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Processo n.º 390/06
 Plenário
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em 
 que são recorrentes o Ministério Público e a Fazenda Pública e recorrida A., foi 
 interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do 
 n.º1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 7 de Fevereiro de 2006.
 Foi determinado que o julgamento se fizesse com intervenção do plenário, ao 
 abrigo do n.º 1 do artigo 79.º-A da LTC.
 
  
 
 2. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, de 8 de Abril de 2002, 
 decidiu-se prosseguir com a reversão da execução fiscal contra a ora recorrida, 
 na qualidade de responsável subsidiária (fl. 29 dos autos), a qual foi citada, 
 nos termos dos artigos 246.º do Código de Processo Tributário e 23.º da Lei 
 Geral Tributária (fl. 30 dos autos).
 Deduzida oposição pela ora recorrida e admitidos os respectivos autos no 2.º 
 Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, foi proferido despacho no 
 sentido de “as partes alegarem o que tiverem por conveniente” sobre a questão de 
 saber se “a reversão pode efectivar-se por efeito de um mero acto 
 administrativo”, atendendo ao disposto nos artigos 2.º, 13.º, 111.º, 202.º e 
 
 212.º e 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). O 
 Ministério Público e a Fazenda Pública pronunciaram-se no sentido da 
 improcedência da questão de inconstitucionalidade.
 
  
 
 3. A sentença recorrida julgou procedente a oposição deduzida, anulando o 
 despacho de reversão em causa e extinguindo a execução contra a oponente, 
 decidindo a “questão prévia da inconstitucionalidade da reversão” do seguinte 
 modo:
 
  
 
 “1) A fl. 113 dos autos, suscitou-se a questão de, sabendo-se que a execução 
 decorreu de despacho do Chefe de Serviço de Finanças/Administração Tributária 
 
 (vd. fl. 29 dos autos), se apurar se a reversão de que a oponente foi objecto 
 pode efectivar-se por meio de um mero acto administrativo. Note-se que não se 
 suscitou qualquer questão quanto à constitucionalidade da responsabilidade 
 subsidiária dos gerentes e administradores, mas antes quanto à conformidade dos 
 preceitos que autorizaram a reversão por despacho do Chefe do Serviço de 
 Finanças (AT) com os princípios constitucionais que garantem: a separação de 
 poderes; a competência dos Tribunais; a tutela jurisdicional efectiva; o direito 
 de defesa; e a igualdade de tratamento (tendo presente, p. ex., no direito 
 privado, o regime aplicável em acções de responsabilidade, e, no direito 
 público, a competência judicial em casos como os do direito de regresso: vd., p. 
 ex., Ac. STA de 2/2/1995, Proc. 035151).
 Em causa estão os seguintes normativos constitucionais: os artigos 2.° (Estado 
 de Direito Democrático), 13.º (Igualdade de tratamento), 111.º (Separação de 
 poderes); 202.° e 212.° (Competência dos Tribunais), e 20.° e 268.°, n.° 4 
 
 (Tutela jurisdicional efectiva e direito de defesa).
 Como se trata de questão que ainda não tinha sido levantada nos autos, as partes 
 foram convidadas a alegarem o que tivessem por conveniente sobre a mesma (vd. 
 fl. 113 dos presentes autos).
 
 2) No caso dos autos, a reversão foi efectuada ao abrigo dos artigos 43.°, al. 
 g) (“Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a eles 
 respeitantes, salvo o que se dispõe no n.° 2 do artigo 237.°”), 239.°, n.° 2 [“o 
 chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de 
 qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do 
 devedor e seus sucessores; b) Insuficiência do património do devedor para a 
 satisfação da dívida exequenda e acrescido.”], 13.º (n.° 1: “os administradores, 
 gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de 
 administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são 
 subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por 
 todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu 
 cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa 
 ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a 
 satisfação dos créditos fiscais.”) e 246.° (n.° 1: “quando a execução reverta 
 contra responsáveis subsidiários, o chefe de repartição de finanças mandá-los-á 
 citar todos, depois de obtida informação no processo sobre as quantias por que 
 respondem.”), todos do CPT, e ainda ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1: “a 
 responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução 
 fiscal.”) da LGT (vd. fls. 29 dos autos).
 
 3) Pelas razões que em seguida se expõem, entendo que estes artigos são 
 inconstitucionais, ao permitirem que o Chefe da Repartição de Finanças decida da 
 reversão, o que configura clara violação da esfera reservada de competência 
 judicial, e, por sua vez, a violação: a) do princípio da separação de poderes 
 
 (art. 111.º CRP) e da competência dos Tribunais (art. 202.° e 212.° CRP); b) do 
 princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.° e 268.°, n.° 4, CRP) e do 
 direito de defesa (art. 20.° CRP); e c) do princípio da igualdade (art. 13.° 
 CRP).
 
 4) Tendo em consideração o regime legal donde deriva a competência do Chefe da 
 Repartição de Finanças para efectuar a reversão, verifica-se que, ao tempo do 
 CPCI, a competência do mesmo decorria do respectivo art. 16.° (se preenchidos os 
 requisitos constantes do art. 146.°), e que, no âmbito do CPT, a referida 
 competência decorria dos mencionados arts. 43.º, al. g), 239.°, n.° 2, 13.° e 
 
 246.°, n.° 1, do CPT, e art. 23.°, n.° 1, da LGT, que se consideram 
 inconstitucionais.
 
 5) Com efeito, consideram-se, desde logo, inconstitucionais, porque não parece 
 que se possa afirmar que a reversão pode efectivar-se por meio de mero acto 
 administrativo. Decorre, aliás, de diversa jurisprudência, o entendimento de que 
 o despacho de reversão tem a natureza de uma condenação no pagamento de um 
 montante por responsabilidade extra-contratual – neste sentido, vd., v.g., os 
 seguintes arestos: “1 - A responsabilidade subsidiária dos gerentes e 
 administradores das sociedades de responsabilidade limitada tem natureza 
 extra-contratual.” (Ac. TCAN de 31/3/2005, Proc. 00144/04); “Sendo as normas 
 delimitadoras da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes de 
 sociedades relativas a responsabilidade extracontratual não pode deixar de se 
 lhe aplicar a lei vigente no momento em que ocorre o facto gerador da 
 responsabilidade.” (Ac. STA de 27/4/2005, Proc. 0576/04); “I - A 
 responsabilidade subsidiária a que se refere o Dec-Lei 68/87 e o art. 78 do Cód. 
 Soc. Comerciais tem natureza delitual ou extracontratual.” (Ac. STA de 
 
 17/12/1997, Proc. 022075).
 
 6) Estamos, assim, perante uma situação que a doutrina administrativa 
 tradicional chamaria de usurpação de poder (vd., sobre este conceito, J. J. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 
 3.ª Ed. Revista, 1993, p. 792). Isto porque, ainda que o acto ora sindicado seja 
 autorizado por lei, fica claramente levantada a questão da conformidade dos 
 preceitos que autorizaram a reversão por despacho do Chefe do Serviço de 
 Finanças com os diversos princípios constitucionais que garantem: a) a separação 
 de poderes e a competência dos Tribunais; b) a tutela jurisdicional efectiva e o 
 direito de defesa; e c) a igualdade de tratamento.
 
