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Processo nº 568/05
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
                                                                           
 
  
 
  
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 
 
 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional 
 
 (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 2 de Fevereiro de 2005.
 
  
 
 2. Por sentença do 2º Juízo Criminal do Funchal, de 7 de Julho de 2004, o ora 
 recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em 
 estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, 
 na pena de suspensão da execução da pena de prisão, pelo período de 18 meses, 
 com a condição de frequentar o programa “Responsabilidade e Segurança”, e na 
 pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, nos termos do 
 artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, pelo período de 15 meses.
 Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, 
 sustentando o recorrente, para além do mais, que “a interpretação segundo a qual 
 o artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada permite a recolha de sangue sem 
 consentimento do arguido é inconstitucional por violação do artigo 32º, nº 8, da 
 Constituição da República Portuguesa”.
 Por acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, este Tribunal alterou a matéria de facto, 
 ao abrigo do disposto no artigo 431º, alínea a), do Código de Processo Penal e 
 negou provimento ao recurso. Com relevo para a presente, extrai-se do texto da 
 decisão recorrida o seguinte:
 
  
 
 «(…) Quanto à necessidade de consentimento a questão não se coloca uma vez que a 
 lei – artº 159° do C.E. – não faz depender tal recolha de prévia autorização do 
 arguido o que é diferente da situação de o arguido se negar a submeter-se ao 
 exame de pesquisa do álcool o que acarreta aliás sanções legais.
 A lei prevê a possibilidade de recusa( com consequências penais para o 
 recusante) mas não impõe uma autorização prévia por parte do examinando.
 No caso, a situação verificada é a de impossibilidade de realização da prova por 
 pesquisa de álcool no ar expirado dado o estado inconsciente do arguido pelo que 
 se impôs a submissão à colheita de sangue para análise;
 Mas, poder-se-ia dizer, ainda aqui, que o arguido, se estivesse consciente 
 poderia ter recusado, como admite o n° 7 do artigo 159° C.E. mas se tal tivesse 
 acontecido ( o que não foi o caso dado o estado do arguido) sempre haveria o 
 recurso à realização de exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para 
 diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool. –parte final do n° 7 do 
 referido artigo. E aqui sempre seria possível apurar do estado de embriaguês do 
 arguido uma vez que não resulta da lei que lhe seja aqui permitida a recusa a 
 qual só é prevista no que respeita a colheita de sangue para análise.
 De qualquer modo, repete-se, a lei não impõe qualquer autorização prévia para a 
 recolha do sangue para análise.
 Inexiste assim, qualquer ilegalidade e, designadamente, nulidade no âmbito da 
 obtenção de prova.
 Inexiste portanto qualquer violação do disposto no artº 126 nºs 1 e 2 do C.P.P. 
 e do artº 32° n° 8 da CRP.
 
  
 
 3. Foi então interposto recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação 
 da inconstitucionalidade:
 a) do artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada, interpretada no sentido de 
 permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem 
 autorização do suspeito, por violação do artigo 32º, nº 8, da Constituição da 
 República Portuguesa; e
 b) da interpretação que o Tribunal recorrido fez do artigo 431º do Código de 
 Processo Penal, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
  
 
 4. Notificado para alegar apenas quanto à questão de constitucionalidade 
 relativa ao artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada, por não ter sido admitido o 
 recurso na parte que dizia respeito ao artigo 431º do Código de Processo Penal e 
 desta decisão não ter havido reclamação nos termos do artigo 76º, nº 4, da LTC, 
 o recorrente requereu:
 
  
 
 «o provimento do presente recurso, declarando-se inconstitucional a 
 interpretação, do acórdão recorrido, segundo a qual as normas do Código de 
 Processo Penal [Código da Estrada], nomeadamente a do artigo 159° nº7 e a do 
 artigo 163° nº2 (a que correspondem na actual sistematização do Código da 
 Estrada os artigos 153° nº8 e 156°nº2), permitiriam a utilização da prova 
 obtida, sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue de 
 arguido encontrado inconsciente aos comandos de viatura automóvel, envolvido em 
 sinistro, por violação dos artigos 1°, 25°, 32° nºs 1,2,5 e 8 da Constituição da 
 República Portuguesa».
 
  
 
 É o seguinte o teor das alegações:
 
  
 
 «DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
 
 1. Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto acórdão proferido pelo 
 Venerando Tribunal da Relação que decidiu inexistir no caso sub judice qualquer 
 violação do disposto no artigo 126° nºs 1 e 2 do C.P.P. e do artigo 32° nº8 da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
 2. O acórdão recorrido foi suscitado por recurso de sentença proferida em 
 primeira instância em cujo processo havia sido já suscitada a ilegalidade e 
 inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual seriam admissíveis as 
 provas obtidas através da recolha de sangue ao arguido sem o consentimento 
 deste.
 
 3. A sentença de primeira instância decidiu que tal consentimento não era 
 exigível legalmente por entender ser tal o resultado da interpretação que fazia 
 do artigo 159° nº7 do Código da Estrada na anterior sistematização.
 
 4. Em recurso da decisão proferida em primeira instância o ora recorrente, 
 sustentou a ilegalidade, face ao disposto no artigo 126° do Código de Processo 
 Penal, e a inconstitucionalidade, face ao artigo 32° nº8 da Constituição da 
 República Portuguesa, de tal interpretação.
 
 5. O acórdão recorrido, analisou tal problema e concluiu “Inexiste portanto 
 qualquer violação do disposto no artigo 126°, nºs 1 e 2 do C.P.P. e do artigo 
 
 32° nº8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA”.
 
