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Processo n.º 1217/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
                 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 A. veio requerer nos autos de falência de B., Limitada, a correr termos no 
 Tribunal Judicial de Ansião (Proc. n.º 65/03.3TBANS) que o Liquidatário 
 cumprisse o contrato-promessa de compra e venda de imóvel que a sociedade falida 
 havia celebrado consigo, outorgando a respectiva escritura.
 
  
 O Liquidatário respondeu, alegando que o referido contrato-promessa se extinguiu 
 com a decretação da falência.
 
  
 Foi proferido despacho indeferindo o requerido.
 
  
 Deste despacho recorreu a requerente para o Tribunal da Relação de Coimbra que, 
 por acórdão proferido em 17-4-2007, negou provimento ao recurso.
 
  
 Deste acórdão recorreu a requerente para o Supremo Tribunal de Justiça que não 
 admitiu o recurso interposto.
 
  
 Recorreu então a requerente do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de 
 Coimbra para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do 
 n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:
 
 “1 – Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade do artigo 164º-A do 
 CPREF, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, segundo a 
 qual a declaração de falência faz extinguir os direitos estabelecidos no artigo 
 
 830º do Código Civil apenas quanto à parte não falida, podendo a parte falida, 
 na pessoa do Liquidatário, exercê-los livremente e sem quaisquer limitações. 
 Na verdade, entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra que ao interesse de uma 
 das partes se contrapõe o interesse de várias partes, interesse(s) este(s) 
 
 último(s) cuja protecção está a cargo do Liquidatário, sendo sempre de 
 considerar precária a natureza do contrato promessa “quando confrontado com a 
 problemática das dívidas da massa falida”. 
 Tal interpretação do referido artigo 164-A do CPREF, viola os princípios da 
 legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da boa fé, 
 designadamente viola os artigos 12º, 13º, 18º e 20º nº 1 da Constituição da 
 República Portuguesa. 
 
 (…)
 
 2 - Pretende ainda ver-se apreciada a inconstitucionalidade do artigo 164º-A do 
 CPREF, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, segundo a 
 qual o Liquidatário Judicial não tem obrigação de tomar posição sobre os 
 créditos de que tem conhecimento em virtude da análise da documentação da 
 falida que lhe é entregue, nem tem obrigação de tomar posição sobre as 
 obrigações que impendem sobre a falida, decidindo sobre o seu cumprimento, ou 
 não. 
 Entendeu a 1ª instância, confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra que o 
 Sr. Liquidatário não tem o dever de comunicar à promitente compradora a decisão 
 de não cumprimento do contrato, nem de considerar como existente o seu crédito, 
 que consiste na devolução em dobro do sinal por si prestado, apesar de o mesmo 
 constar da contabilidade da empresa falida. 
 Tal interpretação da norma do artigo 164º-A do CPREF, viola os princípios da 
 legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da boa fé, 
 designadamente viola os artigos 12º, 13º, 18º e 20º nº 1 da Constituição da 
 República Portuguesa. 
 
 (…)
 
 3 – Pretende ainda ver-se apreciada a inconstitucionalidade da norma constante 
 do artigo 164º-A, quando conjugada com o artigo 755º do Código Civil, na 
 interpretação seguida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, segundo a qual não 
 assiste direito de retenção ao promitente comprador de uma fracção autónoma se, 
 
 à data da declaração de falência do promitente vendedor, não estiver já aferido 
 o incumprimento deste, devendo o crédito do promitente comprador ser considerado 
 como comum e não privilegiado. 
 A interpretação dada à conjugação daqueles dois artigos vai no sentido de que, 
 com a declaração de falência, caduca, automaticamente, o direito de retenção do 
 promitente adquirente de fracção autónoma e as garantias dele decorrentes. 
 Ora, a alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil estabelece o direito de 
 retenção a favor do beneficiário de promessa de transmissão pelos créditos 
 resultantes do não cumprimento do contrato imputável à outra parte, pelo que 
 sempre teria de aferir-se se tal incumprimento existia, ou não e desde quando. 
 Tal interpretação da conjugação dos artigos 755º do Código Civil e 164º-A do 
 CPREF, viola os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da adequação e 
 da boa fé, designadamente viola os artigos 12º, 13º, 18º e 20º nº 1 da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 
 (…)
 
 4 – Pretende ainda ver-se apreciada a inconstitucionalidade das normas 
 constantes dos artigos 188º, 164º-A e 205º do CPREF, na interpretação seguida 
 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, segundo a qual, os prazos aí estabelecidos 
 se contam a partir da data da publicação da sentença em Diário da República e do 
 trânsito em julgado da sentença que declara a falência e não a partir da data em 
 que o Liquidatário opte pelo cumprimento ou não cumprimento do contrato. 
 Salienta-se que a declaração de falência não faz caducar automaticamente os 
 contratos promessa existente, não sendo, nesse aspecto, definitiva, uma vez que 
 o Liquidatário pode optar pelo cumprimento do contrato ou pela execução 
 específica (e não poderia, se estivesse caduco), devendo entender-se que deve 
 fazê-lo, iniciando-se o prazo a partir dessa sua declaração. 
 Tal interpretação viola aqueles artigos 188º, 164º-A e 205º do CPREF e os 
 princípios da legalidade, da proporcionalidade, da adequação e da boa fé, 
 designadamente, viola os artigos 12º, 13º, 18º e 20º nº 1 da Constituição da 
 República Portuguesa.”
 
  
 As partes foram notificadas para apresentarem alegações, com a menção que 
 deveriam pronunciar-se sobre a possibilidade do recurso não ser conhecido 
 relativamente às questões enunciadas no requerimento de interposição, sob os nº 
 
 1, 2 e 3.
 
  
 A recorrente apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo
 
 “1) Em 16 de Fevereiro de 2001, em Coimbra, foi validamente celebrado, entre a 
 recorrente A., como promitente compradora e a falida B., Lda. como promitente 
 vendedora, um Contrato-Promessa Bilateral de Compra e Venda que teve como 
 objecto a fracção autónoma correspondente a um apartamento T2, sito no primeiro 
 andar, lado Sul, com garagem, em construção, sito na Rua …, Lote.., Coimbra. 
 
 2) Tal contrato, celebrado por escrito, estava contabilizado e era evidenciado 
 pela documentação contabilística e escrita da falida, sendo portanto do 
 conhecimento do Sr. Liquidatário Judicial, o qual, aliás, nessas condições, 
 tinha obrigação de o conhecer e de o considerar para efeitos de reclamação de 
 créditos e para efeitos do disposto no artigo 164º-A do CPREF, ou seja, tinha 
 obrigação de tomar posição quanto ao cumprimento ou incumprimento do mesmo pela 
 falida e comunicá-lo à ora recorrente. 
 
 3) Nos finais do ano de 2001, a falida, em momento em que ainda não estava 
 declarada falida, entregou o andar/apartamento à recorrente que dela o recebeu e 
 passou a deter as respectivas chaves e aí passou a residir, habitual e 
 consecutivamente até hoje. 
 
