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Processo n.º 215/06
 Plenário 
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
                                                                               
 
  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei da Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença do 
 Tribunal Judicial de Oeiras (2.º Juízo de Competência Criminal), de 14 de 
 Dezembro de 2005, que absolveu a arguida A. da contravenção de que vinha acusada 
 e que consistia em fazer-se transportar num autocarro de uma carreira de 
 transporte colectivo de passageiros, sem que estivesse munida do correspondente 
 título de transporte válido. Para tanto, a sentença recorrida recusou aplicação 
 
 à norma constante do artigo 3.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 108/78, de 
 
 24 de Maio, com fundamento em violação dos princípios constitucionais da culpa, 
 da igualdade e da proporcionalidade, que considerou consagrados nos artigos 1.º, 
 
 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 25.º, n.º 1 e 30.º, n.º 1, da Constituição, por 
 estabelecer, para a contravenção em causa, uma multa de montante fixo.
 
  
 
                   Pelo acórdão n.º 117/2007 (3.ª Secção), o Tribunal concedeu 
 provimento ao recurso, decidindo não julgar inconstitucional a norma da alínea 
 a) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio, na parte em 
 que estabelece, para a contravenção aí prevista, uma multa correspondente a 50% 
 do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a cem vezes o mínimo cobrável 
 no transporte utilizado.
 
  
 
                   2. Deste acórdão interpôs o Ministério Público recurso para o 
 Plenário, ao abrigo do artigo 79.º-D da LTC, com fundamento em que tal 
 julgamento é contraditório com o juízo de inconstitucionalidade formulado, 
 quanto à mesma norma, no acórdão n.º 579/2006.
 
  
 
                   O recurso para o Plenário foi admitido, tendo apresentado 
 alegações, somente, o Ministério Público. Reproduz, no essencial, o que alegara 
 perante a Secção e conclui nos termos seguintes:
 
  
 
 «1 – É inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade, a norma constante do artigo 3º, nº. 2, alínea b) do 
 Decreto-Lei nº. 108/78, de 24 de Maio, na medida em que estabelece uma pena de 
 multa de valor fixo, que o Tribunal terá sempre de aplicar em caso de 
 condenação.
 
 2 – Termos em que deverá confirmar-se a decisão recorrida quanto à questão de 
 inconstitucionalidade que é objecto de recurso».
 
  
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
 4.         Nada obsta ao conhecimento do recurso pelo Plenário. 
 Designadamente, verifica-se que o acórdão recorrido julgou a questão de 
 constitucionalidade da referida norma em sentido oposto ao decidido pelo acórdão 
 n.º 579/2006, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Janeiro de 
 
 2006, satisfazendo-se, assim, o pressuposto estabelecido pelo n.º 1 do artigo 
 
 79.º-D da LTC. 
 Efectivamente, pelo acórdão nº 579/2006, com fundamentação retomada no acórdão 
 n.º 679/2006, o Tribunal julgou inconstitucional a norma que é objecto do 
 presente recurso, considerando que a cominação de uma pena de multa de montante 
 fixo para os ilícitos contravencionais em causa viola os princípios 
 constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade. 
 E sobre esse mesmo problema – a questão da constitucionalidade da cominação de 
 penas fixas para o ilícito contravencional punido com pena de multa – embora 
 versando sobre a norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º do mesmo diploma, que 
 estabelece a sanção para a ultrapassagem da paragem para que o título era 
 válido, recaiu o acórdão n.º 5/2007, também no sentido da inconstitucionalidade. 
 
 
 
                   
 
 5. Lembremos o caso: o Tribunal Judicial de Oeiras (2.º Juízo de Competência 
 Criminal) recusou a aplicação da norma constante do artigo 3.º, n.º 2, alínea 
 a), do Decreto-Lei nº 108/78, de 24 de Maio, com fundamento na violação dos 
 princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, 
 consagrados nos artigos 1.º, 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, e 30.º, n.º 
 
 1, da Constituição.
 
 É a seguinte a redacção daquela disposição legal:
 
  
 
 «Artigo 3º
 
  1 – (…)
 
 2 – Nos casos em que a cobrança seja feita por qualquer outro processo, os 
 infractores pagarão o preço do bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido 
 de uma multa de montante de: 
 a) 50% do preço do respectivo bilhete mas nunca inferior a cem vezes o mínimo 
 cobrável no transporte utilizado, na hipótese de não terem adquirido qualquer 
 título válido de transporte;
 b) (…)».
 
  
 
                   Entretanto, a Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, veio substituir 
 este regime sancionatório, definindo a falta de título de transporte válido como 
 contra-ordenação punida com coima de valor mínimo correspondente a 100 vezes o 
 montante em vigor para o bilhete de menos valor e de valor máximo correspondente 
 a 150 vezes o referido montante, com respeito pelos limites máximos previstos no 
 artigo 17.º do regime geral do ilícito de mera ordenação social (artigo 7.º) e 
 mandando punir como contra-ordenações as anteriores contravenções, sem prejuízo 
 do regime mais favorável (artigo 14.º). Intervenção legislativa esta que se 
 insere num 'pacote legislativo' em que, além desse diploma, se incluiu a Lei n.º 
 
 30/2006, de 11 de Julho, visando a erradicação das contravenções que ainda 
 subsistiam no nosso ordenamento jurídico, substituindo‑as por contra-ordenações.
 
  
 Recorde-se que se pune o comportamento de utilização de meio de transporte 
 colectivo de passageiros sem título válido de transporte, nos casos em que a 
 cobrança não é feita por agente cobrador mas por outro processo, sujeitando o 
 infractor - além do pagamento do preço do bilhete correspondente ao seu percurso 
 aspecto que não está em causa, porque não respeita ao segmento sancionatório – a 
 uma multa de “50% do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a cem vezes 
 o mínimo cobrável no transporte utilizado”. Trata-se de forçar o utente a 
 adequar o seu comportamento à evolução do sistema de cobrança nos transportes 
 colectivos de passageiros, criando uma sanção suficientemente dissuasora do 
 incumprimento da obrigação legal de pagar o preço do transporte, desmotivando 
 para uma conduta cuja generalização importa prevenir porque, além da 
 consequência imediata na relação entre o prestador do serviço e o utente, 
 tornaria menos eficiente a prestação do serviço público em causa, porque 
 obrigaria a mobilizar recursos para a cobrança ou o controlo sistemático.
 