 7) Por outro lado, não parecem existir dúvidas sobre a caracterização da 
 reversão como uma “ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do 
 processo” (José Alberto dos Reis). Assim sendo, este “incidente” deve ser 
 conhecido, em primeira linha, pelo órgão jurisdicional competente. A este 
 respeito, vd. o seguinte aresto: “como refere Jorge de Sousa, em anotação a este 
 artigo [art. 15l.° CPPT » art. 237.°, n.° 2, CPT], as matérias cujo conhecimento 
 
 é atribuído no n.° 1 deste artigo aos tribunais tributários são as que exigem 
 uma decisão de carácter jurisdicional. Assim, devem ser conhecidos pelo tribunal 
 os incidentes que exijam uma decisão de carácter jurisdicional, considerando-se 
 incidente, no dizer do Prof. José Alberto dos Reis, «uma ocorrência 
 extraordinária que perturba o movimento normal do processo».” (Ac. STA de 
 
 8/6/2005, Proc. 01244/04).
 
 8) O despacho de reversão ora em causa não configura, pois, uma simples entrada 
 de novos sujeitos processuais, já de si contrária ao princípio da estabilidade 
 da instância (vd. art. 268.° CPC), ele configura uma verdadeira acção de 
 condenação com base em responsabilidade extra-contratual (como nota Jorge Lopes 
 de Sousa, em CPPT Anotado, 4.ª Ed., 2003, p. 697, “a responsabilidade 
 subsidiária não visa apenas a defesa directa dos interesses patrimoniais da 
 administração tributária, mas tem ínsita uma ideia sancionatória”); o título 
 executivo inicial serve apenas para determinar o montante da responsabilidade. 
 Verifica-se, deste modo, que, por via da reversão, temos não só novos sujeitos, 
 como também novos fundamentos que alteram completamente a natureza da execução: 
 esta passa de execução com base em dívida tributária para uma execução com base 
 em responsabilidade extracontratual.
 
 9) Na aparente simplicidade do despacho de reversão, o Chefe de Serviço profere 
 uma condenação no pagamento de uma quantia determinada com fundamento em 
 responsabilidade extra-contratual. Ora, a apreciação desta responsabilidade 
 exige, pela sua natureza e pelas suas consequências, até para o cônjuge, uma 
 protecção judicial de 1.º grau. No mesmo sentido, vd. a fundamentação para um 
 caso relativo a custas, perfeitamente transponível para o processo sub judice: 
 
 “IV – A decisão condenatória ou absolutória em custas consubstancia em si mesma 
 uma «decisão jurisdicional» porque implica a determinação do respectivo 
 responsável e, eventualmente, a repartição dessa responsabilidade por uma 
 pluralidade de partes.” (Acórdão do Tribunal Constitucional de 6/6/1990, 
 Processo 88-0224).
 
 10) Conclui-se, assim, que a reversão constitui acto situado na esfera de 
 competência da função jurisdicional. Note-se, aliás, que o STA tem entendido, de 
 forma pacífica, que apenas é constitucionalmente admissível a atribuição à AT da 
 prática de actos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal – 
 assim, vd., p. ex.: “nos processos de execução fiscal, a administração fiscal 
 tributária apenas poderá praticar actos materialmente administrativos 
 estando-lhe vedada a prática de actos formal ou materialmente jurisdicionais, 
 tal como decorre do art. 103.° n.° 1 da LGT, pois «O processo de execução fiscal 
 tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração 
 Tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.», assim se revelando 
 clara a opção do legislador. Nestes processos, a intervenção da Administração 
 Tributária está, pois, confinada à participação na realização do seu escopo 
 judicial mas sem qualquer intervenção ou ingerência em sede de poder ou função 
 jurisdicional. Daí que, embora reconhecida à execução fiscal a natureza 
 judicial, o legislador da Lei Geral Tributária tenha sentido necessidade de 
 expressamente limitar a actividade da administração tributária aos actos que, 
 por natureza, não assumam ou revistam natureza de actos jurisdicionais.” (Ac. 
 STA de 26/1/2005, Proc. 01890/03).
 
 11) No mesmo sentido, vd., p. ex., o seguinte aresto: “I - O art. 103.° da LGT 
 atribui ao processo de execução fiscal natureza judicial, sem prejuízo da 
 participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham 
 natureza jurisdicional, sendo garantido aos interessados o direito de reclamação 
 para o Juiz de execução fiscal dos actos materialmente administrativos 
 praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número 
 anterior. II - Este normativo revela uma opção clara do legislador pela natureza 
 do processo de execução fiscal como processo judicial, como processo que decorre 
 debaixo de um apertado controlo de legalidade do tribunal e em que a intervenção 
 da administração tributária está conformada como de simples participação na 
 realização do seu escopo judicial.” (Ac. TCAS de 16/12/2004, Proc. 00370/04).
 
 12) A respeito do vício de usurpação de poder em que pode incorrer a AF, vd. o 
 seguinte aresto: “I - O vício de usurpação de poder «consiste na prática, por um 
 
 órgão da Administração, de acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou 
 judicial». Reconduz-se à violação do princípio da separação de poderes, 
 constituindo, no fundo, uma forma de incompetência agravada. [...]. O vício de 
 usurpação de poder «consiste na prática, por um órgão da Administração, de acto 
 incluído nas atribuições do poder legislativo ou judicial» (Freitas do Amaral, 
 in Direito Administrativo, vol. II, pág. 295). Reconduz-se à violação do 
 princípio da separação de poderes, constituindo, no fundo, uma forma de 
 incompetência agravada, O que está em causa, no caso sub judice, é a violação da 
 função jurisdicional, reservada aos tribunais (artigo 202.° da CRP). De acordo 
 com pacífica doutrina e jurisprudência, a função jurisdicional consiste «na 
 actividade da resolução, com imparcialidade, à luz do direito constituído, dos 
 conflitos de interesses ou litígios de natureza pública ou privada», enquanto 
 que a função administrativa consiste «na realização, pelo Estado, do interesse 
 de satisfação das necessidades colectivas através da prestação de bens e 
 serviços» (cfr., por todos, o Parecer do Conselho Consultivo da 
 Procuradoria-Geral da República n.° 12/92, de 30/3/92 e os acórdãos deste STA de 
 
 13/3/2003 e de 23/3/2003, proferidos nos recursos n.°s 35 590 (Pleno) e 1 
 
 280/02, respectivamente).” (Ac. STA de 29/4/2003, Proc. 043/03). Sobre o 
 referido vício, vd. ainda o Ac. STA de 3/6/2003 (Proc. 045851).
 
 13) Quanto à mencionada violação do direito de defesa, esta concretiza-se a 
 vários níveis, dado que à oponente são coarctadas possibilidades de defesa como 
 as de:
 
 α) Provocar a intervenção de terceiros responsáveis solidários, como se prevê 
 nos artigos 325.° e ss. do CPC, maxime art. 329.°;
 
 β) Discutir a concorrência de culpas (vd. art. 570.° Código Civil), nomeadamente 
 em casos em que a inércia da administração, deixando arrastar as diligências 
 necessárias para cobrança de dívidas ao devedor original, teve como consequência 
 facilitar o desaparecimento do património;
 
 γ) Indeferimento liminar (a respeito desta última possibilidade de defesa, 
 convirá salientar que a sua limitação afecta o direito à segurança e à paz 
 jurídica ínsito na sua noção de Estado de Direito, e que se traduz em o cidadão 
 não ser incomodado na sua vida jurídica por processos infundamentados ou mesmo 
 absurdos – o que só se consegue evitar pelo controlo judicial, em primeira 
 linha, através do indeferimento liminar das pretensões que sejam manifestamente 
 inviáveis).
 O indeferimento liminar é, recorde-se, um elemento de protecção dos cidadãos 
 pelo Juiz, que o defende da litigância persecutória e aleatória. Como se sabe, 
 todo o processo judicial implica, para o demandado, custos, ónus, riscos, 
 despesas, mesmo nos casos em que o demandante não tem quaisquer probabilidades 
 de sucesso – assim, o poder/dever do Juiz de indeferir liminarmente (vd. art. 
 
