, 
 que veio aprovar o regime Geral das Contra-Ordenações Laborais. 
 
 
 No artigo 1º surge, pela primeira vez, uma definição de contra-ordenação laboral. 
 
 
 Por sua vez, o artigo 4º desse Regime Geral diz-nos quais são os sujeitos 
 responsáveis pelas contra-ordenações laborais, figurando, logo no nº 1, alínea a), 
 a entidade patronal, quer fosse pessoa singular ou colectiva, associação sem 
 personalidade jurídica ou comissão especial. 
 
 
 Não constando do artigo 4º os trabalhadores mas podendo ser eles abrangidos de 
 acordo com a definição de contra-ordenação constante do artigo 1º, desde logo se 
 suscitaram dúvidas e se constatou alguma contradição entre estes dois preceitos. 
 
 
 Também se gerou grande polémica quer a nível doutrinário, quer jurisprudencial 
 sobre se, face à enumeração taxativa constante do artigo 4º, os trabalhadores 
 podiam ser incluídos naquele elenco. (Cfr. sobre a matéria João Soares Ribeiro 
 Contra-Ordenações Laborais, pag. 336 a 340 e Contra-Ordenação no Código do 
 Trabalho, em ?Questões Laborais?, Ano XI ? 2004, nº 23, págs. 1 a 15 e António 
 Beça Pereira Contra-Ordenações laborais. Breves reflexões quanto ao seu âmbito e 
 sujeitos, in ?Questões Laborais?, Auto VIII-2001, nº 18, págs. 142 a 147). 
 
 
 Concretamente, no que respeita à infracção consistente no desrespeito pelo 
 limite máximo de trabalho por parte dos condutores de veículos de transporte de 
 passageiros e face ao que dispunha o nº 6 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 272/89, 
 de 19 de Agosto, na redacção dada pelo artigo 7º da Lei nº 114/99, de 3 de 
 Agosto, que fixava a coima aplicável aos condutores, a polémica não era menor, (cfr. 
 autores, obras e locais anteriormente referidos). 
 
 
 
 2.3. A Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, 
 revogou expressamente a Lei nº 116/99 (artigo 21º, nº 1, alínea aa)) e 
 estabeleceu um novo Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais (artigo 614º a 
 
 640º, do Código, no que toca ao Regime Geral). 
 
 
 Neste Código alterou-se a definição de contra-ordenação (artigo 614º) e deixou 
 de existir qualquer preceito onde se estabelecesse quais os sujeitos 
 responsáveis pela infracção. 
 
 
 Face à polémica gerada pelo regime anterior estas alterações foram, de uma forma 
 geral, aplaudidas. 
 
 
 A esse respeito João Soares Ribeiro (Contra-Ordenação no Código do Trabalho, cit., 
 pág. 13): 
 
 
 
 ?Como resolveu o Código do Trabalho o problema? Muito realisticamente alterando 
 a definição e deixando, pura e simplesmente de elencar os sujeitos, permitindo 
 assim que a lei livremente impute a contra-ordenação a quem tenha a seu cargo o 
 dever de praticar ou de se abster da prática da acção ou omissão?. 
 
 
 Segundo o mesmo autor, ?cabem agora no âmbito subjectivo do preceito não apenas 
 os sujeitos de relações de trabalho ? e diga-se ambos os sujeitos, isto é, não 
 só os empregadores como também os trabalhadores? (Contra-Ordenações Laborais,cit. 
 pág. 220). 
 
 
 
 2.4. Era, portanto, este o regime geral vigente quando foi aditado o Decreto-Lei 
 nº 237/2007 que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 202/15/CE 
 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do 
 tempo de trabalho das pessoas que exerçam actividades móveis de transporte 
 rodoviário (artigo 1º, nº 2). 
 
