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Processo n.º 263/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 
  
 
             Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – O Ministério Público, junto do Tribunal Judicial da Comarca de 
 Santarém, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos 
 art.ºs 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro de 2008, na sua actual versão (LTC) da sentença proferida por 
 aquele tribunal, pretendendo a apreciação da questão de constitucionalidade das 
 
 “normas cuja aplicação foi recusada: o critério de apreciação de insuficiência 
 económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 
 de Julho, e os artigos 6.º, 8.º e 9.º, bem como os anexos para que remetem, tudo 
 da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto”.
 
  
 
             2 – Alegando neste Tribunal, o recorrente concluiu o seu discurso 
 argumentativo dizendo:
 
 “1.º
 
             A norma constante do ponto I, 1, alínea c), do Anexo à Lei n.º 
 
 34/04, conjugado com os artigos 6.º, 8.º e 9.º e respectivos anexos da Portaria 
 n.º 1085-A/04, de 31/08, interpretados no sentido de que determinam que seja 
 considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do 
 benefício de apoio judiciário o rendimento do seu agregado familiar nos termos 
 aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação 
 económica do requerente, em função da sua efectiva carência económica, face aos 
 seus rendimentos e encargos, é materialmente inconstitucional, por violação do 
 artigo 2.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
 
 2.º
 
             Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade 
 formulado pela decisão recorrida”.
 
  
 
             3 – Não houve contra-alegações.
 
  
 
             4 – Com interesse para a compreensão do caso, vê-se nos autos:
 
             4.1 – A. requereu, em 5 de Novembro de 2007, perante os pertinentes 
 Serviços da Segurança Social, apoio judiciário, na modalidade de dispensa de 
 taxa de justiça e demais encargos, para propor acção de demarcação com o valor 
 de 10.000 euros.
 
             O pedido foi deferido tão só parcialmente, tendo-lhe sido concedido 
 o benefício apenas na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça, de 
 periodicidade trimestral e com a prestação de €80,00.
 
  
 
             4.2 – O requerente impugnou judicialmente esta decisão 
 administrativa, tendo a decisão ora recorrida julgado procedente o recurso de 
 impugnação e concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade 
 pretendida, tendo para tanto desaplicado expressamente “por 
 inconstitucionalidade material o critério de apreciação de insuficiência 
 económica previsto no ponto I,1,alínea c), do anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de 
 Julho, e os artigos 6.º, 8.º e 9.º e os anexos para quem remetem, tudo da 
 Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto”.
 
             Na parte relevante à intelecção da decisão recorrida, discreteou 
 esta do seguinte jeito:
 
  
 
             
 
 «[…]
 Além disso, deverá sempre o tribunal verificar se as normas legais aplicadas se 
 conformam com os ditames constitucionais, nomeadamente, se constituem ou não uma 
 restrição desproporcionada e injustificada do direito fundamental de acesso ao 
 direito (artigos 18º, nºs 1 e 2, 20º e 204º, todos da Constituição da República 
 Portuguesa).
 No caso dos autos, verifica-se que por efeito da aplicação do critério de 
 apreciação da insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do 
 anexo à lei nº 34/2004, de 29 de Julho e dos resultados da fórmula constante da 
 Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, a Segurança Social concluiu que o 
 requerente tinha condições económicas para lhe ser deferido apoio judiciário na 
 modalidade de pagamento faseado.
 Analisando o rendimento líquido do agregado familiar do requerente, tendo em 
 conta o valor global desse rendimento e a sua provável distribuição por catorze 
 meses, verifica-se que tal rendimento corresponde, per capita, a € 246,98 
 mensais e, se se distribuir tal rendimento anual por doze meses, equivalerá a um 
 rendimento mensal per capita de € 288,14. 
 
 É notório que se trata de um rendimento exíguo, ainda para mais tratando-se de 
 pessoa idosa, certamente com gastos acrescidos de saúde, alguns deles 
 eventualmente sem comparticipação. 
 O resultado daquele critério e da referida fórmula é ainda mais chocante se 
 atentarmos no valor do salário mínimo nacional, presentemente de € 426,00, valor 
 que é considerado, por exemplo para efeitos de penhorabilidade, correspondente 
 ao mínimo de subsistência (artigo 824º, nº 2, parte final, do Código de Processo 
 Civil).
 