 234.°-A, n.° 1, CPC) constitui uma garantia de segurança e de paz jurídica para 
 o cidadão de que este só será chamado a responder em juízo em litígios 
 razoavelmente fundamentados. A reversão realizada por despacho administrativo 
 priva o cidadão desta garantia judicial de primeira linha.
 Não parece, por outro lado, que se possa afirmar que a possibilidade de dedução 
 de oposição à execução garante à oponente a defesa necessária e, portanto, um 
 satisfatório controlo judicial do acto ora em causa. Com efeito, haverá que 
 distinguir a exigência constitucional de uma primeira decisão jurisdicional – 
 dado que a reversão é um acto que exige um prévio controlo judicial da 
 legalidade –, da mera possibilidade, ex post, de recurso do acto administrativo 
 ora sindicado.
 
 14) Convirá ainda lembrar que a exigência constitucional da apreciação judicial 
 em primeira linha, abarca, naturalmente, casos como os da privação de liberdade, 
 e outros que impliquem violação ou privação de direitos, liberdades e garantias 
 pessoais (vd., p. ex., n.° 5 do art. 20.° da CRP), mas também outros casos em 
 que se configure a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos (vd. 
 n.° 1 do art. 20.° e n.° 4 do art. 268.º CRP).
 
 É certo que a garantia das vias de recurso (que podemos designar por protecção 
 judicial de 2.° grau) assegura aos cidadãos que os Tribunais terão a última 
 palavra a dizer sobre as decisões da Administração. Situações, há, porém, em que 
 a efectiva protecção jurídica e a importância dos direitos dos cidadãos em causa 
 exigem que não apenas a última decisão mas logo a primeira (a primeira palavra) 
 caiba ao Juiz (o que podemos designar por protecção judicial de primeiro grau) e 
 não à Administração. Não basta, nestes casos, a garantia geral da existência de 
 vias de recurso.
 A doutrina alemã utiliza, nesta matéria, o conceito de “Richtervorbehalt”, que 
 podemos traduzir por reserva de Juiz. Para além dos casos expressamente 
 previstos na Constituição, entende-se que o Juiz deve ser chamado a intervir em 
 primeiro lugar no interesse de uma protecção jurídica efectiva e para evitar o 
 risco de uma ausência de rectidão. Na formulação dada por Manfred Wolf, in 
 Gerichtsverfassungsrecht aller Verfahrenszweige, p. 5: “[...] é de reconhecer ao 
 Juiz a competência da primeira palavra, quando, no interesse de uma efectiva 
 protecção jurídica, devem ser evitados riscos quanto à rectidão 
 
 [Richtigkeitsrisiken] e, por isso, o Juiz que oferece garantias de rectidão 
 
 [Richtigkeitsgarantien] inerentes à «jurisdictio» deve ser chamado a intervir 
 tão cedo quanto possível.”
 
 15) Note-se, também, o reconhecimento daquela exigência em vários casos 
 particulares de densificação do conceito de Estado de Direito, como os casos do 
 sigilo bancário (art. 63.°-B, n.° 7, da LGT e art. 146.°-C do CPPT), ou das 
 providências cautelares de natureza judicial como o arresto (art. 159.° 
 CPT/138.° CPPT e art. 406.°, n.° 2, CPC) e o arrolamento (art. 162.° CPT/art. 
 l41.° CPPT e art. 424.° CPC).
 Repare-se, ainda, a respeito das acima referidas providências cautelares, que o 
 Juiz ordena, nesses casos, o arresto ou o arrolamento se, respectivamente, 
 entender que existe “uma probabilidade séria de que os patrimónios dos titulares 
 de bens que servem de garantia de cobrança de créditos tributários [...] 
 diminuam de valor a ponto de se tomarem insuficientes para cobrança de créditos 
 tributários” ou “se adquirir a convicção de que sem eles o interesse da Fazenda 
 Pública na conservação dos bens ou documentos corre sério risco (art. 423.°, n.° 
 
 2, do CPC)” (Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, 4.ª Ed., 2003, pp. 602 e 610, 
 respectivamente).
 Por maioria de razão, tem de reconhecer-se que a reversão, porque representa 
 algo muito mais grave do que as supra referidas providências, requer, em 1.º 
 grau, a intervenção do Juiz.
 
 16) Também no domínio do direito público, o exercício do direito de regresso do 
 Estado para exigir de um funcionário o pagamento de uma quantia – que o Estado 
 foi obrigado a pagar por culpa do funcionário – só pode ser exercido através dos 
 Tribunais.
 O Estado não pode, por acto administrativo, fazer funcionar o direito de 
 regresso contra o funcionário e emitir um título executivo contra ele. Necessita 
 obter a sua condenação em Tribunal. Lembrando o citado Ac. STA de 2/2/1995, 
 Proc. 035151: “O TAC é o competente para conhecer da execução de uma sentença 
 desse Tribunal, que condenou, em acção de regresso, um funcionário a pagar ao 
 Estado determinada quantia que este teve de liquidar aos lesados, conforme fora 
 condenado em anterior acção, em situação de responsabilidade civil 
 extracontratual decorrente de conduta do Réu ora executado, solidariamente com 
 ele.” As mesmas razões de Direito Constitucional se impõem no caso da 
 responsabilidade subsidiária dos gerentes.
 
 17) Como já se referiu, a participação do responsável subsidiário equivale a uma 
 alteração dos fundamentos da própria execução, pelo que o simples recurso à 
 oposição coloca-o numa situação de desvantagem, configurando, assim, uma clara 
 violação: a) do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.° e 268.°, 
 n.° 4, CRP) e do direito de defesa (art. 20.° CRP); e b) do princípio da 
 igualdade (art. 13.° CRP) de tratamento em sede de responsabilidade 
 extra-contratual.
 
 18) Note-se, por último, que a referida desvantagem é visível não só em matéria 
 de direito de defesa, como acima se indicou, mas também em matéria de igualdade 
 de tratamento, se se tiver em conta: a) no direito privado, o regime aplicável 
 em acções de responsabilidade; b) no direito público, a competência judicial 
 afirmada em casos como os do direito de regresso (como se verificou no Ac. STA 
 de 2/2/1995, Proc. 035151), e ainda em Acórdãos do Tribunal Constitucional 
 relativos a condenações em custas, de que já se fez menção.
 
 19) Verifica-se, pelo que ficou dito, que os arts. 43.º, al. g), 239.º, n.º 2, 
 
 13.º e 246.º n.° 1, do CPT, e art. 23.°, n.°1,da LGT – ao abrigo dos quais a 
 reversão foi proferida pelo chefe de Repartição de Finanças –, são 
 inconstitucionais por violação, pelas razões supra expostas, dos seguintes 
 artigos da Constituição: art. l3.° (princípio da igualdade), art. 111.º 
 
 (princípio da separação de poderes), artigos 202.° e 212.° (competência dos 
 Tribunais), artigos 20.° e 268.°, n.° 4 (princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva e direito de defesa), pelo que a sua aplicação deve ser recusada pelo 
 Juiz (vd. art. 204.° da CRP).
 Conclui-se, assim, que a reversão, dado que se fundamenta em disposições que 
 violam as normas constitucionais citadas, deve ser anulada (vd. art.3.º, n.° 3, 
 e art. 204.° da CRP)».
 