 6. Em suma o que está em causa no presente recurso é saber se:
 a) Sendo um qualquer cidadão encontrado inconsciente na via pública, aos 
 comandos de um veículo motorizado imobilizado, que acabou de ser interveniente 
 num sinistro, é admissível, à luz do ordenamento penal, constitucional e infra 
 constitucional, a submissão do mesmo cidadão em estado de inconsciência à 
 recolha de sangue para aferição da taxa de alcoolemia respectiva?
 b) Na afirmativa, poderão os resultados do exame médico assim realizado 
 constituir prova existente, válida e eficaz para sustentar uma acusação e uma 
 condenação pela prática de um crime de condução de veículo a motor em estado de 
 embriaguez, p. e p. pelo artigo 292° nº1 do Código Penal?
 
 7. Da resposta a estas perguntas resultará a conclusão sobre se a interpretação 
 constante da decisão recorrida, fere ou não a constituição.
 
 8. Com efeito, o artigo 159° nº7 do Código da Estrada, bem como uma sua 
 emanação, o artigo 162° nº3 do mesmo Código (a que correspondem na actual 
 sistematização do Código da Estrada os artigos 153° nº8 e 156° nº2) que 
 determina que o médico deve proceder a exame de sangue nos casos em que aos 
 intervenientes em acidente de viação não seja possível o exame de pesquisa de 
 
 álcool no ar expirado, não pode ser interpretado no sentido de que a prova assim 
 obtida é válida sem a autorização do examinado, sob pena de 
 inconstitucionalidade.
 
 9. Essa inconstitucionalidade, é determinada pelo artigo 32° nº8 da nossa Lei 
 Fundamental, como passaremos a demonstrar.
 A proibição processual penal constante do artigo 126° do Código de Processo 
 Penal
 
 10. A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, 
 coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.
 
 11. Tal nulidade implica a proibição de obtenção de prova pelos meios ali 
 indicados, e implica sempre que a prova presente em juízo tenha sido obtida por 
 aqueles meios, que ela não seja tida em conta.
 A garantia constitucional do processo criminal constante do artigo 32° nº8 da 
 Constituição da República Portuguesa
 
 12. Mas o nosso ordenamento jurídico, considera, acertadamente em nosso 
 entender, tão importante o respeito pela civilidade dos meios de obtenção de 
 prova, que consagrou constitucionalmente no artigo 32° a nulidade das provas 
 obtidas por meios que de uma forma ou de outra violam, a dignidade da pessoa 
 humana, os princípios de Direito Processual Penal, ou outros direitos 
 constitucionalmente consagrados.
 
 13. E, fê-lo o legislador constitucional acertadamente, porquanto essa é uma das 
 bases fundamentais do estado de direito democrático.
 
 14. Não pode considerar-se estado de direito democrático, mas antes estado e 
 polícia ou pior, o estado que permite que os seus cidadãos sejam condenados com 
 base em provas obtidas por meios desumanos, desleais ou violadores de princípios 
 constitucionalmente consagrados.
 
 15. Da mesma forma não pode admitir-se a abertura de brechas no entendimento 
 constitucionalmente consagrado da nulidade das provas obtidas por meios 
 proibidos.
 
 16. Nem mesmo em casos de crimes graves ou de especial complexidade, já que 
 abrir a porta a esse tipo de interpretação é deixar margem à arbitrariedade 
 permitindo que nuns casos os meios de obtenção de prova sejam admitidos e 
 noutros não.
 
 17. O edifício jurídico-constitucional é demasiado precioso para se permitir que 
 possa ser alvo de embates cíclicos por força de interesses de investigação 
 criminal mais ou menos prementes em cada momento da vida do país.
 A obtenção de prova através da recolha de sangue e a sua caracterização
 
 18. A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova, 
 implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa.
 
 19. Trata-se de procedimento que embora simples, é intrusivo do corpo do 
 examinado, e implica a ofensa da sua integridade, a sua perfuração com agulha e 
 a extracção de um fluido que dele faz parte integrante.
 
 20. Por isso, tal meio de obtenção de prova, abstractamente considerado, implica 
 a violação da integridade física do examinado.
 O preenchimento do conceito de ofensa da integridade física
 
 21. O conceito de ofensa da integridade física deve ser preenchido através do 
 recurso ao tipo de crime com o mesmo nome?
 
 22. Embora pudesse entender-se que não na perspectiva de existirem situações de 
 facto que podendo considerar-se ofensas da integridade física pudessem estar 
 fora do tipo legal de crime, entendemos ser mais correcto o seu preenchimento 
 através do tipo legal de crime previsto no Código Penal.
 
 23. Assim sendo, embora abstractamente a recolha de sangue seja um acto 
 classificável como ofensa da integridade física, a sua realização por 
 profissional habilitado, dentro da “leges artis” da profissão e com intenção 
 terapêutica, encontrar-se-ia fora do tipo do crime ofensa da integridade física, 
 por força do disposto no artigo 150° do Código Penal.
 
 24. A intenção terapêutica, elemento subjectivo necessário à atipicidade neste 
 caso, inclui os propósitos de diagnóstico e de prevenção.
 Da recolha de sangue como meio ofensivo da integridade física da pessoa
 
 25. No caso da recolha de sangue para efeitos de determinação do estado de 
 influenciado pelo álcool, para efeitos jurídico-penais o referido elemento 
 subjectivo inexiste, razão pela qual no entendimento do recorrente, este meio de 
 obtenção de prova, desacompanhado do consentimento do arguido é proibido e a 
 prova assim obtida é nula e a sua valoração processual para condenação de um 
 arguido é inconstitucional.
 