 4) Aí instalando as suas mobílias, objectos de utilidade doméstica, roupas e 
 vestuário e aí passando a dormir, descansar, comer, confeccionar refeições, 
 receber visitas e correspondência, aí, afinal, tendo instalado a sua casa morada 
 de família, daí saindo todos os dias para os seus afazeres profissionais e aí 
 regressando diariamente e tudo o mais fazendo do que é habitual qualquer pessoa 
 fazer na sua própria habitação e residência e tendo, nomeadamente, requerido o 
 fornecimento de água e gás que consome e paga. 
 
 5) Apenas a recorrente e apenas ela tem as respectivas chaves e apenas ela e só 
 ela ocupa e utiliza, com exclusão da falida e quaisquer outras pessoas, desde os 
 finais de 2001 até hoje, diária e consecutivamente, sem qualquer interrupção, o 
 referido apartamento, em seu único e exclusivo proveito e sem oposição de quem 
 quer que seja e à vista de toda a gente. 
 
 6) A promitente vendedora, ora falida, foi declarada nesse estado por sentença 
 de 08/06/2004, já transitada em julgado e até 18/07/2006, o Sr. Liquidatário 
 Judicial não tomou qualquer posição quanto ao cumprimento ou incumprimento do 
 contrato, nem nada comunicou à recorrente, a qual, aliás, até hoje, não foi 
 perturbada, por qualquer modo, na posse que exerce sobre a fracção, nem no seu 
 direito de retenção que vem exercendo. 
 
 7) A recorrente, não reclamou o seu crédito nem propôs a acção prevista no 
 artigo 205º do CPREF, sendo certo que sempre esteve, como está, interessada no 
 cumprimento do contrato, só a tendo intentada em 11/12/2006.
 
 8) Face à referida posição do Sr. Liquidatário e ao tempo entretanto decorrido – 
 quase dois anos – a ora recorrente, por requerimento dirigido àquele de 
 
 26/05/2006, pediu que o mesmo optasse pela conclusão do contrato prometido, de 
 acordo com o preceituado no artigo 164º-A do CPREF, celebrando a escritura 
 pública de venda a favor da recorrente. 
 
 9) O Sr. Liquidatário optou pelo não cumprimento do contrato, do que a ora 
 recorrente tomou conhecimento através da decisão de primeira instância que 
 recaiu sobre o requerimento de 26/05/2006, invocando os fundamentos de facto e 
 de direito que aqui se dão por reproduzidos. 
 
 10) Ao contrário, porém, do que se diz na douta sentença e no douto acórdão 
 recorrido, que a confirmou, a recorrente está em tempo de exercer o seu direito 
 
 à execução específica do contrato, obtendo sentença que produza os efeitos da 
 declaração negocial da parte faltosa. 
 
 11) Com efeito, o disposto no artigo 164º-A quanto à extinção do contrato 
 refere-se apenas àqueles em que a falida é promitente adquirente e não 
 alienante, estando, neste último caso, sempre obrigada à celebração do contrato 
 prometido e, portanto, sempre podendo a recorrente exigir da massa falida a 
 celebração do contrato ou recorrer à execução específica, nos termos dos artigos 
 
 410º, 442º e 830º do Código Civil, regime este que não é, nem pode ser afastado, 
 pelo simples facto do promitente vendedor ser declarado em estado de falência e, 
 portanto, pelo referido artigo 164º-A do CPREF. 
 
 12) Quando a douta sentença de primeira instância foi proferida, já se 
 verificava o incumprimento pela promitente vendedora do contrato, pelo que, se, 
 eventualmente, até aí não pudesse ser considerado definitivo, passou a sê-lo com 
 a referida declaração do Sr. liquidatário, uma vez que só com esta ficou 
 definitivamente impossibilitada de o cumprir. 
 
 13) É que não restam dúvidas de que, quando o liquidatário judicial não opta 
 pelo cumprimento do contrato, opta pelo seu incumprimento e, necessariamente, 
 pelo pagamento, nos termos da lei, quer a civil, quer a especial constante do 
 n.º 2 do citado dispositivo, do dobro do sinal recebido, sempre, no entanto sem 
 prejuízo do direito da recorrente à execução específica. 
 
 14) É, pois, nesta altura, e só nesta altura que se verifica o incumprimento 
 definitivo e o surgimento do direito de crédito da recorrente, emergente do não 
 cumprimento do contrato-promessa e, portanto, o direito desta exigir o pagamento 
 do sinal em dobro ou de recorrer à execução específica, quer se entenda que este 
 
 (o incumprimento) opera com a declaração de falência, quer com a decisão do 
 liquidatário. 
 
 15) A extinção forçada do contrato não faz extinguir o direito de crédito da 
 recorrente nem, consequentemente, o direito de retenção da mesma. 
 
 16) Nos termos do art. 755º do Código Civil, a recorrente, beneficiária da 
 transmissão do direito real, e que obteve a transmissão da fracção objecto do 
 contrato-promessa de compra e venda, goza do direito de retenção sobre a mesma 
 pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, que é a 
 falida. 
 
 17) E, se porventura se entendesse – o que também se não aceita e apenas por 
 mera hipótese de trabalho se considera – que, em consequência da falência não 
 podia ser imputado à falida o não cumprimento do contrato e, portanto, não tinha 
 a recorrente direito à restituição do sinal em dobro, sempre a mesma teria 
 direito a receber aquilo que prestou, sempre mantendo, portanto, um crédito de 
 
 7.000.000$00 e, consequentemente o direito de retenção da fracção. 
 
 18) A recorrente goza ainda do direito de retenção pelas benfeitorias que 
 realizou, que consistiram em obras na própria fracção, que se viu obrigada a 
 fazer porque a falida – ainda antes de ser declarada em estado de falência – não 
 concluiu, como era seu dever nos termos do contrato, a construção, não tendo 
 sido concedida ate ao momento, à recorrente, como é seu direito, a oportunidade 
 de o demonstrar. 
 
 19) Ora, o direito de retenção confere à recorrente exactamente o direito de 
 reter a fracção enquanto não receber, quer o referido dobro do sinal, quer a 
 indemnização pelas benfeitorias efectuadas. 
 
 20) A fracção em causa continua na sua posse e, até à presente data, não se viu 
 confrontada com qualquer acto que ofendesse o direito de retenção, que 
 legitimamente vem exercendo, não tendo sido até ao momento perturbada nos seus 
 direitos de posse e de retenção. 
 
 21) Era obrigação do Sr Liquidatário, quando optou pelo não cumprimento do 
 contrato, reconhecer, de imediato, o crédito da recorrente emergente dessa sua 
 decisão de não cumprimento e também o direito de retenção, o que o mesmo não 
 fez, como podia e devia. 
 
 22) Cabe, portanto, só agora – após a decisão do Sr. Liquidatário – à recorrente 
 escolher, entre exigir o seu crédito ou exigir judicialmente o cumprimento do 
 contrato, pedindo a prolação de sentença que produza os efeitos da declaração 
 negocial da parte faltosa. 
 
 23) O nº 1 do art. 205º do mesmo diploma legal estabelece que, findo o prazo de 
 reclamações, é possível reconhecer ainda novos créditos, por meio da acção aí 
 prevista e, no seu nº 2 que a reclamação de novos créditos só pode ser feita no 
 prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da 
 falência – prazo este que é de caducidade. 
 
 24) Nos termos do 329º do Código Civil, o prazo de caducidade, se a lei não 
 fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente 
 ser exercido. 
 
