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Processo n.º 862/07 
 
 
 
 3ª Secção 
 
 
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 
 ( Conselheiro Vítor Gomes) 
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I ? Relatório 
 
 
 
 1. Na presente acção de anulação de cláusula de convenção colectiva de trabalho 
 que A. intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra a Liga Portuguesa de 
 Futebol Profissional, o autor, tendo ficado vencido na decisão de primeira 
 instância, interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 suscitando a inconstitucionalidade material do art. 52.º, n.º 1, da referida 
 convenção colectiva por violação dos direitos constitucionais à escolha de 
 profissão e ao trabalho. 
 
 
 Por acórdão de 7 de Março de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça declarou a 
 nulidade do artigo 52.º, n.º 1, da convenção colectiva com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade orgânica decorrente da violação da reserva absoluta da 
 competência legislativa da Assembleia da República. 
 
 
 A Liga Portuguesa de Futebol Profissional arguiu a nulidade processual da 
 decisão por considerar que não foi ouvida previamente quanto à solução jurídica 
 do caso, que não tinha sido objecto de discussão entre as partes no decurso do 
 processo. 
 
 
 Por acórdão de 12 de Julho de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a 
 arguição, dizendo no essencial o seguinte: 
 
 
 Como decorre do excerto transcrito, o acórdão julgou nulo o art.º 52.º, n.º 1, 
 do CCT, com o fundamento de que o mesmo estabelecia uma restrição à liberdade de 
 exercício da profissão que o art.º 47º, n.º 1, da lei fundamental não permite, a 
 não ser através de lei da Assembleia da República ou através de lei do Governo, 
 quando previamente autorizado pela Assembleia, o que vale por dizer que 
 considerou o art.º 52.º. n.º 1, do CCT ferido de inconstitucionalidade orgânica. 
 
 
 Acontece, porém, que, ao contrário do que defende a recorrida, a questão da 
 inconstitucionalidade suscitada pelo autor não era restrita à 
 inconstitucionalidade material da norma em causa, pois, como já foi referido, o 
 autor limitou-se a alegar que a norma violava o disposto nos artigos 47.º, n.º 1 
 e 58.º, n.º 1, da CRP. 
 
 
 Ora e como é sabido, a violação dos preceitos constitucionais tanto pode 
 decorrer de inconstitucionalidade material (quando é ofendida uma norma 
 constitucional de fundo), como de inconstitucionalidade orgânica (quanto se 
 trata de norma de competência) ou de inconstitucionalidade formal (quando se 
 atinge uma norma que diz respeito à forma ou ao processo de formação das leis). 
 
 
 No caso em apreço, o autor não invocou nenhum daqueles vícios em particular e, 
 sendo assim, entendemos que a questão por ele suscitada era susceptível de 
 abarcar aquelas três vertentes da inconstitucionalidade. 
 
 
 Concluindo, diremos que não houve decisão-surpresa e que, por isso, não havia 
 necessidade de convidar a recorrida para exercer o contraditório, antes da 
 prolação do acórdão, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das 
 inconstitucionalidades invocadas pela recorrida no que toca à interpretação do 
 art.º 201.º, n.º 1, do CPC. 
 
 
 A Liga Portuguesa de Futebol Profissional interpôs então recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1, do artigo 70.º da 
 LTC, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do artigo 202°, 
 in fine, do artigo 205.° n.° 1, e do ainda do complexo normativo formado pelos 
 artigos 3.° e 201º, n.° 1, todos do CPC. 
 
 
 Por despacho do então relator, o âmbito do recurso de constitucionalidade foi 
 restringido à apreciação de uma dessas questões, que se encontra assim 
 identificada: 
 
 
 Inconstitucionalidade do complexo normativo formado pelos artigos 3.º e 201.º, n.º 
 
 1, do CPC, na interpretação segundo a qual não constitui nulidade processual por 
 violação de formalidade essencial a omissão de convite para exercício do 
 contraditório quando o tribunal decide julgar organicamente inconstitucional uma 
 norma constante de uma convenção colectiva de trabalho, quando a discussão nos 
 autos (e, em especial, o objecto do recurso de revista tal como ele fora 
 delimitado pelas conclusões das alegações) se limite à arguição da 
 inconstitucionalidade material dessa mesma norma convencional, por violação do 
 direito fundamental a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo (art. 
 
