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Processo n.º 520/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 
 de Abril de 2008, foi concedido parcial provimento ao recurso interposto pelos 
 arguidos A. e B. contra o despacho do Tribunal Judicial de Guimarães, de 14 de 
 Janeiro de 2008, que, nos termos do artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo 
 Penal (CPP), na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, prorrogara 
 a manutenção do segredo de justiça até ao dia 4 de Outubro de 2008, por ser esse 
 
 “o prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação”. Nesse 
 acórdão, o Tribunal da Relação de Guimarães entendeu que quando o n.º 6 do 
 artigo 89.º do CPP (“Findos os prazos previstos no artigo 276.º [os prazos de 
 duração máxima do inquérito], o arguido, o assistente e o ofendido podem 
 consultar todos os elementos do processo que se encontre em segredo de justiça, 
 salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, 
 que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual 
 pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a 
 que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1.º [terrorismo, criminalidade 
 violenta, criminalidade especialmente violenta e criminalidade altamente 
 organizada], e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da 
 investigação”) permite nova prorrogação do prazo, por uma só vez, esta 
 prorrogação, tal como a primeira, também tem a duração máxima de três meses. 
 Embora esta disposição, introduzida pela Lei n.º 48/2007, só se dirija ao 
 futuro, não colocando em causa os actos praticados em sede da lei antiga 
 
 (designadamente, o despacho de 10 de Outubro de 2007, que adiara o acesso pelo 
 período de três meses, que terminou em 10 de Janeiro de 2008), conclui a 
 Relação que a nova prorrogação do prazo tinha a duração máxima de três meses e 
 terminara já em 10 de Abril de 2008.
 
                         Em 23 de Abril de 2008, o arguido A. e outros vieram 
 requerer a consulta de todos os elementos do processo.
 
                         Por despacho de 2 de Maio de 2008, a magistrada do 
 Ministério Público titular do inquérito facultou a consulta do processo através 
 de acesso a cópia certificada do mesmo, da qual foram retirados “todos os 
 elementos relativos a informações bancárias e fiscais e bem assim despachos cuja 
 execução esteja em curso”.
 
                         Os referidos arguidos, em 12 de Maio de 2008, vieram 
 requerer o acesso a todos os elementos do processo.
 
                         Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho, de 
 
 21 de Maio de 2008, da magistrada do Ministério Público titular do inquérito:
 
  
 
             “Requerimento de fls. 10 113, do mandatário dos arguidos A. e B.: 
 
             Para complemento da certidão já existente, para consulta nos termos 
 do n.ºs 3 e 6 do artigo 89.º do CPP, extraia cópia certificada de todos os 
 elementos do processo a partir de fls. 10 014 até ao presente despacho, com 
 excepção dos documentos bancários de fls. 10 042 a 10 094 (os quais respeitam a 
 pessoa diferente daqueles arguidos), por, nesta parte, nos opormos, nos termos 
 do despacho que segue.
 
 *
 
             O mandatário dos arguidos A. e B. veio requerer a consulta de todos 
 os elementos do processo, sem qualquer limitação, designadamente quanto às 
 informações bancárias e fiscais recusadas pelo Ministério Público, por entender 
 que a lei é clara no sentido de que «... o arguido ... podem consultar todos os 
 elementos de processo que se encontre em segredo de justiça ...».
 
             Está assim em causa a interpretação do n.º 6 do artigo 89.º do CPP, 
 ao estabelecer que «Findos os prazos previstos no artigo 276.º, o arguido, o 
 assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se 
 encontre em segredo de justiça ...».
 
             Ora, não obstante o referido teor do artigo 89.º, n.º 6, do CPP, na 
 parte em que refere que o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar 
 todos os elementos do processo, este preceito não pode deixar de ser conjugado 
 com preceitos especiais que, relativamente a específicos elementos dos autos, 
 impedem que sejam consultados, designadamente antes do encerramento do 
 inquérito.
 
             Encontram‑se nesta situação os elementos que caem na previsão do n.º 
 
 7 do artigo 86.º, que dispõe que «A publicidade não abrange os dados relativos à 
 reserva da vida privada que não constituam meios de prova» e acrescenta que «a 
 autoridade judiciária especifica, por despacho, oficiosamente ou a requerimento, 
 os elementos relativamente aos quais se mantém o segredo de justiça, ordenando, 
 se for caso disso, a sua destruição ou que sejam entregues à pessoa a quem 
 disserem respeito ...».
 
             É ainda o caso dos suportes técnicos das conversações e comunicações 
 telefónicas interceptadas, cujo acesso, como estabelece o n.º 8 do artigo 188.º 
 do CPP, só poderá ter lugar a partir do encerramento do inquérito.
 
             No que aos documentos bancários respeita, estão abrangidos por 
 segredo profissional, conforme dispõe o artigo 78.º do Regime Geral das 
 Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGISF), aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, na redacção do Decreto‑Lei n.º 
 
 1/2008, de 3 de Janeiro, designadamente quanto aos «nomes dos clientes, as 
 contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias», sendo a 
 violação do segredo punível nos termos do Código Penal (artigo 84.º do RGISF).
 
             O mesmo se diga quanto aos elementos sujeitos a sigilo fiscal, 
 conforme o disposto no artigo 64.º, n.ºs 1 e 3, da Lei Geral Tributária (LGT).
 
             É certo que, nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de 
 Janeiro, o segredo bancário e fiscal cede se houver razões para crer que «as 
 respectivas informações têm interesse para a descoberta da verdade», mediante 
 despacho da autoridade judiciária, o que efectivamente aconteceu nos autos 
 relativamente aos documentos em causa, acima referidos.
 
             No entanto, dispõe o artigo 3.º da mesma lei, no seu n.º 4, que, 
 após o fornecimento dos elementos pelas instituições bancárias, «os documentos 
 que não interessem ao processo são devolvidos à entidade que os forneceu ou 
 destruídos, quando não se trate de originais, lavrando‑se o respectivo auto», 
 em homenagem ao princípio da necessidade e da proporcionalidade no que respeita 
 
 à utilização processual de dados sujeitos a sigilo bancário.
 
             Ora, o relevo de tais documentos para o processo e a respectiva 
 decisão sobre a sua utilização corno prova ou, pelo contrário, a sua devolução 
 ou destruição, só poderá ter lugar após a realização da respectiva análise 
 pericial, pelo que a revelação de tais documentos, nesta fase, poderá implicar a 
 violação daqueles preceitos – artigos 78.º e 84.º do RGISF.
 
             Aliás, uma interpretação normativa do n.º 6 do artigo 89.º do CPP no 
 sentido de ser permitida e não poder ser recusada ao arguido, antes do 
 encerramento do inquérito a que foi aplicado o segredo de justiça, a consulta 
 irrestrita de todos os elementos do processo, neles incluindo dados relativos à 
 reserva da vida privada de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e 
 fiscais sujeitos a segredo profissional nos termos do RGISF e da LGT, juntos aos 
 autos na sequência de quebra do segredo nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 
 
 5/2002, de 11 de Janeiro, mas sem que tenha sido concluída a sua análise em 
 termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova ou, pelo 
 contrário, a sua destruição ou devolução nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do 
 CPP e do n.º 4 do artigo 3.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e sem que se 
 demonstre a sua imprescindibilidade para a defesa do arguido, é violadora dos 
 princípios ínsitos nos artigos 20.º, n.º 3, 26.º, n.ºs 1 e 2, e 202.º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
             Em suma, não estando ainda definido o relevo dos elementos supra 
 referidos para a prova, ou a sua imprescindibilidade para a defesa do arguido, 
 que aliás não é invocada pelo requerente, entende‑se que o disposto no n.º 6 do 
 artigo 89.º do CPP (que se reporta por identidade de razões ao arguido, 
 assistente e ofendido), não é fundamento suficiente para ser permitido o acesso 
 
 àqueles elementos bancários e fiscais, neste momento, pelo que deve ser 
 indeferido, nesta parte, o requerido.
 
             Considerando o disposto no artigo 89.º, n.º 2, do CPP e face à 
 oposição à consulta, deduzida pelo Ministério Público no que respeita aos 
 elementos bancários e fiscais, apresente os autos à Senhora Juiz do Tribunal de 
 Guimarães para decisão.”
 
  
 
                         Conclusos os autos à Juíza do Tribunal Judicial de 
 Guimarães, esta proferiu, em 26 de Maio de 2008, o seguinte despacho:
 
  
 
             “A fls. 10 113, o Ex.mo Senhor Mandatário dos arguidos A. e B. veio 
 requerer a consulta da totalidade dos autos.
 
             A fls. 10 115, o Ministério Público veio manifestar a sua 
 discordância relativamente ao peticionado, apresentando as razões de facto e de 
 direito que nos escusamos a reproduzir.
 
             Nos termos do artigo 89.º, n.º 2, do CPP, cumpre decidir.
 
             Estabelece o disposto no artigo 86.º, n.º 6, alínea c), do CPP que a 
 publicidade do processo implica a consulta do autos e obtenção de cópias de 
 quaisquer partes do processo, com as limitações estabelecidas nos n.ºs 7 e 8 do 
 mesmo normativo.
 
             Assim, inexistindo qualquer limitação legalmente estabelecida ao 
 peticionado pelos arguidos, nomeadamente a certos elementos do processo, 
 determina‑se, como já determinou o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, 
 que todos os intervenientes processuais tenham acesso à totalidade dos autos, 
 caso assim o pretendam.”
 
  
 
                         Notificada deste despacho, a magistrada do Ministério 
 Público, uma vez que o mesmo omitia qualquer menção ao n.º 6 do artigo 89.º do 
 CPP, veio requerer a sua aclaração, consignando:
 
  
 
             “É assim a interpretação do artigo 89.º, n.º 6, do CPP que está em 
 causa, no sentido de saber se a consulta do processo em segredo de justiça aí 
 prevista (para o arguido, o assistente e ofendido, mas não para outros 
 intervenientes processuais) é irrestrita, sobrepondo‑se designadamente às 
 limitações que possam decorrer da necessidade de preservação da reserva da vida 
 privada que mesmo no caso de processo público a lei contempla no artigo 86.º, 
 n.º 7, do CPP e de qualquer forma a Constituição da República protege.
 