 26. Ou seja, num caso como o dos autos, não existe qualquer ilegalidade na 
 recolha de sangue com vista a fins terapêuticos, incluindo nestes os fins de 
 diagnóstico e prevenção, ao arguido que inconsciente dá entrada no hospital, mas 
 já a recolha de sangue e o seu exame com o fim de constituir prova da condução 
 sob o efeito do álcool constitui ofensa à integridade física (e como veremos a 
 seguir também moral) do arguido, e para ser válido deverá contar com o 
 consentimento deste.
 
 27. E por ser assim, os próprios documentos como o que se encontra junto aos 
 autos principais, contém um espaço onde deve o arguido exarar o seu 
 consentimento para a recolha de sangue para estes efeitos.
 
 28. Já tal não é necessário quando se trata de recolha de sangue com fins 
 terapêuticos.
 
 29. Nesta conclusão vai o recorrente um pouco mais longe que o douto parecer 
 resultante da consulta que o recorrente fez ao Dr. Paulo Saragoça da Matta e que 
 se junta com as presentes alegações e aqui se dá como integralmente reproduzido.
 Da recolha de sangue como meio ofensivo da integridade moral da pessoa
 
 30. Mas ainda que assim não se entenda sempre terá que concordar-se com as 
 conclusões do parecer que se junta e aqui se dá como integralmente reproduzido, 
 considerando-se que a utilização do resultado do exame de recolha e análise de 
 sangue como meio de prova para efeitos criminais, quaisquer que estes sejam, 
 viola a integridade moral do arguido protegida expressamente nos artigos 25°, 
 
 32° nº8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e 126° nº1 do CÓDIGO DE PROCESSO 
 PENAL.
 
 31. Com efeito concordamos na íntegra com os argumentos do ilustre académico que 
 subscreve o parecer que se junta, que levam a esta conclusão, e que nos 
 escusamos de aqui repetir na íntegra, contudo para que a presente peça 
 processual faça algum sentido, não podemos deixar de referir alguns 
 eventualmente os mais importantes dentre eles.
 
 32. A recolha de sangue num indivíduo inconsciente e a utilização dos resultados 
 do exame a esse sangue para efeitos criminais viola o princípio da liberdade de 
 decisão e actuação do arguido em processo penal.
 
 33. Este princípio que compreende o direito do arguido ao silêncio, o seu 
 direito a recusar-se a responder a perguntas incriminatórias, e por maioria de 
 razão a recusar-se a que o seu próprio corpo constitua prova contra si próprio.
 
 34. O artigo 126° do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL proíbe a relevância de qualquer 
 prova obtida mediante a perturbação da liberdade de decisão e acção de quem quer 
 que seja, e também, “maxime” do arguido:
 
 - quer porque há valores fundamentais de um Estado de Direito Democrático que 
 com tais processos são incompatíveis – argumento filosófico ou dogmático;
 
 - quer porque uma eventual admissibilidade de tais provas potenciaria a 
 respectiva obtenção em tais circunstâncias – tutela indirecta dos bens jurídicos 
 protegidos pela lei constitucional e penal como Direitos Fundamentais nucleares;
 
 - quer ainda porque qualquer pequena abertura no sentido da consideração de tais 
 provas assim obtidas levaria a descredibilizar a verdade cuja obtenção constitui 
 fim de todo o processo – argumento processual;
 
 - quer por fim, porque a admissibilidade dos meios em razão da alegada 
 importância de determinados fins, leva, no final do caminho, a aceitar seja que 
 via conquanto se encontre um fim suficientemente elevado – argumento sociológico 
 ou criminológico.
 
 35. Como corolários do princípio da liberdade de decisão e acção do arguido em 
 processo penal encontramos no CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, o impedimento de 
 arguidos e co-arguidos deporem como testemunhas (artigo133°), a não prestação de 
 juramento por parte do arguido em caso algum (artigo 140º nº3), a tutela do 
 sigilo profissional de determinadas profissões, as cautelas que rodeiam a 
 relevância probatória da confissão.
 
 36. A utilização de prova extraída do corpo do arguido sem consentimento deste 
 viola este princípio e viola a integridade moral do arguido a qual é também 
 protegida constitucionalmente pelo artigo 25° nº1 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA 
 PORTUGUESA, em anotação ao qual os Autores Jorge Miranda e Rui Medeiros (in 
 Constituição Portuguesa Anotada), consideram que os testes de alcoolemia que vão 
 para além da pesquisa do teor de álcool no ar expirado “não resistem ao crivo do 
 juízo de inconstitucionalidade”.
 
 37. Teremos assim que como critério para avaliar da admissibilidade dos exames 
 enquanto meios de obtenção de prova o seu carácter objectivamente ofensivo da 
 integridade física ou moral das pessoas sendo admissível do ponto de vista “nemo 
 tenetur se ipsum accusare”, o exame que não envolva tal ofensividade, “rectius, 
 objectiva intervenção no corpo, na saúde ou na capacidade de decisão e acção do 
 examinado. O que apodaremos de carácter intrusivo do exame.” (ver parecer 
 junto). 
 
 38. Assim sendo, as normas do Código da Estrada que prevêem a admissibilidade da 
 sujeição dos arguidos a exame de sangue para a determinação do grau de 
 alcoolemia, quando interpretadas como o foram na decisão recorrida violam a 
 constituição, desde logo nos seus 
 Violação do princípio da proibição de diligências conducentes à auto 
 incriminação do arguido
 
 39. O princípio da proibição de diligências conducentes à auto incriminação do 
 arguido é manifestação do princípio da liberdade de declaração e acção da 
 pessoa.
 