 25) No caso concreto dos autos, à recorrente apenas surgiu a possibilidade legal 
 do seu exercício com a notificação da decisão da 1a Instância, que indefere o 
 seu pedido de cumprimento do contrato pela massa falida e, portanto, o prazo de 
 um ano para a propositura da acção, previsto no citado art. 205º, começou a 
 correr apenas com a notificação da referida decisão. 
 
 26) O art. 164º-A do diploma em causa confere ao liquidatário judicial a 
 possibilidade de optar pela conclusão do contrato prometido, sem, no entanto, 
 lhe fixar prazo para a opção, podendo, portanto, à primeira vista, fazê-lo em 
 qualquer altura, sendo que a recorrente, ou qualquer outra pessoa que se 
 encontre em situação idêntica, aguarde pela opção do Sr. liquidatário judicial. 
 
 27) Estando a recorrente interessada, como sempre esteve e está, no cumprimento 
 do contrato e tendo direito à execução específica, deve aguardar (desde logo, 
 para não praticar actos inúteis) pela decisão do Sr. Liquidatário, só após esta 
 lhe surgindo o direito de reclamar o seu crédito ou exigir a execução 
 específica. 
 
 28) O comportamento do Sr. Liquidatário, ao não tomar posição sobre o exercício 
 do direito que lhe é conferido pelo artigo 164º-A do CPREF durante cerca de dois 
 anos após o decretamento da falência, constitui um abusivo exercício dos 
 direitos que lhe confere o citado art. 164º-A, excedendo manifestamente os 
 limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou 
 económico desse direito, o que expressamente se invoca para todos os devidos e 
 legais efeitos. 
 
 29) A venda, pela recorrente, passados mais de cinco anos após a celebração do 
 contrato promessa e após quase dois anos da declaração de falência, da sua 
 fracção destinada ao pagamento de parte do preço, não pode, por si só, ser 
 considerada como incumprimento do contrato, uma vez que, de facto e na 
 realidade, o não incumpriu. 
 
 30) A Recorrente não foi interpelada até hoje para o seu cumprimento. 
 
 31) E o certo é que tal venda em nada prejudicou ou prejudica a massa falida até 
 ao momento e sempre em qualquer caso o eventual incumprimento da ora recorrente 
 teria de ser averiguado e decidido pelos meios judiciais próprios. 
 
 32) Assim não tendo decidido, violou a douta sentença e douto acórdão 
 proferidos, entre outras, as disposições contidas nos artigos, 164º-A e 205º do 
 CPREF, 668º do Código de Processo Civil, 329º, 410º, 442º e 830º do Código 
 Civil, 12º, 13º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa e os 
 princípios fundamentais de direito e constitucionalmente consagrados da 
 legalidade, da proporcionalidade e da adequação, da boa fé e da igualdade. 
 
 33) Ao interpretar e aplicar o artigo 164º-A do CPREF, no sentido de que não tem 
 o Liquidatário Judicial o dever de comunicar à promitente adquirente a decisão 
 de não cumprimento do contrato, nem o dever de, tomada (mas não comunicada) 
 aquela decisão, considerar como existente o crédito da promitente compradora, 
 que consiste na devolução em dobro do sinal por si prestado, ou seja, ao 
 entender aquele artigo 164º-A no sentido de que o Liquidatário Judicial não tem 
 obrigação de tomar posição sobre os créditos de que tem conhecimento em virtude 
 da análise da documentação da falida que lhe é entregue, nem tem obrigação de 
 tomar posição sobre as obrigações que impendem sobre a falida, decidindo sobre o 
 seu cumprimento, ou não e ainda no sentido de que está excluído ao promitente 
 comprador o direito de requerer a execução específica do contrato promessa, 
 cabendo aquele direito apenas e tão só ao Sr. Liquidatário Judicial, isto é, ao 
 aplicar o artigo 164º-A do CPREF no sentido de que a declaração de falência faz 
 extinguir os direitos estabelecidos no artigo 830º do Código Civil apenas quanto 
 ao promitente comprador, podendo, no entanto o promitente vendedor, na pessoa do 
 Sr. Liquidatário Judicial, exercê-los livremente e sem quaisquer limitações, fez 
 a douta decisão recorrida uma interpretação anticonstitucional daquele artigo 
 
 164º-A do CPREF, dos artigos 12º, 13º, 18º e 20º nº 1 da Constituição da 
 República Portuguesa e dos princípios, civil e constitucionalmente consagrado, 
 da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da boa fé. 
 
 34) Ao interpretar o artigo 164º-A do CPREF no sentido de que o Liquidatário 
 Judicial não tem obrigação de tomar posição sobre os créditos de que tem 
 conhecimento e de que nada há na lei que o obrigue a comunicar se opta ou não 
 pelo cumprimento do contrato, entendendo que deveria ter sido a recorrente a 
 apresentar requerimento em que requeira ao Sr. Liquidatário que opte pela 
 conclusão do contrato prometido, fez o douto acórdão uma interpretação 
 anticonstitucional daquele artigo 164º-A do CPREF, dos artigos 12º, 13º, 18º e 
 
 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios, civil e 
 constitucionalmente consagrados, da legalidade, da igualdade, da 
 proporcionalidade, da adequação e da boa fé 
 
 35) E ao interpretar a conjugação dos artigos 755º do Código Civil e 164º-A do 
 CPREF no sentido de entender que o direito de retenção conferido ao promitente 
 comprador caduca com a caducidade do contrato, independentemente de se aferir ou 
 não o incumprimento da falida, isto é que não existe direito de retenção do 
 promitente adquirente de uma fracção autónoma se, no momento em que for 
 declarada a falência, não estiver já aferido que houve incumprimento por parte 
 da falida do contrato prometido, ou seja, ao entender no caso concreto dos 
 autos, que não assiste ao promitente adquirente de uma fracção autónoma, que 
 está na sua posse, cuja construção o promitente comprador se comprometeu a 
 concluir em 6 meses e que 3 anos depois (data da falência) não está ainda 
 concluída, o direito de retenção da referida fracção, fazendo prova, em processo 
 judicial destinado ao efeito, do incumprimento da falida e, portanto, ao 
 entender que, com a declaração de falência, caduca, sem mais, automaticamente, o 
 direito de retenção do promitente adquirente de fracção autónoma e as garantias 
 dele decorrentes, devendo o crédito ser considerado como comum e não 
 privilegiado, fez a douta decisão recorrida uma interpretação anticonstitucional 
 daqueles artigos 755º do Código Civil e 164º-A do CPREF, dos artigos 12º, 13º, 
 
 18º e 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios civil e 
 constitucionalmente consagrados, da legalidade, da proporcionalidade, da 
 adequação e da boa fé. 
 
 36) Ao aplicar e interpretar os artigos 188º, 164º-A e 205º do CPREF no sentido 
 de que os prazos aí estabelecidos se contam a partir da data da publicação da 
 sentença em Diário da República e do trânsito em julgado da sentença que declara 
 a falência para a recorrente, no caso concreto em que se encontra, de promitente 
 compradora com direito de retenção, e não a partir da data em que o Sr. 
 Liquidatário opte pelo cumprimento ou não cumprimento do contrato, ou seja, ao 
 entender que, apesar de a caducidade do contrato não operar definitivamente com 
 a declaração de falência, mas apenas com a referida decisão do Sr. 
 Liquidatário, o prazo se conta a partir daquela data de declaração de falência 
 
 – que, repete-se, não é definitiva – violou a douta decisão recorrida os artigos 
 
 188º, 164º-A e 205º do CPREF, 12º, 13º, 18º e 20º nº 1 da Constituição da 
 República Portuguesa e dos princípios civil e constitucionalmente consagrados, 
 da legalidade, da proporcionalidade, da adequação e da boa fé.”
 