 
 Após estabelecer que as disposições constantes dos artigos 3º a 5º prevaleciam 
 sobre as disposições correspondentes constantes do Código do Trabalho (artigo 1º, 
 nº 3), o artigo 10º vem dispor o seguinte: 
 
 
 
 ?1- O regime geral previsto nos artigos 614º e 640º Código do Trabalho aplica-se 
 
 às contra-ordenações por violação do presente Decreto-Lei, sem prejuízo do 
 disposto nos artigos 11º e 12º. 
 
 
 
 2- O empregador é responsável pelas infracções ao disposto no presente Decreto-Lei. 
 
 
 
 3- (?) 
 
 
 Feita esta digressão pela evolução legislativa referente à matéria, vejamos 
 agora mais concretamente a questão de inconstitucionalidade que vem colocada. 
 
 
 
 2.5. O Tribunal Constitucional numa jurisprudência que se tem mantido 
 inalterável desde o Acórdão nº 56/84, vem entendendo que em matéria contra-ordenacional 
 a competência legislativa reservada à Assembleia da República (artigo 165º, nº 1, 
 alínea d) da Constituição) situa-se a nível da edição das normas ?primárias?, ou 
 seja, que façam parte do regime geral, podendo o Governo, no uso da sua 
 competência legislativa concorrente, e dentro dos limites da ?Lei-Quadro?, 
 delinear ilícitos contra-ordenacionais, estabelecer a correspondente punição e 
 moldar as regras secundárias do processo contra-ordenacional (cfr. v.g. Acórdão 
 nº 236/2003). 
 
 
 Também nos parece que não decorre do artigo 165º, nº 1, alínea d), da 
 Constituição, que a Assembleia não possa editar regimes gerais sectoriais tendo 
 em atenção as especificidades das matérias a regular, como é o caso das 
 infracções laborais. 
 
 
 O essencial é que seja o Parlamento a editar as normas básicas desse regime e 
 que o Governo legisle, respeitando-as. 
 
 
 Que a existência de mais do que um regime geral não levanta problemas de 
 constitucionalidade é o que se extrai do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 
 
 403/2004. Aqui, poderiam estar em confronto duas noções diferentes de ?dimensão 
 de empresa?, uma a prevista no Decreto-Lei nº 433/82 (artigo 18º), outra a 
 prevista no Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais (artigo 7º e 9º da Lei 
 nº 116/99), não tendo tal diferença suscitado qualquer problema ao Tribunal. 
 
 
 
 É evidente que essa possibilidade de existência de regimes gerais apenas 
 aplicável em determinadas matérias, não conduz à irrelevância do regime geral 
 instituído pelo Decreto-Lei nº 433/82, até porque esse é o regime supletivo 
 aplicável (artigo 615º do Código do Trabalho). 
 
 
 Aplicando agora aquele entendimento jurisprudencial ao caso dos autos, diremos o 
 seguinte: 
 
 
 O Governo, ao editar o Decreto-Lei nº 237/2007, fê-lo nos termos da alínea a) do 
 nº 1 do artigo 198º da Constituição, ou seja, no uso da sua competência 
 legislativa própria e concorrente com a da Assembleia da República. 
 
 
 Ora, face a tudo o que se disse anteriormente, parece-nos evidente, que ao 
 atribuir a responsabilidade pelas infracções ao empregador, o Governo se situou 
 estritamente dentro dos limites fixados pelo regime geral constante do Código do 
 Trabalho. 
 
 
 Efectivamente, a saudada alteração levada a cabo com a revogação da Lei nº 116/99, 
 não levou nem podia levar, atendendo à específica natureza das infracções 
 laborais, a exclusão de responsabilidade do empregador pela prática daquelas 
 contra-ordenações, antes se encontrou uma definição (artigo 614º do Código do 
 Trabalho) onde como sujeitos da infracção, cabe qualquer um daqueles sujeitos de 
 relação laboral ? o empregador e o trabalhador. 
 
 
 O Governo, pode, pois, conforme a natureza da infracção laboral e, eventualmente, 
 atendendo a outras circunstâncias, estabelecer quais os sujeitos responsáveis e 
 a medida dessa responsabilidade, sem que com essa actuação contrarie ou sequer 
 se afaste do regime geral. 
 