             Aliás, mesmo que se estivesse perante um processo público, a que 
 fosse aplicável o disposto no n.º 6, alínea c), do artigo 86.º do CPP (referido 
 no despacho de fls. 10 155), na sequência do disposto no artigo 89.º, n.º 6, do 
 CPP, uma interpretação normativa deste artigo 86.º, n.º 6, alínea c), do CPP, no 
 sentido de ser permitida a todos os intervenientes processuais e não poder ser 
 recusada, antes do encerramento do inquérito, a consulta irrestrita de todos os 
 elementos do processo, neles incluindo dados relativos à reserva da vida 
 privada de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais sujeitos a 
 segredo profissional nos termos do RGISF e da LGT, juntos aos autos na sequência 
 de quebra do segredo nos termos do artigo 2.º do Lei n.º 5/2002, de 11 de 
 Janeiro, mas sem que tenho sido concluída a sua análise em termos de poder ser 
 apreciado o seu relevo e utilização como prova ou, pelo contrário, a sua 
 destruição ou devolução nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do CPP e do n.º 4 do 
 artigo 3.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, é violadora dos princípios 
 
 ínsitos nos artigos 20.º, n.º 3, 26.º, n.ºs 1 e 2, e 202.º da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
             Perante o exposto e a invocado omissão, requer‑se a aclaração do 
 despacho de fls. 10 155, no sentido de esclarecer qual a interpretação dada ao 
 referido preceito do artigo 89.º, n.º 6, do CPP, ao abrigo do qual foi requerida 
 o consulta dos elementos por parte dos arguidos.”
 
  
 
                         Este pedido foi indeferido por despacho judicial de 3 de 
 Junho de 2008, do seguinte teor:
 
  
 
             “A fls. 10 187 foi requerido pelo Ministério Público a aclaração do 
 despacho por nós proferido a fls. 10 155, nos termos do qual e na esteira do 
 douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, entendemos e declaramos que 
 os presentes autos se encontram públicos, pelo que todos os intervenientes 
 processuais poderão ter acesso à totalidade dos mesmos, sem quaisquer 
 restrições.
 
             Alega em suma que os elementos bancários e fiscais devem permanecer 
 em segredo de justiça e, por isso, não podem ser consultados, por motivos que 
 assentam no segredo bancário e fiscal estabelecido em legislação especial.
 
             Entendemos, salvo o devido respeito, que o despacho proferido é 
 suficientemente claro e, como tal, nada existe a aclarar, já que o pretendido 
 pela requerente mais não é do que nova decisão sobre a matéria que foi já 
 decidida.
 
             Acrescenta‑se apenas, por um lado, que o segredo de justiça, tal 
 como regulado nos artigos 86.º e seguintes do CPP, se apresenta em duas 
 vertentes, o interno e o externo.
 
             No caso vertente, pese embora o segredo externo se mantenha, face ao 
 preceituado no artigo 88.º do CPP, deixou de existir o segredo interno, atento o 
 que foi decidido pelo Tribunal da Relação.
 
             O que implica, como se decidiu no despacho ora questionado, o acesso 
 a todos os elementos de prova constantes do processo por todos os sujeitos 
 processuais, isto, sem embargo do dever de segredo de justiça a que os mesmos 
 ficam também sujeitos.
 
             Por outro lado, importa vincar que, a partir do momento em que os 
 elementos bancários e fiscais são juntos ao processo, a questão do sigilo 
 bancário e fiscal, tal como se perfila na legislação apontada, não se coloca, já 
 que o acesso a tais elementos e sua junção aos autos resulta precisamente da 
 circunstância de os mesmos não estarem abrangidos por tais sigilos, ou então, 
 os mesmos terem sido quebrados, tendo em conta o preceituado no artigo 135.º e 
 seguintes do CPP.
 
             É certo que o acesso por parte dos intervenientes processuais à 
 totalidade dos autos poderá contender com o sucesso da investigação e criar 
 alguns constrangimentos como os referidos.
 
             Todavia, os operadores judiciários têm que se conformar com estas 
 
 «vicissitudes» ou, caso entendam, interpor o competente recurso para as 
 instâncias adequadas.”
 
  
 
                         Veio então a referida magistrada do Ministério Público 
 interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra 
 o despacho de 26 de Maio de 2008, complementado pelo despacho de 3 de Junho de 
 
 2008, pretendendo ver apreciada “a inconstitucionalidade do conjunto normativo 
 formado pelos artigos 86.º, n.ºs 6 e 7, e 89.º, n.º 6, do Código de Processo 
 Penal, interpretado no sentido de ser permitida e não poder ser recusada, a 
 todos os intervenientes processuais, designadamente ao arguido, antes do 
 encerramento do inquérito a que foi aplicado o segredo de justiça, a consulta 
 irrestrita de todos os elementos do processo, neles incluindo dados relativos à 
 reserva da vida privada de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e 
 fiscais sujeitos a segredo profissional nos termos do Regime Geral dos 
 Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e da Lei Geral Tributária, 
 juntos aos autos na sequência de quebra do segredo nos termos do artigo 2.º da 
 Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, mas sem que tenha sido concluída a sua 
 análise em termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como meio de 
 prova ou, pelo contrário, a sua destruição ou devolução nos termos do n.º 7 do 
 artigo 86.º do CPP e do n.º 4 do artigo 3.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, 
 por violação dos princípios ínsitos nos artigos 2.º, 20.º, n.º 3, 26.º, n.ºs 1 e 
 
 2, e 202.º da Constituição da República Portuguesa”.
 
  
 
                         O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
 “1. O conjunto normativo formado pelos artigos 86.º, n.ºs 6 e 7, e 89.º, n.º 6, 
 do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de ser permitido e 
 não poder ser recusado, ao arguido, antes do encerramento do inquérito a que 
 foi aplicado o segredo de justiça, a consulta irrestrita de todos os elementos 
 do processo, neles incluindo dados relativos à reserva da vida privada de 
 outras pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais sujeitos a segredo 
 profissional, sem que tenha sido concluída a sua análise em termos de poder ser 
 apreciado o seu relevo e utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua 
 destruição ou devolução, nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do Código de 
 Processo Penal, e sem que se demonstre a sua imprescindibilidade para a defesa 
 do arguido, é inconstitucional porque violadora dos artigos 2.º, 20.º, n.º 3, 
 
 26.º, n.ºs 1 e 2, 32.º, n.º 2, e 202.º da Constituição.
 
             2. Essa inconstitucionalidade sai reforçada se atendermos às 
 particularidades do caso em que as normas foram aplicadas, já que, tendo 
 ocorrido a prorrogação do prazo para acesso aos autos por um determinado prazo, 
 ele é abruptamente encurtado na sequência de decisão da Relação que concedeu 
 provimento a recurso interposto por alguns arguidos daquela decisão de 
 prorrogação.
 
             3. Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
                         Os recorridos não apresentaram contra‑alegações.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. A regulação do segredo de justiça em processo penal 
 
 – quer na vertente interna, respeitando aos participantes processuais 
 directamente envolvidos na concreta relação processual, quer na vertente 
 externa, reportado à generalidade das pessoas, estranhas a essa relação 
 processual – convoca, com particular acuidade, “a tarefa de concordância 
 prática das finalidades, irremediavelmente conflituantes, apontadas ao processo 
 penal: a realização da justiça e a descoberta da verdade material, a protecção 
 perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento, tão 
 rápido quanto possível, da paz jurídica posta em causa pelo crime e a 
 consequente reafirmação da validade da norma violada” (Maria João Antunes, “O 
 segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de 
 coacção”, em Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, 
 pp. 1237‑1268).
 
                         Num processo penal constitucionalmente conformado, como 
 o português, “numa estrutura acusatória integrada pelo princípio da 
 investigação”, a necessidade de harmonização das apontadas finalidades 
 justifica soluções diferenciadas consoante as fases por que se desenrola o 
 processo, tendo em conta o diferente peso relativo que lhes deve ser atribuído 
 em cada uma delas, compreendendo‑se uma evolução em que o predomínio do 
 princípio do segredo sobre o princípio da publicidade, típico da fase 
 preliminar da investigação, vá gradualmente evoluindo para o predomínio do 
 princípio da publicidade, típico da fase da audiência de julgamento, “sem perder 
 de vista que em cada um destes momentos processuais vale sempre, mas com 
 intensidade diferente, o princípio da presunção de inocência até ao trânsito em 
 julgado da sentença de condenação”. “Assim – refere a mesma autora (estudo 
 citado, p. 1244), tendo por referência a redacção do Código de Processo Penal de 
 
 1987 emergente da revisão de 1998 –, o princípio da publicidade tem a sua 
 expansão máxima, é dizer as limitações mínimas, na fase de julgamento (artigos 
 
 206.º da Constituição da República Portuguesa – CRP – e 86.º, n.º 1, do CPP), 
 podendo concluir‑se pela derrogação deste princípio, embora com limites, na fase 
 de inquérito (artigos 20.º, n.º 3, da CRP, e 86.º, n.ºs 1 e 4, e 89.º, n.º 2, do 
 CPP)”, “[d]ependendo a maior ou menor publicidade da fase de instrução da 
 circunstância de ter sido (ou não) requerida apenas pelo arguido e de este não 
 declarar (ou declarar) que se opõe à publicidade (artigo 86.º, n.º 1, parte 
 final, do CPP)”.
 
                         Porém, nem num extremo nem no outro do iter processual, 
 o princípio dominante, seja ele o do segredo ou o da publicidade, tinha valor 
 absoluto. Se, tendo em conta as finalidades do julgamento, se justificava a 
 consagração do princípio da publicidade nessa fase, até porque nela o princípio 
 da presunção de inocência coexiste com uma acusação e um despacho de pronúncia, 
 no entanto, mesmo aí, tal princípio “sofre as limitações que sejam necessárias 
 para salvaguardar certos direitos das pessoas e para garantir a realização da 
 justiça e a descoberta da verdade material, por via do normal funcionamento dos 
 tribunais”: assim, por exemplo, a publicidade dos actos processuais que 
 integravam a fase do julgamento não abrangia os dados relativos à vida privada 
 que não constituíssem meios de prova (artigo 86.º, n.º 3); o juiz podia 
 restringir a livre assistência do público aos actos processuais ou determinar 
 que o acto, ou parte dele, decorresse com exclusão da publicidade, sempre que 
 tal fosse necessário para evitar a produção de grave dano à dignidade das 
 pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do acto (artigo 87.º, n.ºs 1 e 2), 
 sendo a exclusão da publicidade a regra nos processos por crime sexual que 
 tivessem por ofendido um menor de 16 anos (artigo 87.º, n.º 3).
 