  
 Contra-alegou o Ministério Público, concluindo do seguinte modo:
 
 “1º A norma constante do nº 1, do artigo 164º-A do CPEREF, enquanto consagra a 
 regra da caducidade dos contratos-promessa, desprovidos da eficácia real, 
 pendentes à data da declaração de falência, como reflexo da situação de 
 indisponibilidade objectiva que atinge o património do falido, não afronta 
 qualquer preceito ou princípio constitucional.
 
 2º Não é inconstitucional o segmento final de tal preceito, enquanto faculta ao 
 liquidatário a possibilidade de, ouvida a comissão de credores, optar pelo 
 cumprimento do contrato, quando considere tal solução preferível – para os 
 interesses da generalidade dos credores – à que se consubstanciaria na 
 restituição do sinal em dobro ao promitente comprador.
 
 3º Recai sobre o promitente comprador o ónus de reclamar tempestivamente o seu 
 crédito no âmbito do processo falimentar dentro do prazo máximo facultado pelo 
 nº 2, do artigo 205º, que se não configura como exíguo ou insuficiente para 
 deduzir tal pretensão.
 
 4º Não constitui obviamente qualquer impedimento à dedução do seu crédito a não 
 realização da opção que, em termos puramente eventuais, o liquidatário pode 
 realizar, nos termos do citado nº 1 do artigo 164º-A, pelo cumprimento do 
 contrato promessa – cabendo ao credor deduzir tempestivamente reclamação em que 
 peticiona a restituição em dobro do sinal recebido, como dívida da massa falida, 
 e ao liquidatário formular objecção a tal pedido, invocando a dita opção, feita 
 no interesse da massa falida.
 
 5º Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 A C., S.A., também apresentou contra-alegações que conclui da seguinte forma:
 
 “1. Por a Recorrente pretender consignar na decisão recorrida um conteúdo 
 diferente do que efectivamente resulta da mesma, não deverá ser conhecido por 
 este tribunal as três primeiras questões colocadas no requerimento de 
 interposição de recurso e depois desenvolvidas na respectiva motivação das 
 alegações; 
 
 2. Com efeito, da decisão recorrida resultam conclusões e interpretações bem 
 diferentes das colocadas pela Recorrente. 
 
 3. Apenas a quarta questão poderá ser conhecida por este douto tribunal, sendo 
 certo que a mesma se encontra se encontra bem alicerçada e fundamentada na 
 decisão recorrida e na sentença proferida em 1ª instância, pelo que tais 
 entendimentos o Recorrido, por uma questão de economia processual, faz seus e dá 
 os mesmos como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.”
 
  
 Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de não ser 
 conhecido o recurso quanto à questão colocada no requerimento de interposição 
 sob o n.º 4, a recorrente pronunciou-se no sentido do seu conhecimento, enquanto 
 a recorrida C., S.A., opinou no sentido oposto.
 
  
 
                                                     *
 Fundamentação
 
 1. Da idoneidade do objecto do recurso
 No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já 
 não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões 
 judiciais, em si mesmas consideradas. Tratando‑se de recurso interposto ao 
 abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 
 
 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pela 
 recorrente. Finalmente, atenta a natureza instrumental do recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade, apenas devem ser apreciadas as 
 questões que possam ter influência na decisão da causa.
 No seu requerimento de interposição de recurso, a recorrente solicitou a 
 apreciação da constitucionalidade das seguintes interpretações normativas:
 
 1ª - Do artigo 164.º-A, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da 
 Empresa e de Falência (CPEREF), segundo a qual “a declaração de falência faz 
 extinguir os direitos estabelecidos no artigo 830º do Código Civil apenas quanto 
 
 à parte não falida, podendo a parte falida, na pessoa do Liquidatário, 
 exercê-los livremente e sem quaisquer limitações”. 
 
 2ª - Do artigo 164.º-A, do CPEREF, segundo a qual “o Liquidatário Judicial não 
 tem obrigação de tomar posição sobre os créditos de que tem conhecimento em 
 virtude da análise da documentação da falida que lhe é entregue, nem tem 
 obrigação de tomar posição sobre as obrigações que impendem sobre a falida, 
 decidindo sobre o seu cumprimento, ou não”. 
 
 3ª - Do artigo 164.º-A, do CPEREF, quando conjugada com o artigo 755º do Código 
 Civil, segundo a qual “não assiste direito de retenção ao promitente comprador 
 de uma fracção autónoma se, à data da declaração de falência do promitente 
 vendedor, não estiver já aferido o incumprimento deste, devendo o crédito do 
 promitente comprador ser considerado como comum e não privilegiado”. 
 