  
 
                   É inegável que a norma em causa estabelecia, para um ilícito 
 de natureza contravencional, uma multa de montante fixo, caso se verificasse a 
 situação descrita no tipo (utilização de transporte colectivo de passageiros sem 
 título válido). Não era um montante absolutamente fixo, na medida em que o 
 montante da multa era calculado em função do preço do respectivo bilhete ou do 
 mínimo cobrável no transporte utilizado, consoante o maior produto; mas era uma 
 pena fixa, no sentido de não graduável pelo juiz dentro de uma moldura penal 
 abstracta que estabelecesse um mínimo e um máximo (Cfr., sobre diversas acepções 
 da expressão pena fixa, acórdão n.º 83/91, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 30 de Agosto).  
 
                   
 
                   6. Deve começar-se por salientar que não há divergência entre 
 o acórdão recorrido e o acórdão fundamento quanto à inconstitucionalidade da 
 cominação, para ilícitos criminais, de penas insusceptíveis de individualização 
 pelo juiz. Também no acórdão recorrido se acompanha o que no acórdão n.º 
 
 124/2004 (Diário da República, I-Série A, de 31 de Março), filiando-se no 
 Acórdão n.º 95/2001, publicado no Diário da República, II série, de 24 de Abril 
 de 2002, se pondera: 
 
  
 
 «(...) O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de 
 um Estado de Direito, proíbe – já se disse –  que se aplique pena sem culpa e, 
 bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa.
 Trata-se de um princípio que emana da Constituição e que, na formulação de JOSÉ 
 DE SOUSA E BRITO (loc. cit., página 199), se deduz da dignidade da pessoa 
 humana, em que se baseia a República (artigo 1º da Constituição), e do direito 
 de liberdade (artigo 27º, n.º 1); e, nos dizeres de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, 
 vai buscar o seu fundamento axiológico “ao princípio da inviolabilidade da 
 dignidade pessoal: o princípio axiológico mais essencial à ideia do Estado de 
 Direito democrático” (Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do 
 Crime, Lisboa, 1993, página 73). 
 Pois bem: um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas 
 fixas: de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também 
 o seu limite, é em função dela (e, obviamente também, das exigências de 
 prevenção) que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta da pena, 
 situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de 
 comportamento. Ora, prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não pode, na 
 determinação da pena a aplicar ao caso que lhe é submetido, atender ao grau de 
 culpa do agente – é dizer: à intensidade do dolo ou da negligência.
 A previsão pela lei de uma pena fixa também não permite que o juiz, na 
 determinação concreta da medida da pena, leve em consideração o grau de 
 ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas 
 consequências, nem tão-pouco o grau de violação dos deveres impostos ao agente, 
 nem as circunstâncias do caso que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham 
 a favor ou contra ele.
 Ora, isto pode ter como consequência que o juiz se veja forçado a tratar de modo 
 igual situações que só aparentemente são iguais, por, essencialmente, acabarem 
 por ser muito diferentes. Ou seja: prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não tem 
 maneira de atender à diferença das várias situações que se lhe apresentam. Mas, 
 o princípio da igualdade – que impõe se dê tratamento igual a situações 
 essencialmente iguais e se trate diferentemente as que forem diferentes – também 
 vincula o juiz.
 A lei que prevê uma pena fixa pode também conduzir a que o juiz se veja forçado 
 a aplicar uma pena excessiva para a gravidade da infracção, assim deixando de 
 observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a gravidade das sanções 
 criminais seja proporcional à gravidade das infracções.
 Por isso, a norma legal que preveja uma pena fixa viola o princípio da culpa, 
 que enforma o direito penal, e o princípio da igualdade, que o juiz há-de 
 observar na determinação da medida da pena. E pode violar também o princípio da 
 proporcionalidade. E isto é assim, quer a pena que a norma prevê seja uma pena 
 de prisão, quer seja uma pena de multa.
 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal Português cit., página 193), depois de 
 dizer que decorre da Constituição que a determinação da pena exige cooperação – 
 
 “mas também, por outro lado, uma separação de tarefas e de responsabilidades tão 
 nítida quanto possível  entre o legislador e o juiz” –, sublinha que “uma 
 responsabilização total do legislador pelas tarefas de determinação da pena 
 conduziria à existência de penas fixas e, consequentemente, à violação do 
 princípio da culpa e (eventualmente também) do princípio da igualdade”.
 Este Tribunal, no seu Acórdão n.º 202/2000 (publicado no Diário da República, II 
 série, de 11 de Outubro de 2000), debruçou-se sobre a norma constante do artigo 
 
 31º, n.º 10, da Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto – que mandava aplicar a pena fixa 
 de interdição do direito de caçar por um período de cinco anos àquele que 
 caçasse em zonas de regime cinegético especial em épocas de defeso ou com o 
 emprego de meios não permitidos – e concluiu que a mesma era inconstitucional, 
 por violar os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade. 
 Escreveu-se aí:
 
  
 
 “Deve, pois, reconhecer-se que a cominação, pela norma em análise, de uma pena 
 fixa, de quantum legalmente determinado sem possibilidade de individualização de 
 acordo com as circunstâncias do caso concreto, não se acha em conformidade com a 
 exigência de que à desigualdade da situação concreta (do facto cometido e das 
 suas “circunstâncias”) corresponda também uma diferenciação da sanção penal que 
 lhe é aplicada, e que esta seja proporcional às circunstâncias relevantes de tal 
 situação concreta.
 Os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade implicam, na 
 verdade, o juízo de que a cominação de uma pena de interdição do direito de 
 caçar invariável de cinco anos para o “crime de caça” do artigo 31º, n.º 10, da 
 Lei n.º 30/86 é materialmente inconstitucional”.
 Importa, então, saber se a norma sub iudicio prevê uma pena fixa, pois, tal 
 sucedendo, ela é constitucionalmente ilegítima nos termos que se deixaram 
 apontados.
 