 20.º, n.°s 1 e 4, da CRP). 
 
 
 Prosseguindo o processo, a recorrente alegou, formulando as seguintes conclusões: 
 
 
 
 ?1ª O princípio do contraditório constitui uma manifestação do direito 
 fundamental à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º, n.º 1, da CRP) e do 
 direito fundamental a um processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, da CRP). 
 
 
 
 2ª A dimensão constitucional do princípio do contraditório posterga que nenhuma 
 questão pode ser judicialmente decidida, ainda que se trate de questão do 
 conhecimento oficioso do tribunal, sem que seja dada às partes a oportunidade 
 processual de sobre ela se pronunciarem. 
 
 
 
 3ª Os referidos direitos fundamentais a um processo equitativo e à tutela 
 jurisdicional efectiva impõem que, como garantia do princípio do contraditório, 
 a inobservância deste se projecte no concomitante desvalor jurídico dos actos 
 processuais afectados pela violação daquele princípio ou a que esta tenha dado 
 causa. 
 
 
 
 4ª As questões de inconstitucionalidade de normas jurídicas, mesmo as de fonte 
 convencional, são delimitadas, no que ao caso presente interessa, por dois 
 elementos essenciais: i) A concreta norma (ou interpretação normativa) julgada 
 inconstitucional ou cuja inconstitucionalidade foi arguida no processo; e ii) As 
 normas ou os princípios constitucionais paramétricos e que servem de fundamento 
 ao juízo de inconstitucionalidade ou à arguição desta. 
 
 
 
 5ª Desse modo, cada binómio ?norma aplica(n)da norma constitucional violada? 
 constitui uma diferente ?questão de constitucionalidade.? 
 
 
 
 6ª A invocação, mesmo oficiosamente pelo tribunal (art. 204.º da CRP), da 
 inconstitucionalidade de uma mesma norma jurídica por violação de diferentes 
 normas ou princípios constitucionais, constitui a invocação de uma nova ?questão 
 de inconstitucionalidade? normativa, relativamente à qual se deve assegurar a 
 observância do princípio do contraditório. 
 
 
 
 7ª Consequentemente, a interpretação do complexo normativo formado pelo art. 3.º 
 do CPC e pelo art. 201.º, n.º 1, do CPC, segundo a qual omissão de convite para 
 exercício do contraditório quando o tribunal decide julgar organicamente 
 inconstitucional uma norma constante de uma convenção colectiva de trabalho ? 
 quando a discussão nos autos (e em especial o objecto do recurso de revista, tal 
 como ele havia sido delimitado pelas conclusões das alegações) se limite à 
 arguição da inconstitucionalidade material dessa mesma norma convencional ? não 
 dá causa a uma nulidade processual, é uma interpretação materialmente 
 inconstitucional por violação dos direitos fundamentais a uma tutela 
 jurisdicional efectiva e a um processo equitativo (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP). 
 
 
 O recorrido não apresentou contra-alegações. 
 
 
 II - Fundamentação 
 
 
 
 2. Tendo-se consolidado o despacho liminar do relator na parte em que rejeitou 
 parcialmente o recurso, em causa está apenas a apreciação de constitucionalidade 
 da norma extraída dos artigos 3.º e 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, 
 na interpretação segundo a qual, num processo em que a discussão até então 
 travada se tenha limitado à invalidade de uma cláusula de uma convenção 
 colectiva de trabalho por inconstitucionalidade material (por violação do 
 disposto nos artigos 47.º, n.º1 e 58.º, n.º1 da CRP), as partes não tem de ser 
 ouvidas antes de o tribunal julgar nula a mesma cláusula por 
 inconstitucionalidade orgânica (por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) 
 da CRP). 
 
 
 Sustenta-se, no acórdão que julgou improcedente a arguição de nulidade, que não 
 se justificava a audição prévia das partes antes de se decidir pela 
 inconstitucionalidade orgânica, porquanto a questão a decidir (que se não 
 confunde com os seus fundamentos) era, sempre e só, a de inconstitucionalidade 
 de uma dada cláusula e que nesta questão se compreendem todos os possíveis 
 vícios de inconstitucionalidade porque o tribunal, que não pode aplicar normas 
 inconstitucionais (artigo 204.º da CRP), pode decidir com fundamento distinto 
 daquele sobre que versou a argumentação e contra-argumentação das partes. 
 