 4ª - Dos artigos 188.º, 164.º-A e 205.º do CPEREF, segundo a qual “os prazos aí 
 estabelecidos se contam a partir da data da publicação da sentença em Diário da 
 República e do trânsito em julgado da sentença que declara a falência e não a 
 partir da data em que o Liquidatário opte pelo cumprimento ou não cumprimento do 
 contrato”. 
 São as questões colocadas no requerimento de interposição de recurso que 
 efectuam a primeira delimitação do objecto deste, não podendo este ser ampliado 
 pelo conteúdo das alegações posteriormente apresentadas.
 Relativamente à primeira questão, a decisão recorrida efectivamente aplicou o 
 disposto no artigo 164.º - A, n.º 1, do CPEREF, no sentido de que a declaração 
 de falência faz extinguir os direitos estabelecidos no artigo 830.º, do Código 
 Civil, apenas quanto à parte não falida, podendo o liquidatário exercer esses 
 direitos, para considerar correctamente indeferida a pretensão da recorrente em 
 obter o cumprimento de contrato-promessa de alienação de bem imóvel pertencente 
 ao património do falido, por este outorgado antes da declaração de falência.
 Apesar da interpretação impugnada, com algumas correcções de pormenor, constar 
 efectivamente da fundamentação utilizada no acórdão recorrido, pode suscitar-se 
 a dúvida se ela integra a ratio da decisão proferida, ou se estamos perante uma 
 mera referência académica, sem influência nessa decisão.
 Na verdade, a requerente havia-se limitado a interpelar o liquidatário judicial, 
 por requerimento apresentado no processo de falência, a outorgar o contrato 
 prometido por contrato-promessa acordado entre si e a falida, relativo à venda à 
 requerente de imóvel pertencente ao património do falido.
 Após ouvir o liquidatário judicial, que se recusou a cumprir o 
 contrato-promessa, por considerar, além do mais, que o mesmo se encontrava 
 extinto, por força do disposto no artigo 164.º - A, do CPEREF, o juiz da 1ª 
 instância entendeu o referido requerimento como um pedido no sentido do tribunal 
 determinar o cumprimento do contrato-promessa, tendo-o indeferido.
 A requerente no recurso interposto desta decisão para o Tribunal da Relação 
 suscitou a questão da sua nulidade, por excesso de pronúncia, não tendo esse 
 excesso sido reconhecido pelo Tribunal da Relação, que julgou improcedente a 
 arguição desse vício, corroborando o entendimento da 1ª instância quanto ao 
 sentido do requerimento apresentado.
 Assim, perante este entendimento, a interpretação do artigo 164.º - A, do 
 CPEREF, com o sentido que a declaração de falência faz extinguir os direitos 
 estabelecidos no artigo 830.º do Código Civil apenas quanto à parte não falida, 
 podendo o Liquidatário exercer esses direitos, relativamente a contrato-promessa 
 de alienação de bem imóvel pertencente ao património do falido, outorgado por 
 este antes da declaração de falência, constitui a razão pela qual se reconheceu 
 ao liquidatário judicial o direito de não cumprir o contrato-promessa, com o 
 consequente indeferimento do requerimento apresentado. 
 Justifica-se, por isso, que se conheça da constitucionalidade desta questão, 
 precisando-se os termos em que a mesma foi colocada pela recorrente, por 
 referência ao caso concretamente apreciado pelo tribunal recorrido, mercê do 
 princípio da instrumentalidade que caracteriza o recurso de constitucionalidade.
 Relativamente à segunda questão apenas se sustentou no acórdão recorrido que o 
 liquidatário não tem um dever de pronúncia, por motu próprio, sobre o não 
 exercício do direito de lhe é conferido pelo artigo artigo 164.º - A, n.º 1, do 
 CPEREF, o que é coisa diferente do liquidatário genericamente “não ter obrigação 
 de tomar posição sobre os créditos de que tem conhecimento em virtude da análise 
 da documentação da falida que lhe é entregue, nem tem obrigação de tomar posição 
 sobre as obrigações que impendem sobre a falida, decidindo sobre o seu 
 cumprimento, ou não”, pelo que não se pode dizer que a interpretação normativa 
 apontada pelo recorrente integre de alguma forma a ratio decidendi do acórdão 
 recorrido.
 Quanto à terceira questão o acórdão recorrido não reconheceu que a recorrente 
 pudesse invocar um direito de retenção sobre o bem objecto do 
 contrato-promessa, uma vez que “…decretada a falência não pode já o credor 
 compelir quem deixou de existir, a cumprir as obrigações emergentes do 
 contrato-promessa…” pelo que  “…mesmo admitindo a existência do direito de 
 retenção, o bem que dele é objecto passa a garantir os direitos que se reportam 
 
 à falência, podendo e devendo ser apreendido para garantia dos direitos a que se 
 reporta o processo falimentar e assim subsequentemente vendido”, o que também é 
 coisa bem diferente de “não assistir direito de retenção ao promitente comprador 
 de uma fracção autónoma se, à data da declaração de falência do promitente 
 vendedor, não estiver já aferido o incumprimento deste, devendo o crédito do 
 promitente comprador ser considerado como comum e não privilegiado”, que 
 efectivamente constava da argumentação da decisão de 1ª instância, mas que não 
 foi adoptada pelo acórdão do Tribunal da Relação, aqui recorrido. 
 Além desta discrepância, a existência de um direito de retenção da requerente 
 sobre o imóvel prometido vender não tem qualquer influência sobre a decisão da 
 questão da obrigatoriedade do liquidatário judicial outorgar o contrato 
 prometido, pelo que a sua análise, quer na decisão de 1ª instância, quer no 
 acórdão recorrido, é alheia aos fundamentos do decidido (indeferimento do 
 pedido de cumprimento do contrato-promessa), suscitado pela invocação 
 desnecessária da titularidade de tal direito efectuada pela recorrente no seu 
 requerimento. Deste modo, a eventual inconstitucionalidade da apontada 
 interpretação normativa nunca teria qualquer influência na decisão proferida, 
 pelo que, atenta a natureza instrumental e não académica do recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade, esta questão também não pode ser 
 conhecida pelo Tribunal Constitucional.
 Quanto à quarta e última questão colocada pela recorrente, o acórdão recorrido 
 limitou-se a dizer o seguinte:
 
 “Uma palavra quanto ao prazo para reclamar o crédito: ao contrário do que a 
 requerente sustenta, é óbvio que a reclamação de créditos processa-se nos termos 
 e dentro dos prazos a que ser reporta o artigo 188º; tal prazo é fixado pelo 
 Juiz na sentença declaratória de falência e começa a contar-se desde a data da 
 publicação daquela no Diário da República. Este prazo é improrrogável, pela 
 necessidade de conferir clareza às relações jurídicas e pagamentos a cargo da 
 falida, em ordem a encerrar definitivamente as contas num prazo razoável, sem 
 que permaneçam em aberto litígios anteriores. Daí as citações que se fazem e 
 ainda o prazo suplementar para intentar a acção do artigo 205º do CPEREF.”
 Também esta questão, relativa ao prazo que o recorrente dispõe para reclamar o 
 crédito resultante do liquidatário ter optado por não cumprir o 
 contrato-promessa celebrado pela falida, apesar de ter sido analisada pelo 
 acórdão recorrido por força da abordagem desnecessária desse tema efectuada pela 
 decisão da 1ª instância, não se integra nos fundamentos da sua decisão 
 
 (indeferimento do pedido de cumprimento do contrato-promessa), pelo que a 
 eventual inconstitucionalidade da apontada interpretação normativa nunca teria 
 qualquer influência na decisão proferida.
 Assim, atenta a natureza instrumental e não académica do recurso de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade, também esta questão não pode ser conhecida pelo 
 Tribunal Constitucional.
 Pelas razões acima expostas este Tribunal não deve conhecer-se das questões 
 colocadas no requerimento de interposição de recurso sob os números 2, e 3 e 4, 
 limitando-se a apreciar a questão de constitucionalidade colocada nesse 
 requerimento sob o número 1, que tem por objecto a interpretação do artigo 164.º 
 
 - A, n.º 1, do CPEREF, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 315/98, 
 de 20 de Outubro, com o sentido que a declaração de falência faz extinguir os 
 direitos estabelecidos no artigo 830.º do Código Civil apenas quanto à parte 
 não falida, podendo o Liquidatário exercer esses direitos, relativamente a 
 contrato-promessa de alienação de bem imóvel pertencente ao património do 
 falido, outorgado por este antes da declaração de falência.
 