 (...) Decorre, na verdade, dos princípios da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade a necessidade de a lei prever penas variáveis: é que, só desse 
 modo o legislador abre ao juiz a possibilidade de graduar a pena, fixando-a 
 entre o mínimo e o máximo que a lei prevê, de acordo com todas as circunstâncias 
 atendíveis (grau de culpa, necessidades de prevenção e demais circunstâncias), 
 por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, 
 em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar penas 
 desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em consideração todo o quadro 
 que envolveu a prática de cada uma delas. Ou seja: só prevendo o legislador 
 penas variáveis, pode o juiz adequar a pena à culpa do agente, às exigências de 
 prevenção e, bem assim, às demais circunstâncias que ele deve considerar para 
 encontrar, em concreto, a pena ajustada a cada caso.
 Esse resultado não o pode, com efeito, o juiz atingir, lançando mão do instituto 
 da atenuação especial da pena ou, sendo o caso, do da dispensa de pena, a que 
 faz apelo o acórdão n.º 83/91 para ver consagrada, na norma sub iudicio, uma 
 pena que, tão-só tendencialmente, é uma pena fixa, e não uma pena rigidamente 
 fixa: é que, desde logo, a atenuação especial da pena pressupõe que a pena (de 
 prisão ou de multa) aplicável ao caso seja variável (cf. o artigo 73º do Código 
 Penal); e, depois, supõe a ocorrência de um quadro de circunstâncias com valor 
 fortemente atenuativo (“quando existirem circunstâncias anteriores ou 
 posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a 
 ilicitude do facto, a culpa do agente ou necessidade da pena”, diz o n.º 1 do 
 artigo 72º do mesmo Código). E, quanto à dispensa de pena, também só pode 
 recorrer-se a ela, quando, estando em causa uma infracção de pequena gravidade 
 
 (recte, uma infracção punível com prisão não superior a seis meses, ou só com 
 multa não superior a cento e vinte dias), o juiz verificar que são “diminutas” 
 
 “a ilicitude do facto e a culpa do agente”; que o “dano” já foi “reparado”; e 
 que “à dispensa de pena” se não opõem “razões de prevenção” (cf. o artigo 74º do 
 mesmo Código).
 Estes mecanismos são, de facto inaptos para – como se escreveu no citado Acórdão 
 n.º 202/2000, a propósito da atenuação especial da pena – “dar conta da 
 necessária adequação da pena em concreto às circunstâncias a considerar – à 
 culpa do agente e às necessidades de prevenção”. 
 Recorrendo, de novo, aos dizeres do Acórdão n.º 202/2000:
 
 “Não pode aceitar-se o argumento de que, interpretando a norma em causa como 
 prevendo uma pena apenas “tendencialmente fixa” ela não viola o princípio da 
 igualdade e da proporcionalidade, do qual decorre que a gravidade das penas (e 
 das medidas de segurança) há-de ser proporcional à gravidade das infracções, 
 encaradas sob o ponto de vista, respectivamente, da culpa e das necessidades de 
 prevenção geral (e, para aquelas medidas, da prevenção especial, perante a 
 perigosidade do agente)”.
 E, mais adiante, ponderou ainda o mesmo Acórdão n.º 202/2000:
 
 “A admissão de que o recurso a estas possibilidades, previstas na lei geral – de 
 atenuação especial da pena e de dispensa de pena –, bastaria para permitir a 
 graduação, no caso concreto, de uma pena prevista na lei como de duração fixa, 
 assim a tornando proporcional às circunstâncias deste, se coerentemente seguida, 
 conduziria, aliás, à conclusão da desnecessidade de previsão de quaisquer 
 molduras penais abstractas, satisfazendo-se as exigências constitucionais da 
 igualdade e da proporcionalidade através daqueles institutos gerais”.»
 
  
 
                  Todavia, estas razões, que se reafirmam perante a cominação de 
 penas fixas para ilícitos de natureza criminal, que foi o domínio normativo 
 relativamente ao qual o Tribunal as adoptou, não são transponíveis, sem mais, 
 para a apreciação da conformidade constitucional das penas pecuniárias fixas 
 estabelecidas nos restantes espaços sancionatórios. Designadamente, 
 limitando-nos ao que interessa para o caso, não são procedentes perante ilícitos 
 contravencionais punidos com multa, sanção que, comungando com a pena de multa 
 criminal a natureza de sanção pecuniária, se distingue desta em aspectos que são 
 essenciais para o confronto com os referidos princípios constitucionais. 
 
                                     
 
                   7. Por força do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 
 
 7.º do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o novo Código 
 Penal, permaneceram em vigor as normas relativas a contravenções constantes do 
 Código Penal de 1886 e de legislação avulsa. Assim, persistiu no ordenamento 
 jurídico-positivo, como categoria autónoma de ilícito, a contravenção que, no 
 conceito dado pelo artigo 3.º do Código Penal de 1886, é “o facto voluntário 
 punível que unicamente consiste na violação ou na falta de observância das 
 disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda a 
 intenção maléfica”.  
 
                   Anteriormente, o Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de Junho, que 
 pela primeira vez consagrara entre nós, como categoria de ilícito formalmente 
 positivado, o ilícito de mera ordenação social, protagonizara uma tentativa de 
 eliminação das contravenções puníveis com pena de multa, ao estabelecer, no n.º 
 
 3 do artigo 1.º, que “são equiparáveis às contra-ordenações as contravenções ou 
 transgressões previstas pelas lei vigentes a que sejam aplicadas sanções 
 pecuniárias”. Porém, o Decreto-Lei n.º 411‑A/79, de 1 de Outubro, de pronto 
 revogou este preceito, evitando que se consumasse esta transformação automática 
 e em bloco das contravenções punidas com multa em contra-ordenações.
 