  
 
 4. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal 
 Constitucional, “porquanto [o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa], por 
 considerar inconstitucionais as normas contidas nos artºs 23º e 24º da Lei Geral 
 Tributária e 160º do Código de Procedimento e Processo Tributário anulou o 
 despacho de reversão proferido com a consequente extinção da execução fiscal, 
 deixando de conhecer o mérito da causa”. 
 A Fazenda Pública, “tendo sido notificada da douta sentença que recusou a 
 aplicação das normas dos artigos 43º alínea g), 239º, nº 2, 13º e 246º, nº 1 do 
 CPT, e artº 23º da LGT, por, alegadamente, violarem os artigos 13º, 111º, 202º, 
 
 212º, artigos 20º e 268º nº 4 da CRP”, interpôs recurso daquela decisão, ao 
 abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
  
 
 5. Notificado para alegar, o Ministério Público sustentou, para o que agora 
 releva, que:
 
  
 
 «O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da 
 decisão, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que recusou 
 aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, as normas que estabelecem o 
 regime procedimental da efectivação da responsabilidade subsidiária dos gerentes 
 e administradores de sociedades, mediante reversão, operada no domínio da 
 execução fiscal, em consequência de despacho do Chefe do Serviço de Finanças.
 Importa corrigir liminarmente um lapso manifesto do requerimento de fls. 140, no 
 que se refere à identificação dos preceitos legais que suportam a norma 
 desaplicada na decisão recorrida: na verdade, tal decisão, em termos obviamente 
 insindicáveis por este Tribunal Constitucional, considerou que seriam 
 aplicáveis, não os preceitos que regulam a figura da reversão no actual CPPT, 
 mas os que constavam do CPT (sendo, aliás, expressa tal decisão ao julgar 
 inconstitucionais os artigos 43°, alínea g), 239°, n° 2, 13° e 246°, n° 1, do 
 CPT, bem como o artigo 23°, n° 1, da LGT); deste modo, serão naturalmente tais 
 preceitos legais – para além do artigo 23° da LGT – que suportam a norma 
 consagradora do regime jurídico da reversão, em causa no presente processo (e 
 não a norma do artigo 160º do CPPT, como, por lapso, se refere no requerimento 
 de interposição do recurso do Ministério Público).
 Note-se que esta rectificação, que ora se requer, não colide com a definição 
 normativa do objecto do recurso, já que – no ponto em crise nos presentes autos 
 
 – o regime que constava do CPT e o que consta do CPPT é perfeitamente idêntico – 
 cabendo efectivamente à administração tributária verificar os pressupostos do 
 
 “direito de reversão” e determinar (administrativamente) a consequente 
 modificação da instância executiva, de modo a que esta passe a correr contra os 
 referidos administradores ou gerentes da sociedade que, originariamente, era 
 devedora ao fisco».
 
  
 
 6. Notificada para alegar, a Fazenda Pública concluiu que:
 
  
 
 «a) A instauração da execução pela Administração Fiscal não envolve um juízo de 
 exequibilidade do título ou sobre a verificação dos pressupostos da acção 
 executiva.
 b) O despacho que ordena a reversão contra o responsável subsidiário não é um 
 acto jurisdicional.
 c) Não viola os princípios do Estado de Direito Democrático, da igualdade, da 
 separação de poderes, da competência dos Tribunais e da tutela jurisdicional 
 efectiva e do direito de defesa o regime legal estabelecido da competência dos 
 serviços da Administração Fiscal para instaurar os processos de execução fiscal 
 e realizar os actos a eles respeitantes, entre os quais se encontra o chamamento 
 
 à execução dos responsáveis subsidiários».
 
  
 
 7. Notificada para alegar, a recorrida não respondeu.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. Atendendo ao teor do requerimento de interposição de recurso do Ministério 
 Público e à primeira parte das alegações produzidas (cf. pontos 4. e 5. do 
 Relatório), importa começar por decidir se podem ser dados como verificados os 
 pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto em obediência ao 
 consagrado no n.º 3 do artigo 72.º da LTC.
 Nos presentes autos, como a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de 
 Lisboa não recusou a aplicação de normas contidas nos artigos 23.º e 24.º da Lei 
 Geral Tributária e 160.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, não se 
 verifica o pressuposto da recusa de aplicação pelo tribunal recorrido, como 
 ratio decidendi, das normas cuja apreciação é requerida ao Tribunal 
 Constitucional (artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC). Uma vez que a norma cuja 
 aplicação foi recusada se reporta aos artigos 43.º, alínea g), 239.º, n.º 2, 
 
 13.º e 246.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário e 23.º da Lei Geral 
 Tributária, não pode conhecer-se do objecto do recurso interposto pelo 
 Ministério Público.
 
  
 
 2. Não competindo a este Tribunal sindicar a decisão que considerou aplicável o 
 Código de Processo Tributário e, nomeadamente, o artigo 13.º deste diploma, que 
 já então se encontrava revogado, cumpre apreciar e decidir, conhecendo do 
 objecto do recurso interposto pela Fazenda Pública, se os artigos 43.º, alínea 
 g), 239.º, n.º 2, 13.º e 246.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário e 23.º, 
 n.º 1, da Lei Geral Tributária, na parte em que permitem que, por despacho do 
 Chefe de Serviço de Finanças, se efective a reversão no processo de execução 
 fiscal contra responsáveis subsidiários por dívidas fiscais, violam os 
 princípios da igualdade (artigo 13.º da CRP), da separação de poderes (artigo 
 
 111.º da CRP), da competência dos tribunais (artigos 202.º e 212.º da CRP) e da 
 tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP) e o direito 
 de defesa (artigo 20.º da CRP).
 
 É a seguinte a redacção dos artigos do Código de Processo Tributário (CPT), 
 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, 
 
  
 
 «Artigo 13.º
 Responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas
 e sociedades de responsabilidade limitada
 
  
 
 1 – Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente 
 de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade 
 limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente 
 entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício 
 do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da 
 empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a 
 satisfação dos créditos fiscais.
 
 2 – A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros dos órgãos de 
 fiscalização e revisores oficiais de contas, nas sociedades em que os houver, 
 desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários das sociedades 
 resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização (Redacção dada pelo 
 artigo 52.º da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro; Revogado pelo artigo 2.º, n.º 
 
 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).
 
  
 Artigo 43.º
 Competência da administração fiscal
 
  
 Aos serviços da administração fiscal cabe:
 
 (…);
 g) Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a eles 
 respeitantes, salvo o que se dispõe no n.º 2 do artigo 237.º;
 
 (…).
 
  
 Artigo 239.º 
 Legitimidade dos executados
 
  
 
 1 – (…).
 
 2 – O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação 
 de qualquer das seguintes circunstâncias:
 
  
 a)        Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;
 b)        Insuficiência do património do devedor para a satisfação da dívida 
 exequenda e acrescido.
 
  
 Artigo 246.º 
 Reversão no caso de pluralidade de responsáveis subsidiários
 
  
 
 1 – Quando a execução reverta contra responsáveis subsidiários, o chefe da 
 repartição de finanças mandá-los-á citar todos, depois de obtida informação no 
 processo sobre as quantias por que respondem.
 
 (…)».
 
  
 Por seu turno, tem a seguinte redacção o artigo 23.º da Lei Geral Tributária 
 
 (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro:
 
  
 
                 «Artigo 23.º 
 Responsabilidade tributária subsidiária
 
  
 
 1 – A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de 
 execução fiscal.
 
 (…)».
 
  
 
 3. Segundo a decisão recorrida, os artigos 43.º, alínea g), 239.º, n.º 2, 13.º e 
 
 246.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário e 23.º, n.º 1, da Lei Geral 
 Tributária, na parte em que permitem que, por despacho do Chefe de Serviço de 
 Finanças, se efective a reversão no processo de execução fiscal contra 
 responsáveis subsidiários por dívidas fiscais, não respeitam os princípios 
 constitucionais da separação de poderes (artigo 111.º) e da competência dos 
 Tribunais (artigos 202.º e 212.º). Isto, porque “a reversão constitui acto 
 situado na esfera de competência da função jurisdicional”, uma vez que, “na 
 aparente simplicidade do despacho de reversão, o Chefe de Serviço profere uma 
 condenação no pagamento de uma quantia determinada com fundamento em 
 responsabilidade extra-contratual”. 
 A questão é, pois, a de saber se aquela norma viola ou não o princípio de que 
 compete aos tribunais o exercício da função jurisdicional e, consequentemente, a 
 proibição de tal função poder ser atribuída a outros órgãos.
 