 É certo que no artigo 20º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, existe uma 
 
 “válvula de escape” à frieza dos números imposta pela Portaria nº 1085-A/2004, 
 de 31 de Agosto, mecanismo que porém não foi usado pela Segurança Social e que 
 não é facultado ao requerente do apoio judiciário.
 Assim, no caso concreto, afigura-se-nos que a aplicação do critério de 
 apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do 
 anexo à lei nº 34/2004, de 29 de Julho e dos critérios matemáticos vazados na 
 Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto e que conduzem a que alguém com 
 rendimento mensal líquido de € 288,14, apenas tenha direito a apoio judiciário 
 na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, sendo a prestação 
 trimestral de tal pagamento faseado de € 80,00, se traduz numa intolerável 
 restrição do direito fundamental de acesso ao direito. 
 A situação ainda é mais caricata se se atentar que para a causa para que se 
 pretende o apoio judiciário (atribui-se-lhe o valor de € 10.000,00), a taxa de 
 justiça devida por cada parte no processo é de € 288,00, sendo a taxa de justiça 
 inicial devida por cada parte de € 144,00, estando o beneficiário de apoio 
 judiciário sujeito, por força do disposto no artigo 13º da Portaria 1085-A/2004, 
 de 31 de Agosto, ao pagamento da taxa de justiça total do processo, isto é, 
 sofrendo um encargo maior do que sofreria se não beneficiasse de apoio 
 judiciário. Ora, o não beneficiário de apoio judiciário só se sujeita ao 
 pagamento de tal valor caso venha a sucumbir totalmente na acção e apenas a 
 final terá que suportar tal valor. 
 Pelo exposto, porque se entende que a aplicação do critério de apreciação de 
 insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei nº 
 
 34/2004, de 29 de Julho e dos critérios matemáticos da Portaria nº 1085-A/2004, 
 de 31 de Agosto conduzem, no caso concreto, pelo que se expôs, a uma 
 desproporcionada e injustificada restrição do direito fundamental de acesso ao 
 direito, desaplicam-se, por inconstitucionalidade material o critério de 
 apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do 
 anexo à lei nº 34/2004, de 29 de Julho e os artigos 6º, 8º e 9º e os anexos para 
 que remetem, tudo da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto.
 Considerando um rendimento mensal líquido de € 288,14, tendo em conta a idade 
 avançada do requerente, facto que torna previsíveis encargos de saúde, alguns 
 deles certamente não comparticipados, tendo em conta o valor da taxa de justiça 
 de € 288,00 que o requerente terá de suportar necessariamente no processo para 
 que requereu apoio judiciário, afiguram-se-nos reunidas as condições para que se 
 conclua que o requerente não tem condições económicas para suportar a mencionada 
 taxa de justiça. 
 Nesta medida, por força da desaplicação do critério de apreciação de 
 insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei nº 
 
 34/2004, de 29 de Julho e dos citados normativos da Portaria nº 1085-A/2004, de 
 
 31 de Agosto já citados e numa apreciação casuística do caso, afiguram-se-nos 
 reunidos os pressupostos para que seja deferido o apoio judiciário requerido 
 pelo recorrente.
 
             Decisão: pelo fundamentos expostos, desaplicando-se por 
 inconstitucionalidade material o critério de apreciação de insuficiência 
 económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei nº 34/2004, de 29 de 
 Julho e os artigos 6º, 8º e 9º e os anexos para que remetem, tudo da Portaria nº 
 
 1085-A/2004, de 31 de Agosto, julga-se procedente o recurso de impugnação 
 interposto nestes autos por A. e, em consequência, concede-se-lhe apoio 
 judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e outros 
 encargos do processo. Custas do presente recurso pela entidade recorrida, por 
 ter dado causa ao recurso ao não aplicar o disposto no artigo 20º, nº 2, da Lei 
 nº 34/2004, de 29 de Julho. Notifique».
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             5 – Da delimitação do recurso
 
  
 
             No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o 
 recorrente identificou as normas “cuja aplicação com fundamento em 
 inconstitucionalidade havia sido recusada” como sendo “o critério de apreciação 
 de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do Anexo à Lei n.º 
 
 34/2004, de 29 de Julho, e os artigos 6.º, 8.º e 9.º, bem como os anexos para 
 que remetem, tudo da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto”.
 