  Surgiu, depois, o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que veio instituir 
 o novo regime do ilícito de mera ordenação social e respectivo processo. Mas, 
 nessa ocasião, o legislador absteve-se de eliminar ou converter em 
 contra-ordenações as contravenções vigentes, assim se mantendo a situação, 
 criada em 1979, de existência destas três categorias de ilícito: criminal, 
 contravencional e contra‑ordenacional (ou de mera ordenação social). 
 Todavia, o elenco das contravenções foi sendo progressivamente reduzido e o 
 respectivo espaço ocupado, pontualmente ou em blocos sectoriais (v.gr., nos 
 domínios rodoviário, fiscal, laboral, de urbanismo e construção, de infracções 
 anti‑económicas), pela criação de contra‑ordenações e, em casos muito contados, 
 pela tipificação da conduta correspondente como ilícito criminal. Movimento este 
 que culminou com a Lei n.º 30/2006, de 11 de Julho, que, além de transformar 
 determinadas contravenções em contra-ordenações, converteu, em bloco, as 
 contravenções e transgressões residuais em contra-ordenações (artigo 35.º).
 Esta persistência temporária de uma categoria penal como as contravenções, a par 
 da institucionalização legal de um ilícito de mera ordenação social, é 
 explicável, como diz figueiredo dias, O Movimento da Descriminalização e o 
 Ilícito de Mera Ordenação Social, in Direito Penal Económico e Europeu: Textos 
 Doutrinário, Vol. I, pág. 25, porque “o legislador terá receado os efeitos 
 práticos nocivos que poderiam ligar-se a uma global e automática transformação 
 das contravenções vigentes em contra-ordenações; tanto mais, pode 
 acrescentar-se, quanto essa transformação não poderia ser total, pois que na 
 nossa ordem jurídica existem ainda inúmeras contravenções puníveis só, ou 
 também, com penas de prisão e que, por conseguinte, em caso algum poderiam ser 
 convertidas em contra-ordenações”. 
 
                   Porém, a permanência desta categoria no instrumentário 
 punitivo do Estado ao nível infra-constitucional não implica o reconhecimento da 
 sua identidade perante a ordem axiológico-constitucional com o ilícito criminal 
 e suas consequências jurídicas. Mesmo admitindo que as contravenções se 
 mantiveram legalmente, desde a reforma penal de 1982 até à sua recente extinção, 
 como constituindo uma espécie dentro do género das infracções formalmente 
 incluídas no direito penal, na tradicional classificação bipartida do Código 
 Penal de 1886, essa etiqueta não lhes comunica automaticamente todas as 
 consequências ou todas as normas e princípios da chamada “Constituição 
 criminal”. O que releva para responder à questão de constitucionalidade colocada 
 não é o reconhecimento de que se trata, no plano do direito infra‑constitucional 
 ou dogmático de uma categoria penal, mas o relacionamento de um e outro ilícito 
 e respectiva sanção com a ordem jurídico-constitucional.
 
                   
 
  
 
  8. Na verdade, até à revisão de 1982, o texto constitucional somente fazia 
 referência à “lei criminal” e aos “crimes” [cf., a título de exemplo, os artigos 
 
 29.º, 30.º, 32.º e 167.º, alínea e), na versão originária], omitindo qualquer 
 referência às contravenções. A partir daquela revisão, a Constituição passou 
 referir o ilícito criminal e o ilícito de mera ordenação social, mas continuou a 
 silenciar a existência do ilícito contravencional [cfr. artigo 168.º, n.º 1, 
 alíneas c) e d) da versão de 1982; artigo 32.º, n.º 8 da versão de 1989; e 
 artigos 32.º, n.º 10 e 165.º, n.º 1, alínea c) e d), na actual redacção]. E, 
 quanto ao ilícito de mera ordenação social, a Constituição apenas diz 
 expressamente que “nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido 
 os direitos de audiência e de defesa” e que é da competência reservada da 
 Assembleia da República “legislar sobre o regime geral dos actos ilícitos de 
 mera ordenação social”. 
 Perante esta evolução do texto constitucional, o Tribunal passou a considerar 
 que, ao contrapor o ilícito criminal ao ilícito de mera ordenação social, 
 omitindo toda a referência à figura das contravenções – que, embora com 
 reservas doutrinárias (cfr. p. ex., eduardo correia, Direito Criminal, I, pág. 
 
 22; figueiredo dias, O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, 3ª 
 ed.., pág. 405) até ao Código Penal de 1982 era tradicionalmente considerada 
 como uma espécie dentro do género das infracções penais –, a Constituição deixa 
 entender, claramente, que ela desapareceu como tipo sancionatório autónomo – 
 para efeitos de relevância constitucional específica, entenda‑se –, pelo que as 
 contravenções que subsistissem (ou que fossem ex novo criadas) tinham de ser 
 tratadas de acordo com a natureza que no caso tivessem: criminal ou de mera 
 ordenação social. 
 
                   Nesta linha, ainda recentemente, disse o Tribunal no acórdão 
 n.º 230/2006, www.tribunalconstitucional.pt, retomando o que dissera no acórdão 
 n.º 61/99 (Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1999):
 
  
 
 “3.1. Efectivamente, haverá, em primeira linha, que acentuar que, 
 independentemente da questão de saber se, após a Revisão Constitucional operada 
 pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, é possível a criação, ex 
 novo, de contravenções, o que é certo é que a norma em apreço veio instituir (e 
 para se utilizarem algumas das palavras do artº 3º do Código Penal de 1886) a 
 previsão de um comportamento consubstanciado na prática de um 'facto voluntário' 
 
 'punível' (in casu tão só com uma pena pecuniária) e que 'consiste unicamente na 
 violação ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e 
 regulamentos, independentemente de toda a intenção maléfica' (cfr., sobre o 
 conceito de contravenção, Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 218 a 221, e 
 Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, ed. da A.A.F.D.L., I, 168). 
 De outro lado, atento o momento temporal em que a norma em apreço foi editada 
 