 
 A recorrente critica esta orientação alegando que o princípio do contraditório 
 constitui uma manifestação do direito à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º, 
 n.º 1, da CRP) e do direito a um processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, da CRP). 
 Que a dimensão constitucional do princípio do contraditório proíbe que qualquer 
 questão seja judicialmente decidida, ainda que se trate de questão do 
 conhecimento oficioso, sem que às partes seja dada oportunidade processual de se 
 pronunciarem sobre essa precisa questão. Que a inconstitucionalidade orgânica é 
 uma questão autónoma e independente daquela que estava suscitada no processo. E 
 que os referidos direitos fundamentais a um processo equitativo e à tutela 
 jurisdicional efectiva impõem que, como garantia do princípio do contraditório, 
 a inobservância deste se projecte no concomitante desvalor jurídico dos actos 
 processuais afectados pela violação daquele princípio ou a que esta tenha dado 
 causa (nulidade processual). 
 
 
 
 É o que cumpre apreciar. 
 
 
 
 3. O artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente 
 que esse direito se efective ? na conformação normativa pelo legislador e na 
 concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.º 
 
 4). 
 
 
 Para o processo civil, a jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o 
 conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: 
 
 (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo 
 proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da 
 indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade 
 de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, 
 controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se 
 sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de 
 acção e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; 
 
 (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo 
 razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) 
 direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (Cfr. 
 Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª 
 ed., pág. 415). 
 
 
 Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso 
 aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a 
 que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de 
 imparcialidade e independência, mediante o correcto funcionamento das regras do 
 contraditório (acórdão n.º 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 11º, pág. 741). Como concretização prática do princípio do 
 processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao 
 contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida 
 a cada uma das partes de ?deduzir as suas razões (de facto e de direito)?, de ?oferecer 
 as suas provas?, de ?controlar as provas do adversário? e de ?discretear sobre o 
 valor e resultados de umas e outras? (entre muitos outros, o acórdão n.º 1193/96). 
 
 
 Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de 
 liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar 
 os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, incluindo o 
 próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do 
 processo equitativo, os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente 
 adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da 
 proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que 
 dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o 
 direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (Lopes do 
 Rego, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da 
 proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil, 
 in «Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa», Coimbra, 
 
 2003, pág. 839, e ainda os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 122/02 e 403/02). 
 
 
 O Código de Processo Civil consagra o princípio do contraditório, nos termos 
 tradicionalmente aceites, estipulando no seu artigo 3º que «o tribunal não pode 
 resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe 
 seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir 
 oposição» (n.º 1), e circunscrevendo a «casos excepcionais previstos na lei a 
 possibilidade de ser adoptada uma providência contra determinada pessoa sem que 
 esta seja previamente ouvida» (n.º 2). Com este alcance, o preceito do Código 
 reflecte a estrutura dialéctica e polémica do processo, visando assegurar um 
 direito de resposta a qualquer das partes quanto às posições assumidas no 
 processo pela contraparte e, portanto, em relação a qualquer acto processual (requerimento, 
 alegação ou acto probatório) apresentado pelo outro interveniente. 
 
 
 A reforma de 1996/1997, através do aditamento a esse artigo de um novo comando (n.º 
 
 3), acentuou a relevância concedida à garantia do contraditório no aspecto 
 relativo ao direito de resposta, impondo ao juiz o «dever de observar e fazer 
 cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório», com a 
 consequência de não lhe ser lícito, «salvo caso de manifesta desnecessidade, 
 decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem 
 que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem». 
 
 
 Várias outras novas normas constituem uma concretização prática deste princípio, 
 como sejam as dos artigos 264º, n.º 3, 266º, n.º 2, 508º, n.º 4, 684º-B, n.º 4, 
 
 700º, n.º 3, 725º, n.º 2, e 787º do CPC, que contemplam expressamente um direito 
 de resposta em relação a diversas incidências processuais aí especialmente 
 previstas. 
 