 
 A norma objecto do recurso não é, pois, organicamente inconstitucional. 
 
 
 
 2.6. Foi também esse o sentido da decisão da constante do Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 359/2001 em que se apreciou a inconstitucionalidade dos 
 artigos 27º, nº 2 e 4 e 29º do Decreto-Lei nº 38/99, de 7 de Fevereiro, que 
 considerava responsável a pessoa colectiva ou singular que efectuasse o 
 transporte, pela contra-ordenação consistente em o condutor do veiculo se 
 escusar a levar o veiculo à pesagem das balanças ao serviço da entidade 
 fiscalizadora, infracção punível com coima equivalente à coima correspondente à 
 carga máxima. 
 
 
 O Tribunal entendeu que o Governo, ao legislar daquela forma, não extravasara os 
 limites impostos pelo regime geral, no caso o Decreto-Lei nº 433/82 e, em 
 especial, o seu artigo 8º. 
 
 
 
 3. Conclusão 
 
 
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se: 
 
 
 
 1. Apenas se situa no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia 
 da República o estabelecimento do regime geral do ilícito de mera ordenação 
 social, podendo o Governo legislar em tal matéria, desde que o faça dentro dos 
 limites impostos por esse regime geral. 
 
 
 
 2. No uso dessa sua competência própria, pode a Assembleia definir regimes 
 gerais sectoriais, tendo em atenção as especificidades das matérias que visa 
 regular, como é o caso das infracções laborais. 
 
 
 
 3. Face à definição de contra-ordenação laboral constante do artigo 614º do 
 Código do Trabalho de 2003 (norma integrada no Regime Geral das Contra-Ordenações 
 Laborais), podem estar incluídos entre os sujeitos responsáveis pela infracção 
 tanto as entidades empregadoras como os trabalhadores. 
 
 
 
 4. Dessa forma, e uma vez que é respeitado aquele o regime geral, o critério 
 normativo, extraído dos artigos 1º, nº 3, 8º, nºs 1 e 2, e 10º, nº2, do Decreto-Lei 
 nº237/2007, de 19 de Junho, que determina a responsabilidade do empregador pela 
 contra-ordenação consistente em violação do limite máximo de duração do trabalho 
 diário dos ?trabalhadores móveis? (definidos no artigo 2º, alínea d), do mesmo 
 diploma), não viola o artigo 165º, nº 1, alínea d), da Constituição, não sendo, 
 por isso, organicamente inconstitucional. 
 
 
 
 5. Termos em que deverá proceder o presente recurso.» (fls. 81 a 88) 
 
 
 
 3. Devidamente notificada para o efeito, a recorrida não apresentou quaisquer 
 contra-alegações. 
 
 
 Assim sendo, cumpre apreciar e decidir. 
 
 
 II ? FUNDAMENTAÇÃO 
 
 
 
 5. A decisão recorrida entendeu desaplicar as seguintes normas do Decreto-Lei n.º 
 
 237/2007, de 19 de Junho, que foi aprovado pelo Governo, ao abrigo do artigo 198º, 
 n.º 1, alínea a), da CRP sobre matéria de competência legislativa concorrente, 
 ou seja, sem autorização legislativa pela Assembleia da República. As normas ora 
 em apreço são as seguintes: 
 
 
 
 ?Artigo 1º 
 
 
 
 (?) 
 
 
 
 3 ? O disposto nos artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições 
 correspondentes do Código do Trabalho.? 
 
 
 
 ?Artigo 8º 
 
 
 
 1 ? O período de trabalho diário dos trabalhadores móveis é interrompido por um 
 intervalo de descanso de duração não inferior a trinta minutos, se o número de 
 horas de trabalho estiver compreendido entre seis e nove, ou a quarenta e cinco 
 minutos, se o número de horas for superior a nove. 
 
 
 
 2 ? Os trabalhadores móveis não podem prestar mais de seis horas de trabalho 
 consecutivo. 
 