 (1992), a sanção pecuniária nela prevista  não podia ser convertível em prisão, 
 por se ter de haver por revogado, pela entrada em vigor do Código Penal aprovado 
 pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, o artº 123º do Código Penal 
 aprovado pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886 (cfr., quanto a este último 
 aspecto, por entre outros, os Acórdãos deste Tribunal números  188/87 e 308/94, 
 publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 5 de Agosto 
 de 1987 e 29 de Agosto de 1994).
 Ora, torna-se inquestionável que o comportamento em causa (o não pagamento da 
 
 «taxa» de portagem devida pela utilização das auto-estradas) não pode ter uma 
 ressonância ética tal que o haja de o qualificar como um crime; e, se se 
 ponderar que esse comportamento foi, já em 1992, tido como integrando um ilícito 
 passível de ser publicamente sancionado com uma pena meramente pecuniária, então 
 
 (tal como se disse no referido Acórdão nº 308/94, embora a propósito de outra 
 norma) há-de concluir-se que 'o tratamento que lhe deve ser conferido há-de ser 
 o correspondente às contra-ordenações, para as quais a Constituição não exige a 
 prévia definição do tipo e da punição concreta em lei parlamentar'.
 
 […] 
 
 3.1.2. E, a este propósito, convém respigar alguns passos que se podem ler no 
 citado Acórdão nº 308/94.
 Assim, disse-se nesse aresto, a propósito da questão de saber se era possível, 
 no caso ali apreciado, a criação de um novo tipo contravencional: 
 
 '(...) 
 Ou seja: o Governo poderia criar aqui esta nova infracção contravencional, uma 
 vez que não lhe corresponde sanção restritiva de liberdade, isto a admitir que a 
 figura das contravenções ainda tem cobertura constitucional (…)
 Tradicionalmente, quer a definição de cada concreto ilícito contravencional, 
 quer a fixação da respectiva pena, sempre puderam ser efectuadas por 
 regulamento, inclusivamente por regulamentos locais, como expressamente 
 resultava do preceituado no artigo 486º do velho Código Penal de 1886. E o mesmo 
 entendimento se manteve na generalidade da doutrina e na jurisprudência, após a 
 entrada em vigor da Constituição de 1976.
 Com a revisão constitucional de 1982, suscitou-se o problema de saber qual o 
 destino, em geral, da figura das contravenções. A este propósito, escrevem J. 
 J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3ª ed., anotação X ao artigo 168º, pág. 673):
 Ao referir o ilícito de mera ordenação social, omitindo toda a referência à 
 figura das contravenções (que era tradicional no direito português até ao 
 Código Penal de 1982), a Constituição deixa entender claramente que ela 
 desapareceu como tipo sancionatório autónomo, pelo que as contravenções que 
 subsistirem (ou que forem ex novo criadas) têm de ser tratadas de acordo com a 
 natureza que no caso tiverem (criminal ou de mera ordenação social).
 Ora, dúvidas não restam que, no caso vertente, não deparamos com uma infracção 
 com a ressonância ética suficiente para poder ser qualificada como de natureza 
 criminal. E, assim sendo, e também porque lhe não corresponde qualquer sanção 
 privativa ou restritiva da liberdade, o tratamento que lhe deve ser conferido 
 há-de ser o correspondente às contra‑ordenações […]'.
 
  
 Não se ignora que o Tribunal tem desenvolvido este tipo de considerações a 
 propósito de verificação de constitucionalidade de aspectos formais ou de 
 competência legislativa relativa a contravenções e que não é uma questão desta 
 natureza que agora temos para apreciação. Todavia, ainda recentemente, no 
 acórdão n.º 221/2007 (Plenário), em que estava em causa um problema de sucessão 
 de ilícitos contravencionais e contra-ordenacionais, reafirmou esta mesma ideia 
 e lembrou que, “para alcançar tal conclusão,  o Tribunal assumiu  ser decisivo 
 tratar-se de infracções que correspondem a um comportamento – 'o não pagamento 
 da taxa de portagem devida pela utilização das auto-estradas' – que 'não pode 
 ter uma ressonância ética tal que o haja de qualificar como crime' e para as 
 quais foi definida uma 'pena meramente pecuniária', insusceptível de ser 
 convertida em prisão”.  
 
  
 
                  Daqui se retira que a apreciação das questões de 
 constitucionalidade colocadas pelo ilícito contravencional não pode fazer-se por 
 mera transposição das ponderações efectuadas a propósito de questões semelhantes 
 no domínio do ilícito e das penas criminais, argumentando a partir de uma 
 pressuposta identidade de género entre os dois tipos de ilícito que – 
 independentemente do critério que se perfilhe, face ao direito positivo 
 infra‑constitucional ou no plano doutrinário, de distinção entre crimes e 
 contravenções ou de separação entre o 'ilícito penal administrativo” e o 
 
 “ilícito penal de justiça' –, a Constituição não acolhe. 
 
  
 
                   9. Por outro lado, o facto de o legislador ter mantido o 
 processamento e julgamento desse tipo de ilícito – face ao texto constitucional, 
 desse tertium genus de ilícito – subordinado a um regime de processo penal 
 simplificado, de natureza judicial e não administrativa (cfr. Decreto-Lei n.º 
 
 17/91, de 10 de Janeiro), nada permite inferir sobre a natureza do ilícito e da 
 sanção que necessariamente se projecte no modo como o seu regime substantivo se 
 relaciona com os referidos princípios constitucionais. A qualidade do órgão que 
 pronuncia a sanção nada lhe comunica no plano dos seus efeitos na esfera 
 jurídica do sujeito a que é aplicada. A judicialização da apreciação da 
 infracção com observância dos quadros formais do processo penal decorre da 
 preocupação de assegurar as garantias do arguido, não da preocupação de conferir 
 ao ilícito apreciado ressonância ética, nem de projectar na comunidade ou de 
 fazer cumprir à sanção aplicada outro fim que não seja o de contra-motivo ou 
 advertência meramente social, que não exprime a censura ético-jurídica que vai 
 ligada à pronúncia das penas criminais. Que não é a solene advertência e o 
 
 “pathos” social purgativo próprios do julgamento e da sentença que se procura 
 obter torna-se, desde logo, evidente pelo facto de se permitir a oblação 
 voluntária.
 