 
 Neste sentido mais amplo, a regra do contraditório deixa de estar exclusivamente 
 associada ao direito de defesa, no sentido negativo de oposição à actuação 
 processual da contraparte, para passar a significar um direito de participação 
 efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade 
 de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da 
 causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes 
 para a decisão (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 96-97). 
 
 
 Podendo considerar-se consagrada nos sobreditos termos, no plano 
 infraconstitucional, uma acepção ampla da garantia do contraditório que vai além 
 do mero direito de contraditar as razões de facto e de direito e as provas 
 oferecidas pela parte contrária, é, no entanto, discutível que essa seja uma 
 imposição constitucional decorrente do due process of law. Como se deixou 
 exposto, a exigência de um processo equitativo, constante do artigo 20º, n.º 4, 
 da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta 
 estruturação do processo e apenas impõe, no seu núcleo essencial, que as normas 
 processuais proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na 
 dialéctica que elas protagonizam no processo (Jorge Miranda/Rui Medeiros, 
 Constituição Portuguesa Anotada, I Tomo, Coimbra, 2005, pág. 192, e acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 632/99). Um processo equitativo postula, por 
 conseguinte, a efectividade do direito de defesa por aplicação das garantias do 
 contraditório e da igualdade de armas, mas não necessariamente um direito de 
 participação activa no processo em termos tais que qualquer solução que venha a 
 ser adoptada pelo juiz deva ter sido antes debatida pelas partes em todos os 
 seus possíveis contornos jurídicos ou se torne sempre numa solução previsível 
 por dever ter sido necessariamente equacionada pelos sujeitos processuais. 
 
 
 Em qualquer caso, não pode deixar de reconhecer-se que a regra decorrente do 
 citado artigo 3º, n.º 3, que integra um princípio de proibição da decisão 
 surpresa, tem uma função essencialmente programática, conferindo ao juiz, fora 
 dos casos em que a audição da contraparte esteja expressamente prevista, o dever 
 de verificar, em função das circunstâncias do caso, a conveniência de as partes 
 se pronunciarem sobre qualquer questão de direito ou de facto que possa ter 
 relevo para a apreciação e resolução da causa (quanto ao carácter programático 
 da imposição constante do artigo 3º, n.º 3, 1ª parte, do CPC, Teixeira de Sousa, 
 Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, pág. 48). 
 
 
 Por outro lado, é preciso notar que o julgador mantém a sua liberdade de 
 qualificação jurídica dos factos (artigo 664.º do CPC) e conserva os seus 
 poderes de direcção do processo - aqui se incluindo o dever de prévia audição 
 das partes sobre matéria tida como pertinente (artigo 265º do CPC) -, pelo que 
 só quando se conjecture uma nova questão de direito ou um diferente 
 enquadramento jurídico com que as partes não pudessem razoavelmente contar é que 
 poderia configurar-se com nitidez uma violação do princípio da proibição da 
 decisão surpresa que pudesse ter relevância no plano jurídico-constitucional (sobre 
 este aspecto, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 
 
 1999, págs. 24-25). 
 
 
 Tratando-se, além disso, de uma audição excepcional e complementar das partes, 
 realizada fora dos momentos processuais normalmente idóneos, e que decorre da 
 aplicação de um princípio geral, cabe ao julgador verificar, em cada caso, a 
 existência dos respectivos pressupostos processuais, mormente quanto à 
 caracterização da questão como susceptível de se repercutir, de forma relevante 
 e inovatória, no conteúdo da decisão. 
 
 
 Em todo este condicionalismo, a entender-se que está ainda em causa, na 
 aplicação da norma do artigo 3º, n.º 3, do CPC, o princípio do processo 
 equitativo, na vertente de garantia do contraditório, só nos casos em que o 
 tribunal tivesse postergado claramente o critério legal, preterindo, sem 
 justificação, o direito de audição quando este fosse evidentemente exigível, é 
 que poderia considerar-se a interpretação normativa como afectada de 
 inconstitucionalidade 
 
 
 No caso concreto, o tribunal recorrido justificou a não audição da contraparte 
 com o argumento de que a questão suscitada pelo autor, nos termos em que foi 
 apresentada, era susceptível de abarcar qualquer dos possíveis vícios de 
 inconstitucionalidade, tornando desnecessário o convite à ré para exercer o 
 contraditório, antes da prolação do acórdão, relativamente à solução jurídica 
 que veio a ser adoptada. 
 
 
 Deste modo, não omitiu a formalidade processual prevista no artigo 3º, n.º 3, do 
 CPC, mas antes afastou a necessidade do seu cumprimento por entender não estar 
 em causa questão de direito que não pudesse ter sido oportunamente equacionada 
 pelas partes. 
 
 
 Não havendo entendimento pacífico quanto a saber se existe identidade de questão 
 de direito quando se invocam em relação a uma mesma norma diferentes fundamentos 
 de inconstitucionalidade, mesmo no âmbito da jurisprudência constitucional (cfr. 
 as posições divergentes nos acórdãos n.ºs 424/2007 e 564/2007, e Isabel 
 Alexandre, A norma constitucional violada e o objecto do recurso de 
 constitucionalidade, in «Jurisprudência Constitucional», n.º 6, pág. 28 e segs.), 
 a posição adoptada pelo tribunal recorrido, no caso vertente, apresenta-se como 
 das soluções plausíveis de direito, sendo certo que não cabe ao Tribunal 
 Constitucional sobrepor o seu juízo ao do tribunal recorrido para efeito de 
 verificar se ocorria uma situação processual que justificasse a audição da parte, 
 em cumprimento do disposto no artigo 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil. 
 
 
 Não há, por isso, motivo para censurar a decisão recorrida. 
 
 
 III. Decisão 
 
 
 Termos em que se decide negar provimento ao recurso. 
 
 
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC. 
 
 
 Lisboa, 13 de Janeiro de 2010 
 
 
 Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 Maria Lúcia Amaral (com declaração) 
 
 
 Ana Maria Guerra Martins (vencida, no essencial, nos termos da 
 
 
 declaração do Exmo. Senhor Conselheiro Vítor Gomes) 
 
 
 Vítor Gomes (vencido, conforme declaração anexa) 
 
 
 Gil Galvão (votei a decisão por entender, no essencial, que, no caso, estando 
 sempre em discussão a alegada violação de um direito, liberdade ou garantia, não 
 constitui surpresa, para efeitos do princípio do contraditório, uma decisão com 
 fundamento na reserva que à Assembleia da República cabe naquelas matérias). 
 
 
 DECLARAÇÃO DE VOTO 
 
 
 Votei a decisão, mas fi-lo, fundamentalmente, pelos motivos seguintes: 
 
 
 
 É para mim claro ? ao contrário do que se diz no Acórdão, que refere a este 
 propósito a inexistência de um ?entendimento pacífico? ? que há identidade da 
 questão de direito, quando se invocam, a propósito do juízo relativo a uma norma 
 infraconstitucional, diferentes normas ou ?parâmetros? constitucionais. A 
 questão de constitucionalidade é una, não variando, na sua essência e na sua 
 natureza, consoante se invoque este ou aquele preceito da Constituição. Não 
 existem tantas questões de constitucionalidade ? entendidas como outras tantas e 
 diferentes ?questões de direito? ? quantas as normas eventualmente decorrentes 
 do texto constitucional. O princípio da unidade da Constituição impede que assim 
 seja. Nem tão pouco me parece que possa existir uma divisão cerce, e 
 ineliminável, entre a chamada ?parte dogmática? da Constituição ? que consagra 
 princípios ordenadores do Estado e da Sociedade, bem como normas de direitos 
 fundamentais ? e a sua ?parte orgânica?, que define as competências dos órgãos 
 de poder, as formas dos seus actos ou os seus procedimentos. Em última análise, 
 as normas de direitos fundamentais só poderão vir a ser cumpridas se cumpridas 
 forem, também, as normas de organização, competência e procedimentos; as duas 
 partes da Constituição estão estritamente interligadas, justamente porque não 
 podem deixar de ser vistas como elementos de um sistema, dotado de unidade de 
 sentido. 
 
 
 Maria Lúcia Amaral 
 
 
 DECLARAÇÃO DE VOTO 
 
 
 Vencido. Concederia provimento ao recurso, nos termos do projecto que apresentei, 
 essencialmente pelo seguinte: 
 
 
 
 1. Dentro do objecto do processo, a inconstitucionalidade é, em qualquer das 
 suas modalidades, seja qual for o elemento do acto normativo desconforme a 
 normas e princípios constitucionais uma quaestio juris de conhecimento oficioso 
 e o juiz não está adstrito aos fundamentos ou parâmetros invocados pelas partes 
 
 (artigo 204.º da CRP). 
 
 
 Todavia, nem a oficiosidade nem o princípio jus novit curia justificam que as 
 questões de constitucionalidade sejam decididas sem que as partes tenham 
 efectiva possibilidade de contribuir para a formação da decisão do tribunal. A 
 mais do contraditório stricto sensu, o processo justo e leal exige a 
 participação dos interessados tanto nos aspectos de facto como de direito, não 
 podendo a descoberta dos fundamentos jurídicos da decisão resultar de um 
 solilóquio do juiz. O direito de influir no desenvolvimento da controvérsia e no 
 conteúdo da decisão seria intoleravelmente comprimido se, posta em causa a 
 constitucionalidade de uma dada norma, o juiz pudesse decidir pela 
 inconstitucionalidade com qualquer outro fundamento, mesmo que estranho ao tipo 
 de inconstitucionalidade invocada. 
 
 
 Objectar-se-á que isto comporta o risco de uma cadeia interminável de 
 intervenções. Mas sem razão. Não se trata de impor ao juiz que sistematicamente 
 comunique às partes a própria orientação e valoração do caso previamente à 
 decisão [mas já assim se pensou; cfr. Nicolò Trocker, Processo Civile e 
 Costituzione, pag. 757] ou de um dever de auscultação das partes perante a 
 mínima variação dos pressupostos normativos da decisão projectada face ao 
 discutido, mas de colocá-las em condições de influir no processo decisório, 
 chamando-as a pronunciar-se sobre aspectos jurídicos anteriormente não debatidos 
 e que não possam considerar-se abrangidos pelo princípio da auto-responsabilidade 
 processual no círculo da diligência razoavelmente exigível, tomando como padrão 
 de justa previsão e actuação um operador judiciário normalmente informado do 
 estado da questão na doutrina e da jurisprudência. 
 
 
 A esta luz, afigura-se incompatível com a garantia do processo equitativo o 
 entendimento de que, posta em crise no processo a conformidade constitucional de 
 uma dada norma, o tribunal fica ipso facto habilitado a poder decidir pela 
 inconstitucionalidade com qualquer outro fundamento, sem necessidade de ouvir as 
 partes. 
 
 
 Aceita-se que, em geral, dentro do mesmo tipo de inconstitucionalidade, não 
 afronta a garantia constitucional do processo equitativo que o tribunal convoque, 
 para a decisão de desaplicação da mesma norma, parâmetros de constitucionalidade 
 diversos daqueles que foram anteriormente analisados. O elemento da norma ou do 
 acto normativo sobre que vai incidir o juízo de desvalia constitucional é o 
 mesmo, pelo que, nessa hipótese, as exigências de praticabilidade e eficiência 
 do funcionamento dos tribunais e de celeridade processual podem justificar que 
 se imponha às partes o ónus de analisar espontaneamente as alternativas 
 decisórias razoavelmente implicadas. 
 
 
 Incidindo, porém, o vício novo, oficiosamente detectado, sobre um elemento da 
 norma (ou do acto normativo) sobre que não tenha recaído ou devido recair a 
 pronúncia das partes agindo com normal diligência, não pode a decisão de 
 inconstitucionalidade ser proferida sem a sua oportuna audição a convite do juiz. 
 Será excessivo exigir à parte que proceda a um escrutínio da validade da norma 
 sob todos os aspectos constitucionalmente relevantes e se defenda 
 antecipadamente de vícios que possa conjecturar-se afectarem um elemento do acto 
 normativo diverso daquele a cujas condições de validade respeitam as normas 
 constitucionais invocadas. 
 
 
 Saber o que é uma questão para efeitos processuais é problema que não pode 
 abstrair da específica intencionalidade normativa, isto é, do fim e do contexto 
 em que o conceito é utilizado. A suposta unidade da questão de 
 constitucionalidade não é instrumento adequado para responder ao problema 
 prático-jurídico que consiste em aferir se o processo é justo e leal e, para 
 isso, de estabelecer o âmbito do dever de justa previsão das soluções possíveis 
 a cargo das partes. Pode ser explicação consistente para a relação entre o ónus 
 de suscitar a inconstitucionalidade durante o processo e o âmbito do recurso de 
 constitucionalidade, porque aí é outro o contexto problemático em que o conceito 
 releva. Trata-se de provocar o tribunal a exercer o seu poder/dever de não 
 aplicar normas inconstitucionais, sendo desrazoável que, depois, o Tribunal 
 Constitucional viesse a ficar limitado, nos aspectos jurídico?constitucionais, 
 pelos termos da alegação perante o tribunal da causa. Mas isso não justifica, 
 nas relações entre as partes e o tribunal, que aquelas devam suportar um 
 ilimitado ónus de escrutínio ou antecipação de qualquer outro vício de 
 inconstitucionalidade. 
 
 
 Deste modo, entendo poder concluir-se que viola a garantia do processo 
 equitativo consagrada no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição a interpretação do 
 n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil no sentido de que as partes não 
 tem de ser ouvidas antes de o tribunal julgar verificada a desconformidade de 
 uma determinada norma com parâmetros constitucionais diferentes daqueles com que 
 anteriormente se confrontaram e que conduza à procedência de um vício de 
 inconstitucionalidade diverso daquele que resultaria das normas e princípios 
 constitucionais sobre os quais se pronunciaram ou puderam pronunciar-se, isto é, 
 que afecte um elemento da norma ou um requisito do acto normativo a que não 
 respeitassem os parâmetros constitucionais sobre que recaiu o debate. 
 
 
 
 2. No caso, é indiscutível que a questão da inconstitucionalidade orgânica, de 
 que resultou a procedência do recurso e a declaração de nulidade do n.º 1 do 
 artigo 52.º do CCT em causa, não foi suscitada pelas partes nem apreciada 
 oficiosamente pelo tribunal de 1.ª instância. Tal questão foi levantada, 
 apreciada e decidida pela primeira vez no acórdão que julgou a revista. 
 
 
 A ratio decidendi assentou, pois, numa (na resposta a uma) questão jurídica de 
 conhecimento oficioso que é nova, relativamente aos termos da discussão travada 
 nas alegações. Até aí discutira-se se aquele conteúdo da cláusula do CCT era 
 atentatório, por si mesmo, das garantias constitucionais de liberdade de escolha 
 de profissão e do direito ao trabalho. Imputava-se à cláusula uma 
 inconstitucionalidade material (artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da CRP). O 
 acórdão que julgou a revista, embora movendo-se no âmbito da validade da mesma 
 cláusula, veio a decidir com um fundamento constitucional que conduz a um outro 
 tipo de inconstitucionalidade: aquele conteúdo só poderia constar de lei da 
 Assembleia da República ou de decreto-lei autorizado (alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 165.º da CRP). 
 
 
 
 É certo que, no caso, o juízo de inconstitucionalidade que o tribunal da causa 
 formulou não surge a título incidental, conduzindo à desaplicação de uma norma 
 jurídica a um caso que, de outro modo, deveria ser regulado por essa norma [Sem 
 curar aqui da controvérsia acerca da natureza das cláusulas de instrumento de 
 regulamentação colectiva de trabalho para efeitos de controlo de 
 constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional]. Surge a título 
 principal porque a verificação da desarmonia com a Constituição é o próprio 
 fundamento (um dos fundamentos) do pedido, uma vez que a decisão foi proferida 
 num processo especial de anulação de cláusulas de convenções colectivas de 
 trabalho, nos termos dos artigos 184.º e seguintes do Código de Processo de 
 Trabalho. Mas isso não invalida, antes realça, o que se disse sobre ter sido 
 apreciada uma causa de inconstitucionalidade de tipo diverso daquela sobre que 
 incidira a discussão das partes e sobre a violação que tal modo de proceder 
 implica ao direito a um processo equitativo. 
 
 
 Vítor Gomes