  
 
 3.1. A norma que é objecto de apreciação insere-se num modelo de repartição de 
 competências entre os tribunais tributários e os serviços da administração 
 fiscal, no que se refere à cobrança coerciva realizada através do processo de 
 execução fiscal, regulado nos artigos 233.º e ss. do CPT e 103.º da LGT: ao 
 tribunal tributário de 1ª instância da área onde correr a execução compete 
 decidir os incidentes, os embargos, a oposição, a verificação e graduação de 
 créditos e a anulação da venda, bem como os recursos referidos no artigo 355.º, 
 para além de lhe competir conhecer de todas as questões relativas à legitimidade 
 dos responsáveis subsidiários, incluindo a culpa das pessoas referidas nos 
 artigos 12.º e 13.º (artigo 237.º, n.ºs 2 e 3, do CPT e 103.º, n.º 1, da LGT); 
 aos serviços da administração fiscal cabe, ressalvado o que se dispõe 
 expressamente quanto à competência do tribunal tributário, instaurar os 
 processos de execução fiscal e realizar os actos a eles respeitantes (artigo 
 
 43.º, alínea g), do CPT e 103.º, n.º 1, da LGT). 
 Sobre aquele modelo e, especificamente, sobre a conformidade constitucional das 
 normas que estabelecem a repartição de competências que o caracteriza, 
 nomeadamente à luz do consagrado no artigo 202.º (Função jurisdicional) da CRP, 
 pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 331/92 (Diário da 
 República, II Série, de 14 de Novembro de 1992) que:
 
  
 
 «Na realidade, ainda que se aceite que o processo de execução fiscal, tal como é 
 gizado no C.P.T., assumiu, como o epitetou o despacho recorrido, uma «natureza 
 administrativa», o que é certo é que nele se consagra que compete ao tribunal 
 tributário de 1ª instância (cfr. artigos 237º, números 2 e 3, e 355º) da área 
 onde correr a execução decidir os incidentes, embargos, oposição, verificação e 
 graduação de créditos, questões relativas à legitimidade dos responsáveis 
 subsidiários, incluindo a culpa dos titulares de estabelecimento individual de 
 responsabilidade limitada ou dos administradores, gerentes, pessoas que exerçam 
 funções de administração, membros dos órgãos de fiscalização e revisores 
 oficiais de contas das empresas e sociedades de responsabilidade limitada, e 
 recursos das decisões proferidas pelos chefes das repartições de finanças e 
 outras autoridades da administração fiscal que afectem os direitos e interesses 
 legítimos dos executados.
 Portanto, no novo ordenamento adjectivo tributário, diríamos, com Lima Guerreiro 
 e Dias Mateus (Código de Processo Tributário, 274), que a competência meramente 
 administrativa foi confiada às autoridades fiscais, sendo reservada aos 
 tribunais tributários a decisão de 'questões de julgamento nitidamente 
 jurisdicionais'.
 Dizem estes comentadores (loc. cit) que '[e]sta solução [a de ser confiada às 
 repartições de finanças a prática de funções administrativas e aos tribunais 
 tributários de 1ª instância a decisão de questões jurisdicionais] não contradiz 
 a competência atribuída pelo E.T.A.F. aos tribunais tributários de 1ª instância, 
 já que esta se exerce apenas nas questões jurisdicionais em caso de litígio 
 entre exequente e executado,...', pelo que, concluem eles, se restituiu 'a todos 
 os tribunais tributários de 1ª instância a sua verdadeira vocação - julgar' 
 
 (cfr. a anotação 6ª ao artº 237º e as anotações ao artº 355º do C.P.T. efectuada 
 por A. José de Sousa e José S. Paixão no cit. Código de Processo Tributário 
 Comentado e Anotado, pags. 436 e 723 e 724).
 Daí que se conclua que, tendo em atenção as funções que estão reservadas aos 
 tribunais tributários de 1ª instância pelo C. P.T., funções essas que, como é 
 claro, também serão desempenhadas pelos Tribunais Tributários de 1ª Instância de 
 Lisboa e Porto, a par de outras que também lhes compete exercer por força da 
 norma em apreço, não fica despojado o cerne ou núcleo essencial da missão que a 
 Constituição confiou aos órgãos de soberania tribunais, e agora por referência 
 aos dois aludidos tribunais tributários (cfr., sobre a função jurisdicional, 
 Jorge Miranda, A Constituição de 1976 - Formação, Estrutura e Princípios 
 Fundamentais, 476 e 479, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 2ª edição, 2º vol., 311 e 312, Afonso Queiró, 
 Lições de Direito Administrativo, 1976, 41 e segs. e A função administrativa, 
 estudo publicado na Revista de Direito e Estudos Sociais, XXIV ano, 31, 
 Castanheira Neves, O Instituto dos Assentos e a Função Jurídica dos Supremos 
 Tribunais, 435 e segs., Pierre Moor, Droit Administratif, vol. 1º, Berna, 1988, 
 
 4 e segs., Gomes Canotilho, ob. cit., 767 e segs., e Acórdãos deste Tribunal 
 números 71/84 - Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4º vol., 185 e segs., 72/82 
 
 - Diário da República, 2ª Série, de 10 de Janeiro de 1985, 104/85 - Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 5º vol., 633 e segs., 178/86 - Diário da República, 1ª 
 Série, de 23 de Junho de 1986, e 443/91 - Diário da República, 2ª Série, 
 Suplemento ao nº 78, de 2 de Abril de 1992)».
 
  
 Mais recentemente, no mesmo sentido, pode ler-se no Acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 80/2003 (Diário da República, II Série, de 21 de Março de 
 
 2003) que:
 
  
 
 «Como é consabido, o processo de execução fiscal não é mais do que um processo 
 cujo escopo jurídico é o de realizar coercivamente o direito de crédito de que 
 goza o credor tributário, em regra, antes constitutivamente verificado - na 
 acepção de estar corporizado em um título formal que expressa ou declara o valor 
 da dívida tributária - através de um acto administrativo-tributário, dotado de 
 imperatividade ou de autotutela jurídicas - o acto de liquidação - , fazendo-o 
 valer sem uma prévia verificação judicial da sua legalidade.
 Como processo que é, o processo de execução fiscal é constituído por uma série 
 encadeada de actos que estão funcionalmente orientados para atingir o seu fim 
 específico: o da cobrança da dívida tributária e o seu pagamento ao credor 
 tributário (…).
 No domínio do Código de Processo Tributário, a que se referem as normas cuja 
 constitucionalidade se questiona - sendo certo que já lhe sucedeu o Código de 
 Procedimento e de Processo Tributário, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 433/99, de 26 de Outubro, onde as questões poderão ser postas nos mesmos termos 
 
 - , o desenvolvimento e encadeamento desses actos constava dos artigos 233º e 
 ss..
 