 
 
 (?)? 
 
 
 
 ?Artigo 10º 
 
 
 
 (?) 
 
 
 
 2 ? O empregador é responsável pelas infracções ao disposto no presente decreto-lei.? 
 
 
 De acordo com o entendimento expresso pela decisão recorrida, o sentido 
 normativo extraído da conjugação destes preceitos legais feriria de 
 inconstitucionalidade orgânica as referidas normas jurídicas, na medida em que a 
 Constituição reservaria à Assembleia da República a competência para legislar 
 sobre o ?regime geral (?) dos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo 
 processo? [cfr. 165º, n.º 1, alínea d), da CRP]. Deste modo, o Governo estaria 
 impedido de adoptar um regime jurídico contra-ordenacional especificamente 
 destinado a punir a prática de infracções em matéria de organização do tempo de 
 trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário 
 efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, 
 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou pelo Acordo Europeu 
 Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuam Transportes 
 Internacionais Rodoviários [vulgo AETR]. 
 
 
 Ora, desde cedo, este Tribunal tem vindo a densificar o conteúdo normativo da 
 reserva parlamentar de competência legislativa em matéria contra-ordenacional. 
 Com efeito, reportando-se precisamente à alínea d) do n.º 1 do artigo 165º, da 
 CRP, pode ler-se no Acórdão n.º 149/94 (disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/): 
 
 
 
 «5. Deste último comando resultava (como hoje resulta), pois, que ao Governo só 
 era permitida a edição de normas que se inserissem no regime geral do ilícito de 
 mera ordenação social desde que adequadamente munido de autorização da 
 Assembleia da República, podendo, em consequência, fora dessa inserção, emitir 
 legislação respeitante à definição dos comportamentos e atitudes que integrassem 
 esse tipo de ilícito e, bem assim, as sanções a eles aplicáveis. 
 
 
 Esta genérica asserção, contudo, carece de uma maior explicitação, maxime quanto 
 
 à delimitação de competências entre a Assembleia da República e o Governo, o que 
 este Tribunal tem levado a efeito por inúmeras vezes, mormente a partir da 
 prolação do seu Acórdão nº 56/84 (publicado na 1ª Série do Diário da República 
 de 9 de Agosto de 1984, no 3º Volume dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 
 153 e segs., e no nº 359 do Boletim do Ministério da Justiça, 281 e segs.), e 
 que pode sintetizar-se nos seguintes tópicos: 
 
 
 Compete em exclusivo à Assembleia da República, salvo se conceder ao Governo 
 autorização legislativa para tanto, legislar sobre o regime geral de punição do 
 ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo e proceder à «desqualificação» 
 de crimes em contra-ordenações ou «desgraduar» contravenções puníveis com pena 
 restritiva da liberdade em contra-ordenações; 
 
 
 O Governo e a Assembleia da República têm competência concorrente para, dentro 
 dos limites estabelecidos naquele regime geral, definirem contra-ordenações, 
 alterá-las, eliminá-las e modificar a respectiva punição, bem como «desgraduar» 
 contravenções não puníveis com pena restritiva da liberdade em contra-ordenações, 
 respeitando o quadro do aludido regime geral.» (com sublinhado nosso) 
 
 
 O Tribunal Constitucional tem-se mostrado inabalável na afirmação de uma 
 competência legislativa concorrente, entre Assembleia da República e Governo, 
 sempre que não esteja em causa a fixação do ?regime geral dos ilícitos de mera 
 ordenação social e respectivo processo?, e, em especial, admitindo a 
 legitimidade do Governo para criar novos tipos de ilícitos contra-ordenacionais 
 e respectivos pressupostos. Por exemplo, a propósito de uma contra-ordenação de 
 fuga ao controlo do peso de camiões, cometida por trabalhador da empresa alvo de 
 contra-ordenação criada por decreto-lei, o Acórdão n.º 359/01 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/acordaos/) 
 declarou que a reserva parlamentar de competência legislativa apenas abrange ?legislar 
 sobre o regime geral do ilícito de mera ordenação social, isto é, sobre a 
 definição do ilícito contra-ordenacional, a definição do tipo de sanções 
 aplicáveis às contra-ordenações e a fixação dos respectivos limites e das linhas 
 gerais da tramitação processual? (em sentido idêntico, ver Paulo Otero / 
 Fernanda Palma, ?Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social?, 
 in «RFDUL» (Separata), 1996, n.º 2, Lex, p. 564). 
 