                   Com efeito, a multa contravencional – quer o seu pagamento 
 seja voluntário, quer decorra de acatamento da sentença, quer resulte da 
 execução coerciva desta – traduz-se e esgota-se sempre numa sanção de natureza 
 exclusivamente pecuniária, insusceptível de ser convertida ou substituída por 
 pena privativa da liberdade (cf., quanto que este último aspecto, entre outros, 
 os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 188/87 e 308/94, publicados na II Série do 
 Diário da República de, respectivamente, 5 de Agosto de 1987 e 29 de Agosto de 
 
 1994). Não tem qualquer outra consequência que não seja a perda patrimonial que 
 
 é inerente ao seu cumprimento, esgotando-se os seus efeitos no mero desembolso 
 do montante pecuniário em que consiste, quer o agente se livre do procedimento 
 pela oblação voluntária (artigo 125.º, n.º 5, do Código Penal de 1886), quer o 
 deixe seguir até ao fim e a sanção lhe seja imposta pela decisão judicial 
 condenatória. 
 Assim, a designação multa não identifica esta sanção com a pena criminal com o 
 mesmo nome (o que é de gritante evidência aí onde vigore o “sistema dos 
 dias‑de‑multa”), com que tem em comum, apenas, o facto de se tratar de uma 
 sanção pecuniária. Substancialmente – (i) por poder ser paga voluntariamente, 
 extinguindo-se com isso o procedimento; (ii) por não ser passível de 
 substituição por pena privativa de liberdade; (iii) por corresponder a uma 
 infracção em que a sanção não se liga à personalidade ética do agente e à sua 
 atitude interna e, (iv) por não lhe estarem legal e socialmente ligados ou 
 atribuídos quaisquer efeitos estigmatizantes – identifica-se substancialmente 
 com a coima, denominação recuperada para servir ou funcionar como elemento do 
 critério formal de determinação do ilícito de mera ordenação social. 
 
  
 Deste modo, não pondo em dúvida que os princípios da proporcionalidade e da 
 igualdade e mesmo o princípio da culpa também vinculem o legislador na 
 configuração dos ilícitos contravencionais (como nos de contra-ordenação) e 
 respectivas sanções (cfr. acórdão n.º 547/2001, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 15 de Julho) é diferente o limite que deles decorre para 
 a discricionariedade legislativa na definição do que o legislador pode assumir e 
 o que deve ser deixado ao juiz na determinação concreta da sanção. 
 Designadamente, não ocorre aqui colisão com nenhum dos preceitos constitucionais 
 em que se funda a afirmação de violação do princípio da culpa, que é o nuclear 
 na fundamentação da referida jurisprudência do Tribunal a propósito da 
 ilegitimidade constitucional de penas criminais fixas. Na verdade, não está em 
 causa minimamente o direito à liberdade (artigo 27.º, n.º1) porque a multa 
 contravencional, diversamente da multa criminal, não tem prisão sucedânea. E só 
 de modo muito remoto – e nunca por causa da sua invariabilidade – uma sanção 
 estritamente pecuniária, num ilícito sem qualquer efeito jurídico 
 estigmatizante, pode contender com o princípio da dignidade da pessoa humana 
 
 (artigo 1.º), que é de onde o Tribunal tem deduzido o princípio da culpa na 
 
 'Constituição criminal'.
 
                   Como diz figueiredo dias, O Movimento da Discriminalização…, 
 pág. 29, a propósito da culpa na imputação das contra-ordenações, também perante 
 uma categoria de infracções, punidas “independentemente de toda a intenção 
 maléfica”, não se trata de uma culpa, como a jurídico-penal baseada numa censura 
 
 ética dirigida à pessoa do agente, à sua abstracta intenção, mas apenas de uma 
 imputação do acto à responsabilidade social do seu autor.
 
                   Assim entendido, o princípio da culpa pode ser pressuposto da 
 imposição da sanção (fundamento), mas não é um factor constitucionalmente 
 necessário da sua medida concreta (limite individual), não significando a 
 cominação de uma multa contravencional fixa, por si só, violação dos artigos 1.º 
 e 27.º, n.º 1, da Constituição.
 
  
 
                   10.  Verifica-se que no domínio do direito de mera ordenação 
 social o Tribunal tem admitido a constitucionalidade de sanções pecuniárias 
 
 (coimas) fixas. É do que dá conta o acórdão n.º 74/95 (Diário da República, II 
 Série, 12 de Junho de 1995) quando, confrontado com a possibilidade de, na 
 situação aí apreciada, o jogo interpretativo conduzir a uma identificação entre 
 o máximo e o mínimo da moldura penal, afirma que 'a jurisprudência deste 
 Tribunal, plasmada nos Acórdãos nº 83/91 (Diário da República, II Série, de 30 
 de Agosto de 1991) e nº 441/93, tem sido a seguinte:  [...] dos princípios 
 constitucionais da justiça, igualdade e proporcionalidade «não decorre 
 necessariamente, de forma directa ou indirecta, a ilegitimidade constitucional 
 de todas as chamadas penas fixas», não existindo assim um obstáculo 
 constitucional a uma sanção contra-ordenacional dessa natureza'.
 
  Ora, para o confronto com os princípios constitucionais em causa, uma 
 contravenção punida, apenas, com multa não se diferencia de uma contra-ordenação 
 punida com coima, porque estas sanções significam exactamente o mesmo na esfera 
 jurídica do respectivo destinatário: apenas e só o sacrifício patrimonial. Neste 
 domínio, em que a punição não é baseada numa censura ética e em que prevalece a 
 função admonitória, é constitucionalmente suportável que a sanção seja 
 legalmente tarificada, reduzindo a intervenção mediadora do juiz na 
 individualização da sanção, em homenagem a exigências de prevenção geral e de 
 eficácia da dissuasão.
 
  
 
                   11. Reconhece-se que a estruturação dos sistemas punitivos de 
 modo a permitir à entidade decisora – em último termo, ao juiz – a 
 individualização da sanção, mesmo daquela que só tenha expressão pecuniária, de 
 modo a levar em conta as especificidades de cada caso, o grau de ilicitude e de 
 culpa e a situação pessoal do agente, se apresenta como a que realiza de modo 
 mais intenso os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Mas as 
 exigências destes princípios são ainda respeitadas quando, pela natureza do 
 ilícito sancionado e pela medida da sanção pecuniária fixa prevista, esta última 
 apareça como razoavelmente proporcionada relativamente à gama de comportamentos 
 susceptíveis de recondução ao concreto tipo de ilícito. 
 Na verdade, não se vê que constitua entorse intolerável dos princípios 
 constitucionais da igualdade e proporcionalidade que o legislador ordinário, 
 colocado perante a possibilidade de verificação de infracções contravencionais 
 
 (ou contra‑ordenacionais) em massa, decorrente da opção legislativa de punir a 
 esse título, com penas meramente pecuniárias sem quaisquer efeitos pessoais, 
 comportamentos violadores de simples regras de conduta ou de observância da 
 ordenação social ou de colaboração com o Estado não possa conferir maior relevo 
 
 às exigências postuladas pelo princípio da legalidade em detrimento do sentido 
 apontado pelo princípio da culpa e, nesse seu juízo, proceder a uma maior 
 concretização das sanções aplicáveis, afrouxando a necessidade da intervenção do 
 juiz no apuramento efectivo do montante da sanção a aplicar.
 
                   
 
 É certo que, embora não seja rigorosamente fixa, a sanção prevista coloca na 
 mesma posição os infractores que utilizem, sem título válido, o transporte 
 durante um mesmo percurso, com insensibilidade à situação económica do 
 infractor, ou ainda todos aqueles em que o valor de 50% do preço do respectivo 
 bilhete seja inferior a cem vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado. 
 Todavia, existem razões que podem sustentar, no plano constitucional, essa opção 
 legislativa de igualação sancionatória.
 
                   O fim que ela prossegue é o de desencorajar, pelo modo tido 
 como eficaz, a utilização dos transportes sem o pagamento da contraprestação 
 devida pela prestação do transporte e de, por essa via, procurar garantir, na 
 maior medida possível, a amortização dos custos do investimento e da prestação 
 do serviço. Ora, estes serviços de transporte são serviços de interesse geral, 
 porquanto satisfazem necessidades básicas dos cidadãos, que são prestados em 
 regime de concessão de serviço público e que estão sujeitos a princípios 
 específicos, como o da universalidade, ou do acesso do maior número possível de 
 pessoas, neste se incluindo a inadmissibilidade legal da possibilidade de 
 escolha do contraente e de recusa de contratar, possível relativamente a outros 
 bens. 
 
                   Deve notar-se, por outro lado, que a prestação de serviços 
 deste tipo corresponde a um modo de o Estado se desincumbir da tarefa 
 fundamental cometida no art. 9.º, alínea d) da Constituição (“promover o bem 
 estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem 
 como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais…”). 
 Por estas razões, os preços relativos à prestação dos serviços de transporte 
 são, por via de regra, “preços normativos” e não preços estabelecidos por acordo 
 das partes ou segundo mecanismos de livre funcionamento do mercado, em cuja 
 determinação intervêm, de modo relevante, factores normativos e ponderações 
 
 “políticas”, normalmente, em patamares que se situam abaixo do que resultaria 
 daquele mercado. Neste enquadramento publicístico, demandando a actividade de 
 prestação de tais bens avultados investimentos, não poderá, correspondentemente, 
 o legislador deixar de adoptar instrumentos que garantam, eficazmente, o 
 pagamento dos preços devidos.
 
                   Ora, se os preços são fixados em função de um paradigma 
 económico que procura colocar todos os consumidores no mesmo plano, quanto à 
 possibilidade de poder aceder a tais bens, dentro de uma óptica de igualdade de 
 oportunidades, não se vê que o legislador, optando pela conformação de um 
 ilícito contravencional (ou contra-ordenacional) perspectivado para conferir 
 eficácia ao dever do seu pagamento/cobrança, não possa, por decorrência desses 
 mesmos princípios, estabelecer um padrão de pena igual para todos aqueles que o 
 violem, desde que ele se situe dentro de valores que não sejam desadequados, e 
 exista uma infracção a punir.
 
                   A sanção fixa corresponderá, deste modo, a uma transposição 
 para o campo sancionatório dos mesmos critérios a que obedece, precisamente, o 
 estabelecimento dos preços normativos e a conformação do dever do seu 
 pagamento/cobrança, maxime, dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
 
                   Reprime-se, afinal, um comportamento que tira vantagem da 
 massificação da prestação do serviço e em que a eventual diversidade das 
 motivações individuais é pouco significativa no que revela de atitude perante a 
 ordenação do comportamento social que se quer assegurar e é indiferente no plano 
 das consequências desse comportamento para o regular funcionamento do sistema de 
 transportes colectivo de passageiros. Por outro lado, a multa não graduável é 
 determinada por um método de cálculo que ainda reflecte a gravidade concreta da 
 infracção e que, em qualquer caso, privilegiando claramente a finalidade 
 dissuasora, não parece afastar-se de montantes razoavelmente suportáveis pelo 
 comum das pessoas. A evolução legislativa mostra, aliás, que, tendo agora optado 
 pelo sistema de sanções pecuniárias susceptíveis de graduação, o legislador 
 fixou o limite mínimo da coima a um nível que grosso modo corresponde à multa de 
 montante fixo anteriormente cominada.
 
  
 
 12. Acresce que o juízo sobre essa necessidade de intervenção judicial 
 individualizadora não pode abstrair do montante da sanção legalmente prevista, 
 não sendo indiferente que esteja em causa uma sanção pecuniária de montante 
 elevadíssimo ou, pelo contrário, uma quantia acessível ao comum das pessoas, em 
 que haverá um claro desfasamento entre o investimento na recolha séria de 
 elementos para essa tarefa diferenciadora e a sua expressão prática, o que 
 também é lícito ao legislador levar em conta, numa afectação racional de meios.  
 
 
 Ora, neste aspecto, o montante da multa fixa agora em exame pode objectivamente 
 considerar-se moderado, em termos de valores absolutos, porque o tipo de 
 cobrança a que o infractor se furta é característico de carreiras com percursos 
 urbanos ou de periferia, em que o mínimo cobrável, correspondendo a trajectos 
 curtos, é necessariamente baixo. O que, aliás, é patente no caso, em que estava 
 em causa uma multa de €144,40 (1,44 x 100) e bem justifica que se questione a 
 razoabilidade da averiguação judicial sistemática das circunstâncias que 
 poderiam relevar na individualização e graduação da sanção, averiguação que 
 poderia implicar um esforço da máquina judiciária em detrimento de questões mais 
 relevantes, ou, pelo seu carácter rotineiro, conduzir a situações de injustiça 
 relativa.
 
  
 III. Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão 
 recorrido.
 Sem custas.
 Lisboa, 6 de Junho de 2007
 Vítor Gomes
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha (vencido de acordo com a declaração de
 voto da Exma. Conselheira Maria João Antunes)
 Maria João Antunes (vencida nos termos da declaração de voto junto)
 Mário José de Araújo Torres (vencido pelas razões constantes da
 declaração de voto da Exma. Conselheira Maria João Antunes)
 Maria Lúcia Amaral (vencido pelas razões constantes da declaração
 de voto da Exma. Sra. Conselheira Maria João Antunes)
 Rui Manuel Moura Ramos (vencido, pelas razões constantes da
 declaração de voto da Exma. Senhora Conselheira Maria João Antunes)
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Votei vencida, acompanhando a fundamentação dos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional n.ºs 579/2006, 679/2006 e 5/2007 (disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), por entender que a alínea a) do n.º 2 do artigo 
 
 3.º do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio, viola os princípios 
 constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, quando sanciona o 
 comportamento aí descrito com uma multa de montante fixo.
 Dada a natureza contravencional da infracção – infracção que se inscreve no 
 
 âmbito do direito penal (criminal) substantivo e adjectivo e não no âmbito do 
 direito administrativo –, a sanção que lhe corresponde é de natureza penal 
 
 (criminal). Não está, por isso, subtraída à proibição constitucional de penas 
 fixas – resultante dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade – que, de forma reiterada, tem fundamentado julgamentos de 
 inconstitucionalidade de normas que prevêem este tipo de penas (cf. Acórdãos 
 n.ºs 202/2000, 203/2000, 95/2001, 70/2002, 485/2002 e 124/2004, disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 A circunstância de se tratar de uma pena de multa, de uma sanção patrimonial, em 
 nada justifica que esta sanção penal (criminal) seja subtraída à proibição 
 constitucional de penas fixas: a pena de multa é uma pena criminal autêntica, 
 sem qualquer subordinação político-criminal à pena de prisão (cf. Figueiredo 
 Dias, Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime, 
 Aequitas/Editorial de Notícias, 1993, p. 118 e ss.). Pelo contrário, a natureza 
 patrimonial da sanção faz com que a previsão de uma pena fixa ofenda o princípio 
 da igualdade também por “prejudicar o agente de mais fraca situação 
 económico-financeira por absoluta incapacidade para a tomar em conta no momento 
 da determinação concreta” da sanção (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 125.).
 Apesar de a pena de multa que sanciona um comportamento contravencional ter 
 natureza exclusivamente pecuniária, por ser insusceptível de ser convertida em 
 pena privativa da liberdade, à semelhança do que sucede com a coima, tal não 
 legitima que se identifique a primeira com a segunda. Se, por um lado, também a 
 pena de multa que sanciona, a título principal, a prática de um crime é 
 insusceptível de ser convertida em pena privativa da liberdade, à luz do que 
 dispõe o artigo 49º do Código Penal; por outro lado, a coima, sanção do direito 
 de mera ordenação social, diferencia-se claramente, “na sua essência e nas suas 
 finalidades, da pena criminal” (Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral. 
 Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, 
 p. 154). Sem que isso implique, necessariamente, a legitimidade constitucional 
 de coimas fixas – questão que não cabe apreciar e decidir nos presentes autos, 
 dada a já assinalada natureza penal (criminal) da multa fixa em causa.  
 A natureza penal das contravenções, por seu turno, é compatível com a 
 consagração de regras privativas desta categoria penal, por comparação com as 
 previstas para os crimes (cf., por exemplo, artigos 4.º, 25.º, 33.º, 125.º, n.º 
 
 5, e 486.º, § único, do Código Penal de 1886 e, sobre isto, Eduardo Correia, 
 Direito Criminal I, Almedina, p. 221 e ss.). Regras privativas que podem mesmo 
 abranger o âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia 
 da República, prevista no artigo 165.º, n.º 1, da Constituição (no sentido de 
 esta reserva abranger apenas o regime geral de punição das contravenções e o 
 respectivo processo cf., entre outros, Acórdãos n.ºs 230/2006 e 419/2006, 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).  
 Argumentos como os utilizados no ponto 11. e, em geral, os que se referem à 
 falta de “ressonância ética” da infracção em causa são relevantes apenas para o 
 efeito de saber se a intervenção penal é legítima, do ponto de vista 
 jurídico-constitucional, quando o comportamento do agente se traduza em utilizar 
 transportes colectivos de passageiros sem título de transporte válido (artigo 
 
 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 108/78). Questão que extravasa o objecto do 
 presente recurso de constitucionalidade. 
 
                                               Maria João Antunes