 (…) a nossa lei fundamental não obriga a que todos os actos em que se desenrola 
 o processo de execução fiscal devam ser obrigatoriamente praticados pelo juiz, 
 pese embora a jurisprudência fiscal e, hoje, abertamente a Lei Geral Tributária 
 
 (art.º 103º n.º 1), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro 
 atribuam ao processo de execução fiscal 'natureza judicial'. 
 O que a Constituição da República garante (art.º 103.º, n.º 3) é que 'ninguém 
 pode ser obrigado a pagar impostos... cuja liquidação e cobrança se não façam 
 nos termos da lei', nela se compreendendo, evidentemente, tanto a cobrança 
 voluntária, como a coerciva. Os actos de cobrança têm, pois, de fazer-se a 
 coberto da lei.
 Mas dessa exigência constitucional não resulta que os actos que integram o 
 processo de execução fiscal hajam de ser sempre praticados por um juiz.
 Ao incluir-se este tipo de processo entre os processos de natureza judicial, 
 apenas se pretende afirmar que os conflitos de interesses que dentro dele se 
 suscitem – mesmo que sejam emergentes, não só da actuação das partes ou até de 
 terceiros no processo, como também de qualquer decisão que nele seja tomada pela 
 administração fiscal, relativamente aos actos para cuja prática a lei lhe 
 atribui competência –, serão sindicados, no próprio processo, sempre pelo juiz 
 tributário.
 Sendo assim, a prática dos actos do processo de execução fiscal, de natureza não 
 jurisdicional, bem pode ser confiada, segundo os próprios termos daquele art. 
 
 103.º, n.º 3 da Constituição à administração fiscal. Daí a razão de ser da 
 ressalva feita no referido art.º 103º, n.º 2 da Lei Geral Tributária [o processo 
 de execução fiscal tem natureza judicial,] sem prejuízo da participação dos 
 
 órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza 
 jurisdicional'. Daí também, igualmente, a salvaguarda estabelecida na segunda 
 parte da acima transcrita alínea g) do art.º 43º do CPT. 
 Na verdade, as matérias que este preceito ressalva não podem deixar, segundo a 
 concepção constitucional da função jurisdicional - que de seguida se precisará - 
 
 , de ser tidas, por natureza, como abarcadas por ela: a decisão dos incidentes 
 
 (como o da incompetência do tribunal); dos embargos de terceiro; da oposição à 
 execução; da verificação e graduação de créditos (pelo menos quando contestada, 
 já que se poderá discutir essa sua qualificação quando inexistir qualquer 
 controvérsia sobre a sua existência e a ordem da sua chamada para pagamento); da 
 anulação da venda e dos recursos das decisões proferidas pelo chefe de 
 repartição de finanças e outras autoridades da administração fiscal que afectem 
 os direitos e interesses legítimos do executado (ou de outros interessados no 
 processo)».
 
  
 
 3.2. Nos presentes autos o que importa, então, decidir é se o despacho do Chefe 
 de Serviço de Finanças que reverte a execução fiscal contra responsáveis 
 subsidiários por dívidas fiscais – um dos actos respeitante ao processo de 
 execução fiscal que a lei não inclui expressamente na competência do tribunal 
 tributário (artigo 237.º, n.º 2, do CPT) – tem ou não natureza jurisdicional.
 O Tribunal Constitucional já se pronunciou, nos Acórdãos n.ºs 152/2002 (Diário 
 da República, II Série, de 31 de Maio de 2002) e 80/2003, pela conformidade 
 constitucional das normas que atribuem aos serviços da administração fiscal 
 competência para instaurar o processo de execução fiscal mediante despacho a 
 lavrar no ou nos respectivos títulos executivos, para efectuar o respectivo 
 registo e para ordenar a citação do executado (artigo 272.º, n.º 1, do CPT), 
 tendo em conta o consagrado nos artigos 111.º (Separação e interdependência), 
 
 202.º (Função jurisdicional) e 212.º (Tribunais Administrativos e Fiscais) da 
 CRP.  
 Decidiu no sentido da não inconstitucionalidade das normas que atribuem àqueles 
 serviços competência para a prática daqueles actos, a partir do critério de 
 distinção entre função jurisdicional e função administrativa que este Tribunal 
 tem seguido de forma reiterada. Sobre este critério, é de reter a seguinte 
 passagem do Acórdão n.º 80/2003:
 
  
 
 “A problemática da definição da função jurisdicional e do seu confronto com as 
 restantes funções do Estado - mas mormente da função administrativa - tem sido, 
 por referência a tais preceitos, objecto de uma larga discussão, quer na 
 doutrina, quer na jurisprudência.
 Na doutrina, A. Rodrigues Queiró procurou distingui-las a partir de um critério 
 teleológico. Segundo escreveu, «essencial, para que se fale de um acto 
 jurisdicional, parece-nos ser, para já, que um agente estadual tenha que 
 resolver de acordo com o direito 'uma questão jurídica', entendendo-se por tal 
 um conflito de pretensões entre duas ou mais pessoas, ou uma controvérsia sobre 
 a verificação em concreto de uma ofensa ou violação da ordem jurídica'.
 E noutro passo precisava: «Ao cabo e ao resto, o quid specificum do acto 
 jurisdicional reside em que ele não pressupõe, mas é necessariamente praticado 
 para resolver uma questão de direito. Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de 
 uma decisão de facto traduzida numa «questão de direito» (na violação do direito 
 objectivo ou na ofensa de um direito subjectivo), se actua por força da lei, 
 para se conseguir a produção de um resultado prático diferente da paz jurídica 
 decorrente da resolução dessa «questão de direito», então não estaremos perante 
 um acto jurisdicional: estaremos, sim, perante um acto administrativo (cfr. 
 Lições de Direito Administrativo, vol. I, 1976, pp. 43, 44 e 51, e «A Função 
 Administrativa», Separata da Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIV (n.ºs 
 
 1, 2 e 3), Coimbra, 1977, pp. 30-31).
 O critério teleológico é igualmente o seguido por R. Ehrhardt Soares quando 
 afirma que, na actividade administrativa, a resolução do conflito de interesses 
 
 (da «questão de direito») é orientada por uma perspectiva de interesse público - 
 justamente, do interesse público específico que a norma expressa.
 Também este Tribunal Constitucional tem uma abundante jurisprudência sobre o 
 conceito da função jurisdicional e da função administrativa (cfr., entre muitos, 
 e só no tomo 31º dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, os Acórdãos n.os 
 
 225/95, 226/95, 269/95, 375/95).
 Assim, no Acórdão n.º 452/95 (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31º vol, 
 pp. 181), que teve de se pronunciar sobre um dos casos de zona de fronteira, 
 acentuou-se:
 
 «A função jurisdicional consubstancia-se, assim, numa 'composição de conflitos 
 de interesses', levada a cabo por um órgão independente e imparcial, de harmonia 
 com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo como fim específico a 
 realização do direito e da justiça (cfr. o Acórdão deste Tribunal n.º 182/90, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Setembro de 1990). Aquela 
 função estadual diz respeito a matérias em relação às quais os tribunais têm de 
 ter não apenas a última palavra, mas logo a primeira palavra (cfr. Acórdãos 
 deste Tribunal n.os 98/88 e 211/90, o primeiro publicado no Diário da República, 
 II Série, de 22 de Agosto de 1988, e o segundo nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 16º vol., pp. 575 e ss.). A função administrativa é, ao invés, 
 uma actividade que, partindo de uma situação de facto traduzida numa 'questão de 
 direito', visa a prossecução do interesse público que a lei põe a cargo da 
 administração e não a paz jurídica que decorre da resolução dessa questão. Daí 
 que, na actividade administrativa, a primeira palavra deva caber à 
 administração, cabendo aos tribunais a última e definitiva palavra, de acordo 
 com a garantia constitucional do recurso contencioso, condensada no art.º 268.º, 
 n.º 4, da Lei Fundamental».
 Mas outras formulações poderão ser colhidas na jurisprudência deste Tribunal. 
 Assim, no Acórdão n.º 104/85, publicado no Diário da República, II Série, de 2 
 de Agosto, de 1985, afirmou-se:
 
 «A separação real entre a função jurisdicional e a função administrativa passa 
 pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios em que 
 os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na 
 presença de interesses alheios, realiza o interesse público. Na primeira 
 hipótese a decisão situa-se num plano distinto do dos interesses em conflito. Na 
 segunda hipótese verifica-se uma osmose entre o caso resolvido e o interesse 
 público”.
 