  
 
                                                     *
 
 2. Do mérito do recurso
 Sustenta o recorrente que a enunciada interpretação efectuada pelo acórdão 
 recorrido do artigo 164.º - A, n.º 1, do CPEREF, na redacção que lhe foi dada 
 pelo Decreto-lei n.º 315/98, de 20 de Outubro, viola o disposto nos artigos 
 
 12.º, 13.º, 18.º e 20.º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa 
 
 (C.R.P.), e os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da 
 adequação e da boa fé.
 Esta questão versa a matéria dos efeitos da falência sobre as relações jurídicas 
 pendentes do falido, designadamente as resultantes da celebração de 
 contrato-promessa.
 Relativamente às convenções pelas quais alguém se obriga a celebrar certo 
 contrato, o artigo 830.º, do Código Civil de 1966, veio possibilitar, em caso de 
 incumprimento, a sua execução específica, através da prolação de sentença 
 substitutiva da declaração negocial do inadimplente, constando do seu actual n.º 
 
 1:
 
 “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a 
 promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter 
 sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a 
 isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”.
 No entanto o artigo 164º - A, n.º 1, do CPEREF, na redacção introduzida pelo 
 Decreto-lei n.º 315/98, de 20 de Outubro, dispôs o seguinte
 
 “O contrato-promessa sem eficácia real que se encontre por cumprir à data da 
 declaração de falência extingue-se com esta, com perda do sinal entregue ou 
 restituição em dobro do sinal recebido, como dívida da massa falida, consoante 
 os casos; ressalva-se a possibilidade de o liquidatário judicial, ouvida a 
 comissão de credores, optar pela conclusão do contrato prometido, ou requerer a 
 execução específica da promessa, se o contrato o permitir.”
 Reconhecida judicialmente a falência duma pessoa inicia-se um processo de 
 liquidação do seu património em favor dos credores, impondo-se para esse efeito 
 estabilizar o passivo e o activo. Uma vez que o falido deixa de poder dispor do 
 seu património, sendo substituído no exercício dos respectivos poderes por um 
 
 órgão falimentar, a quem cabe a gestão, judicialmente controlada, da massa 
 falida, relativamente aos contratos em curso (celebrados, mas não totalmente 
 cumpridos), o equilíbrio contratual definido pela relação sinalagmática 
 prestação-contraprestação entra em conflito com o princípio director da 
 liquidação falimentar da “par conditio creditorum”. Se a manutenção desse 
 equilíbrio exigiria o cumprimento pontual das obrigações assumidas, o referido 
 princípio não permite que um credor, sem lhe assistir qualquer garantia, ganhe 
 vantagem sobre os demais, obtendo da massa falida a satisfação integral do seu 
 crédito, com prejuízo para os demais credores. Além disto, a falência duma das 
 partes do contrato, determina uma alteração no quadro de interesses em jogo, 
 devendo o interesse creditório da contraparte subordinar-se ao interesse 
 colectivo de todos os credores do falido. 
 Daí que desde há muito o legislador do processo de falência tenha criado regras 
 específicas sobre o destino dos contratos em curso em que uma das partes seja 
 declarada falida.
 Lê-se, por exemplo, no relatório do Código de Falências de 1935, o qual veio a 
 ser absorvido pelo Código de Processo Civil de 1939:
 
 “No momento da abertura da falência há, ou pode haver, contratos em curso, 
 obrigações a executar ou de execução contínua, sucessiva, e actos ainda não 
 constituídos, ou pelo menos, não eficazes em relação a terceiros, porque ainda 
 não foram concluídas as formalidades necessárias para que eles produzissem 
 efeitos. Ora, em relação a estes actos, estabelece-se que as formalidades 
 praticadas posteriormente ao pedido de falência são ineficazes em relação à 
 massa.
 Mas em relação aos actos já constituídos mas de efeito sucessivo ?
 Fixem-se primeiro as ideias fundamentais.
 A declaração de falência define legalmente um estado de impotência para pagar, 
 em nome da defesa de todos os outros credores. Ora, se o falido devesse cumprir 
 os contratos em curso, iria beneficiar um credor em prejuízo dos outros; mas 
 sendo assim, é intuitivo que a falência não implica rescisão dos contratos.
 
 É preciso porém notar que, sendo o contrato bilateral, um contraente não é 
 obrigado a cumprir se o outro contraente não cumprir também.
 Daqui resulta a necessidade de conciliar estes dois princípios com os interesses 
 da massa. Como deverá fazer-se essa conciliação ? Como deverá defender-se a 
 situação de igualdade dos credores sem prejudicar a massa e sem contrariar o 
 princípio que domina os contratos bilaterais ?
 Dando à massa o direito de cumprir ou não cumprir, conforme a ela lhe 
 interessar ou não. É a doutrina seguida nas legislações K.O. germânica, §§ 17.º 
 e 26.º; austríaca, § 21.º; húngara, §§ 18.º a 20.º; dinamarquesa, § 16.º; suiça, 
 Código das Obrigações, artigo 83.º; norueguesa, §§ 19.º e 21.º, jugoslava, §§ 
 
 19.º e 25.º, soviética, 1927, artigo 334.º.”
 Esta foi a solução geral adoptada pelo Código de Falências de 1935, incluída no 
 artigo 1166.º, do C.P.C. de 1939, que transitou para o artigo 1197.º, n.º 1, do 
 mesmo diploma, com a reforma de 1961, com a seguinte redacção:
 
 “A declaração de falência não importa a rescisão dos contratos bilaterais 
 celebrados pelo falido, os quais serão ou não cumpridos, consoante, ouvido o 
 síndico, for julgado mais conveniente para a massa. 
 No segundo caso, deve o administrador notificar o outro contraente, a quem fica 
 salvo o direito de exigir à massa, no processo de verificação de créditos, a 
 correspondente indemnização de perdas e danos”.
 Foi esta regra geral que, com pequenas e insignificantes alterações de redacção, 
 se manteve em vigor até à aprovação do CPEREF pelo Decreto-lei n.º 132/93, de 23 
 de Abril, o qual revogou todo o regime do processo de falência constante do 
 C.P.C.
 O CPEREF não consagrou qualquer regra geral aplicável aos contratos “pendentes” 
 celebrados pelo falido, tendo optado por disciplinar individualmente alguns 
 tipos contratuais: compra e venda em diferentes modalidades (artigo 161.º a 
 
 164º); associação em participação (artigo 166.º), mandato e comissão (artigo 
 
 167.º); agência (artigo 168.º); e arrendamento (artigos 169.º e 170.º). Esta 
 opção legislativa dificultou a compreensão de um princípio comum aplicável aos 
 contratos que não foram objecto de previsão específica pelo CPEREF (vide, 
 denotando essa dificuldade, OLIVEIRA ASCENSÃO, em “Efeitos da falência sobre a 
 pessoa e negócios do falido”, na R.O.A., Ano 55 (!995), vol. III, pág. 658 e 
 segs., e CATARINA SERRA, em “Efeitos da declaração de falência sobre o falido”, 
 em “Scientia Iuridica”, tomo XLVII (1998), n.º 274-276).
 Contudo, a doutrina não deixou de retirar das diferentes disciplinas previstas 
 para cada tipo contratual, princípios comuns idênticos à regra geral constante 
 da anterior legislação – o liquidatário tem a opção de manter os contratos ou 
 pôr-lhes termo, de acordo com os interesses da massa falida, restando à 
 contraparte um direito de indemnização pelos danos sofridos no caso de ruptura 
 contratual (vide OLIVEIRA ASCENÇÃO no estudo cit., pág. 673-677). 
 O Decreto-lei n.º 315/98, de 20 de Outubro, que introduziu diversas alterações 
 ao CPEREF, aditou, através do novo artigo 164.º - A, o contrato-promessa àquela 
 lista de tipos contratuais contemplados com uma disciplina própria para as 
 situações em que um dos seus outorgantes fosse declarado falido.
 Relativamente ao contrato-promessa sem eficácia real que se encontre por cumprir 
 