 40. Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de 
 sangue a arguido inconsciente sem autorização deste, estar-se-ia a violar este 
 princípio e por arrasto ver-se-iam violados os princípios da dignidade da 
 pessoa, o princípio da presunção da inocência e o princípio do contraditório, 
 declarados e garantidos nos artigos 1º, 25°, 32° nºs l 2, e 8 da CONSTITUIÇÃO DA 
 REPÚBLICA PORTUGUESA e no artigo 126° do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL in totum.
 Exposto o que se extraem as seguintes
 CONCLUSÕES
 A – A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, 
 coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.
 B – O nosso ordenamento jurídico, considera tão importante o respeito pela 
 civilidade dos meios de obtenção de prova, que consagrou constitucionalmente no 
 artigo 32° a nulidade das provas obtidas por meios que de uma forma ou de outra 
 violam, a dignidade da pessoa humana, os princípios de Direito Processual Penal, 
 ou outros direitos constitucionalmente consagrados.
 C – Não pode considerar-se estado de direito democrático, mas antes estado e 
 polícia ou pior, o estado que permite que os seus cidadãos sejam condenados com 
 base em provas obtidas por meios desumanos, desleais ou violadores de princípios 
 constitucionalmente consagrados.
 D – O edifício jurídico-constitucional é demasiado precioso para se permitir que 
 possa ser alvo de embates cíclicos por força de interesses de investigação 
 criminal mais ou menos prementes em cada momento da vida do país;
 E – A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova, 
 implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa;
 G – O conceito de ofensa da integridade física deve ser preenchido através do 
 recurso ao tipo de crime com o mesmo nome.
 H – No caso da recolha de sangue para efeitos de determinação do estado de 
 influenciado pelo álcool, para efeitos jurídico-penais o elemento subjectivo 
 intenção terapêutica inexiste, razão pela qual no entendimento do recorrente, 
 este meio de obtenção de prova, desacompanhado do consentimento do arguido é 
 proibido e a prova assim obtida é nula e a sua valoração processual para 
 condenação de um arguido é inconstitucional.
 I - Mas ainda que assim não se entenda sempre terá que concordar-se com as 
 conclusões do parecer que se junta e aqui se dá como integralmente reproduzido, 
 considerando-se que a utilização do resultado do exame de recolha e análise de 
 sangue como meio de prova para efeitos criminais, quaisquer que estes sejam, 
 viola a integridade moral do arguido protegida expressamente nos artigos 25°, 
 
 32° nº8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e 126° nº1 do CÓDIGO DE PROCESSO 
 PENAL.
 J – A utilização de prova extraída do corpo do arguido sem consentimento deste 
 viola este princípio e viola a integridade moral do arguido a qual é também 
 protegida constitucionalmente pelo artigo 25° nº1 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA 
 PORTUGUESA, em anotação ao qual os Autores Jorge Miranda e Rui Medeiros (in 
 Constituição Portuguesa Anotada), consideram que os testes de alcoolemia que vão 
 para além da pesquisa do teor de álcool no ar expirado “não resistem ao crivo do 
 juízo de inconstitucionalidade”.
 K – Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de 
 sangue a arguido inconsciente sem autorização deste, estar-se-ia a violar o 
 princípio fundamental e estruturante da proibição de diligências conducentes à 
 auto incriminação do Arguido e por arrasto ver-se-iam violados os princípios da 
 dignidade da pessoa, o princípio da presunção da inocência e o princípio do 
 contraditório, declarados e garantidos nos artigos 1°, 25°, 32° nºs l, 2, e 8 da 
 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e no artigo 126° do CÓDIGO DE PROCESSO 
 PENAL in totum».
 
  
 
 5. O Ministério Público contra-alegou, concluindo que:
 
  
 
 «1. Não é inconstitucional a norma do artigo 159°, n° 7 do Código da Estrada, 
 quando interpretada no sentido de permitir que o exame ao sangue, cuja recolha 
 não obteve o prévio consentimento do visado, em estado inconsciente, pode valer 
 como prova em processo penal.
 
 2. Termos em que deve improceder o presente recurso».
 
  
 
 6. Em cumprimento do disposto no artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil, 
 aplicável por força do artigo 69º da LTC, o recorrente e o recorrido foram 
 notificados para se pronunciarem sobre a possibilidade de ser proferida decisão 
 de não conhecimento do objecto do recurso, com fundamento na circunstância de o 
 recorrente ter abandonado nas alegações produzidas a questão de 
 inconstitucionalidade que suscitou durante o processo e que formulou no 
 requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.  
 Respondeu o recorrente, sustentando o seguinte:
 
  
 
 «1. Salvo o devido respeito, e muito é, por opinião contrária, o recorrente não 
 abandonou a questão de constitucionalidade que suscitou durante o processo e que 
 formulou no requerimento de interposição.
 
 2. Basta, aliás, ler as alegações do recorrente, em que sob a epígrafe:
 Delimitação do Objecto do recurso, se mantém com a mesma amplitude aquilo que 
 sempre foi o objecto do presente recurso.
 
 3. Houve, contudo, uma precisão na enunciação do problema, reflectida no pedido 
 que culmina as alegações, que, de alguma forma, resultou do mais demorado estudo 
 que foi feito sobre a questão, da obtenção do parecer que foi junto ao Recurso, 
 e levou a que na enunciação do problema fosse feita, igualmente, referência a 
 outras normas constitucionais que podem reforçar o entendimento do Recorrente.
 