             Porém, nas alegações de recurso, o mesmo recorrente reduziu o âmbito 
 da norma cuja apreciação requer, passando do seu significado geral para uma sua 
 concreta dimensão, identificando-a como sendo “a norma constante do ponto I, 1, 
 alínea c), do Anexo à Lei n.º 34/04, conjugado com os artigos 6.º, 8.º e 9.º e 
 respectivos anexos da Portaria n.º 1085-A/04, de 31/08, interpretados no sentido 
 de que determinam que seja considerado para efeitos de cálculo do rendimento 
 relevante do requerente do benefício de apoio judiciário o rendimento do seu 
 agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto 
 aferir da nela situação económica do requerente, em função da sua efectiva 
 carência económica, face aos seus rendimentos e encargos”.
 
             Verifica-se deste modo que o recorrente restringiu o objecto do 
 recurso. 
 
             A restrição do recurso, nas conclusões da alegação, é legalmente 
 admissível, nos termos do n.º 3 do art.º 684.º do Código de Processo Civil 
 
 (CPC), aplicável ao processo constitucional por mor do disposto no art.º 69.º da 
 LTC.
 
             De qualquer modo, sempre se teria de circunscrever à dimensão 
 normativa agora recortada o objecto do recurso de constitucionalidade. 
 
             Esta conclusão deriva não só do facto de, tratando-se de um recurso 
 interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC pelo Ministério 
 Público, o recurso obrigatório se ter de cingir à concreta 
 norma/dimensão/critério normativos cuja aplicação foi recusada como da 
 circunstância de o recurso de constitucionalidade ter natureza instrumental. 
 
             A obrigatoriedade do recurso postula que o âmbito deste se 
 circunscreva ao âmbito significativo da norma que foi concretamente aplicado 
 como ratio dedicendi da decisão recorrida.
 
             Por outro lado, a instrumentalidade do recurso demanda que apenas 
 deva conhecer-se do recurso na medida em que o juízo de constitucionalidade 
 possa repercutir-se sobre a concreta decisão. Ora, tal possibilidade só pode 
 ocorrer relativamente à concreta norma que tenha constituído o fundamento 
 normativo do decidido.
 
             Assim sendo, conhecer-se-á do recurso nos termos que foram 
 delimitados nas conclusões da alegação do recurso, acima apontados.
 
  
 
             6 – Do objecto do recurso
 
  
 
             Os preceitos de direito positivo, de que se inferiu a norma 
 desaplicada, dispõem do seguinte modo (transcreve-se a totalidade do preceito, 
 para facilidade de apreensão do seu conteúdo, constando a parte questionada em 
 itálico).
 
             Anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho:
 
  
 
 “Anexo
 I – Apreciação da insuficiência económica
 
  
 
 1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
 
  
 a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional 
 não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os 
 custos de um processo;
 
  
 b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do 
 valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para 
 suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de 
 consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio 
 judiciário;
 
  
 c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o 
 valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os 
 custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar 
 pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do 
 apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do nº 
 
 1 do artigo 16º da presente lei;
 
  
 d) Não se encontra em situação de insuficiência económica o requerente cujo 
 agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica 
 superior a duas vezes o valor do salário mínimo nacional.
 
  
 
 2 – Se o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de 
 valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado de que o 
 requerente ou qualquer membro do seu agregado familiar sejam titulares forem 
 superiores a 40 vezes o valor do salário mínimo nacional, considera-se que o 
 requerente de protecção jurídica não se encontra em situação de insuficiência 
 económica, independentemente do valor do rendimento do agregado familiar.
 
  
 
 3 – Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado 
 familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção 
 jurídica”.
 
  
 
  
 
             Preceitos da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, sendo o 
 
 último artigo na versão decorrente da Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março:
 
  
 
 “Artigo 6.º
 
  
 Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
 
  
 
 1 — Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que 
 resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado 
 familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica 
 
 (A), ou seja, YAP = YC–A.
 