                         Quanto à fase da instrução, a opção originária do CPP de 
 
 1987 de a subordinar, em regra, ao princípio do segredo (o processo só era 
 público a partir da decisão instrutória ou até ao momento em que a instrução já 
 não podia ser requerida – n.º 1 do artigo 86.º, na versão inicial), foi 
 atenuada, na revisão de 1998, com a permissão da publicidade do processo se a 
 instrução tivesse sido requerida apenas pelo arguido e este, no requerimento, 
 não declarasse que se opunha à publicidade. Tratando‑se de fase de controlo 
 judicial da decisão final tomada no inquérito, em que, por isso, a manutenção do 
 segredo já não era exigida por preocupações de eficácia da investigação, 
 entendeu‑se que, se a instrução tivesse sido requerida pelo assistente (ou pelo 
 assistente e pelo arguido), o que pressupunha que já fora proferida uma decisão 
 de não acusação (pelo menos parcial) do Ministério Público, a preservação do 
 princípio da presunção de inocência do arguido legitimava a continuação do 
 segredo; diversamente, se a instrução fosse requerida apenas pelo arguido, o que 
 pressupunha a dedução de uma acusação, compreender‑se‑ia que lhe fosse facultada 
 a opção entre a publicidade (se entendesse que ela propiciaria mais eficácia à 
 sua defesa, que compensasse a perda de privacidade) e a continuação do segredo 
 
 (se o juízo de ponderação levasse a resultado oposto).
 
                         Quanto à fase do inquérito, sempre foi entendimento que 
 nela se impunha a derrogação do princípio da publicidade, “importando salientar 
 que esta derrogação está até constitucionalmente legitimada, a partir das 
 alterações introduzidas pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, uma 
 vez que o artigo 20.º, n.º 3, da CRP passou a prever que «a lei define e 
 assegura a adequada protecção do segredo de justiça»”, como salienta Maria João 
 Antunes (estudo citado, p. 1244), que acrescenta:
 
  
 
             “Justifica‑se aquela derrogação tendo em conta que o inquérito 
 compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um 
 crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e 
 recolher as provas, em ordem à decisão sobre a submissão (ou não) da causa a 
 julgamento, sendo praticados os actos e assegurados os meios de prova 
 necessários à realização destas finalidades (artigos 262.º, n.º 1, e 267.º do 
 CPP); que esta é uma fase cuja abertura depende da mera aquisição da notícia do 
 crime (artigos 241.º e 262.º, n.º 2, do CPP); e tendo, ainda, em conta que é só 
 no momento do encerramento do inquérito que é feita uma avaliação no sentido de 
 saber se foram recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de 
 quem foi o seu agente, se foi recolhida prova bastante de se não ter verificado 
 crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente 
 inadmissível o procedimento ou se não foi possível obter indícios suficientes da 
 verificação do crime ou de quem foram os seus agentes (artigos 276.º, 277.º e 
 
 283.º do CPP). Numa palavra, esta é uma fase em que para a realização da justiça 
 e a descoberta da verdade material importa assegurar uma investigação da notícia 
 do crime que não corra o risco de ser perturbada, ou mesmo irremediavelmente 
 prejudicada, por factores exteriores à administração da justiça penal, ao mesmo 
 tempo que importa tutelar de forma efectiva a presunção de inocência do arguido, 
 o que é também uma forma de lhe garantir o direito ao bom nome e reputação 
 
 (artigos 26.º, n.º 1, da CRP e 180.º do Código Penal), numa fase processual onde 
 vale, por excelência, o mandamento constitucional de que todo o arguido se 
 presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (artigo 
 
 32.º, n.º 2, da CRP). No inquérito, o princípio da publicidade é derrogado por 
 ser outra a forma como se procede à concordância prática das finalidades 
 processuais conflituantes e por ser também outra a forma como se concretiza a 
 ponderação dos direitos conflituantes que engrossam o catálogo dos direitos dos 
 cidadãos que cabe ao processo penal salvaguardar. Uma outra forma que é ditada, 
 num caso, pelo êxito da investigação da notícia do crime, especialmente no que 
 diz respeito à aquisição e à conservação da prova e, noutro, por o princípio da 
 presunção de inocência do arguido valer em termos absolutos.”
 
  
 
                         Também Frederico de Lacerda da Costa Pinto (“Segredo de 
 justiça e acesso ao processo”, em Jornadas de Direito Processual Penal e 
 Direitos Fundamentais, Coimbra, 2004, pp. 67‑98), após demonstrar que a natureza 
 tendencialmente secreta da fase do inquérito e a natureza tendencialmente 
 pública da fase do julgamento se compreende em função dos propósitos e das 
 finalidades de cada uma dessas fases, salienta que “a vigência do segredo de 
 justiça nas fases preliminares do processo penal é plurisignificativa no plano 
 axiológico: trata‑se, por um lado, de um mecanismo destinado a garantir a 
 efectividade social do princípio da presunção de inocência do arguido, durante 
 fases processuais que ainda estão cronologicamente distantes do julgamento, 
 julgamento esse que pode, inclusivamente, nem vir a ter lugar por força dum 
 arquivamento do processo (artigo 277.º) ou duma não pronúncia (artigo 308.º, n.º 
 
 1, in fine); noutro plano, é uma forma de garantir condições de eficiência da 
 investigação e de preservação de possíveis meios de prova, quer a prova obtida 
 quer a eventual prova a obter; finalmente, como variante específica deste último 
 aspecto, o segredo de justiça pode assumir igualmente uma função de garantia 
 para pessoas que intervêm no processo – em particular as vítimas e as 
 testemunhas – que, de outra forma, poderiam ficar numa fase preliminar do 
 processo expostas a retaliações e vinganças de arguidos ou pessoas que lhes 
 sejam próximas”.
 
                         O carácter predominantemente secreto da fase do 
 inquérito não obstava, porém, como os citados autores sublinham e a 
 jurisprudência deste Tribunal proclamou, ao acesso do arguido aos elementos de 
 prova sempre que tal acesso se mostrasse necessário para a eficácia da defesa 
 dos seus direitos nessa fase, designadamente para contraditar – e, sendo caso, 
 impugnar – a necessidade da aplicação de medidas de coacção, nomeadamente a 
 sujeição a prisão preventiva. No Acórdão n.º 416/2003, retomando doutrina já 
 expressa no Acórdão n.º 121/97, teve‑se por constitucionalmente intolerável que 
 se considerasse sempre e em quaisquer circunstâncias interdito o acesso aos 
 elementos probatórios que foram determinantes para a imputação dos factos, para 
 a ordem de detenção e para a proposta de aplicação da medida de coacção de 
 prisão preventiva, com alegação de potencial prejuízo para a investigação, 
 protegida pelo segredo de justiça, sem que se procedesse, em concreto, a uma 
 análise do conteúdo desses elementos de prova e à ponderação, também em 
 concreto, entre, por um lado, o prejuízo que a sua revelação pudesse causar à 
 investigação e, por outro lado, o prejuízo que a sua ocultação pudesse causar à 
 defesa do arguido.
 
  
 
                         2.2. Foi neste quadro legal, jurisprudencial e doutrinal 
 
 (cf., ainda, Maria da Assunção A. Esteves, “A jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional relativa ao segredo de justiça”, em O Processo Penal em Revisão, 
 Lisboa, 1998, pp. 123‑131; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “O segredo de 
 justiça em processo penal”, em Estudos Comemorativos do 150.º Aniversário do 
 Tribunal da Boa‑Hora, Lisboa, 1995, pp. 223‑234; Paulo Dá Mesquita, “O segredo 
 do inquérito penal – Uma leitura jurídico‑constitucional”, Direito e Justiça, 
 ano XIV, tomo 2, 2000, pp. 47‑134; Germano Marques da Silva, “O segredo de 
 justiça – Perspectiva político‑jurídica da sua relevância no combate à 
 criminalidade, na garantia dos direitos dos cidadãos e no prestígio das 
 instituições judiciárias”, e Henrique Pavão, “O regime do segredo de justiça no 
 inquérito na sua vertente interna”, ambos em Conselho Superior da Magistratura, 
 Balanço da Reforma da Acção Executiva – Segredo de Justiça e Dever de Reserva, 
 Coimbra, 2005, pp. 75‑113 e 115‑128, respectivamente) que, no âmbito de uma 
 anunciada revisão do sistema processual penal, em que um dos aspectos a 
 reformular seria o relativo ao regime do segredo de justiça, se iniciaram os 
 trabalhos que haveriam de culminar na revisão do CPP operada pela Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto (cf. Agostinho Torres, “Segredo de justiça, sigilo 
 profissional e protecção das fontes de informação – Alguns aspectos de uma 
 perspectiva jurisdicional”, Polícia e Justiça – Revista do Instituto Superior de 
 Polícia Judiciária e Ciências Criminais, III Série, n.º 5, Janeiro‑Junho 2005, 
 pp. 215‑242; Jorge Ribeiro de Faria, “Publicidade e justiça criminal”, Revista 
 da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, ano IV, 2007, pp. 125‑153; 
 Mário Ferreira Monte, “O segredo de justiça: algumas questões postas a propósito 
 da anunciada alteração do seu regime”, e André Lamas Leite, “Segredo de justiça 
 interno, inquérito, arguido e seus direitos de defesa”, ambos publicados em 
 MaiaJurídica, ano IV, n.º 1, Janeiro‑Junho 2006, respectivamente a pp. 17‑34 e 
 
 35‑52, e o último publicado também em Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 
 ano 16, n.º 4, Outubro‑Dezembro 2006, pp. 539‑573; Maria Clara Oliveira, 
 
 “Segredo de justiça – o mal amado!”, e Manuel Simas Santos, “O segredo de 
 justiça”, ambos publicados em MaiaJurídica, ano IV, n.º 2, Julho‑Dezembro 2006, 
 respectivamente a pp. 77‑94 e 145‑154).
 
                         As referências iniciais ao âmbito da revisão do regime 
 de segredo de justiça e mesmo o Anteprojecto apresentado pela Unidade de Missão 
 para a Reforma Penal e a Proposta de Lei n.º 109/X estavam bem longe do alcance 
 que a reforma, neste ponto, acabou por assumir. Rui Pereira (“A crise do 
 processo penal”, Revista do Ministério Público, ano 25.º, n.º 97, Janeiro‑Março 
 
 2004, pp. 17‑30, em especial pp. 25‑26, e “A reforma do processo penal”, em II 
 Congresso de Processo Penal, Coimbra, 2006, pp. 225‑238, em especial pp. 
 
 232‑233) justificava a necessidade de revisão do segredo de justiça “de modo a 
 que se obtenha uma concordância prática entre a necessidade de preservar a 
 investigação e as garantias de defesa”, já que, face aos juízos de 
 inconstitucionalidade da completa denegação ao arguido do acesso aos autos, 
 inviabilizando a impugnação da prisão preventiva, era “desejável que o 
 legislador formule, no mínimo, um critério do qual se infira em que medida deve 
 ser concedido, caso a caso, o acesso aos autos em homenagem às garantias de 
 defesa”, acrescentando: “Sem pôr em causa a investigação, deve‑se restringir o 
 
 âmbito do segredo de justiça, tendo em conta que em determinados processos (por 
 exemplo, relativos a abuso de liberdade de imprensa) ou certos actos processuais 
 
 (acórdãos proferidos por tribunais superiores quanto a matéria de direito) ele 
 não se justifica”, “[e] tão‑pouco se justifica que o segredo se estenda para 
 além da acusação – na instrução, o processo deve tornar‑se público”.
 
                         Eram basicamente estes os propósitos enunciados, a este 
 respeito, na “Exposição de motivos” do referido Anteprojecto de Código de 
 Processo Penal apresentado, em Julho de 2006, pela Unidade de Missão para a 
 Reforma Penal, que estabelecia a regra de que “o processo está sujeito a segredo 
 de justiça até ao termo do prazo para requerer a abertura da instrução, excepto 
 se o Ministério Público determinar a sua publicidade” (n.º 2 do artigo 86.º), o 
 que poderia fazer, “em qualquer momento do inquérito, com a concordância do 
 arguido, quando entender que a cessação do segredo não prejudica a investigação 
 e os direitos dos participantes processuais ou das vítimas” (n.º 3 do artigo 
 
 86.º), continuando o processo “sujeito ao segredo de justiça até ao trânsito em 
 julgado da decisão instrutória, se o arguido declarar que se opõe à publicidade” 
 
 (n.º 4 do artigo 86.º). No que concerne ao “segredo interno”, o n.º 1 do artigo 
 
 89.º previa que “durante o inquérito, o arguido, o assistente, o ofendido, o 
 lesado e o responsável civil podem consultar, mediante requerimento, o processo 
 ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extractos, 
 cópias ou certidões, salvo quando o Ministério Público a isso se opuser, por 
 considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os 
 direitos dos participantes processuais ou das vítimas”.
 
                         A Proposta de Lei n.º 109/X (Diário da Assembleia da 
 República (DAR), II Série‑A, n.º 31, de 23 de Dezembro de 2006, pp. 6‑178) 
 mantinha o teor dos n.ºs 2, 3 e 4 (este agora sob o n.º 5) do artigo 86.º e do 
 n.º 1 do artigo 89.º do Anteprojecto, mas passava a prever no novo n.º 4 do 
 artigo 86.º que “no caso de o arguido requerer a publicidade mas o Ministério 
 Público não a determinar, os autos são remetidos ao juiz, que decide, por 
 despacho irrecorrível, depois de ouvir o ofendido, se o processo continua 
 sujeito a segredo de justiça ou se torna público”, e, no n.º 2 do artigo 89.º, 
 que “se o Ministério Público se opuser à consulta ou à obtenção dos elementos 
 previstos no número anterior, o requerimento é presente ao juiz, que decide por 
 despacho irrecorrível”.
 
                         As restantes iniciativas legislativas apresentadas no 
 
 âmbito da revisão do processo penal propunham soluções diversificadas, mas 
 nenhuma preconizava o estabelecimento, como regra, da publicidade do processo na 
 fase do inquérito. O Projecto de Lei n.º 237/X, do PSD (DAR, II Série‑A, n.º 
 
 100, de 6 de Abril de 2006, p. 13), previa que o processo, no caso de crimes 
 puníveis com pena de prisão superior a oito anos, era público apenas a partir do 
 encerramento do inquérito, excepto se fosse requerida a abertura de instrução e 
 o arguido declarasse que se opunha à publicidade (n.º 2 do artigo 86.º), regime 
 que seria extensível aos processos por crimes puníveis com pena de prisão 
 superior a três anos se o juiz, mediante requerimento da vítima, do arguido ou 
 do Ministério Público, assim o entendesse em despacho fundamentado (n.º 5 do 
 artigo 86.º); quanto ao segredo interno, o n.º 2 do artigo 89.º previa que, se 
 o Ministério Público ainda não houvesse deduzido acusação ou proferido despacho 
 de arquivamento do inquérito, o arguido, o assistente e as partes civis só 
 podiam ter acesso a auto que se encontrasse em segredo de justiça na parte 
 respeitante a declarações prestadas e a requerimentos e memoriais por eles 
 apresentados, bem como a diligências de prova a que pudessem assistir ou a 
 questões incidentais em que devessem intervir, podendo, nos termos do 
 subsequente n.º 3, o juiz, com a concordância do Ministério Público, do arguido 
 e do assistente, permitir que o arguido e o assistente tivessem acesso a todo o 
 auto. O Projecto de Lei n.º 368/X, do CDS‑PP (DAR, II Série‑A, n.º 52, de 9 de 
 Março de 2007, p. 17), mantinha a regra de que o processo só era público a 
 partir da decisão instrutória (ou do momento em que a instrução já não pudesse 
 ser requerida) ou, se a instrução fosse requerida apenas pelo arguido, se este, 
 no respectivo requerimento, não declarasse opor‑se à publicidade (artigo 86.º, 
 n.º 1), reproduzindo, nos n.ºs 2 e 3 do artigo 89.º, o teor dos correspondentes 
 preceitos do Projecto de Lei n.º 237/X. O Projecto de Lei n.º 369/X, do BE 
 
 (mesmo DAR, p. 34), fazia depender a publicidade do processo da natureza dos 
 crimes em causa: tratando‑se de crimes de natureza particular, o processo era 
 sempre público (artigo 86.º, n.º 1); tratando‑se de crimes de natureza 
 semi‑pública, o processo era público a partir do momento em que fosse deduzida a 
 acusação, podendo, no entanto, no decurso do inquérito, o juiz de instrução, 
 através de despacho fundamentado, ordenar o levantamento do segredo de 
 justiça, quando a publicidade do inquérito não interferisse com a investigação 
 em curso e desde que fossem assegurados todos os direitos do arguido e das 
 vítimas (artigo 86.º, n.º 2); tratando‑se de crimes públicos, o processo era 
 público apenas a partir do momento em que fosse deduzida a acusação. Por último, 
 o Projecto de Lei n.º 370/X, do PCP (mesmo DAR, p. 43) não propunha alterações 
 para o n.º 1 do artigo 86.º então vigente, mas nos n.ºs 2 e 4 do artigo 89.º 
 acolhia preceitos similares aos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 89.º do Projecto de Lei 
 n.º 237/X.
 
                         Foi só no decurso na discussão e votação, na 
 especialidade, dessas iniciativas legislativas, a cargo de um grupo de trabalho 
 constituído no seio da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, 
 Liberdades e Garantias, e especificamente na reunião final da Comissão, 
 realizada em 18 de Julho de 2007, que foram apresentadas as propostas de 
 alteração aos artigos 86.º e 89.º do CPP que acabariam por ser aprovadas, e que 
 representaram uma alteração radical – para a qual o relatório da referida 
 Comissão (DAR, II Série‑A, n.º 117, de 23 de Julho de 2007, p. 18) não fornece 
 qualquer indicação que permita compreender a sua justificação (Tendo sido 
 requerida a avocação pelo Plenário da votação, na especialidade, do artigo 86.º, 
 cf. a parte correspondente do debate, a pp. 51 a 54, e da votação, a p. 56, do 
 DAR, I Série, n.º 108, de 20 de Julho de 2007).
 
                         Como salienta Pedro Maria Godinho Vaz Patto (“O regime 
 do segredo de justiça no Código de Processo Penal revisto”, Revista do CEJ, n.º 
 
 9, 2008, pp. 43‑67, no prelo), a versão que veio a ser aprovada diferencia‑se 
 das constantes dos referidos Anteprojecto e Proposta de Lei:
 
  
 
             “A regra passa a ser a publicidade do processo mesmo na fase de 
 inquérito. A regra do carácter secreto do inquérito, consignada no artigo 86.º, 
 n.º 2, da Proposta de Lei e do Anteprojecto desapareceu. Esse carácter secreto 
 passa a ser a excepção. O Ministério Público pode afastar essa regra, mas, para 
 tal, carece da concordância do juiz de instrução. Estatui o n.º 3 do artigo 
 
 86.º: «Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da 
 investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode 
 determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de 
 justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no 
 prazo máximo de setenta e duas horas». Neste caso, o Ministério Público poderá 
 determinar, posteriormente e em qualquer momento do inquérito, o levantamento 
 do segredo de justiça, oficiosamente ou mediante requerimento do arguido, do 
 assistente ou do ofendido (n.º 4 do mesmo artigo). Esse levantamento também pode 
 ser decidido pelo juiz de instrução, mediante despacho irrecorrível, no caso de 
 o arguido, o assistente ou o ofendido o requererem mesmo contra a posição do 
 Ministério Público (n.º 5 do mesmo artigo). Assim, por um lado, passa a ser 
 possível, ao contrário do que decorreria do regime do Anteprojecto e da 
 Proposta de Lei, determinar a publicidade do processo na fase de inquérito 
 mesmo contra a vontade do arguido: se o Ministério Público não requerer a 
 sujeição do mesmo a segredo de justiça (não é essa a regra e pode entender que 
 os direitos dos sujeitos processuais não justificam o afastamento dessa regra) e 
 se o juiz não deferir o requerimento do arguido nesse sentido. Por outro lado, 
 também pode suceder (o que não sucederia no regime decorrente do Anteprojecto e 
 da Proposta de Lei) que o processo se mantenha público e não fique sujeito ao 
 regime de segredo de justiça contra a posição assumida pelo Ministério Público 
 e mesmo que não haja requerimento do arguido (ou também do assistente ou do 
 ofendido) nesse sentido. Tal sucederá se o juiz de instrução não validar a 
 decisão do Ministério Público de afastar a regra da publicidade, nos termos do 
 n.º 3 do referido artigo 86.º”
 
  
 
                         Tão drástica subversão da regra “natural” [na Exposição 
 de motivos da Proposta de Lei n.º 157/ VII, que esteve na base da revisão do 
 CPP de 1998, proclamou‑se: “o inquérito, em cujo âmbito se desenvolve a 
 investigação é, por natureza, inquisitório e secreto”] do carácter secreto do 
 inquérito, adoptada, sem explicitação das respectivas motivações, na última 
 reunião da Comissão que procedeu à votação na especialidade dos projectos 
 legislativos relativos à revisão do Código de Processo Penal, face a uma 
 proposta de alteração apresentada, pela primeira vez, nessa ocasião, não pode 
 ter deixado de causar as maiores perplexidades aos intérpretes e aplicadores do 
 direito (para além do citado artigo de Pedro Vaz Patto, cf. Paulo Pinto de 
 Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa, 2007, em especial 
 pp. 241‑246 e 253‑262; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II 
 vol., 4.ª edição, Lisboa, 2008, pp. 21‑42; Frederico de Lacerda da Costa Pinto, 
 
 “Publicidade e segredo na última revisão do Código de Processo Penal”, em 
 Estudos Comemorativos dos 10 Anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova 
 de Lisboa, vol. II, Lisboa, 2008, pp. 627‑664, a publicar também no referido n.º 
 
 9 da Revista do CEJ, no prelo; João G. A. Simas Santos, “Processo penal – 
 Segredo de justiça – Decisão do Ministério Público e validação pelo juiz de 
 instrução”, Revista do Ministério Público, ano 29, n.º 113, Janeiro‑Março 2008, 
 pp. 131‑144; Antonieta Borges, “Publicidade do processo penal e segredo de 
 justiça – Inquérito – Aplicação do n.º 6 do artigo 89.º do Código de Processo 
 Penal”, Revista do Ministério Público, ano 29, n.º 114, Abril‑Junho 2008, pp. 
 
 151‑177; acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Fevereiro de 2008, 
 P. 0747210, de 23 de Abril de 2008, P. 0841343, de 7 de Maio de 2008, P. 
 
 0811925, de 28 de Maio de 2008, P. 0842007, de 4 de Junho de 2008, P. 0813660, 
 de 11 de Junho de 2008, P. 0842068, e de 25 de Junho de 2008, P. 0812926, em 
 
 www.dgsi.pt/jtrp, e do Tribunal da Relação de Évora, de 27 de Dezembro de 2007, 
 P. 3209/07‑1, em www.dgsi.pt/jtre; e Centro de Estudos Sociais da Faculdade de 
 Economia da Universidade de Coimbra / Observatório Permanente da Justiça 
 Portuguesa, Monitorização da Reforma Penal – Primeiro Relatório Semestral, 30 de 
 Maio de 2008, pp. 39‑47).
 
  
 
                         2.3. A directa constitucionalização do dever de 
 protecção do segredo de justiça ocorreu na revisão constitucional de 1997, com 
 o aditamento ao artigo 20.º de um n.º 3, do seguinte teor: “A lei define e 
 assegura a adequada protecção do segredo de justiça” (sem prejuízo de, desde a 
 revisão de 1989, o n.º 1 do artigo 35.º prever como limite ao direito dos 
 cidadãos de tomar conhecimento dos dados constantes de ficheiros ou registos 
 informáticos a seu respeito o disposto na lei sobre segredo de Estado e segredo 
 de justiça, e o n.º 2 do artigo 268.º prever como limite ao direito de acesso 
 dos cidadãos aos arquivos e registos administrativos o disposto na lei em 
 matéria relativa à investigação criminal).
 
                         Esta inovação teve origem no Projecto de revisão 
 constitucional n.º 5/VII, apresentado pelo PSD (DAR, II Série‑A, Suplemento ao 
 n.º 27, de 7 de Março de 1996, pp. 484‑(44) a 484‑(60)), que preconizava a 
 inserção de um n.º 2 no artigo 20.º da CRP, do seguinte teor: “Todos têm 
 direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, à protecção do 
 segredo de justiça, ao patrocínio judiciário e a fazer‑se acompanhar de 
 advogado perante qualquer autoridade”. Como resulta claramente do debate 
 parlamentar, a autonomização da protecção do segredo de justiça no actual n.º 
 
 3, ficando no n.º 2 a consagração dos restantes direitos previstos naquele 
 projecto (direitos à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e 
 ao acompanhamento por advogado), visou primacialmente não reduzir a protecção do 
 segredo de justiça a uma perspectiva de defesa dos direitos dos cidadãos, 
 realçando‑se que tal protecção se justifica também por necessidade de assegurar 
 a eficiência da investigação criminal e do exercício da acção penal, no âmbito 
 da função fundamental do Estado de garantir os direitos e liberdades 
 fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático 
 
 (artigo 9.º, alínea b), da CRP). Visou‑se, assim, afastar uma concepção do 
 segredo de justiça que o visse apenas como “direito individual”, fazendo realçar 
 que o segredo “é relevante também para o Ministério Público e para a máquina 
 judicial” (Deputado José Magalhães, DAR, II Série‑RC, n.º 75, de 16 de Abril de 
 
 1997, p. 2176), que “o segredo de justiça é um valor estimável quer no âmbito da 
 protecção dos direitos pessoais quer no âmbito da protecção do próprio processo 
 de investigação e da actividade do Ministério Público” (Deputado Luís Sá, DAR 
 citado, p. 2176). Para além de não qualificar, “de forma monodimensional, o 
 segredo de justiça como um direito de parte”, mantendo‑se a sua 
 
 “pluridimensionalidade (…) e, portanto, o seu carácter expansivo em várias 
 dimensões”, a nova norma constitucional não pode ser lida como uma mera remissão 
 para a total liberdade de conformação da protecção do segredo de justiça pelo 
 legislador ordinário, antes a exigência da adequação dessa protecção encerra uma 
 impostergável injunção no sentido de que a intervenção legislativa satisfaça 
 as “quatro dimensões” da “adequação”: “uma protecção que tenha um nível de 
 protecção suficiente, apropriado, pertinente e, finalmente, eficaz” (Deputado 
 José Magalhães, DAR citado, p. 2177). No sentido de a consagração constitucional 
 da protecção adequada do segredo de justiça dever contemplar também a vertente 
 da protecção da investigação criminal, cf. ainda as intervenções dos Deputados 
 Odete Santos, Guilherme Silva e Luís Sá, no mesmo DAR, pp. 2179, 2180 e 2182.
 
                         A inserção da imposição de protecção do segredo de 
 justiça no artigo 20.º (e não, por exemplo, no artigo 32.º) justifica‑se por não 
 ser apenas no âmbito do processo penal que ele vigora, valendo também noutros 
 processos que reclamem a tutela da reserva da intimidade da vida privada e 
 familiar (v. g., em acções de investigação de paternidade), como referem Jorge 
 Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, 
 pp. 204‑205), o que, de qualquer forma, não pode fazer esquecer a peculiar 
 relevância que ele assume em processo criminal, tendo em vista “a protecção da 
 eficácia da investigação e da honra do arguido” (autores e local citados). 
 Trata‑se “de uma nova garantia institucional e não de um novo direito 
 fundamental, sem prejuízo da sua dupla justificação, subjectiva e objectiva” 
 
 (Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino, Constituição da República 
 Portuguesa Comentada, Lisboa, 2000, p. 102). “Ao constitucionalizar o segredo 
 de justiça, a Constituição ergue‑o à categoria de bem constitucional, o qual 
 poderá justificar o balanceamento com outros bens ou direitos ou, até, a 
 restrição dos mesmos (investigações jornalísticas de crimes, publicidade do 
 processo, direito ao conhecimento do processo por parte de interessados), mas 
 não deve servir para contradizer o exercício dos direitos de defesa (cf. Acórdão 
 do Tribunal Constitucional n.º 121/97)” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, vol. I, Coimbra, 2007, 
 p. 414).
 
                         Como sublinha Nuno Piçarra (O Inquérito Parlamentar e 
 os seus Modelos Constitucionais, Coimbra, 2004, p. 689), a elevação do segredo 
 de justiça “à categoria de bem constitucionalmente protegido acarreta, por um 
 lado, uma limitação da margem de livre conformação do legislador ordinário, que 
 deixa de poder suprimir tal segredo e fica vinculado a dar‑lhe um mínimo de 
 efectividade/operatividade. Por outro lado, os potenciais conflitos do segredo 
 de justiça com outros bens constitucionais dever‑se‑ão resolver, não 
 sacrificando o primeiro aos últimos, mas obtendo a máxima harmonização prática 
 possível entre eles”.
 
                         Apesar de caber ao legislador concretizar o âmbito e os 
 limites do segredo de justiça, resulta, porém, do n.º 3 do artigo 20.º da CRP, 
 que o há‑de fazer “através de uma ponderação (…) dos vários direitos e 
 interesses dignos de tutela e, potencialmente, conflituantes”, ponderação essa 
 
 “sujeita ao controlo da constitucionalidade” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, obra 
 e tomo citados, p. 205). 
 
  
 
                         2.4. É justamente o controlo da constitucionalidade, sob 
 o ponto de vista da adequação da ponderação subjacente, do critério normativo 
 seguido pela decisão ora recorrida que este Tribunal é chamado a efectuar.
 
                         No presente caso, como das precedentes considerações 
 resulta, não está em causa a apreciação de juízos de inconstitucionalidade com 
 alcance mais vasto, que a doutrina tem dirigido ao novo regime da publicidade do 
 inquérito.
 
                         Tal como resulta dos termos em que a questão de 
 constitucionalidade foi colocada perante o tribunal recorrido e por ele 
 decidida e veio a ser definida no requerimento de interposição de recurso, está 
 em causa a apreciação da conformidade constitucional de um critério normativo, 
 que radica no artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, e de acordo com o 
 qual “deve ser permitida e não poder ser recusada, a todos os intervenientes 
 processuais, designadamente ao arguido, antes do encerramento do inquérito a 
 que foi aplicado o segredo de justiça, a consulta irrestrita de todos os 
 elementos do processo, neles incluindo dados relativos à reserva da vida privada 
 de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais sujeitos a segredo 
 profissional nos termos do Regime Geral dos Instituições de Crédito e 
 Sociedades Financeiras e da Lei Geral Tributária, juntos aos autos na sequência 
 de quebra do segredo nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de 
 Janeiro, mas sem que tenha sido concluída a sua análise em termos de poder ser 
 apreciado o seu relevo e utilização como meio de prova ou, pelo contrário, a 
 sua destruição ou devolução nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do CPP e do n.º 4 
 do artigo 3.º da Lei n.º 5/2002”.
 
                         Procedendo à análise específica da norma do n.º 6 do 
 artigo 89.º do CPP, Frederico de Lacerda da Costa Pinto (“Publicidade e segredo 
 na última revisão do Código de Processo Penal”, citado, n.ºs 5 a 7 da parte IV), 
 começa por recordar que “a solução do artigo 89.º, n.º 6, foi construída [no 
 Anteprojecto e na Proposta de Lei] num contexto em que o Ministério Público 
 decidia unilateralmente e sem controlo judicial do acesso ao processo, que 
 ficaria em segredo de justiça enquanto o titular do inquérito não encerrasse 
 esta fase processual. Portanto, o regime foi pensado para evitar um 
 prolongamento excessivo do segredo de justiça dependente em todos os aspectos de 
 uma única entidade – o que significava para o arguido a manutenção desse 
 estatuto e para o assistente a ignorância do que estaria a ser feito, por força 
 do regime de acesso aos autos”. “Ora – prossegue –, o regime mudou radicalmente 
 com as alterações do Parlamento, pelo que a sua função estabilizadora dos 
 diversos interesses em potencial conflito se encontra agora perdida e em risco 
 de ser adulterada. No contexto da nova regulação do segredo de justiça e do 
 acesso aos autos, matéria sujeita a um intenso controlo judicial, o regime do 
 artigo 89.º, n.º 6, do CPP é razoavelmente desnecessário e gera mais problemas 
 do que aqueles que resolve, podendo facilmente ser convertido num instrumento 
 de boicote à investigação criminal. Por isso acho razoável insistir nas 
 alterações legislativas referidas [criação no artigo 276.º de um regime de 
 suspensão de contagem do prazo do inquérito quando estivessem em causa 
 diligências a executar por terceiros, que não o Ministério Público ou os órgãos 
 de polícia criminal, ou declaração da inaplicabilidade do regime à 
 criminalidade organizada, em especial aos crimes económico‑financeiros, à 
 corrupção e à criminalidade transnacional], ou mesmo ponderar a simples 
 eliminação do preceito por desnecessidade da solução que consagra, porque os 
 objectivos que visa são, no fundo, conseguidos pelos regimes de levantamento do 
 segredo e de acesso aos autos, com controlo judicial: artigos 86.º, n.º 5, e 
 
 89.º, n.ºs 1 e 2, do CPP”.
 
                    Encarando a situação criada com a formulação actual do regime 
 do segredo de justiça no inquérito, e especificamente da norma do n.º 6 do 
 artigo 89.º, o autor citado ensaia um esforço de interpretação conforme à 
 Constituição, sendo certo que, no seu entender, se tal for julgado inviável, se 
 impõe um juízo de inconstitucionalidade. Aduz, nesse sentido, o seguinte:
 
  
 
          “6. Resta saber se tal é possível por via do sistema hermenêutico, ou 
 seja, ponderando e articulando as situações carentes de uma solução específica 
 com elementos diversos do sistema legal, minimizar os inconvenientes do artigo 
 
 89.º, n.º 6, do CPP. Estou em crer que a gravidade do problema e a necessidade 
 de tutelar a investigação criminal, como condição essencial do sistema 
 constitucional de administração da justiça, exigem uma solução praeter legem. 
 Ou uma intervenção legislativa específica que acautele devidamente os 
 interesses em causa, nos termos ou com os contornos atrás referidos, ou, 
 enquanto tal não existir, uma solução hermenêutica que permita atingir tal 
 resultado.
 
          Os pontos de apoio para o efeito podem residir no regime de 
 fundamentação e revelação de elementos na aplicação de medidas de coacção e no 
 regime geral de quebra do segredo de justiça durante o inquérito. O dever de 
 enunciar os indícios probatórios no despacho judicial de aplicação de medidas 
 de coacção, dando‑os a conhecer ao arguido, tem limites, pois só tem de ser 
 cumprido (artigo 194.º, n.º 4, alínea b), n.º 5 e n.º 6) se não puser 
 gravemente em causa a investigação, se a sua revelação não impossibilitar a 
 descoberta da verdade ou se a sua revelação não criar perigo para a vida, 
 integridade física ou psíquica ou para a liberdade dos participantes 
 processuais ou vítimas do crime. Nestes casos, limita‑se o dever de fundamentar 
 probatoriamente o despacho judicial (artigo 194.º, n.º 4, alínea b), segunda 
 parte). Estando perante um limite ao dever de revelar elementos do processo 
 através da fundamentação do despacho e não perante uma excepção à 
 possibilidade de aplicar a medida de coacção, isso significa que o acto pode 
 continuar a ser praticado sem ter, em tais casos, de se revelar os elementos. 
 Esses elementos podem ser usados para decidir a aplicação da medida de coacção 
 mas não são comunicados ao arguido, não podem ser consultados, tais omissões 
 são legítimas e, por isso, não geram nulidade do despacho. Ora, se tal limite 
 existe mesmo quando está em causa a prática de um acto profundamente limitador 
 da liberdade do arguido, deveria valer igualmente quando existe a necessidade 
 de tutelar tais interesses sem que esteja em causa a aplicação de uma medida de 
 coacção. As próprias quebras de segredo interno durante a investigação não a 
 podem pôr em causa, como resulta expressamente do n.º 9 do artigo 86.º do CPP, 
 o que confirma o elevado interesse público em não pôr em causa a investigação 
 criminal.
 
          Em conclusão, numa leitura articulada materialmente com o interesse 
 público inerente à investigação criminal, o artigo 89.º, n.º 6, do CPP não pode 
 permitir o acesso automático aos autos sempre que tal possa pôr gravemente em 
 causa a investigação, se a sua revelação impossibilitar a descoberta da verdade 
 ou se a sua revelação criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica 
 ou para a liberdade dos participantes processuais ou vítimas do crime.
 
             Só cumpridas estas exigências se pode afirmar que se respeita o 
 disposto no artigo 20.º, n.º 3, da Constituição, de acordo com o qual «a lei 
 define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça». O segredo de 
 justiça não é um valor em si, tem antes uma vocação funcional: serve para 
 proteger a investigação e alguns interesses pessoais dignos de tutela nestas 
 fases preliminares (v. g. interesses dos arguidos, suspeitos, testemunhas, 
 vítimas). Uma norma processual que assegure os interesses dos arguidos no 
 acesso ao processo, mas desproteja a investigação, ao ponto de a poder pôr em 
 causa, é uma norma contrária às exigências do artigo 20.º, n.º 3, da CRP. […]
 
          Por isso, entendo que os aplicadores do Direito nesta matéria podem e 
 devem fazer uma interpretação do artigo 89.º, n.º 6, do CPP conforme a 
 Constituição (ao artigo 20.º, n.º 3, da Constituição), com vista a salvaguardar 
 as condições da investigação criminal e interesses particulares relevantes, 
 nos termos citados. O que pode realizar‑se com a aplicação analógica do limite 
 do artigo 194.º, n.º 4, alínea b), por maioria de razão, e do artigo 86.º, n.º 
 
 9, ambos do CPP, aos casos de quebra do segredo interno por decurso do prazo, 
 vedando‑se, por via judicial, o acesso dos particulares a elementos quando o seu 
 conhecimento possa pôr gravemente em causa a investigação, impossibilitar a 
 descoberta da verdade ou colocar em perigo as pessoas referidas no artigo 
 
 194.º, n.º 4, alínea b), do CPP. Solução que tem ainda o seu apoio no já citado 
 artigo 86.º, n.º 9, do CPP.
 
          Se assim não se entender, deve concluir‑se, para todos os efeitos 
 legais, que o artigo 89.º, n.º 6, do CPP é inconstitucional porque, ao criar um 
 regime de quebra automática do segredo interno num contexto em que o acesso ao 
 processo deixou de estar nas mãos do MP e passou a ser controlado pelo JIC 
 
 (artigo 89.º, n.ºs 1 e 2), põe em causa de forma grave e desnecessária a 
 investigação criminal, pelo que não garante uma adequada protecção ao segredo 
 de justiça, como exige o artigo 20.º, n.º 3, da Lei Fundamental.”
 
  
 
                         No presente caso, a decisão recorrida não adoptou a 
 
 “interpretação conforme à Constituição” preconizada no estudo acabado de citar, 
 antes adoptou como critério normativo – que este Tribunal tem de considerar como 
 um dado da questão de constitucionalidade – o de que, findos os prazos previstos 
 no artigo 276.º e os das prorrogações previstas no n.º 6 do artigo 89.º, o 
 arguido tem acesso irrestrito a todos os elementos constantes do inquérito, 
 independentemente da sua natureza.
 
                         Do que se trata é, pois, de apreciar se o apontado 
 critério normativo satisfaz o requisito da adequação, constitucionalmente 
 exigida pelo n.º 3 do artigo 20.º da CRP, da protecção do segredo de justiça, 
 tendo presente que, no presente caso, tal como a questão de constitucionalidade 
 foi definida, dos valores constitucionais de que este instituto é instrumento, 
 apenas está em causa a protecção de direitos de outras pessoas, diferentes do 
 requerente do acesso aos autos.
 
                         A resposta – adiante‑se desde já – é negativa.
 
                         Não se nega que subjacente ao regime do n.º 6 do artigo 
 
 89.º do CPP está a preocupação compreensível de proteger os arguidos (e outros 
 intervenientes processuais) de demoras excessivas na conclusão dos inquéritos, 
 mas também não se pode ignorar que, muitas vezes, especialmente na criminalidade 
 económica, a rápida conclusão do inquérito não depende exclusivamente da 
 diligência do seu titular, o Ministério Público, por tal implicar a actividade 
 de terceiras entidades (relatórios periciais, cartas rogatórias para outros 
 países, etc.).
 
                         Acresce que, no presente caso, não está em causa o 
 acesso do arguido a elementos constantes do processo que sejam necessários para 
 a adequada defesa dos seus direitos, designadamente para contrariar ou impugnar 
 a aplicação de medidas de coacção, hipótese em que a jurisprudência deste 
 Tribunal tem considerado não ser oponível o segredo de justiça, mesmo durante o 
 decurso normal do prazo do inquérito (o que obteve consagração nos n.ºs 1 e 2 do 
 artigo 89.º e no n.º 4, alínea d), do artigo 141.º do CPP). Aliás, como se 
 documenta na alegação do Ministério Público, os arguidos têm proficuamente 
 exercitado o seu direito de impugnação de decisões que consideraram ter afectado 
 os seus direitos, como a decisão que indeferiu arguição de nulidade do mandado 
 de detenção, das decisões que decretaram e mantiveram a prisão preventiva e da 
 decisão que indeferiu arguição de nulidade de determinadas apreensões. O que 
 agora está em causa é a possibilidade de conhecimento do que consta da 
 globalidade do inquérito, pelo que o mero diferimento desse acesso para momento 
 subsequente ao encerramento do inquérito se reveste de menor gravidade do que 
 eventual recusa de acesso especificamente direccionado e justificado pela 
 necessidade de defesa eficiente contra actos concretos que afectem a posição 
 processual do arguido.
 
                         O critério normativo adoptado na decisão recorrida 
 mostra‑se, assim, constitucionalmente inadequado na perspectiva da protecção de 
 outros valores constitucionais cobertos por outras formas de segredo e, 
 designadamente, da protecção da privacidade de terceiros, já que o sacrifício 
 
 (definitivo) deste valor não é necessário nem proporcionado para a tutela de 
 interesses do requerente de acesso, que podem ser alcançados, em termos 
 substantivos, em momento ulterior.
 
                         O Ministério Público limitou a recusa de acesso a 
 documentos constantes do inquérito contendo “dados relativos à reserva da vida 
 privada de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais sujeitos a 
 segredo profissional”, salientando não ter sido ainda concluída a sua análise em 
 termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova ou, pelo 
 contrário, a sua destruição ou devolução, nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do 
 CPP.
 
                         A decisão recorrida adoptou um critério que não protege 
 adequadamente os interesses de terceiros, consentindo a lesão da sua privacidade 
 decorrente da irrestrita concessão de acesso a todos os elementos do inquérito 
 aos arguidos que o requereram, justamente por ter partido de uma interpretação 
 segundo a qual, verificada a situação prevista no n.º 6 do artigo 89.º do CPP, o 
 acesso franco do arguido ao inquérito é irrecusável, sejam quais forem os riscos 
 de lesão de outros valores que daí resultem. Ora, importa não esquecer que, 
 sendo certo que a inclusão no inquérito de elementos cobertos por esses tipos de 
 segredo já pressupôs um juízo de admissibilidade da sua quebra em homenagem aos 
 interesses da investigação, não menos certo é que estão em jogo outros valores 
 constitucionalmente protegidos, ligados à reserva das pessoas em causa a que 
 esses segredos respeitam (sobre a relevância do segredo bancário para a defesa 
 da intimidade da vida privada, cf., por último, o Acórdão n.º 442/2007), que 
 nada justificará sejam sujeitos a devassa por parte dos restantes intervenientes 
 processuais sem que previamente seja emitido o juízo de relevância para a prova 
 previsto no n.º 7 do artigo 86.º do CPP.
 
                         Ora, é este critério normativo que, pelas razões 
 expostas, se considera não respeitar a adequação na protecção do segredo de 
 justiça que o artigo 20.º, n.º 3, da CRP impõe ao legislador.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, decide‑se:
 
                         a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, 
 n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do artigo 89.º, 
 n.º 6, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 
 de Agosto, segundo a qual é permitida e não pode ser recusada ao arguido, antes 
 do encerramento do inquérito a que foi aplicado o segredo de justiça, a 
 consulta irrestrita de todos os elementos do processo, neles incluindo dados 
 relativos à reserva da vida privada de outras pessoas, abrangendo elementos 
 bancários e fiscais sujeitos a segredo profissional, sem que tenha sido 
 concluída a sua análise em termos de poder ser apreciado o seu relevo e 
 utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua destruição ou devolução, nos 
 termos do n.º 7 do artigo 86.º do Código de Processo Penal; e, consequentemente,
 
                         b) Conceder provimento ao recurso, determinando a 
 reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
                         Sem custas.
 
                         Lisboa, 12 de Agosto de 2008.
 
                         Mário José de Araújo Torres 
 
                         João Cura Mariano
 
                         Joaquim de Sousa Ribeiro
 
                         Benjamim Silva Rodrigues (Vencido de acordo com a 
 declaração de voto que anexarei)
 
                         Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                         1 – Votei vencido, por não poder acompanhar a tese da 
 maioria que subscreveu o acórdão.
 
  
 
                         2 – O acórdão chegou à solução de inconstitucionalidade 
 do art.º 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 
 
 48/2007, por, em termos resumidos, entender que o preceito “não assegura a 
 adequada protecção do segredo de justiça”, violando, por este modo, o disposto 
 na segunda parte do n.º 3 do art.º 20.º da CRP.
 
                          Para assim concluir, o acórdão entendeu que, se era de 
 aceitar a quebra do segredo relativamente a documentos do processo constantes do 
 inquérito contendo “dados relativos à reserva da vida privada de outras pessoas, 
 abrangendo elementos bancários e fiscais sujeitos a segredo profissional”, “em 
 homenagem aos interesses da investigação”, “já nada justificará que esses 
 elementos sejam sujeitos a devassa por parte dos restantes intervenientes 
 processuais sem que previamente seja emitido o juízo de relevância para a prova 
 previsto no n.º 7 do art.º 86.º do CPP”.
 
  
 
                         3 – O acórdão censurou, deste jeito, o juízo de 
 proporcionalidade levado a cabo pelo legislador subjacente à opção 
 normativo-constitutiva constante do preceito, com base num seu diferente juízo 
 de proporcionalidade.
 
                         Ao dispor no n.º 3 do art.º 20.º que “a lei define e 
 assegura a adequada protecção do segredo de justiça”, a Constituição remeteu 
 para o legislador ordinário não só a definição dos diversos conteúdos do 
 segredo de justiça, como a previsão dos termos em que a protecção desses 
 conteúdos deve ser assegurada, apenas exigindo, quanto a tais termos, que eles 
 sejam adequados.
 
                         O diploma fundamental deixa, pois, para o legislador 
 ordinário a tarefa de construir o regime do segredo de justiça, tarefa esta de 
 que se desembaraçou nos art.ºs 86.º a 89.º do CPP, impondo-lhe apenas que, na 
 regulação das situações de confronto entre os diversos bens a tutelar 
 
 (liberdade, honra e bom nome do arguido, presunção de inocência do arguido, 
 garantia dos direitos de defesa do arguido, princípio do inquisitório ou da 
 investigação criminal, respeito pelos direitos de terceiro, verdade material, 
 celeridade processual), seja seguido o princípio da proporcionalidade.
 
                         A obediência a tal princípio seria, de resto, postulada 
 directamente pela própria natureza do segredo, enquanto garantia fundamental 
 institucional, funcionalizada para a salvaguarda de interesses prosseguidos 
 pelo “estatuto” da investigação criminal e reclamados pelo “estatuto” do 
 arguido.
 
                         No Acórdão n.º 634/93, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, o Tribunal Constitucional caracterizou o 
 princípio da proporcionalidade nos seguintes termos:
 
  
 
 «[...] o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: 
 princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e 
 garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins 
 visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente 
 protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser 
 exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros 
 meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa 
 medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas 
 excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»
 
  
 
                         E, debruçando-se sobre o sentido do princípio da 
 adequação, afirmou-se no Acórdão n.º 159/07, disponível no mesmo site:
 
  
 
             «O princípio da adequação ou idoneidade exige, pois, que as medidas 
 restritivas “sejam aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam 
 para o alcançar” (Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não 
 expressamente previstas na Constituição, Coimbra Editora, 2003, p. 731). De 
 acordo com este controlo de aptidão, devem apenas considerar-se inidóneas as 
 medidas restritivas cujos efeitos sejam “indiferentes, inócuos ou até 
 negativos, tomando como referência a aproximação do fim prosseguido com a 
 restrição” (obra citada, p. 738)».
 
  
 
                         Por seu lado, escreveu-se no Acórdão n.º 187/01, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt:
 
  
 
 «[…] não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – diversamente da 
 administração – […] uma “prerrogativa de avaliação”, como que um “crédito de 
 confiança”, na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas 
 entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela 
 resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução 
 dos objectivos visados com a medida […]. Tal prerrogativa da competência do 
 legislador na definição dos objectivos e nessa avaliação […] afigura-se 
 importante sobretudo em casos duvidosos, ou em que a relação medida-objectivo é 
 social ou economicamente complexa, e a objectividade dos juízos que se podem 
 fazer (ou suas hipotéticas alternativas) difícil de estabelecer.
 
             […] em casos destes, em princípio, o Tribunal não deve substituir 
 uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre o teor e 
 os efeitos das medidas, à que é efectuada pelo legislador, e que as 
 controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro 
 manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), o caso de as 
 medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser 
 resolvidas contra a posição do legislador.
 
             […] a própria averiguação jurisdicional da existência de uma 
 inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma 
 determinada norma, depende justamente de se poder detectar um erro manifesto de 
 apreciação da relação entre a medida e seus efeitos, pois aquém desse erro deve 
 deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e 
 economicamente complexa.»
 
  
 
                         Ora, foi uma atitude exactamente inversa a esta boa 
 doutrina, constantemente renovada pela jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, que a tese da maioria seguiu.
 
                         E fê-lo, a nosso ver, esquecendo ou esvaziando de 
 sentido diversos pressupostos legislativos em torno dos quais a solução 
 constitucionalmente agora censurada foi construída pelo legislador ordinário.
 
                         Antes de mais, importa dizer que se aceita que a opção 
 legislativa concretizada na norma possa não corresponder à melhor solução de 
 regulação dos bens que aqui se defrontam, especialmente quando esteja em causa a 
 investigação de determinados tipos de criminalidade, como sejam a económica ou a 
 fiscal, ou em que haja a necessidade de colaboração de entidades estrangeiras.
 