 3. O acento tónico na apreciação de um recurso desta natureza, deverá ser posto 
 naquilo que é, efectiva e substancialmente, a “questão de constitucionalidade”;
 
 4. Ora, a questão de constitucionalidade é uma e única em ambas as peças do 
 Recorrente, i.e., no requerimento de interposição de recurso, e nas alegações;
 
 5. O que difere é a verbalização da mesma, o que é compreensível e deverá ser 
 compreendido pelo Tribunal, sob pena de se estar (sem verdadeiro motivo 
 substancial e por via formalista desprovida de qualquer sentido, além de que 
 inadmissível intelectualmente e numa perspectiva de Justiça), a denegar justiça 
 numa questão constitucional e criminal fundamental.
 
 6. Com efeito, a questão de constitucionalidade colocada em ambas as peças é uma 
 e única, a saber: se é constitucional a recolha e a utilização como elemento de 
 prova em processo penal sem autorização do arguido, que é exactamente o mesmo 
 que dizer: saber se é constitucional a utilização da prova obtida, sem 
 autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue do arguido 
 
 (constituindo mera especificação fáctica, sem qualquer influência na 
 materialidade da questão e que já é pressuposto dos autos desde o despacho de 
 abertura de inquérito, o facto de o arguido se encontrar inconsciente aos 
 comandos de viatura automóvel envolvido em sinistro).
 
 7. Esta é a questão de constitucionalidade colocada.
 
 8. Quanto à referência ao art.° 159° n.° 7 ou ao conjunto normativo composto 
 pelo 159° n.° 7 e 163° n.° 2 CE, também apenas aparentemente existe divergência 
 entre o que o Arguido afirmou no Requerimento de interposição de recurso e nas 
 respectivas alegações.
 
 9. Com efeito, os art.°s 159° n.° 7 e 163° n.° 2 não foram aqui invocados em 
 valências normativas autónomas, mas na respectiva relação normativa intra – 
 sistemática – e que como tal é, na perspectiva dos factos, homogénea e conjunta;
 
 10. Por fim, o facto de se ter convocado, no requerimento de interposição, como 
 padrão constitucional de aferição da inconstitucionalidade, apenas o n.° 8 do 
 art.° 32°, por relação com o que se invocou nas alegações, também não faz o 
 recurso “mudar de objecto”.
 
 11. É ainda a mesma questão de constitucionalidade que se põe, mas por relação 
 com diversas normas constitucionais, todas elas sempre e só na mesma perspectiva 
 normativa; o direito é um “sistema”, sendo por vezes impossível – como é o caso 
 
 – aferir da compatibilidade normativa de determinadas normas legais com o art.° 
 
 32° n.° 8, e não o fazer relativamente a outras normas e princípios 
 constitucionais;
 
 12. Principalmente em processo penal, onde as normas constitucionais constituem 
 verdadeiros comandos processuais penais, com fulgurante e inafastável impacto na 
 solução dos casos concretos;
 
 13. Ademais, considerar que a invocação nas alegações de outras normas 
 constitucionais relevantes para a apreciação da mesma e fundamental questão de 
 constitucionalidade colocada constitui violação de regra formal de processamento 
 dos autos (verdadeira norma regulatória do rito processual), acaba por penalizar 
 muito gravosamente o arguido, quando se atenta no prazo para interposição do 
 requerimento de recurso.
 
 14. Tanto mais quando, como no caso vertente, entre o requerimento de 
 interposição e as alegações se obteve um estudo mais profundo da questão – 
 PARECER – que permitiu, com labor e estudo, perspectivar com maior amplitude a 
 questão.
 
 15. Seria, aplicando-se o juízo subjacente ao despacho sob resposta, 
 verdadeiramente uma limitação inaceitável do direito ao recurso de 
 constitucionalidade, ela própria inconstitucional por violação do art.° 32° n.° 
 
 1 CRP e ainda do próprio princípio do Estado de Direito democrático.
 
 16. Como pode no curtíssimo prazo de interposição de recurso o Arguido delimitar 
 de modo totalmente definitivo as normas constitucionais que deverão ser 
 utilizadas como padrão aferidor da inconstitucionalidade de normas legais? Não 
 pode, sem prejuízo da seriedade da análise da questão.
 
 17. Mas mesmo estas considerações valem apenas para os casos em que há uma 
 efectiva variação da questão de constitucionalidade colocada à suprema 
 apreciação do Tribunal Constitucional, o que no caso vertente não acontece, 
 posto que a invocação nas alegações de recurso dos demais preceitos 
 constitucionais que se não haviam elencado no requerimento de interposição de 
 recurso, não faz modificar o cerne da questão de constitucionalidade colocada.
 
 18. Dir-se-á que é a mesma questão substantiva que é perspectivada à luz de 
 diversas normas constitucionais, mas consubstanciando uma única e magna questão 
 de constitucionalidade.
 
 19. Aliás, se apenas se tivesse sempre referido apenas o 32° n.° 8, é certo que 
 o Tribunal Constitucional “motu” próprio e por rigor e qualidade da respectiva 
 jurisprudência, não deixaria de analisar, precisamente por força do conceito de 
 sistema (da normatividade constitucional processual penal) atrás referido, a 
 influência que na mesma questão de constitucionalidade têm os n.°s 1, 2 e 5 do 
 
 32° da CRP (com efeito as normas do art.° 32° mantêm uma relação 
 intra-sistemática patente e óbvia, por isso foram unificadas todas as normas sob 
 este artigo), bem como os art.°s 1° e 25° da CRP. (atente-se em particular no 
 carácter genérico e de enquadramento normativo de todo o texto constitucional 
 destas duas normas).
 