  
 
 3.3. Reiterando o entendimento de que a função jurisdicional se consubstancia 
 numa composição de conflitos de interesses, levada a cabo por um órgão 
 independente e imparcial, de harmonia com a lei ou com critérios por ela 
 definidos, tendo como fim específico a realização do direito e da justiça, é de 
 concluir que o poder que os artigos 13.º, 43.º, alínea g), 239.º, nº 2, 246.º, 
 nº 1, do CPT e 23.º da LGT conferem ao Chefe de Serviço de Finanças para 
 reverter o processo de execução fiscal contra responsáveis subsidiários por 
 dívidas fiscais não se traduz no exercício da função jurisdicional.
 Com efeito, no despacho através do qual é revertida a execução fiscal contra 
 tais responsáveis não se vislumbra uma qualquer composição de interesses 
 conflituantes, uma qualquer resolução de um conflito que oponha o credor 
 tributário (ou o contribuinte directo) àquele que é chamado à execução, que 
 tenha como fim específico a realização do direito e da justiça. O que ocorre é 
 uma ampliação do âmbito subjectivo da execução, por força de lei (artigos 13.º e 
 
 239.º, n.º 2, do CPT e 24.º da LGT), relativamente a alguém que também é sujeito 
 passivo da relação tributária, vinculado ao cumprimento da prestação tributária 
 
 (artigo 18.º, n.º 3, da LGT), se não houver bens penhoráveis do devedor e seus 
 sucessores ou se o património do devedor for insuficiente para a satisfação da 
 dívida exequenda e acrescido. 
 Apesar de a execução fiscal reverter contra pessoa distinta da que figura no 
 título executivo como devedor e de relativamente a ela não ocorrerem os 
 pressupostos do facto tributário, mas sim os pressupostos da responsabilidade 
 
 (sobre isto, cf. Ana Paula Dourado, “Substituição e responsabilidade 
 tributária”, Ciência e Técnica Fiscal, 1998, 391, p. 50 e ss.), estamos perante 
 um acto respeitante ao processo de execução fiscal que visa, exclusivamente, a 
 prossecução do interesse público da “defesa patrimonial do Fisco”. De resto, a 
 extensão da obrigação de cumprimento da prestação tributária, a pessoas diversas 
 do contribuinte directo, tem em vista “reforçar a garantia do cumprimento da 
 obrigação fiscal em certos casos em que é ou pode tornar-se problemático ou 
 impossível fazer àquele [ao contribuinte directo] a sua cobrança”, 
 independentemente de também lhe poder ser associada uma ideia sancionatória 
 
 (Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, Almedina, 1972, p. 299 e s. O autor 
 afirma, mesmo, que o responsável subsidiário se encontra “em regra na posição 
 como que de um fiador legal”, p. 301).
 Não obstante a circunstância de não haver no acto em causa qualquer composição 
 de interesses conflituantes – diferentemente da situação apreciada no Acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 182/90, Diário da República, II Série, de 11 de 
 Setembro de 1990, citado pela decisão recorrida – ser, por si só, significativa 
 de que o Chefe de Serviço de Finanças não “profere uma condenação no pagamento 
 de uma quantia determinada com fundamento em responsabilidade extra contratual”, 
 sempre se acrescentará que é demonstrativa disso mesmo a possibilidade de 
 deduzir oposição (cf. infra ponto 4.). Caso em que terá lugar, então sim, uma 
 composição de conflitos de interesses, levada a cabo por um órgão independente e 
 imparcial, de harmonia com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo como 
 fim específico a realização do direito e da justiça (cf. artigo 237.º, n.ºs 2 e 
 
 3, do CPT).
 
  
 
 3.4. Tendo presente que a execução fiscal revertida contra responsáveis 
 subsidiários, por despacho do Chefe de Serviço de Finanças, tem por base um 
 título executivo extrajudicial (artigos 235.º, 248.º e 249.º do CPT), é ainda de 
 referir que o Tribunal Constitucional tem entendido que as normas que permitem a 
 criação de um título executivo extrajudicial não ofendem o princípio da “reserva 
 de juiz”: se, por um lado, se tem concluído que tal actividade não se traduz no 
 exercício de poderes característicos da função jurisdicional; por outro, tem-se 
 destacado que quem figura como devedor em tal título executivo poderá sempre 
 lançar mão de fundamentos que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo 
 de declaração, momento em que ocorrerá, então, a “resolução do conflito por um 
 
 órgão independente e imparcial, de harmonia com normas ou critérios legais 
 pré-existentes – e tudo com vista à realização do direito e da justiça” (cf. 
 Acórdãos n.ºs 760/95, 761/95 e 376/96, Diário da República, II Série, de 2 de 
 Fevereiro e 12 de Julho de 1996, relativamente às certidões de dívida emanadas 
 das instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde, e 
 Acórdãos n.ºs 394/95, Diário da República, II Série, de 15 de Novembro de 1995, 
 e 398/95, não publicado, no que diz respeito à aposição pelo secretário judicial 
 de fórmula executória no requerimento de injunção. Cf., ainda, mais 
 recentemente, Acórdão nº 669/2005, Diário da República, II Série, de 2 de 
 Fevereiro de 2006).
 
  
 
 4. Da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, resulta, também, 
 que os artigos 43.º, alínea g), 239.º, n.º 2, 13.º e 246.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Tributário e 23.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, na parte em que 
 permitem que, por despacho do Chefe de Serviço de Finanças, se efective a 
 reversão no processo de execução fiscal contra responsáveis subsidiários por 
 dívidas fiscais, violam o direito de defesa e o princípio da tutela 
 jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
 Ainda que a argumentação constante da decisão recorrida assente, 
 fundamentalmente, na qualificação – já recusada – do acto de reversão da 
 execução fiscal contra aqueles responsáveis como acto materialmente 
 jurisdicional, retirando daí a necessidade do que é designado por protecção 
 judicial de primeiro grau, sempre se dirá que a norma que é objecto de 
 apreciação não viola o direito de defesa e o princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva.
 Por um lado, o despacho que reverte a execução fiscal é, obrigatoriamente, 
 precedido de audição do responsável subsidiário (artigos 23.º, n.º 4, primeira 
 parte, e 60.º da LGT); por outro, o responsável subsidiário pode sempre deduzir 
 oposição à execução, cuja decisão é da competência de um tribunal, com 
 fundamento na ausência dos pressupostos da responsabilidade subsidiária (artigos 
 
 237.º, n.ºs 2 e 3, e 286.º, n.º 1, alínea b), parte final, do CPT) – “uma 
 mini-acção declarativa enxertada no processo de execução fiscal” (Casalta 
 Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 2006, p. 339, reportando-se ao direito 
 vigente). Devendo anotar-se, ainda, que aquele despacho e a subsequente citação 
 do responsável subsidiário inclui declaração fundamentada dos pressupostos e da 
 extensão da reversão (artigos 246.º, n.º 1, do CPT e 23.º, n.ºs 1 e 4, parte 
 final, da LGT).
 