 
 Assim, na esteira do que preconiza Lopes do Rego (?Alguns Problemas 
 Constitucionais do Direito das Contra-Ordenações?, in «Questões Laborais», Ano 
 VIII, 2001, Coimbra, p. 12), o conceito de ?regime geral? encontra-se limitado à 
 
 ?definição dos traços essenciais, estruturantes e fundamentais ? substantivos e 
 adjectivos ? que caracterizam os direitos sancionatórios?. 
 
 
 Importa, pois, verificar se o Governo, ao determinar que os empregadores são 
 responsáveis pela prática de ilícitos contra-ordenacionais em matéria de 
 organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis, mediante a aprovação 
 do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, legislou de modo a inovar 
 relativamente à natureza do tipo de ilícito contra-ordenacional, ao tipo de 
 sanções aplicáveis ou aos limites e linhas gerais da tramitação processual. 
 
 
 
 6. Desde logo, conforme já salientado pelo Ministério Público, a Lei nº 99/2003, 
 de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, criou um Regime Jurídico das 
 Infracções Laborais (cfr. Artigos 614º a 640º, do Código do Trabalho), que se 
 assume como regime especial face ao regime geral previsto no Decreto-Lei n.º 433/82 
 e que não inclui qualquer norma relativa à responsabilidade subjectiva pela 
 prática daquelas contra-ordenações. Da opção legislativa adoptada ? por lei da 
 Assembleia da República ?, resulta constituir ?contra-ordenação laboral todo o 
 facto típico ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que 
 consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relações 
 laborais e que seja punível com coima? (cfr. artigo 614º do Código do Trabalho, 
 com sublinhado nosso). Evidentemente, daqui decorre que o próprio Código do 
 Trabalho ? insiste-se, aprovado por lei da Assembleia da República ? determina ? 
 ainda que apenas indirectamente ? o âmbito de responsabilidade subjectiva contra-ordenacional, 
 permitindo que tanto o trabalhador como a entidade empregadora sejam sujeitos 
 activos de determinada infracção contra-ordenacional laboral. 
 
 
 Assim, sendo a norma jurídica extraída ?dos artigos 1º, nº 3, 8º, nºs 1 e 2, e 
 
 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 237/2007, de 19 de Junho, que determina a 
 responsabilidade do empregador pela contra-ordenação consistente em violação do 
 limite máximo de duração do trabalho diário dos ?trabalhadores móveis? (definidos 
 no artigo 2º, alínea d), do mesmo diploma)? não trouxe qualquer inovação à ordem 
 jurídica portuguesa, na medida em que a Assembleia da República já havia tomado 
 a decisão legislativa que sujeitava as entidades empregadores a responsabilidade 
 contra-ordenacional laboral. 
 
 
 E nem se diga que a norma ora em apreço, por excluir a responsabilidade 
 subjectiva dos trabalhadores, assume essa natureza inovadora. Claro está que 
 esta norma inclui norma especial face ao artigo 614º do Código do Trabalho, por 
 determinar que as contra-ordenações laborais relativas à violação de regras de 
 organização do tempo de trabalho dos trabalhadores de transportes rodoviários. 
 