 à data da declaração de falência, o artigo 164.º - A, n.º 1, do CPEREF, impôs 
 como regra a sua extinção, salvaguardando, contudo, a possibilidade de o 
 liquidatário judicial, ouvida a comissão de credores, optar pela conclusão do 
 contrato prometido, ou requerer a execução específica da promessa, se o contrato 
 o permitir. Caso não fizesse essa opção, deixando extinguir o contrato-promessa, 
 a massa falida teria que restituir em dobro o sinal recebido, ou perder o sinal 
 entregue, indemnizando assim a contraparte pelo não cumprimento do contrato.
 Uma solução que não se afastava, nas suas linhas mais significativas, da regra 
 geral contida no revogado artigo 1197.º, do C.P.C., nem dos princípios comuns 
 que a doutrina retirava das diferentes disciplinas que se encontravam já 
 previstas na redacção original do CPEREF.
 Aliás, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) actualmente 
 vigente, aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março, o qual revogou o 
 CPEREF, que combinou a técnica legislativa seguida pelo regime da falência do 
 C.P.C. de 1939 com a do CPEREF, enunciando em primeiro lugar regras gerais 
 aplicáveis aos contratos bilaterais do falido “pendentes” à data da falência 
 
 (artigo 102.º) e especificando depois regras próprias para diversos tipos 
 contratuais (artigos 103.º e seg.), também manteve, em termos muito semelhantes, 
 a solução adoptada pelas legislações anteriores para o destino dos 
 contratos-promessa sem eficácia real celebrados pelo falido e ainda não 
 cumpridos à data da declaração de falência (artigo 102.º e 106.º, n.º 2, do 
 C.I.R.E.).
 A recorrente questiona a constitucionalidade da interpretação do artigo 164.º - 
 A, n.º 1, do CPEREF, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 315/98, 
 de 20 de Outubro, com o sentido que a declaração de falência faz extinguir os 
 direitos estabelecidos no artigo 830.º do Código Civil apenas quanto à parte 
 não falida, podendo o Liquidatário exercer esses direitos, relativamente a 
 contrato-promessa de alienação de bem imóvel pertencente ao património do 
 falido, outorgado por este antes da declaração de falência.
 Em primeiro lugar convém referir que, apesar de concordarmos com a afirmação de 
 que a qualificação do direito civil como “direito constitucional concretizado” 
 não retrata minimamente as relações entre os dois complexos normativos (vide, 
 neste sentido, GOMES CANOTILHO, em “Direito constitucional e teoria da 
 Constituição”, pág. 1149, da 7ª ed., da Almedina,  e SOUSA RIBEIRO, em 
 
 “Constitucionalização do direito civil”, em “Direito dos contratos – estudos”, 
 pág. 32, da ed. de 2007, da Coimbra Editora), isso não significa uma 
 neutralidade absoluta do texto constitucional em matéria civil, nomeadamente na 
 
 área do direito dos contratos.
 Como refere SOUSA RIBEIRO, “à Constituição subjaz, sem dúvida, uma concepção do 
 homem livre e responsável, capaz de autodeterminação, senhor do seu destino e 
 gestor dos seus interesses na convivência com os demais. Mas também, e 
 simultaneamente, do homem, nas palavras de Damm, como “sujeito deficitário”, 
 dependente de poderes fácticos e exposto a riscos que eventualmente não 
 controla. Daí a dialéctica entre função defensiva (contra os poderes públicos) e 
 função tuteladora dos direitos fundamentais, vistos, por um lado, como 
 competências para a acção, para o livre empreendimento de iniciativas e a livre 
 manifestação de preferências pessoais, mas também, por outro, como mecanismos de 
 salvaguarda, de contenção de abusos e de compensação” (ob. cit., pág. 33).
 Nesta concepção, avulta o afirmar da liberdade individual como “direito de 
 conformar o mundo e conformar-se a si próprio” (ORLANDO DE CARVALHO, em “Teoria 
 geral do direito civil”, pág. 56, da ed. polic. de 1981), incluindo o 
 estabelecimento de relações jurídicas com os outros, através da celebração de 
 negócios jurídicos.
 Na verdade, apesar da Constituição não consagrar expressamente o princípio da 
 autonomia privada, que na área dos direitos dos contratos assume a faculdade 
 jurídica primária da liberdade contratual, é possível retirar de alguns dos seus 
 preceitos (artigos 26.º, n.º 1, na parte em que confere o direito ao 
 desenvolvimento da personalidade individual, 61.º, quando reconhece a liberdade 
 de iniciativa económica e 62.º, quando garante o direito à propriedade privada), 
 ou melhor, da sua leitura conjugada, a garantia constitucional dos particulares 
 poderem auto-governar-se, organizando a sua vida, por sua iniciativa e vontade, 
 e conformando, segundo as suas opções, as suas relações jurídicas com os outros 
 
 (vide, sobre esta possibilidade, ANA PRATA, em “A tutela constitucional da 
 autonomia privada”, pág. 75 e segs., da ed. de 1982, da Almedina, PAULO MOTA 
 PINTO, em “O direito ao livre desenvolvimento da personalidade”, em 
 
 “Portugal-Brasil ano 2000, Studia Iuridica”, pág. 210 e segs., SOUSA RIBEIRO, na 
 ob. cit., pág. 22, e MARIA LUÍSA FEITOSA, em “Paradigmas inconclusos: os 
 contratos entre a autonomia privada a regulação estatal e a globalização dos 
 mercados”, pág. 315 e segs., e o Acórdão n.º 311/08 deste tribunal, no site 
 
 www.tribunalconstitucional.pt. Sobre a mesma temática, no direito italiano, vide 
 LUIGI MENGIONI, em “Costituzione e autonomia privata”, em “Banca, borsa e titoli 
 di credito”, 1997, n.º 1., pág. 1 e segs., e ANTONIO LISERRE, em “Costituzione e 
 autonomia contrattuale”, em “Jus”, Ano LV (2008), n.º 1, pág. 83).
 Deste modo, apesar das complexidades, incertezas e perplexidades que actualmente 
 povoam o mundo diversificado dos contratos, com a consequente dificuldade de 
 indicação de proposições seguras nesta área, pode extrair-se duma leitura 
 integrada do nosso texto constitucional uma tutela da autonomia privada, e, em 
 particular, da liberdade de celebração e de fixação do conteúdo dos contratos.
 Não constituindo a celebração de um contrato um fim em si mesmo, visando antes a 
 produção de determinados efeitos jurídicos, aquela tutela constitucional abrange 
 a obrigatoriedade do direito ordinário assegurar a produção e reconhecimento 
 pelo ordenamento jurídico desses efeitos. E, sempre que estes se traduzam na 
 vinculação à realização duma prestação (obrigação), devem estar previstos os 
 mecanismos destinados a assegurar o seu cumprimento. Só assim se poderá falar 
 duma verdadeira tutela da liberdade contratual, uma vez que só a garantia da 
 eficácia do contratado confere sentido ao reconhecimento dessa liberdade. Como 
 escreveu ERICHSEN (citado por PAULO MOTA PINTO, em “Autonomia privada e 
 discriminação”, em “Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da 
 Costa”, vol. II, pág. 336) “o desenvolvimento individual na relação entre 
 particulares exige o reconhecimento do querido vinculativamente como 
 juridicamente obrigatório e a disponibilização das formas jurídicas necessárias 
 para a concretização dessa eficácia”.
 Caberá ao legislador ordinário a tarefa de estabelecer as medidas de prevenção, 
 coerção e sancionamento da inadimplência, que podem assumir as mais diversas 
 formas jurídicas, num sinal de refinamento do sistema jurídico, desde a 
 realização coactiva da prestação devida até à resolução do contrato, passando 
 pela reparação dos danos causados, pela sanção compulsória, pela cláusula penal, 
 pelo comodum de representação ou pela exceptio non adimpleti contractus.
 E nesta missão o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de conformação, 
 onde se inclui a possibilidade de admissão da execução específica dos 
 contratos-promessa, como foi a opção tomada no Código Civil de 1966. A solução 
 contrária não contraria a necessidade de tutela da liberdade contratual, 
 nomeadamente a imposição constitucional ao legislador ordinário de assegurar a 
 produção e reconhecimento pelo ordenamento jurídico dos efeitos jurídicos 
 visados pela celebração dos contratos, desde que se encontrem previstas outras 
 medidas destinadas a cumprir essa directriz, como sucede no presente caso com a 
 concessão ao promitente não falido do direito de fazer seu o sinal recebido, ou 
 receber em dobro o sinal entregue, quando o administrador da massa falida opte 
 pelo não cumprimento do contrato (artigo 164º -A, n.º 1, do CPEREF, na redacção 
 introduzida pelo Decreto-lei n.º 315/98, de 20 de Outubro).
 Mas a recorrente, mais do que com a impossibilidade de recorrer à execução 
 específica, indigna-se com a discriminação no acesso a este meio de cumprimento 
 coercivo do contrato-promessa, sustentada pela interpretação normativa 
 questionada. Na verdade, o acórdão recorrido entendeu que, segundo o disposto no 
 artigo 164.º - A, n.º 1, do CPEREF, na redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 
 