 20. Por outras palavras, o art.° 1° e o art.° 25°, estão já imanentes e 
 subjacentes a muitas normas da CRP, mas que o estão relativamente ao art.° 32° é 
 inequívoco e insofismável;
 
 21. Quanto aos n.°s 1, 2, 5 e 8 do art.° 32°, também a respectiva 
 inter-influência sistemática é patente e óbvia, principalmente quando a questão 
 de constitucionalidade sujeita a apreciação do Tribunal Constitucional é a 
 mesma: saber da admissibilidade no ordenamento jurídico processual penal 
 português (legal e constitucional) da recolha de sangue como elemento de prova 
 em processo penal sem autorização do arguido, ou, melhor precisando, saber da 
 admissibilidade da prova obtida, sem autorização do arguido, através da recolha 
 e exame de sangue do arguido encontrado inconsciente aos comandos de uma viatura 
 automóvel envolvida num sinistro.
 
 22. A questão de constitucionalidade é:
 a) Materialmente, só uma, apesar das formulações diversas utilizadas no 
 Requerimento de Interposição de Recurso e nas Alegações, a saber: 
 admissibilidade da recolha e exame de sangue de arguido contra ou sem a sua 
 vontade;
 b) Normativamente só uma: a do art.° 32° n.° 8 CRP, que todavia não pode deixar 
 de ser analisado, em face do carácter multifacetado da questão de facto 
 existente e do problema jurídico concretamente suscitado, “pari passu” com os 
 n.°s 1, 2 e 5 da mesma norma, e sob o enquadramento constitucional geral dos 
 art.°s 1° e 25° da Constituição.
 
 23. Delineada que ficou a posição do recorrente quanto à questão levantada no 
 despacho que antecede, de todo o modo, e meramente à cautela e por mero dever de 
 patrocínio, se o Tribunal Constitucional assim não entender, isto é, se entender 
 que há diferença substancial entre a questão invocada no Requerimento de 
 Interposição de Recurso e nas Alegações, o ora Recorrente desde já deixa 
 expressa a sua vontade de que seja apreciada a questão da constitucionalidade 
 nos precisos termos utilizados no Requerimento de Interposição de Recurso.
 
 24. Desta forma se reduz o âmbito das alegações aos termos utilizados no 
 Requerimento de Interposição de Recurso, o que se faz, como se disse por mero 
 dever de patrocínio e à cautela, posto que entende não haver qualquer efectiva 
 variação, ou abandono da questão da constitucionalidade suscitada.
 Termos em que,
 Exposta que fica, assim, a posição do Recorrente em face do, aliás, douto 
 despacho que antecede se requer a V. Exª se digne conhecer do recurso interposto 
 nos termos constantes das alegações apresentadas, considerando que não houve 
 abandono da questão suscitada no Requerimento de interposição de recurso, ou, em 
 alternativa, o que se pede por mera cautela e dever de patrocínio, se considere 
 reduzido o âmbito do recurso ao que consta do Requerimento de Interposição de 
 Recurso, seguindo-se os demais termos até final».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. Dos presentes autos, designadamente da motivação do recurso interposto para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa e do requerimento de interposição de recurso para 
 este Tribunal, resulta que o recorrente suscitou e requereu que fosse apreciada 
 a inconstitucionalidade do artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada, interpretado 
 no sentido de permitir recolha de sangue, como elemento de prova em processo 
 penal, sem autorização do suspeito, por violação do artigo 32º, nº 8, da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 Das alegações produzidas neste Tribunal, designadamente do teor final do 
 requerimento, decorre que o recorrente pretende a apreciação da 
 inconstitucionalidade do artigo 159º, nº 7, e do artigo 163º, nº 2, do Código da 
 Estrada, interpretados no sentido de permitirem a utilização da prova obtida, 
 sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue de arguido 
 encontrado inconsciente aos comandos de viatura automóvel, envolvido em 
 sinistro, por violação dos artigos 1º, 25º, 32º, nºs 1, 2, 5 e 8, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 Face ao exposto e atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o 
 momento processual em que fica definido o objecto do recurso de 
 constitucionalidade, importa decidir se das alegações, globalmente consideradas, 
 se pode extrair a conclusão de que a questão de constitucionalidade suscitada 
 durante o processo e depois formulada no requerimento de interposição de recurso 
 foi substituída por uma outra. 
 Este Tribunal tem entendido, de forma reiterada (Acórdãos nºs 10/95, 366/96, 
 Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1995 e de 10 de Maio de 1996, 
 
 403/98, não publicado, 324/99, Diário da República, II Série, de 25 de Outubro 
 de 1999, 286/2000, 468/2004, e 645/2004 não publicados), que é no requerimento 
 de interposição de recurso que se define o respectivo objecto (segundo o nº 1 do 
 artigo 75º-A da LTC cabe ao recorrente indicar a norma cuja 
 inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie), sem prejuízo de o mesmo 
 poder ser restringido nas alegações (artigos 684º, nº 3, do Código de Processo 
 Civil e 69º da LTC). Não podendo o recorrente, por conseguinte, ampliar o 
 objecto do recurso, previamente definido no respectivo requerimento de 
 interposição, nas alegações depois produzidas. Por outro lado, uma vez que a 
 produção de alegações, relativamente à questão de inconstitucionalidade 
 suscitada no requerimento de interposição, é obrigatória (artigos 69º e 79º da 
 LTC e 690º, nº 3, do Código de Processo Civil), deixa de se poder conhecer do 
 objecto do recurso, definido neste requerimento, se a questão aqui suscitada for 
 
 “abandonada” nas alegações produzidas, caso em que “o recurso perdeu o seu 
 objecto” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 286/2000 e, no mesmo 
 sentido, Acórdão nº 468/2004). 
 
  
 
 2. Do confronto das alegações produzidas com o requerimento de interposição de 
 recurso resulta que o recorrente questiona determinada interpretação dos artigos 
 
 159º, nº 7, e 163º, nº 2, do Código da Estrada, quando anteriormente questionou 
 apenas a primeira disposição legal, quando interpretada em certo sentido; 
 especifica o estado de inconsciência do arguido, quando anteriormente referiu, 
 genericamente, a falta de autorização do examinado; e resulta, ainda, que indica 
 os artigos 1º, 25º e 32º, nºs 1, 2, 5 e 8, da Constituição da República 
 Portuguesa como normas ou princípios constitucionais violados, quando 
 anteriormente indicou apenas o artigo 32º, nº 8, como parâmetro de aferição da 
 constitucionalidade da norma questionada. Alterações que assumem relevância 
 decisiva, atendendo aos requisitos do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do 
 artigo 280º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do nº 1 do 
 artigo 70º da LTC, o que exclui um qualquer juízo no sentido de haver “uma 
 limitação inaceitável do direito ao recurso de constitucionalidade”, tal como 
 sustenta o recorrente.
 Independentemente da questão de saber se é ou não é indiferente questionar 
 determinada interpretação do artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada ou desta 
 disposição legal e de uma outra, ainda que se insira no mesmo “conjunto 
 normativo”, não é exactamente o mesmo questionar a constitucionalidade de 
 determinado artigo, interpretado no sentido de permitir recolha de sangue, como 
 elemento de prova em processo penal, sem autorização do examinado e questionar a 
 constitucionalidade desse mesmo artigo, interpretado no sentido de permitir 
 recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, em indivíduo 
 inconsciente. Do teor das alegações produzidas pelo recorrente decorre, até, que 
 a especificação do estado de inconsciência do examinado permite um outro 
 enquadramento da questão, nomeadamente por referência aos princípios da 
 
 “liberdade de decisão e actuação do arguido em processo penal” e da “proibição 
 de diligências conducentes à auto incriminação do arguido” (pontos 32., 33., 39. 
 e 40.), assumindo tal especificação particular relevância à luz do disposto o nº 
 
 7 do artigo 159º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei nº 265-A/2001, 
 de 28 de Setembro, na medida em permite que o examinado (não inconsciente) 
 recuse a colheita de sangue para análise. Estão em causa dimensões 
 interpretativas distintas de uma mesma disposição legal, só podendo ser 
 apreciada por este Tribunal aquela que foi a razão de decidir do tribunal 
 recorrido – é permitida a recolha de sangue, como elemento de prova em processo 
 penal, sem autorização do examinado.
 Quanto à alteração assinalada relativamente às normas ou princípios 
 constitucionais que o recorrente considera agora violados, também não se trata 
 de algo irrelevante, face ao ónus que recai sobre o recorrente de suscitar a 
 questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC), que apreciou a 
 norma cuja constitucionalidade era questionada à luz do parâmetro invocado pelo 
 recorrente – o artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa. 
 Se tal alteração fosse admissível, no requerimento de interposição de recurso ou 
 nas alegações, anular-se-ia por completo o fim que se visa com este ónus – «o de 
 permitir que este tribunal se aperceba da questão de constitucionalidade e a 
 aprecie – devendo ainda ter-se em conta o rigor com que a lei define aquele ónus 
 no artigo 72º, nº 2 da LTC (suscitação de “modo processualmente adequado”). 
 Por outro lado, o aludido poder do Tribunal Constitucional previsto no artigo 
 
 79º-C da LTC apenas deve ser exercido – e aqui oficiosamente – quando o Tribunal 
 entender que se verifica inconstitucionalidade, embora por outro fundamento, não 
 tendo que hipotizar (ele próprio ou “sugestão” do recorrente) todas as possíveis 
 questões de inconstitucionalidade da norma em causa, para lhe dar resposta 
 negativa» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 139/2003, Diário da República, 
 II Série, de 2 de Julho de 2003).
 
  
 Na medida em que o recorrente abandonou a questão de inconstitucionalidade 
 formulada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, 
 substituindo-a por uma outra, logo que delimitou o objecto do recurso nas 
 alegações produzidas (cf. ponto 6. e ss.), não pode conhecer-se do objecto 
 definido naquele requerimento. Quanto à questão de saber se artigo 159º, nº 7, 
 do Código da Estrada, interpretado no sentido de permitir recolha de sangue, 
 como elemento de prova em processo penal, sem autorização do suspeito, viola o 
 artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, não foram produzidas 
 a alegações, o que obsta à pretensão do recorrente no sentido de ser “apreciada 
 a questão de constitucionalidade nos precisos termos utilizados no Requerimento 
 de Interposição de Recurso” (cf. pontos 23. e 24. da resposta ao despacho que o 
 notificou da possibilidade de ser proferida decisão de não conhecimento do 
 objecto do recurso).
 
  
 
 3. Também não é possível conhecer a questão de inconstitucionalidade formulada 
 nas alegações por duas razões: por um lado, porque o recorrente não pode ampliar 
 
 (mas apenas restringir) o objecto do recurso definido no respectivo requerimento 
 de interposição; e, por outro, porque, ainda que pudesse alargar tal objecto, 
 não se poderiam dar como verificados dois requisitos do recurso previsto na 
 alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC – a suscitação prévia e de forma adequada 
 daquela questão perante o tribunal recorrido e a aplicação por este, como ratio 
 decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada nas alegações.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se em 15 (quinze) unidades de conta a taxa de 
 justiça.
 Lisboa, 26 de Setembro de 2006
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 
                                          Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, nos 
 termos da declaração de voto junta
 Artur Maurício
 
  
 
                                                              
 
                                                                  
 Declaração de voto
 
  
 
  
 
                  Dissenti da decisão do presente acórdão por não poder 
 acompanhar a tese exposta no ponto nº2 da respectiva fundamentação: a de que o 
 requerente teria abandonado nas alegações a questão de constitucionalidade que 
 suscitara no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, substituindo-a por uma outra. Já não contesto a linha discursiva 
 enunciada no nº 3, segundo a qual ao Tribunal estaria vedado conhecer uma 
 questão de inconstitucionalidade formulada nas alegações e que fosse distinta da 
 enunciada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal. 
 Indicarei brevemente, de seguida, as razões da minha discordância quanto à 
 referida tese.
 
  
 No recurso que interpôs para o tribunal que proferiu a decisão recorrida (o 
 Tribunal da Relação de Lisboa) o recorrente havia suscitado a 
 inconstitucionalidade da “interpretação segundo a qual o artigo 159º, nº 7, do 
 Código da Estrada permite a recolha de sangue sem consentimento do arguido (…) 
 por violação do artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa”. A 
 decisão recorrida viria a contrariar esta posição sustentando que na situação em 
 causa, e uma vez que o arguido se encontrava inconsciente, seria impossível a 
 realização da prova por pesquisa de álcool no ar expirado (em relação à qual a 
 lei prevê a possibilidade de recusa do arguido), pelo que se imporia a submissão 
 
 à colheita de sangue para análise, em relação à qual, no seu entender, “a lei 
 não imporia qualquer autorização prévia”, pelo que inexistiria “qualquer 
 ilegalidade e, designadamente, nulidade no âmbito da obtenção de prova”. Face ao 
 que o recorrente suscitou, neste Tribunal a apreciação da inconstitucionalidade 
 
 “do artigo 159º, nº 7, do Código da Estrada, interpretado no sentido de permitir 
 recolha de sangue, como elemento de prova em processo penal, sem autorização do 
 suspeito, por violação do artigo 32º, nº 8, da Constituição da República 
 Portuguesa”. É certo que, nas suas alegações, o recorrente precisou esta 
 interpretação normativa, reportando-a a uma conjugação da disposição já referida 
 com o então artigo 163º, nº 2, do mesmo Código da Estrada, invocou ainda como 
 normas constitucionais violadas também os artigos 1º, 25º, e 32º, nºs 1, 2, e 5 
 da Constituição, e, ao referir-se à interpretação do acórdão recorrido, 
 considerou-a inconstitucional na medida em que permitiria “a utilização da prova 
 obtida, sem autorização do arguido, através da recolha e exame de sangue de 
 arguido encontrado inconsciente aos comandos de viatura automóvel, envolvido em 
 sinistro”. É nesta referência à inconsciência do sujeito submetido à recolha de 
 sangue para aferição da taxa de alcoolémia (constante dos pontos 6. a), 32 e 40 
 das alegações e da conclusão K desta peça processual) que o acórdão se estriba 
 para considerar que o recorrente teria abandonado nas suas alegações a questão 
 de inconstitucionalidade inicialmente formulada, substituindo-a por uma outra.
 Simplesmente, não cremos que tal tenha ocorrido. É que, nas suas alegações, o 
 recorrente não deixa de sublinhar que a inconstitucionalidade radica na falta de 
 autorização do arguido sujeito à recolha e exame de sangue, não resultando da 
 referência adicional ao circunstancialismo em que esta ocorreu (achar-se o 
 arguido inconsciente) uma colocação do problema de tal forma inovadora que 
 impeça a sua recondução à questão originariamente posta. A precisão assim 
 introduzida, na verdade, não inviabiliza que o problema continue a ser, para o 
 requerente, a falta de consentimento do arguido para a recolha da prova, que no 
 seu entender constitui condição necessária e suficiente para a sindicância da 
 norma nos termos intentados.
 
  
 E não se diga que não foram produzidas alegações quanto à questão de 
 inconstitucionalidade suscitada no requerimento de interposição do recurso, como 
 se faz no acórdão; basta consultar os pontos 18 a 28, e 36 a 38, das alegações, 
 onde a questão é tratada com referência aos precisos termos em que havia sido 
 formulada perante este Tribunal no requerimento de interposição do recurso. Por 
 outro lado, nem a circunstância de se terem aditado outros parâmetros de 
 apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa questionada, nem o 
 facto de ela ser reportada também a uma interpretação conjugada de duas 
 disposições (das quais só uma havia sido indicada no requerimento de 
 interposição do recurso) se nos afigura bastante para concluir pelo abandono da 
 questão suscitada, que é claramente recortada, nos precisos termos em que o fora 
 inicialmente, nas conclusões A a H das alegações do recorrente, sendo certo que 
 apenas na conclusão K deste articulado se faz referência ao estado de 
 inconsciência do arguido sujeito à recolha e análise de sangue, e isto para 
 concluir no sentido de uma adicional violação de princípios constitucionais.
 
  
 Em face do que conheceríamos do pedido nos exactos termos formulados no 
 requerimento de interposição, como de resto pretende o recorrente na sua 
 resposta à questão prévia suscitada pela Excelentíssima Conselheira Relatora.
 Rui Manuel Moura Ramos