  
 
 5. De acordo com a sentença recorrida, os artigos 43.º, alínea g), 239.º, n.º 2, 
 
 13.º e 246.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário e 23.º, n.º 1, da Lei 
 Geral Tributária, na parte em que permitem que, por despacho do Chefe de Serviço 
 de Finanças, se efective a reversão no processo de execução fiscal contra 
 responsáveis subsidiários por dívidas fiscais, violam, ainda, o princípio da 
 igualdade, contido no artigo 13.º da CRP.
 Mais uma vez, a aplicação da norma em causa é recusada com fundamento na 
 qualificação do acto de reversão como acto materialmente jurisdicional, o que 
 permite a comparação, designadamente, com a norma que foi objecto de apreciação 
 no já mencionado Acórdão n.º 182/90, que decidiu no sentido de julgar 
 inconstitucional a norma constante do terceiro parágrafo da alínea b) do mapa I 
 anexo ao Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, na parte em que confere aos 
 secretários judiciais competência para «proferir todas as decisões sobre matéria 
 de custas», com o sentido que lhe foi dado pelo juiz a quo, por violação dos 
 artigos 168.º, n.º 1, alínea q), 205.º e 206.º da Constituição. Apesar disso, 
 deve notar-se que não se vê como é que o acto de reversão da execução fiscal 
 contra responsáveis subsidiários por dívidas fiscais, nos termos legalmente 
 previstos, pode contender com as dimensões que o princípio da igualdade convoca: 
 a proibição do arbítrio; a proibição de discriminação; e a obrigação de 
 diferenciação (cf., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 96/2005, Diário da República, II Série, de 31 de Março). 
 
  
 
 6. Contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido, é de concluir que os 
 artigos 43.º, alínea g), 239.º, n.º 2, 13.º e 246.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Tributário e 23.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, na parte em que 
 permitem que, por despacho do Chefe de Serviço de Finanças, se efective a 
 reversão no processo de execução fiscal contra responsáveis subsidiários por 
 dívidas fiscais, não violam os artigos 111.º, 202.º, 212.º, 20.º, 268.º, n.º 4, 
 e 13.º da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a) Não conhecer do objecto do recurso interposto pelo Ministério Público;
 b) Conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, determinando 
 a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão 
 de inconstitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 6 de Março de 2007
 Maria João Antunes
 Paulo Mota Pinto
 Maria Helena Brito
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Benjamim Rodrigues
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Carlos Pamplona de Oliveira
 
                                            Mário José de Araújo Torres (vencido 
 quanto ao não 
 
                                  conhecimento do recurso do Ministério Público, 
 pelas razões 
 constantes da declaração de voto junta)
 Artur Maurício
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
                                  Votei vencido quanto à decisão de não 
 conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público, por o precedente 
 acórdão ter entendido que, no caso, “não se verifica o pressuposto da recusa de 
 aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, das normas cuja 
 apreciação é requerida ao Tribunal Constitucional”.
 
                                  É para mim patente a identidade da norma cuja 
 aplicação foi recusada, na decisão recorrida, com fundamento em 
 inconstitucionalidade e a norma cuja conformidade constitucional o Ministério 
 Público pretende que seja apreciada pelo Tribunal Constitucional: trata‑se da 
 norma que atribui competência ao órgão da execução fiscal para determinar a 
 reversão do processo de execução contra os responsáveis subsidiários pela dívida 
 fiscal.
 
                                  É certo que a decisão recorrida extraiu essa 
 norma da conjugação de diversos preceitos legais que entendeu aplicáveis (apesar 
 de o presente processo respeitar a execução por dívidas de IVA de 1999, à CRSS 
 de Lisboa no período de Fevereiro a Outubro de 1999 e de coimas fiscais de 2000, 
 deduzindo‑se da respectiva numeração que os processos de execução fiscal terão 
 sido instaurados em 2001, e sendo certo que o despacho que determinou a reversão 
 data de 8 de Abril de 2002) – os artigos 13.º (na redacção da Lei n.º 52‑B/96, 
 de 27 de Dezembro, que estabelece a responsabilidade solidária dos 
 administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade 
 limitada), 43.º, alínea g) (que atribui aos serviços da Administração Fiscal 
 competência para instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a 
 ela respeitantes, salvo os que o n.º 2 do artigo 237.º reserva aos tribunais 
 tributários), 239.º, n.º 2 (que especifica as circunstâncias de cuja 
 verificação depende o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários), e 
 
 246.º, n.º 1 (que prevê que, quando a execução reverta contra responsáveis 
 subsidiários, o chefe da repartição de finanças os mande citar a todos, depois 
 de obtida informação no processo sobre as quantias por que respondem), do Código 
 de Processo Tributário (CPT), aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 154/91, de 23 de 
 Abril, e 23.º, n.º 1 (que determina que a responsabilidade subsidiária se 
 efectiva por reversão do processo de execução fiscal), da Lei Geral Tributária 
 
 (LGT), aprovada pelo Decreto‑Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro – e que, no 
 requerimento de interposição de recurso, o Ministério Público reportou a mesma 
 norma aos preceitos constantes dos artigos 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária e 
 
 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, sendo os artigos 24.º da LGT e 160.º 
 do CPPT correspondentes, respectivamente, aos artigos 13.º (este expressamente 
 revogado pelo artigo 2.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 398/98, que aprovou a LGT) e 
 
 246.º do CPT.
 
                                  Reconhece‑se que, mesmo que se considerasse 
 juridicamente mais correcta a invocação dos preceitos invocados no requerimento 
 de interposição de recurso do Ministério Público (por ser aplicável aos autos o 
 CPPT, e não o CPT, e por o artigo 13.º do CPT ter sido expressamente revogado e 
 substituído pelo artigo 24.º da LGT), deveriam ter sido mencionados os 
 preceitos com base nos quais a decisão recorrida – bem ou mal – extraiu a norma 
 cuja aplicação recusou com fundamento em inconstitucionalidade. Mas dessa falta 
 de integral coincidência na enumeração dos preceitos legais que se entendeu 
 suportarem a norma em causa – falta de coincidência meramente parcial, pois o 
 artigo 23.º da LGT, mencionado no requerimento de interposição do recurso, 
 também viu a sua aplicação expressamente recusada pela decisão recorrida – não 
 resulta a falta de coincidência da norma, substancialmente considerada, cuja 
 aplicação foi recusada na decisão recorrida e cuja conformidade constitucional o 
 Ministério Público pretende ver apreciada.
 
                                  A isto acresce – e decisivamente – que, não 
 tendo sido considerada aquela parcial falta de coincidência na identificação 
 dos preceitos legais donde se extraiu a norma em causa impeditiva da 
 apresentação de alegações pelo Ministério Público, este, nesta peça processual, 
 procedeu espontaneamente à correcção daquela desconformidade, passando a existir 
 actualmente total coincidência na referência aos preceitos legais invocados como 
 suporte da norma, que – repete‑se – sempre foi a mesma: a que atribui 
 competência ao órgão da execução fiscal para determinar a reversão do processo 
 de execução contra os responsáveis subsidiários pela dívida fiscal.
 
                                  Neste contexto, não se vislumbrando razões 
 válidas para não atribuir relevância a esta espontânea “rectificação”, operada 
 antes de o recurso atingir a fase de julgamento, o princípio da prevalência das 
 decisões de mérito sobre as decisões de mera forma, que é uma decorrência 
 irrecusável do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, 
 impunha, a meu ver, o conhecimento do recurso interposto pelo Ministério 
 Público.
 
                                  A circunstância de, no presente caso, graças à 
 paralela interposição de recurso por parte da Fazenda Pública, o Tribunal 
 Constitucional ter acabado por conhecer do mérito do recurso – revogando, aliás, 
 a decisão recorrida, por não considerar inconstitucional a norma cuja aplicação 
 fora por esta recusada –, não é suficiente para anular a minha discordância 
 quanto à decisão de não conhecimento do recurso do Ministério Público, não sendo 
 de excluir a eventualidade de, em casos similares, ser ele o único recorrente.
 
  
 
                                  Mário José de Araújo Torres