                         Mas esse é um problema que deve apoquentar apenas o 
 legislador ordinário e motivá-lo a alterar a lei, que não o juiz constitucional, 
 sendo que muita da doutrina citada no acórdão se situa nesse plano.
 
                         Por outro lado, admite-se, ainda, que o art.º 89.º, n.º 
 
 6, do CPP possa eventualmente ser entendido em termos mais restritos do que 
 aqueles que o acórdão recorrido sufragou, recorrendo-se, por exemplo, a uma 
 interpretação conjugada com o disposto no n.º 7 do art.º 86.º do CPP (que não 
 deixa de constituir também leit motiv da maioria), que possibilite a recusa de 
 acesso a determinados documentos com base em razões concretamente explicitadas 
 no despacho judicial, para salvaguarda de valores que se insiram no núcleo 
 essencial dos direitos fundamentais, sem que essa solução seja 
 constitucionalmente insolvente.
 
                         Mas também não é esse o problema que aqui está colocado. 
 Não cabe ao Tribunal Constitucional dizer qual é o melhor direito, mas apenas 
 se o direito dito como foi dito é não direito válido.
 
                         Ora, a tese da maioria esquece ou irreleva totalmente a 
 circunstância de a quebra do segredo prevista no art.º 89.º, n.º 6, do CPP, que 
 foi aplicada ao caso, dizer respeito apenas ao arguido, que não também a outros 
 intervenientes processuais, sendo certo que não pode aferir-se pelo mesmo 
 diapasão o interesse dos diversos intervenientes processuais na quebra do 
 segredo na fase do inquérito, já que os interesses do assistente e do ofendido 
 são, pelo menos no seu essencial, prosseguidos pelo Ministério Público. Estes 
 não estão, seguramente, do mesmo lado da relação jurídico-processual-penal em 
 que se situa o arguido.
 
                         A possibilidade do arguido “poder consultar todos os 
 elementos do processo que se encontre em segredo de justiça” abre-lhe, desde 
 logo, nesse momento, a possibilidade de poder contradizer ou esclarecer dados 
 dele constantes e assim contribuir para o mais rápido esclarecimento da situação 
 penal.
 
                         Ora, a celeridade da justiça é um bem constitucional que 
 deve ser eficazmente prosseguido.
 
                         Por outro lado, o princípio do contraditório, conquanto 
 emerja com diferentes intensidades nas diversas fases do processo conformadas 
 pelo mesmo legislador ordinário, não demanda que não possa ser exercido nas 
 situações em que o processo se tornou totalmente conhecido pelo arguido, nas 
 condições do art.º 89.º, n.º 6, do CPP, bem diferentes das recortadas nas 
 alíneas anteriores do mesmo artigo.
 
                         Não é indiferente e irrelevante a possibilidade de o 
 arguido contradizer e esclarecer hoje ou amanhã os dados mantidos secretos, 
 como é a tese da maioria. Contra isso vai o princípio da celeridade processual e 
 da justiça e os pressupostos que o justificam.
 
                         É ao legislador que cabe, em primeira linha, nos termos 
 do n.º 3 do art. 20.º da Constituição, fazer a ponderação dos bens que estão em 
 tensão no segredo de justiça direccionado para o arguido, maxime, o grau de 
 protecção que, no momento a que se refere o art.º 89.º, n.º 6, do CPP, deve ser 
 conferido ao interesse público da investigação criminal e a todas as garantias 
 de defesa do arguido (art.º 32.º, n.º 1, da CRP).
 
                         Mas a tese da maioria esqueceu, ainda, que a quebra do 
 segredo de justiça, em relação ao arguido, que é a dimensão que está em causa, 
 apenas ocorre depois de esgotados os prazos de duração máxima do inquérito 
 previstos no art.º 276.º do CPP, bem como a circunstância de o segredo poder 
 ser “adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado por 
 uma só vez” (art.º 89.º, n.º 6, do CPP).
 
                         Ora, ao eleger os prazos de duração máxima do inquérito, 
 com os quais conectou a existência do segredo de justiça, bem como ao prever a 
 possibilidade de extensão temporal desse segredo por tal período suplementar, o 
 legislador ordinário efectuou, dentro da sua discricionariedade constitutiva, 
 uma ponderação em abstracto dos bens ou valores conflituantes referidos no 
 acórdão, que importa ser respeitada, por não se afigurar ser desadequada à 
 harmonização prática, na medida do possível, daqueles valores, nesse momento do 
 processo tido por ele como suficiente para a investigação em segredo.
 
                         Com a solução ditada pelo acórdão, a maioria estendeu o 
 segredo de justiça por tempo indeterminado.
 
                         Enquanto não for concluída a análise dos elementos 
 
 “bancários e fiscais”, “em termos de poder ser apreciado o seu relevo e 
 utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua destruição ou devolução, nos 
 termos do art.º 86.º, n.º 7, do CPP”, o segredo relativo a esses elementos e 
 documentos mantém-se: no mínimo até à dedução da acusação e, no limite, até à 
 extinção por prescrição do procedimento criminal.
 
                         Ora, nada na Constituição impõe que o segredo tenha de 
 perdurar por todo o tempo que pode ter na prática a fase do inquérito, até 
 porque a definição do “tempo legal” foi deixada ao legislador ordinário.
 
                         Situando-se, de resto, a falta de conclusão da análise 
 dos elementos em causa na sede do titular da investigação criminal, não deixa de 
 ser absurdo que seja ele quem “tira proveito” da ineficiência ou ineficácia a 
 que o sistema porventura conduza.
 
                         Mas há mais.
 
                         A tese da maioria esquece que os elementos bancários e 
 fiscais que importa considerar, ainda que ligados à esfera privada de terceiros, 
 são apenas aqueles que possam constituir meios de prova (n.º 7 do art.º 86.º do 
 CPP).
 
                         Assim sendo, impõe-se que o titular da investigação 
 criminal nem sequer incorpore no processo, e os destrua ou devolva à pessoa a 
 que digam respeito, os elementos que não tenham aptidão para servir de meios de 
 prova.
 
                         Mesmo relativamente àqueles meios, a possível lesão da 
 intimidade da vida privada decorre, essencialmente, não directa e imediatamente, 
 da actividade processual do arguido (a sua consulta nos autos) mas da actividade 
 anterior de investigação.
 
                         Não se vê que interesses constitucionalmente protegidos, 
 realizada que foi determinada acção de investigação a coberto da prossecução 
 dos interesses da justiça criminal, imponham que continue a ser 
 constitucionalmente subtraída ao arguido, ainda no momento assinalado pelo art.º 
 
 89.º, n.º 6, do CPP, a possibilidade de logo os conhecer, dado que tal não deixa 
 de corresponder a uma simples antecipação, em caso de dedução de acusação.
 
                         Deste modo, a lesão justificativa da leitura feita pela 
 maioria limitar-se-ia, apenas, ao risco de serem conhecidos, além desses, 
 também os outros documentos que a acusação não revelará.
 
                         Mas estando esgotado o prazo de duração máxima do 
 inquérito e das prorrogações do segredo de justiça, ponderadas pelo legislador 
 como suficientes para realizar a investigação em segredo, afigura-se ser bem 
 mais relevante salvaguardar a opção do legislador que passou por atender 
 prevalentemente aos interesses do arguido e à possibilidade de logo exercer 
 todos os meios de defesa previstos na lei.
 
                         De resto, a possibilidade de consulta do arguido dos 
 elementos do processo não tolhe a investigação criminal de poder prosseguir.
 
                         O que acontece é, apenas, que essa investigação, quando 
 relativa aos elementos constantes do processo, passa a ser uma investigação 
 aberta logo à possibilidade de contraditório.
 
                         Por outro lado, não poderá esquecer-se que os direitos 
 cobertos pela reserva da vida privada, que estão em causa (elementos bancários e 
 fiscais), nem sequer integram o conteúdo essencial de qualquer direito 
 fundamental, demandando uma tutela constitucional mais enfraquecida, entendendo 
 o legislador ser ela merecedora de menor protecção que o acesso do arguido a 
 esses elementos, em nome de um direito constitucional de defesa.
 
                         Mas a tese da maioria irrelevou ainda um factor 
 verdadeiramente decisivo.
 
                         Referimo-nos ao facto de a consulta do processo, ao 
 abrigo do disposto no art.º 89.º, n.º 6, do CPP, não exonerar o arguido do dever 
 de manter o segredo de justiça relativamente aos elementos a que acedeu. O 
 arguido fica na mesma posição do titular do Ministério Público que prossegue a 
 investigação.
 
                         Ora, conquanto se possa convocar o facto de o titular do 
 Ministério Público estar inserido em uma organização institucional e sujeito a 
 uma hierarquia e disso poder funcionar como elemento dissuasor da quebra do 
 segredo, não vemos que tal constitua, então, razão suficiente para continuar a 
 fundamentar uma diferenciação no acesso ao conhecimento dos meios de prova 
 quando estes tenham implicado a quebra do segredo tutelador de direitos 
 abrangidos pela reserva da vida privada, dado o facto de, também, o arguido 
 estar abrangido pelo tipo legal de crime recortado no art.º 371.º do Código 
 Penal (violação de segredo de justiça).
 
                         A tese que fez vencimento consubstancia uma substituição 
 da ponderação levada a cabo pelo legislador ordinário, fora do âmbito essencial 
 do regime do segredo, porquanto relativa ao tempo da sua duração no que vai 
 para além dos prazos de duração máxima do inquérito e de um certo alongamento 
 desse prazo em algumas circunstâncias.
 
                         Nestes termos, a pretexto de garantir um conteúdo mínimo 
 ao segredo de justiça, a maioria acabou por conceder uma protecção máxima (de 
 tipo absoluto) ao princípio da investigação criminal, durante a fase do 
 inquérito, com detrimento da eficácia e eficiência da garantia constitucional de 
 que o processo criminal assegura (no tempo adequado) todas as garantias de 
 defesa ao arguido (art.º 32.º, n.º 1, da CRP), sendo que a solução agora 
 censurada encontra a sua razão de ser na opção do legislador ordinário pela 
 eficácia desta última garantia, decorridas que se mostram a duração máxima 
 legal do inquérito, definida na lei e dentro dos termos que lhe são 
 constitucionalmente permitidos, e ainda a prorrogação de tempo de segredo 
 prevista no preceito.
 
  
 
                         Benjamim Silva Rodrigues