 
 Contudo, tal norma jurídica não se afigura apta a inovar quanto à natureza do 
 tipo de ilícito contra-ordenacional, ao tipo de sanções aplicáveis ou aos 
 limites e linhas gerais da tramitação processual; questão essa, sim, decisiva, 
 para o propósito do presente aresto. Assim, não se vislumbra de que modo é que a 
 mesma afectaria a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, 
 expressa na alínea d) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, que permanece restrita ao 
 regime geral das contra-ordenações. É que esse regime geral corresponde àquele 
 originariamente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro [de ora 
 em diante, designado por RGIMOS], no exercício da competência lei de autorização 
 legislativa. 
 
 
 Ora, nos termos do artigo 7º do RGIMOS determina-se que, tanto as pessoas 
 singulares como as pessoas colectivas e as associações sem personalidade 
 jurídica, podem ser subjectivamente responsáveis pela prática de contra-ordenações 
 de qualquer tipo. Como tal, a norma jurídica desaplicada pela decisão recorrida 
 não contraria, de modo algum, aquele preceito do regime geral das contra-ordenações 
 e, como tal, não é passível de configurar qualquer violação à reserva de 
 competência parlamentar nessa matéria. 
 
 
 O mesmo se diga quanto ao regime expressamente consagrado em matéria de contra-ordenações 
 laborais (v.g., artigos 614º a 640º do Código Trabalho). Mesmo que se 
 configurasse aquele regime jurídico como ?regime geral?, por configurar o quadro 
 paramétrico de um ramo do Direito Sancionatório Público em particular ? o que se 
 afigura duvidoso, na medida em que tal regime se afigura como especial face ao 
 RGIMOS ?, sempre se concluiria em idêntico sentido, ou seja, no sentido de que a 
 norma jurídica desaplicada pela decisão recorrida não contraria, de modo algum, 
 o regime de responsabilidade subjectiva nele fixado, conforme já supra melhor 
 demonstrado. 
 
 
 Seguindo a jurisprudência consolidada neste Tribunal, a criação deste tipo 
 contra-ordenacional, cuja delineação pressupõe a exclusiva responsabilidade da 
 entidade empregadora, não belisca ? em nada ? a reserva de competência 
 legislativa da Assembleia da República [artigo 165º, n.º 1, alínea d), da CRP], 
 antes consistindo numa legítima opção legislativa do Governo que visa apenas 
 assegurar uma adequada prova da prática da infracção por parte de quem beneficia 
 da actividade exercida por um seu funcionário e incorre assim em ?culpa in 
 vigilando?. Aliás, já no supra referido Acórdão n.º 359/01, a propósito do dever 
 legal de pesagem de transportes pesados de mercadorias, este Tribunal teve 
 oportunidade de justificar tal opção legislativa por parte do órgão 
 governamental: 
 
 
 
 «De acordo com o artigo 29º tal infracção é da responsabilidade da pessoa 
 singular ou colectiva que efectua o transporte. Esta imputação da infracção em 
 causa não tem origem em qualquer responsabilidade objectiva. De facto, o ilícito 
 de mera ordenação social acolhe, por regra, o princípio da culpa, ainda que não 
 lhe atribua a mesma censura ética (há apenas imputação do facto à 
 responsabilidade social do agente); daí, que o artigo 8º do regime geral das 
 contra-ordenações (Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro) estabeleça que ?só é 
 punível o facto praticado com dolo, ou nos casos especialmente previstos na lei, 
 com negligência?. 
 
 
 Todavia, em sede de ilícito de mera ordenação social, assume uma relevância 
 particular a questão da responsabilidade por actuação em nome de outrem, desde 
 logo porque se afasta do carácter eminentemente pessoal da responsabilidade 
 criminal. As razões que estão na base deste tipo de responsabilidade são 
 manifestas: prendem-se com a inadequação do direito penal clássico para fazer 
 face às múltiplas exigências das sociedades modernas, derivadas da 
 burocratização das sociedades e do facto de as grandes organizações públicas ou 
 privadas serem actualmente os verdadeiros protagonistas da vida económica. 
 
 
 A racionalidade própria das grandes organizações exige processos dinâmicos e 
 complexos de actuação que impõem uma cada vez maior amplitude de resposta por 
 parte da Administração. 
 