 315/98, de 20 de Outubro, enquanto o liquidatário pode optar pelo cumprimento do 
 contrato-promessa sem eficácia real celebrado pelo falido antes da declaração 
 judicial da sua falência, recorrendo, se necessário, à sua execução específica, 
 nos termos do artigo 830.º, do C.C., já a contraparte não pode utilizar esta 
 figura para obter o cumprimento do mesmo contrato, caso o liquidatário opte por 
 não concluir o contrato prometido, restando-lhe o direito à devolução em dobro 
 do sinal por si entregue, ou o direito a fazer seu o sinal recebido.
 Este Tribunal, por inúmeras vezes, tem sublinhado que o princípio da igualdade, 
 
 'entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa', não proíbe 
 a distinção de tratamentos diferenciados, antes impondo que se trate de forma 
 dissemelhante o que, também igualmente, for diferente. A proibição acarretada 
 por tal princípio o que proíbe, isso sim, são as diferenciações injustificadas, 
 arbitrárias e sem suporte material bastante.
 Reconhecendo-se ao legislador ordinário uma ampla margem de liberdade no 
 exercício da sua actividade de emissão normativa, na previsão das medidas de 
 prevenção, coerção e sancionamento da inadimplência contratual, haverá de 
 aceitar-se que este possa discriminar o acesso à execução específica de um 
 contrato-promessa entre os contraentes. Necessário é, que se surpreendam motivos 
 razoáveis para o estabelecimento da diferenciação, o que o mesmo é dizer que o 
 diverso tratamento não resulte de um mero e injustificado arbítrio. 
 Ora, conforme já acima adiantámos, a concessão da possibilidade do liquidatário 
 poder optar entre o cumprimento do contrato-promessa, com recurso, se 
 necessário, à sua execução específica, e o seu não cumprimento, sem que a 
 contraparte tenha a possibilidade de, por sua vez, obter a sua execução 
 específica, tendo apenas direito a uma indemnização no caso do liquidatário 
 optar pelo seu não cumprimento, visou defender o interesse colectivo do conjunto 
 dos credores do falido de verem minorado o sacrifício dos seus créditos, através 
 da protecção do activo do falido.
 Na verdade, a possibilidade do liquidatário optar entre o cumprimento ou 
 incumprimento do contrato-promessa outorgado pelo falido antes da declaração de 
 falência, permite-lhe optar pela solução que melhor valorize a massa falida. No 
 caso de se tratar de um contrato-promessa de venda de bem que integrava o 
 património do falido, como sucede no caso sub iudice, o liquidatário deverá 
 ponderar a eventual diferença entre o preço acordado e o valor real de mercado 
 desse bem, assim como o valor do sinal já recebido, para adoptar o comportamento 
 contratual donde resulte um maior incremento do activo a distribuir por todos os 
 credores.
 Caso se atribuísse ao contraente não falido igual possibilidade de requerer a 
 execução específica do contrato-promessa, ele veria o seu crédito ser 
 satisfeito por inteiro, com a consequente retirada da massa falida do bem que 
 era objecto do contrato prometido, com eventual prejuízo para os restantes 
 credores, os quais poderiam ver diminuído o património a liquidar para 
 satisfação dos seus créditos. 
 Foi esta situação que o legislador visou evitar ao não atribuir ao contraente 
 não falido a possibilidade de requerer a execução específica do 
 contrato-promessa celebrado com o falido, não deixando de lhe reconhecer, 
 contudo, um direito de indemnização pelo incumprimento do contratado, integrando 
 este crédito, se reclamado, o conjunto de créditos a satisfazer pela liquidação 
 da massa falida, na medida do possível. 
 A discriminação realizada não é, pois, arbitrária, correspondendo ao sacrifício 
 do direito de um credor à execução específica de um contrato-promessa, com o 
 objectivo de garantir a observância dos princípios que devem presidir a uma 
 liquidação falimentar, não deixando os direitos contratuais daquele credor de 
 estarem acautelados através da atribuição de um direito de indemnização pelo 
 incumprimento do contrato-promessa. 
 A ocorrência duma situação de falência determina necessariamente o sacrifício 
 dos interesses individuais dos credores, importando assegurar que esse 
 sacrifício atinja na mesma proporção todos os credores, em igualdade de 
 circunstâncias, pelo que, visando o sacrifício daquele direito precisamente a 
 satisfação do interesse colectivo de todos os credores do falido, a 
 discriminação existente encontra-se justificada e, como resulta do que ficou 
 escrito até aqui, revela-se adequada e proporcionada.
 
  Do exposto se conclui que a interpretação normativa questionada não viola o 
 princípio constitucional da igualdade, assim como os restantes parâmetros 
 constitucionais invocados pela recorrente.
 Por estas razões deve improceder o recurso interposto, na parte em que se 
 apreciou o seu mérito.
 
  
 
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 Decisão
 Nestes termos decide-se:
 a) não conhecer do recurso quanto às questões colocadas no respectivo 
 requerimento de interposição sob os n.º 2, 3 e 4.
 b) não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 164.º - A, n.º 1, do 
 Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, na 
 redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 315/98, de 20 de Outubro, com o 
 sentido que a declaração de falência faz extinguir os direitos estabelecidos no 
 artigo 830.º do Código Civil apenas quanto ao promitente não falido, podendo o 
 Liquidatário exercer esses direitos, relativamente a contrato-promessa de 
 alienação de bem imóvel pertencente ao património do falido, outorgado por este 
 antes da declaração de falência.
 c) em consequência, negar provimento ao recurso nesta parte.
 
  
 
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 Custas do recurso pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades 
 de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei 
 n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
 
  
 
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 Lisboa, 7 de Outubro de 2008
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos