 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 447/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.Por acórdão de 26 de Março de 2003, proferido no âmbito do processo comum 
 colectivo n.º 46/01.1TAPVZ do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa do Varzim, 
 foi condenado, entre outros, A., como autor de um crime de tráfico agravado, na 
 pena de 9 anos de prisão.
 O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por 
 acórdão de 10 de Dezembro de 2003, fixou em 8 anos de prisão a pena parcelar 
 correspondente ao crime de tráfico agravado de drogas ilícitas e em 8 anos de 
 prisão e 300 € de multa a pena conjunta correspondente ao respectivo concurso de 
 crimes (crime de tráfico e crime de detenção de arma proibida).
 Ainda inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, 
 por acórdão de 16 de Março de 2005 “revogou o acórdão da Relação na parte em que 
 decidiu não apreciar os recursos interlocutórios” e se absteve, por “prematuro, 
 de “conhecer das demais questões levantadas por todos os recorrentes, uma vez 
 que a apreciação das matérias suscitadas nos recursos interlocutórios poderia 
 conduzir à inutilidade desse conhecimento”.
 Por acórdão de 13 de Julho de 2005, o Tribunal da Relação do Porto negou 
 provimento aos recursos interlocutórios.
 Dessa decisão interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 requerendo a anulação da decisão recorrida, com fundamento em omissão de 
 pronúncia, que, por acórdão tirado em conferência em 9 de Fevereiro de 2006, 
 decidiu rejeitar, por inadmissível, o referido recurso.
 Arguiu, então, o arguido a incompetência da 5.ª Secção daquele Supremo Tribunal 
 para se pronunciar sobre os eventuais vícios da decisão do Tribunal da Relação 
 do Porto de 13 de Julho de 2005.
 Por acórdão tirado em conferência em 23 de Março de 2006, foi indeferida, por 
 intempestiva e sem fundamento, essa arguição. Pode ler-se no referido aresto:
 
 «6. Brevíssima apreciação
 
 6.1. “É pela distribuição que, a fim de repartir com igualdade o serviço do 
 tribunal, se designa a secção (...) em que o processo há-de correr ou [nos 
 tribunais superiores] o juiz que há-de exercer as funções de relator” (art.º 
 
 209.° do C.P.C.). 
 
 6.2. No entanto, “a irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum 
 acto do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida 
 oficiosamente ate à decisão final” (art.º 210.º, n.º 1). 
 
 6.3. No caso, e mesmo que a distribuição, do recurso de 26 de Setembro de 2005 
 houvesse enfermado de irregularidade (e, como se verá, não enfermou), esta 
 apenas poderia ser suprida oficiosamente (mas não foi) ou reclamada por qualquer 
 interessado (como também não foi) “até à decisão final”.
 
 6.4. Ora, a decisão final do recurso já teve lugar (em 9 de Fevereiro de 2006). 
 
 6.5. Donde que tal irregularidade, a ter ocorrido, se tivesse sanado, nessa 
 data, por não haver sido, entretanto, reclamada ou oficiosamente suprida. 
 
 6.6. De qualquer modo, não houve – na distribuição de 20 Dezembro de 2005 – 
 qualquer irregularidade. Com efeito, há que distinguir o recurso de 05 de 
 Janeiro de 2004 (distribuído ao Cons. Soreto de Barros e que, na 3.ª Secção, 
 correu e voltará, oportunamente, a correr termos sob o n.º 2031/04-3) do de 26 
 de Setembro de 2005 (distribuído ao 1.º signatário e que, na 5.ª secção, correu 
 e ainda corre termos sob o n.º 4392/05). O primeiro incidiu sobre a decisão da 
 Relação de 10 de Dezembro de 2003 (que conheceu apenas do recurso interposto da 
 decisão final de 1.ª instância) e o segundo sobre a decisão da mesma Relação de 
 
 13 de Julho de 2005 (que conheceu, tão somente, dos recursos interlocutórios). 
 
 6.7. Este último recurso não foi admitido (como, aliás, os próprios recorrentes 
 logo admitiram)[1]e, por isso, a nulidade oposta pelo arguido B. à decisão 
 recorrida há-de ser apreciada, “oportunamente”, pela própria Relação[2]. E daí 
 que a decisão ora “reclamada” haja determinado que os autos “desçam, 
 oportunamente, à Relação [do Porto] para que aí seja apreciado, enfim, o pedido 
 subsidiário do recorrente B.”.
 
 6.8. Obviamente que, depois dessa decisão (se, com ela, “a apreciação das 
 matérias suscitadas nos recursos interlocutórios não conduzir à inutilidade 
 desse conhecimento”), os autos hão-de voltar ao Supremo, para que, na 3.ª Secção 
 e sob o n.º 203 1/04, se conheça enfim do recurso de 05 de Janeiro de 2004.»
 
 [notas de rodapé no original]
 
 2.O recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional da 
 decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Março de 2006, ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), dizendo:
 
 «1 – O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.°, n.º 1, al. b), da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Setembro. 
 
 2 – Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 
 
 209.º do CPC, quando interpretada no sentido com que o foi na decisão recorrida, 
 isto é, que tendo o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação do Porto sido 
 distribuído à 3.ª secção do STJ (proc. n.º 2031/04) que ordenou ao Tribunal da 
 Relação que conhecesse dos recursos interlocutórios, abstendo‑se, por prematuro, 
 de conhecer as demais questões levantadas por todos os recorrentes, é competente 
 para conhecer da decisão que o Tribunal da Relação tomou sobre aqueles recursos 
 interlocutórios colectivo distinto daquele a quem fora inicialmente distribuído 
 o processo no STJ. 
 
 3 – Tal norma, com a interpretação com que foi aplicada, viola o artigo 32.º, 
 n.º 9, da CRP. 
 
 4 – A questão da inconstitucionalidade não foi suscitada anteriormente, 
 porquanto a interpretação dada à norma na decisão recorrida foi de todo 
 imprevisível, não podendo razoavelmente o recorrente contar com a sua aplicação. 
 
 
 O recurso sobe imediatamente, nos autos, e com efeito suspensivo. 
 Termos em que requer a V. Ex.ª se digne admitir o mesmo, seguindo-se o demais de 
 lei.»
 O recurso de constitucionalidade não foi admitido no Supremo Tribunal de 
 Justiça, por despacho de 6 de Abril de 2006, com o seguinte teor:
 
 «Pretende agora (03 de Abril de 2006) o condenado A. que o Tribunal 
 Constitucional, “ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82”, 
 
 “aprecie a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 209.º do CPC quando 
 interpretada no sentido com que o foi na decisão recorrida”.
 O recurso, porém, não é admissível. 
 Desde logo, porque a norma invocada não foi aplicada (nem desaplicada, nem, ao 
 menos, interpretada) pela decisão recorrida, que simplesmente a pressupôs, sem a 
 questionar, como “dado adquirido” (“É pela distribuição que, a fim de repartir 
 com igualdade o serviço do tribunal, se designa a secção (…) em que o processo 
 há-de correr ou [nos tribunais superiores] o juiz que há-de exercer as funções 
 de relator”). 
 A norma que o tribunal aplicou foi, antes – por força do art.º 4.º do CPP – a do 
 art.º 210.º, n.º 1, do CPC (“A irregularidade da distribuição não produz 
 nulidade de nenhum acto do processo, mas pode ser reclamada por qualquer 
 interessado ou suprida oficiosamente ate à decisão final”), cuja 
 constitucionalidade o recorrente, porém, não pôs em causa. 
 Mas mesmo que possa entender-se como “aplicada” pela decisão recorrida a norma 
 ora impugnada, a verdade é que a sua inconstitucionalidade ainda não havia sido 
 
 “suscitada durante o processo” (art.º 70.º, n.º 1, al. b), da LTC), 
 designadamente no requerimento, de fls. 8250, em que a distribuição dos autos à 
 
 5.ª secção foi posta, pela primeira vez em causa (“Assim, a sua impugnação foi 
 erradamente distribuída à 5.ª secção”). 
 E não se obtempere que “a questão da inconstitucionalidade não foi suscitada 
 anteriormente, porquanto a interpretação dada à norma na decisão recorrida foi 
 de todo imprevisível” (fls. 8262). Por um lado, repete-se, porque nenhuma 
 interpretação, muito menos imprevisível, foi dada, na decisão recorrida, a tal 
 norma (nela integralmente aceite, na sua literalidade e intencionalidade, sem 
 qualquer reserva). E, quanto à norma efectivamente aplicada mas ora não 
 impugnada (a do art.º 210.º, n.º 1, do CPC), a interpretação/aplicação que dela 
 se fez – tendo-se limitado a cumprir, estritamente, o seu inequívoco comando 
 literal – nada teve de imprevisível. 
 Aliás, mesmo que se replique que o tribunal recorrido, ao decidir que “não houve 
 
 – na distribuição de 20 de Dezembro de 2005 – qualquer irregularidade”, acabou 
 por aplicar a norma ora questionada, a verdade é que – a tê-la aplicado – o fez, 
 em reforço argumentativo, como mero obiter dictum. Pois que, a ter decorrido 
 dessa interpretação a ratificação de uma “distribuição irregular”, a 
 correspondente irregularidade não só “não produziria a nulidade de nenhum acto 
 do processo” (como resulta do aplicado, mas não impugnado, art.º 210.º, n.º 1, 
 do CPC) como só poderia ser “reclamada” – e não foi – “até à decisão final” 
 
 (idem). 
 Daí que o recurso, além de inadmissível, seja manifestamente infundado (art.º 
 
 76.º, n.º 2, da LTC). 
 Como tal, não o admito.»
 
 3.O recorrente reclama deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 do artigo 76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, com os seguintes 
 fundamentos:
 
 «1 – A decisão reclamada entende que o recurso não é de admitir porquanto a 
 norma que se discute não foi aplicada e, mesmo que o tivesse sido, a questão da 
 inconstitucionalidade não tinha sido suscitada atempadamente. 
 
 2 – Ora, não é verdade que a norma que se discute não tenha sido aplicada, já 
 que, conforme ressalta de fls. 4 do acórdão de 23 de Março de 2006, ela é 
 expressamente invocada, e antes de qualquer outra. 
 
 3 – A inconstitucionalidade foi levantada tão rápido quanto o reclamante soube 
 qual era a norma invocada para justificar a estranha tramitação ocorrida, sendo 
 que a invocação serôdia foi adequadamente justificada no requerimento de 
 interposição do recurso. 
 
 4 – Efectivamente, a questão que se coloca é saber se o princípio do juiz 
 natural é ou não violado quando tendo o recurso de uma decisão do Tribunal da 
 Relação do Porto sido distribuído à 3.ª secção do STJ (proc. n.º 2031/04) que 
 ordenou ao Tribunal da Relação que conhecesse dos recursos interlocutórios, 
 abstendo-se, por prematuro, de conhecer as demais questões levantadas por todos 
 os recorrentes, quando outro Colectivo quer conhecer da decisão que o Tribunal 
 da Relação tomou sobre aqueles recursos interlocutórios. 
 
 5 – Não se trata de uma irregularidade de distribuição, mas de claro 
 desaforamento de processo previamente atribuído.»
 No Tribunal Constitucional o Ministério Público pronunciou-se no sentido da 
 manifesta falta de fundamento da reclamação, dizendo:
 
 «A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 Importa, desde logo, notar que o ora reclamante não suscitou, durante o 
 processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, tendo beneficiado 
 de plena oportunidade processual para o fazer, nomeadamente no âmbito do 
 requerimento de arguição de “incompetência”, de fls. 14.
 Acresce que – com o objecto que o recorrente lhe atribui – o recurso sempre 
 seria de configurar como “manifestamente infundado”, não se vendo como poderia 
 afrontar a Constituição a norma processual civil que define “o fim da 
 distribuição” – e sendo evidente que a mera descrição das concretas vicissitudes 
 processuais, ocorridas no caso concreto em apreciação, são desprovidas de “base 
 normativa”, não integrando objecto idóneo de um recurso de fiscalização 
 concreta.»
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 4.A presente reclamação é, como defendeu o Ministério Público, manifestamente 
 improcedente.
 Com efeito, o recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor era o 
 referido no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional – 
 isto é, de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido 
 suscitada durante o processo. Como é sabido, são requisitos específicos para se 
 poder tomar conhecimento desse tipo de recurso, para além do esgotamento dos 
 recursos ordinários, que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio 
 decidendi pela decisão recorrida e que tenha sido suscitada, durante o processo, 
 a questão da sua inconstitucionalidade.
 Ora, e em primeiro lugar, é claro que, sendo a decisão de que se pretendeu 
 interpor recurso de constitucionalidade o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 
 de 23 de Março de 2006, este não aplicou, nem expressa nem implicitamente, a 
 norma do artigo 209.º do Código de Processo Civil. Antes aplicou, por força do 
 artigo 4.º do Código de Processo Penal, a norma do n.º 1 do artigo 210.º de 
 Código de Processo Civil, tendo sido esta norma a verdadeira ratio decidendi da 
 decisão recorrida.
 Em segundo lugar, verifica-se que a inconstitucionalidade da norma do artigo 
 
 209.º do Código de Processo Civil não foi suscitada durante o processo, tendo o 
 reclamante tido plena oportunidade para o fazer, designadamente, no requerimento 
 de reclamação por si apresentado em 1 de Março de 2006, junto do Supremo 
 Tribunal de Justiça.
 Além desta oportunidade de suscitação da questão de constitucionalidade, não se 
 encontra, aliás, na decisão recorrida qualquer interpretação insólita, 
 inesperada ou imprevisível desse artigo 209.º do Código de Processo Civil, tanto 
 mais que nenhuma interpretação dela foi feita, tendo-se o Supremo Tribunal de 
 Justiça limitado a aceitá-la essa regra na sua interpretação literal, sem 
 qualquer reserva – embora sendo tal norma referida, em reforço argumentativo, 
 como mero obiter dictum. 
 Ainda que assim não fosse, seria sempre de rejeitar, por manifestamente 
 infundado, o recurso, como o presente, que tem por objecto a norma processual 
 que define o “fim da distribuição” – o artigo 209.º do Código de Processo Civil 
 
 – uma vez que tal norma, no seu sentido literal, não ofende qualquer uma das 
 normas da Constituição da República Portuguesa.
 Por falta de verificação dos requisitos indispensáveis para tanto – os quais já 
 não poderiam ser supridos mediante qualquer convite para aperfeiçoamento do 
 requerimento de recurso –, não podia, pois, o Tribunal Constitucional tomar 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade, razão pela qual é de confirmar o 
 despacho reclamado, que não admitiu tal recurso, indeferindo-se a presente 
 reclamação.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 o reclamante em custas, com 20 (vinte                 ) unidades de conta de 
 taxa de justiça.
 Lisboa, 27 de Junho de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [1] “Caso se entenda que a decisão recorrida não passível de recurso...”
 
 [2] “Se bem que as nulidades da sentença ou acórdão recorríveis devam ser 
 arguidas e conhecidas no recurso (art.ºs 379.º, n.º, e 425.º, n.º 4, CPP), já 
 poderão, tratando-se de acórdão irrecorrível (como é o caso), arguir-se, em 10 
 dias (art.º 105.º, n.º 1) perante o próprio tribunal recorrido (art.ºs 4.º CPP e 
 
 668.º, n.º 3, do CPC).”