 
 Foi para obviar à impunidade resultante destas cada vez mais crescentes e 
 complexas tarefas, cujo desenvolvimento desemboca numa clara impunidade face à 
 difusa impessoalidade ou impossibilidade na descoberta do autor da infracção, 
 que a ideia da responsabilidade por actuação em nome de outrem começou por fazer 
 responder os gerentes e administradores pelas infracções ?imputáveis? à empresa. 
 Quando o agente factual da infracção é um trabalhador por conta de outrem (ligado 
 
 à empresa ou ao empregador por um contrato de trabalho) então a responsabilidade 
 por actuação em nome de outrem pode assentar na culpa in eligendo ou in 
 vigilando. 
 
 
 No nosso direito de mera ordenação social as coimas tanto podem aplicar-se às 
 pessoas singulares como às pessoas colectivas, sendo as pessoas colectivas ou 
 equiparadas responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no 
 exercício das suas funções ? artigo 7º do Decreto-Lei nº 433/82. 
 
 
 No caso do Decreto-Lei nº 38/99, de 6 de Fevereiro, a escusa do condutor em 
 levar o veículo às balanças para pesagem é imputada à entidade que efectua o 
 transporte, seja pessoa singular ou colectiva (artigo 27º, nº4 e 29º). 
 
 
 Ora, não se vê que estas normas se possam incluir na definição da natureza do 
 ilícito de ordenação social, na definição do tipo de sanções aplicáveis às 
 contra-ordenações e muito menos na fixação dos respectivos limites ou na 
 tramitação processual das contra-ordenações. 
 
 
 Assim, é manifesto que a edição das normas questionadas apenas pelo Governo sem 
 autorização legislativa do Parlamento não invade o âmbito da reserva legislativa 
 da Assembleia da República, pelo que a norma constante do artigo 29º com 
 referência ao artigo 27º, nº4, ambas do Decreto-Lei nº 38/99, de 6 de Fevereiro 
 não são organicamente inconstitucionais.» 
 
 
 Em suma, a norma jurídica desaplicada pela decisão recorrida não afecta os 
 traços gerais e estruturais do regime sancionatório laboral, nem tão pouco a 
 natureza do tipo de ilícito contra-ordenacional, do tipo de sanções aplicáveis 
 ou aos limites e linhas gerais da tramitação processual aplicáveis a qualquer 
 tipo de contra-ordenação, pelo que não padece de inconstitucionalidade orgânica, 
 por violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 165º da CRP. 
 
 
 Aliás, recentemente, esta Secção aprovou o Acórdão nº 609/09, de 2 de Dezembro, 
 por unanimidade, o qual se debruçou sobre questão idêntica, tendo decidido no 
 mesmo sentido. 
 
 
 III ? DECISÃO 
 
 
 Pelos fundamentos expostos, decide-se: 
 
 
 a) Não julgar inconstitucional a norma extraída ?dos artigos 1º, nº 3, 8º, nºs 1 
 e 2, e 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 237/2007, de 19 de Junho, que determina a 
 responsabilidade do empregador pela contra-ordenação consistente em violação do 
 limite máximo de duração do trabalho diário dos ?trabalhadores móveis? (definidos 
 no artigo 2º, alínea d), do mesmo diploma)?; 
 
 
 b) Julgar procedente o presente recurso. 
 
 
 E, em consequência: 
 
 
 c) Ordenar a remessa dos presentes autos ao tribunal recorrido, de modo a que a 
 decisão recorrida seja reformada em conformidade com o presente juízo de não 
 inconstitucionalidade, conforme decorre do n.º 2 do artigo 80º, da LTC. 
 
 
 Sem custas, por não serem legalmente devidas. 
 
 
 Lisboa, 13 de Janeiro de 2010 
 
 
 Ana Maria Guerra Martins 
 
 
 Maria Lúcia Amaral 
 
 
 Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 Vítor Gomes 
 
 
 Gil Galvão (votei a decisão pelas razões do acórdão n.º 578/09)