  
 
 2 — O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso 
 em múltiplos do salário mínimo nacional.
 
  
 Artigo 7.º
 
  
 Rendimento líquido completo do agregado familiar
 
  
 
 1 — O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da 
 soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da 
 renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do 
 agregado familiar (YR), ou seja, YC= Y+ YR.
 
  
 
 2 — Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois 
 da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos 
 empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos 
 empregadores para a segurança social.
 
  
 
 3 — O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no 
 artigo 10.º da presente portaria.
 
  
 Artigo 8.º
 
  
 Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica.
 
  
 
 1 — O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta 
 da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado 
 familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado 
 familiar (H), ou seja, A = D + H.
 
  
 
 2 — O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar 
 
 (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
 D=(1+n–1)×d×YC
 
 10
 em que n é o número de elementos do agregado
 
  
 em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de 
 dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado 
 em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo 
 I.
 
  
 
 3 — O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) 
 resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do 
 agregado familiar (YC), ou seja, H = h×YC, em que h é determinado em função dos 
 diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.
 
  
 Artigo 9.º
 
  
 Cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
 
  
 O valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificado 
 nos artigos anteriores, é calculado através da fórmula prevista no anexo III 
 desta portaria”. 
 
  
 
             E o anexo III desta portaria, para o qual o preceito remete, reza 
 assim:
 
  
 ANEXO III
 Fórmula a que se refere o artigo 9.o
 
  
 A fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante
 para efeitos de protecção jurídica é a seguinte:
 
 YAP=[1–(1+n1–01)×d – h]×YC
 A fórmula de cálculo resulta das seguintes identidades
 algébricas:
 
 YAP=YC – A
 A=D+H
 D=(1+n1–01)×d×YC
 H=h×YC
 Portanto, por operações aritméticas elementares:
 
 YAP=YC – (D+H)
 BYAP=YC – [(1+n – 1)×d×YC+h×YC] 10
 
                            BYAP=[1–(1+n – 1)×d–h]×YC» 
 
  
 
             7 – Do mérito do recurso
 
  
 
             O sistema do apoio judiciário visa concretizar o direito fundamental 
 de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no art.º 20.º, n.º 1, da 
 Constituição, na parte em que nele se dispõe “(…) não podendo a justiça ser 
 denegada por insuficiência de meios económicos”.
 
             Trata-se, deste modo, de um instrumento jurídico-financeiro que dá 
 cumprimento à dimensão “prestacional” compreendida naquele direito fundamental, 
 devendo cumprir a função constitucional de “garantir uma igualdade de 
 oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação económica dos 
 interessados”, como tem sido reconhecido em vários momentos pelo Tribunal 
 Constitucional (cf., a título de exemplo, os Acórdãos n.ºs 433/87 e 352/91, 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 
             Mas se é assim, temos que a igualdade de oportunidades no acesso à 
 justiça que releva é uma igualdade material referida aos elementos pertinentes 
 do sistema de justiça que são susceptíveis de impedir ou dificultar a motivação 
 do cidadão de recorrer a ela, na defesa dos seus direitos e interesses 
 legítimos, decorrendo, desde logo, do art.º 13.º, n.º 2, da Constituição.
 
             E perante o nosso sistema de justiça são, essencialmente, dois os 
 factores que são susceptíveis de motivar os cidadãos no acesso e utilização do 
 sistema de justiça: a possibilidade económica de suportar os honorários do 
 patrono jurídico ou judiciário e a de arcar com as custas da respectiva acção 
 judicial, no caso de se ter de recorrer a juízo.
 
             Daí que a previsão do benefício, por parte do legislador ordinário, 
 se traduza nas modalidades de informação jurídica e de protecção jurídica, 
 decompondo-se esta, por seu turno, na consulta jurídica e no apoio judiciário 
 
 (cf. art.ºs 4.º e 6.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho).
 
             Enquanto exercício de uma actividade pessoal, o exercício do 
 patrocínio jurídico ou judiciário acarreta custos, maxime, de remuneração dessa 
 actividade.
 
             Por seu lado, não consagrando Constituição um direito à 
 administração gratuita da justiça e demandando a mesma a realização de despesas, 
 pode o Estado repercutir sobre os cidadãos que a ela recorram os respectivos 
 custos, optando por uma justiça mais barata ou mais cara, conquanto “tenha na 
 devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos, de modo a não tornar 
 incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois, 
 se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar incomportável ou 
 especialmente gravoso, violar-se-á o direito de acesso aos tribunais” (Acórdão 
 
 102/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 
             E tal como o legislador ordinário goza de liberdade 
 normativo-constitutiva, dentro de tais parâmetros constitucionais, para 
 configurar o concreto sistema das taxas de justiça, do mesmo passo goza de 
 discrionariedade legislativa no que importa à modelação do sistema de apoio 
 judiciário, estando, porém, vinculado a prosseguir, nele, aquele escopo 
 constitucional de igualdade material no acesso e na utilização do sistema de 
 justiça, de sorte a não impedi-los ou dificultá-los de forma incomportável para 
 o cidadão.
 
             Como é evidente o espectro de insuficiência económica que o Estado 
 tem de suprir variará, assim, em concreto, em função quer da específica situação 
 económica do cidadão quer do concreto nível de agravamento tributário que tenha 
 adoptado na estruturação do sistema de custas, não podendo deixar de aumentar 
 perante sistemas mais onerosos de justiça.
 
             Abandonando o método anterior de utilização de normas abertas à 
 ponderação, no caso concreto, da insuficiência económica e respectivo grau e bem 
 como o recurso a presunções de “pobreza”, para algumas situações, cuja aplicação 
 foi cometido, primeiro, directamente aos tribunais (Decreto-Lei n.º 387-B/87) e, 
 depois, à Segurança Social (Lei n.º 30-E/2000), o legislador da Lei n.º 34/2004, 
 de 29 de Julho, construiu um sistema próprio funcionalizado para apurar a 
 insuficiência económica, e o respectivo grau, que desse resposta ao direito 
 constitucional de “a justiça não lhe poder ser denegada por insuficiência de 
 meios económicos”.
 
             Os termos em que o instituto de apoio judiciário se mostra 
 actualmente gizado já foram censurados, por diversas vezes, pelo Tribunal 
 Constitucional. 
 
             Em qualquer dos casos, a censura constitucional recaiu sobre uma 
 concreta modelação do instituto, por esta, na projecção dos efeitos decorrentes 
 da operacionalidade das normas estatuídas pelo legislador ordinário, desembocar 
 numa situação de restrição intolerável do direito de acesso aos tribunais.
 
             Aconteceu assim no Acórdão 654/2006, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt (e dentro da mesma linha nas Decisões sumárias 
 n.ºs 206/2007, 530/2007 e 625/2007, disponíveis no mesmo sítio), em que a razão 
 de inconstitucionalidade se prendia com o facto de o legislador imputar 
 positivamente ao rendimento do agregado familiar do requerente rendimentos da 
 pessoa que lhe prestava os alimentos aí considerados (também sobre a imputação 
 de rendimentos ao agregado familiar, cf. os Acórdãos n.ºs 273/08 e 274/08, 
 publicados no Diário da República II Série, de 12 de Junho de 2008) 
 
             E aconteceu, ainda, pelo menos, nos Acórdãos n.ºs 46/08, 125/08, 
 
 126/08 e 127/08, disponíveis no mesmo sítio, se bem que, aqui, por manifesta 
 inadequação ou imprestabilidade dos critérios legais estatuídos, ou para 
 absorverem no elemento normativo “valor da dedução relevante para efeitos de 
 protecção jurídica” despesas suportadas com o pagamento faseado de taxas de 
 justiça em outros processos (Ac. 46/08), ou para atenderem, no mesmo plano 
 jurídico, à específica situação do agregado familiar, constituído pelo 
 requerente, esposa doméstica e seis filhos, quatro dos quais estudantes, vivendo 
 em situações habitacionais precárias e carecendo do apoio das instituições de 
 apoio social (Ac. 125/08), ou à existência de outros encargos do agregado 
 familiar para além dos admitidos nos artigos 6.º a 9.º da Portaria n.º 
 
 1085-A/2004, de 31 de Agosto (Acs. 126/08 e 127/08). 
 
             Em todos esses casos, o Tribunal Constitucional julgou 
 
 “inconstitucionais, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa, as normas constantes do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de 
 Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de 
 Agosto, alterada pela Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, interpretadas no 
 sentido de que determinam que seja considerado para efeitos de cálculo do 
 rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário o rendimento 
 do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em 
 concreto aferir da real a situação económica do requerente em função dos seus 
 rendimentos e encargos”.
 
             Como se fez notar nesses arestos, o legislador ordinário concebeu, 
 dentro da sua discricionariedade constitutiva, um método de apuramento da 
 insuficiência económica para efeitos de protecção jurídica, construído em torno 
 da consideração de elementos rígidos ou estáticos, aptos a obviarem à 
 variabilidade subjectiva da decisão decorrente da subjectividade da apreciação 
 do decisor administrativo.
 
             Em termos abreviados, esse método consiste na imputação ao agregado 
 familiar de todos os rendimentos líquidos dos seus membros, incluindo a renda 
 financeira implícita calculada nos termos definidos (art.º 10.º da Portaria n.º 
 
 1085-A/2004) sobre os activos patrimoniais traduzidos pelos valores dos imóveis, 
 participações sociais e valores mobiliários (considerando-se como tal o 
 rendimento depois da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições 
 obrigatórias dos empregados para regimes da segurança social e das contribuições 
 dos empregadores para a segurança social) e na subtracção a esse valor da soma 
 do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar 
 com o montante da dedução de encargos com a habitação.
 
             O valor da dedução de encargos com a satisfação das necessidades 
 básicas do agregado familiar relevante para o efeito é determinado, de acordo 
 com o referido art.º 8.º da Portaria n.º 1085-A/2004, em função do número de 
 elementos do agregado familiar e de um coeficiente pré-determinado, variável em 
 função de diversos escalões de rendimento, também pré-estabelecidos, constantes 
 do anexo I da mesma Portaria.
 
             Por seu lado, o montante da dedução de encargos com a habitação do 
 agregado familiar é igualmente o resultado da aplicação de um coeficiente 
 pré-estabelecido sobre o valor do rendimento líquido completo, variando aquele 
 coeficiente em função de diversos escalões de rendimento pré-determinados, não 
 podendo, porém, ser superior ao montante da despesa efectivamente suportada 
 
 (art. 8.º, n.ºs 3 e 4, e anexo II da mesma Portaria).
 
             A concessão ou denegação de protecção jurídica, total ou parcial, 
 encontra-se associada pelo legislador, no anexo I, da Lei n.º 34/2004, à relação 
 proporcional que intercede entre o valor do rendimento relevante para efeitos de 
 protecção jurídica, resultante da subtracção ao rendimento líquido das deduções 
 relevantes para o mesmo efeito, acima assinaladas, e o valor do salário mínimo 
 nacional.
 
             Ora, se é certo que o método assim construído pelo legislador 
 permite afastar a subjectividade do decisor administrativo na ponderação dos 
 elementos económico-financeiros que seriam susceptíveis de evidenciar a 
 capacidade económico-financeira para pagar as custas devidas na acção (sistema 
 de custas esse conformado em função do valor da acção e que deve atender ao 
 nível geral dos rendimentos dos cidadãos, conforme se faz notar no Acórdão n.º 
 
 102/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), também não é menos certo 
 que ele se mostra insensível para atender às especificidades da situação 
 económica de muitos cidadãos requerentes do apoio judiciário.
 
             Em certa perspectiva, a concreta inadequação do modelo para 
 responder a essas situações resulta, essencialmente, do facto de em caso de 
 baixos rendimentos ou aproximados e de algumas composições do agregado familiar, 
 os coeficientes e os escalões de rendimento fixados, no âmbito das deduções, 
 constantes nos anexos I a IV da Portaria, não serem capazes de deixar disponível 
 para o cidadão uma margem de rendimento com o qual possa satisfazer as custas da 
 acção, mesmo na forma faseada, sem que isso corresponda, perante a emergência de 
 satisfação de necessidades básicas ou essenciais não relevadas ou não relevadas 
 suficientemente pelo legislador, a um impedimento ou dificuldade incomportável, 
 próprios de uma situação de insuficiência económica.
 
             Na verdade, esses coeficientes e valores não partem de qualquer 
 consideração sobre o nível geral dos rendimentos e das despesas dos cidadãos 
 médios, mas de um patamar abaixo dele.
 
             O coeficiente de dedução de despesas com necessidades básicas do 
 agregado familiar não é fixado em função das despesas médias do cidadão médio, 
 integrado em um agregado familiar médio, que permita a satisfação das 
 necessidades básicas correspondentes a esse “arquétipo” social, mas por 
 referência às “forças” do próprio rendimento líquido completo do agregado 
 familiar, variando regressivamente à medida que tal rendimento aumenta, mas sem 
 que o coeficiente mais baixo se mostre idóneo para espelhar um índice adequado 
 das despesas que é preciso suportar para que saiam satisfeitas as necessidades 
 básicas do agregado familiar.
 
             Para além disso, acresce que o referente com o qual é confrontado o 
 rendimento relevante para efeitos da protecção jurídica, para determinar se a 
 situação económica justifica e qual o modo ou grau de concessão do benefício do 
 apoio judiciário, estabelecido no anexo da Lei n.º 34/2004, é, também, não o 
 salário correspondente ao nível geral dos cidadãos mas o salário mínimo 
 nacional.
 
             Ora, sabido que este decorre da ponderação do legislador sobre o que 
 a economia está em condições de suportar em salários e o mínimo necessário para 
 que o trabalhador que o aufere possa, ele próprio e apenas, viver com a 
 dignidade própria de pessoa humana, fácil será constatar que o resultado 
 relevado nos termos do método elegido pelo legislador se afastará, em muitos 
 casos, de uma situação económica tal que permita aos requerentes pagar as 
 despesas de justiça sem que isso represente um impedimento ou constrangimento 
 intolerável no direito de acesso aos tribunais.
 
             E é o que se passa na situação dos autos, como bem considerou a 
 decisão recorrida.
 
             Na verdade, não poderá deixar de considerar-se, parafraseando o que 
 se diz no Acórdão n.º 46/2008, que, no caso dos autos, mais do que a «rigidez» 
 da fórmula matemática, vinculante da decisão da Segurança Social acerca do 
 peticionado apoio judiciário, aqui o que está em causa é a sua manifesta 
 inadequação e imprestabilidade, face aos valores constitucionais, por permitir 
 concluir que tem condições económicas para suportar uma taxa de justiça de 
 
 288,00, paga faseada e trimestralmente, quem tem “um rendimento mensal líquido 
 de €288,14, tem avançada idade, facto que torna previsíveis encargos de saúde, 
 alguns deles certamente não comparticipados”.
 
             Mas mesmo para quem não acompanhe integralmente a presente 
 demonstração não deixará de se impor a mesma conclusão. Com efeito, como se 
 considerou nos acórdãos deste Tribunal acima citados (654/2006, 46/08, 125/08, 
 
 126/08 e 127/08), sempre o mecanismo legalmente imposto preclude a possibilidade 
 de aferir em concreto da real situação económica do requerente em função dos 
 seus rendimentos e encargos, o que, só por si, e como se julgou naquelas 
 decisões, basta para excluir a sua conformidade constitucional.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide:
 
  
 
             a) Julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos 
 tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa, a norma constante do ponto I, 1, alínea c), do Anexo à Lei n.º 
 
 34/2004, conjugado com os artigos 6.º, 8.º e 9.º e respectivos anexos da 
 Portaria n.º 1085-A/2004, de 31/08, interpretados no sentido de que determinam 
 que seja considerado para efeitos de cálculo do rendimento relevante do 
 requerente do benefício de apoio judiciário o rendimento do seu agregado 
 familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da 
 real situação económica do requerente, em função da sua efectiva carência 
 económica, face aos seus rendimentos e encargos. 
 
             b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.
 Lisboa, 23.09.2008
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano (com a declaração que votei o presente acórdão exclusivamente 
 pelos fundamentos que já constam dos acórdãos 654/2006, 46/08, 125/08 e 127/08, 
 deste Tribunal).
 Joaquim de Sousa Ribeiro (com declaração, nos termos da do Conselheiro João Cura 
 Mariano)
 Rui Manuel Moura Ramos