 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 874/06
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I- Relatório
 
  
 
             1. A., Companhia de Seguros S.A. (seguradora) requereu, no processo 
 de acidente de trabalho que correu termos no Tribunal do Trabalho de Bragança a 
 remição da pensão anual e vitalícia de €1.221,55, actualizável nos termos em que 
 o forem as pensões do regime geral da segurança social, atribuída a B., em 
 consequência de um acidente de trabalho ocorrido em 11/10/2005 de que resultou 
 ficar o sinistrado afectado por uma IPP de 30%.
 
             O sinistrado, notificado com a advertência de que o seu silêncio 
 seria interpretado como oposição à remição, nada disse.
 
  
 
             O pedido da seguradora foi indeferido por despacho (fls. 103 e 
 segs.) que conclui nos seguintes termos:
 
  
 
 “(…)
 
 3. Contudo, tal como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional 
 relativamente às pensões emergentes de incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30%, fixadas antes da entrada em vigor do novo regime reparatório 
 dos acidentes de trabalho, também neste caso de pensões resultantes de 
 incapacidade parcial igual a 30% as normas dos artigos 56º nº 1 al. a) e 74º do 
 D.L. 143/99 de 30/4 estão feridas de inconstitucionalidade por violação do 
 direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional, 
 consagrado no art. 59º nº 1 al. f) da Constituição, quando interpretadas no 
 sentido de imporem a remição obrigatória total dessas pensões vitalícias, 
 independentemente da vontade do pensionista. 
 
 (…)
 
 4. Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional citada, embora 
 se refiram ao artigo 74º do D.L. 143/99 de 3 0/4, valem igualmente para o art. 
 
 56º nº 1 al. a) quando interpretado no sentido de impor a remição obrigatória 
 total, isto é independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por 
 incapacidades parciais permanentes superiores a 30%, na medida em que, ao impor 
 uma limitação ao direito do sinistrado poder optar, nestes casos, ou pela 
 remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual, 
 tal interpretação põe em causa o principio constitucional do direito à justa 
 reparação por acidente de trabalho ou doença profissional estabelecido no art. 
 
 59º nº 1 al. f) da Constituição. 
 E valem, igualmente para os casos em que a incapacidade é igual a 30%, pois que 
 
 é a própria lei ordinária (arts. 17° nº 1 al. c) e 33º da Lei 100/99 de 13/9 e 
 
 56º n° 1 als. a) e b), a contrario e nº 2 do D.L. 143/99 de 30/4), que equipara 
 uma tal desvalorização às situações de incapacidades superiores a 30%, ao 
 estabelecer as mesmas condições de remição, quer obrigatória, quer facultativa, 
 não se vislumbrando razão material bastante para distinguir entre aquela e estas 
 no que respeita à conformidade constitucional das citadas disposições legais em 
 matéria de remição de pensões. Com efeito, quer num caso como no outro estão em 
 causa situações de maior gravidade, em que o coeficiente de incapacidade importa 
 já uma efectiva e acentuada diminuição da capacidade de ganho. 
 Assim, também nos casos de pensões emergentes de incapacidade parcial permanente 
 igual a 30% o direito constitucional à justa reparação dos danos emergentes de 
 acidente de trabalho postula que, à semelhança do que sucede para os sinistrados 
 afectados de IPP superior a 30%, seja o titular da pensão, no seu livre 
 arbítrio, a decidir qual a forma de reparação que melhor lhe convém, isto é, a 
 optar entre o recebimento da sua pensão em duodécimos e o recebimento de um 
 capital de remição, ponderando os riscos inerentes à sua aplicação. 
 Conclui-se, pois, que a interpretação do art. 56º n° 1 al. a) D.L. 143/99 de 
 
 30/4 no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente 
 da vontade do titular, de pensões vitalícias atribuídas a sinistrados por 
 incapacidade parcial permanente igual a 30%, põe em causa o princípio 
 constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença 
 profissional estabelecido no art. 59º nº 1 al. f) da Constituição, na medida em 
 que impõe uma limitação ao direito do beneficiário-pensionista poder optar, ou 
 pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda 
 anual. 
 Foi esta a razão, não expressa na sentença homologatória de fls. 44, que levou à 
 condenação da R. seguradora e da entidade patronal nos exactos termos da 
 conciliação consignada no auto de fls. 38 e segs., sem qualquer referência à 
 remição obrigatória da pensão. 
 
 5. Pelo exposto, considerando a oposição tácita do sinistrado nestes autos à 
 remição da sua pensão, decide-se não aplicar, por inconstitucional, por violação 
 do art. 59º nº 1 al f) da Constituição, as normas resultantes dos arts. 56º n° 1 
 al. a) e 74º do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretadas no sentido de impor a 
 remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de 
 pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais a 30% e, 
 consequentemente, indeferir a requerida remição obrigatória da pensão fixada 
 nestes autos ao sinistrado B..” 
 
  
 
  
 
             2. O Ministério Público interpôs recurso deste despacho para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e da 
 alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro 
 
 (LTC).
 
  
 
             Prosseguindo o recurso, apenas o Ministério Público alegou. 
 Sustenta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto que as especificidades do caso (ser a 
 incapacidade igual a 30% e tratar-se de acidente laboral já ocorrido na vigência 
 do Decreto-Lei n.º 143/99) não justificam que o Tribunal se afaste da sua 
 jurisprudência anterior em matéria de remição de pensões. 
 E conclui nos seguintes termos:
 
  
 
 “1- É inconstitucional, por violação do disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea 
 f) da Constituição, o regime normativo constante dos artigos 56,º, n.º 1, alínea 
 a) e 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretados no sentido de 
 impor a remição obrigatória, independentemente da vontade do titular, de pensões 
 atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais (ou superiores) a 30%.
 
 2- Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade material 
 formulado pela decisão recorrida.”
 
  
 
  
 B- Fundamentação
 
  
 
             3. Recordemos brevemente, na estrita medida do necessário à 
 definição (e melhor compreensão) do objecto do recurso, o regime jurídico de 
 remição obrigatória de pensões por acidentes de trabalho actualmente vigente, de 
 onde foram extraídas as normas desaplicadas (Note-se que está em curso o 
 processo legislativo de regulamentação dos artigos 281.º a 312.º do Código do 
 Trabalho, iniciado com a Proposta de Lei n.º 88/X/1, tendente à substituição do 
 actual regime, que foi já objecto de aprovação na generalidade – cfr. Diário da 
 Assembleia da República - I Série, n.º 44/X/2, de 2 de Fevereiro de 2007).  
 
             A Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, alargando o âmbito de aplicação 
 da remição de pensões que decorria da anterior Lei de Acidentes de Trabalho, 
 estabeleceu a obrigatoriedade de substituição das prestações que forem devidas 
 por reparação de acidente de trabalho, no caso de incapacidade permanente 
 parcial inferior a 30%, por um capital de remição – artigo 17.º, n.º 1, alínea 
 d). Além disso, o artigo 33.º, n.º 1, da mesma Lei considera ainda 
 
 'obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos 
 que vierem a ser regulamentados.'
 
             O artigo 42.º da Lei define o regime de produção de efeitos, 
 estabelecendo o seguinte:
 
 «1 - Esta lei produz efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a 
 regulamentar e será aplicável:
 a) Aos acidentes de trabalho que ocorrerem após aquela entrada em vigor;
 
 (...)
 
 2 - O diploma regulamentar referido no número anterior estabelecerá o regime 
 transitório, a aplicar:
 a) À remição de pensões em pagamento, à data da sua entrada em vigor, e que 
 digam respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30 % ou a pensões 
 vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no artigo 33, n. 2;
 
 (...).»
 
  
 
             A Lei n.º 100/97 foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 
 
 30 de Abril, interessando reter, no que à remição de pensões concerne, o que 
 dispõem os artigos 56.º e 74.º.
 
             A primeira dessas disposições regulamenta propriamente o 
 estabelecido nos citados artigos 17.º, n.º 1, alínea d), e 33.º da Lei n.º 
 
 100/97, estipulando as condições de remição das pensões anuais nos seguintes 
 termos:
 
  
 
 «1. São obrigatoriamente remidas as pensões anuais:
 a) Devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não 
 sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada 
 
 à data da fixação da pensão;
 b) Devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por 
 incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.»
 
  
 
  
 
             Assinale-se que a alínea b) reproduz praticamente o disposto no 
 artigo 17.º, n.º 1, alínea d) da Lei, esclarecendo, apenas que a remição da 
 pensão, desde que se verifique a situação de incapacidade permanente e parcial 
 inferior a 30%, não está dependente do montante da pensão que tiver sido fixado. 
 E que a alínea a) concretiza o regime de remição resultante do artigo 33.º, n.º 
 
 1 da Lei, especificando o que se entende por pensões vitalícias de reduzido 
 montante. 
 
             Finalmente, o artigo 74.º (com a redacção que lhe foi dada pelo 
 Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro) estabelece um regime transitório de 
 remição das pensões, calendarizado de acordo com os montantes anuais que aí se 
 encontram estipulados. De notar que o Supremo Tribunal de Justiça, pelo acórdão 
 de uniformização de jurisprudência de 6.11.2002, publicado no Diário da 
 República, I Série-A, de 18 de Dezembro de 2002, decidiu que o regime 
 transitório do artigo 74.º não era aplicável às pensões devidas por acidentes de 
 trabalho ocorridos a partir de 1.1.2000, ou seja, na vigência da Lei n.º 100/97. 
 E, por outro lado, que é jurisprudência uniforme do mesmo Supremo Tribunal a de 
 que, para decidir da obrigatoriedade, ou não, da remição de determinada pensão, 
 resultante de acidente ocorrido antes de 1.1.2000, não basta atender às datas e 
 valores constantes do quadro referido no artigo 74.º, havendo que articular a 
 previsão deste preceito com aqueles que fixam as condições substantivas da 
 remição obrigatória, designadamente o disposto no artigo 33.º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 100/97 e no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 143/99 (Cfr. 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Janeiro de 2005, Proc. 3587/04, 
 in  www.dgsi.pt/jstj).
 
  
 
  
 
             4. Sucede que, apesar de se tratar de acidente ocorrido em 11 de 
 Outubro de 2004, já no domínio do novo regime jurídico de acidentes de trabalho 
 e de nenhum dos sujeitos processuais fazer referência ao regime transitório 
 constante do artigo 74.º como interessando à solução do incidente provocado pelo 
 requerimento de fls. 92, na afirmação que imediatamente antecede o indeferimento 
 da pretensão da seguradora tal como a entendeu, a decisão recorrida concluiu 
 pela recusa de aplicação por inconstitucionalidade das “normas resultantes dos 
 artigos 56.º n.º 1 alínea a) e 74.º do Decreto Lei n.º 143/99”. Em conformidade 
 com esta pronúncia expressa, quer o requerimento de interposição do recurso, 
 quer as alegações do Ministério Público, fazerem referência a esse mesmo 
 conjunto normativo. 
 
  
 
             Assim, não competindo ao Tribunal Constitucional interferir na 
 determinação do direito ordinário aplicável ao caso e não havendo elementos 
 textuais inequívocos de que a referência a este último preceito constitua lapso 
 de escrita, considerar-se-á o objecto do recurso como vem formalmente definido. 
 Todavia, não pode deixar de ter‑se presente que a dimensão normativa sob 
 apreciação de constitucionalidade, necessariamente delimitada pela situação 
 subjacente à decisão recorrida como é inerente à intervenção do Tribunal 
 mediante recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, não respeita à 
 remição de 'pensões em pagamento' à data da entrada em vigor do novo regime 
 infortunístico, mas ao próprio regime de remição obrigatória das designadas 
 
 'pensões vitalícias de reduzido montante' constante da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99.
 
              
 
             5. É abundante a jurisprudência do Tribunal sobre a questão da 
 remição obrigatória de 'pensões de reduzido montante' no domínio do regime de 
 reparação de acidentes de trabalho instituído pela Lei n.º 100/97 e do 
 Decreto-Lei n.º 143/90, tendo por objecto a alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º e 
 o artigo 74.º deste último diploma, embora versando sobre dimensões normativas 
 não exactamente coincidentes com que no presente recurso está em apreciação. Sem 
 preocupações de exaustão e omitindo numerosas decisões sumárias que fazem 
 aplicação, remetem ou reproduzem acórdãos anteriores do Tribunal, o panorama 
 desta jurisprudência, nas suas principais cambiantes, pode ver-se nos seguintes 
 arestos (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) :
 
  
 
 -        Acórdãos n.ºs 322/2006 e 323/2006, que julgaram inconstitucional a 
 norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), quando interpretada no sentido de impor, 
 independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo 
 montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida 
 mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de 
 trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente superior a 30% e 
 ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor;
 
 -        Acórdãos n.ºs 457/2006, 491/2006, 492/2006, 493/2006, 516/2006, 
 
 519/2006, 520/2006 e 611/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 
 
 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de 
 pensões devidas por acidentes de trabalho, ocorridos anteriormente à data da 
 entrada em vigor desse diploma, de que haja resultado a morte do sinistrado, que 
 não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais 
 elevada à data da fixação da pensão, opondo-se o beneficiário à remição; 
 
 -        Acórdãos n.ºs 529/2006 e 533/2006, que julgaram inconstitucional a 
 norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição 
 obrigatória de pensões vitalícias de montante anual inicial não superior a seis 
 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da 
 pensão, atribuídas ao cônjuge do trabalhador sinistrado, por acidente de 
 trabalho de que resultou a morte deste, e fixadas em momento anterior ao da 
 entrada em vigor desta norma; 
 
 -        Acórdãos n.ºs 577/2006 e 578/2006, que decidiram pela 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no 
 sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da 
 vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30% ou por morte; 
 
 -        Acórdão n.º 521/2006, que decidiu julgar inconstitucional a norma 
 resultante dos artigos 56º, nº 1, alínea a), e 74º, quando interpretados no 
 sentido de imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total 
 de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima 
 mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas por 
 incapacidades parciais permanentes iguais a 30%, resultantes de acidente 
 ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei;
 
 -        Acórdão n.º 292/2006, que julgou inconstitucional o conjunto normativo 
 constante do nº 1 do artigo 33º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, e da alínea 
 a) do nº 1 do artigo 56º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando 
 interpretados no sentido de imporem, independentemente da vontade do 
 trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis 
 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, 
 atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma 
 incapacidade parcial permanente de 30% e ocorridos anteriormente à data da 
 entrada em vigor daquela Lei;
 
 -        Acórdão n.º 468/2002, que julgou inconstitucional a norma do artigo 
 
 74º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, na 
 interpretação segundo a qual aquele preceito é aplicável à remição das pensões 
 previstas na alínea d) do nº 1 do artigo 17º e no artigo 33º, ambos da Lei nº 
 
 100/97, de 13 de Setembro;
 
 -        Acórdão n.º 34/2006, que declarou a inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, da norma do artigo 74º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 
 
 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição 
 obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais 
 permanentes nos casos em que estas excedam 30%. 
 
 -        Acórdão n.º 438/2006, que julgou inconstitucional a norma do artigo 
 
 74º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, 
 interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões 
 vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição, pretendida pela 
 seguradora;
 
 -        Acórdão n.º 268/2007, que julgou inconstitucional a norma do artigo 
 
 74º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, 
 interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões 
 vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição.
 
             
 
  
 
             6. Desde logo, importa notar que a circunstância de se tratar de 
 acidente ocorrido e de pensão fixada já ao abrigo do novo regime afasta a 
 hipótese de confronto da dimensão normativa agora em apreciação com o princípio 
 constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito (artigo 
 
 2.º da Constituição), que foi invocado, em alguns desses acórdãos (ou expresso 
 em declaração de voto de alguns juízes), em conjugação com o direito dos 
 trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional (alínea f) 
 do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição) para fundar o juízo de 
 inconstitucionalidade a que então se chegou sobre a remição de pensões que 
 haviam sido fixadas ao abrigo do quadro normativo anterior e agora tornadas 
 susceptíveis de remissão obrigatória (cfr. acórdão n.º 322/06, 323/06 e 
 
 438/2006, e declarações de voto apostas aos acórdãos n.º 204/06, 519/06 e 
 
 611/06). 
 Deve, todavia, notar-se que no presente processo foi homologado, por sentença 
 
 (fls. 44) o acordo constante do auto de conciliação de que resultou a atribuição 
 ao sinistrado de uma pensão anual e vitalícia, actualizável nos termos em que o 
 forem as pensões do regime geral da segurança social. Só posteriormente ao 
 trânsito em julgado da fixação da pensão veio a seguradora sustentar que a 
 pensão era “obrigatoriamente remível” (requerimento de fls. 93), provocando o 
 incidente que culminou no despacho agora recorrido.
 
        Assim, a questão nuclear do presente recurso é a da conformidade com o 
 artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição – que consagra o direito dos 
 trabalhadores à justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais –, da 
 norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de 
 Abril, quando interpretado no sentido de impor a remição obrigatória, 
 independentemente da vontade do trabalhador sinistrado, de pensões inicialmente 
 fixadas em regime de pensão anual vitalícia, por incapacidades parciais 
 permanentes iguais ou superiores a 30%.
 
 7. Quanto a este parâmetro constitucional, o fio condutor da jurisprudência do 
 Tribunal em matéria de remição das pensões de reduzido montante foi posto em 
 evidência no acórdão n.º 292/2006, que recaiu sobre uma decisão igualmente de 
 recusa de aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 
 
 143/99 e consequente indeferimento do pedido de remição obrigatória, numa 
 situação em que o titular da pensão era o trabalhador sinistrado (e não um 
 
 “beneficiário legal”), afectado de uma IPP de 30%, do seguinte modo (embora 
 tendo como realidade subjacente, que acabou reflectida na fórmula decisória do 
 acórdão, um acidente anterior à entrada em vigor do novo regime):             
 
 '5.1. Da jurisprudência tirada pelo Tribunal Constitucional em matéria de 
 apreciação da conformidade ou desconformidade com a Constituição relativamente à 
 remição de pensões devidas por infortúnios laborais retira-se que tem, numa 
 primeira linha, sido dado relevo à tutela da autonomia da vontade do trabalhador 
 vítima de acidente laboral ou de doença profissional que lhe impôs uma 
 diminuição acentuada da sua capacidade para o trabalho, pois somente ele poderá 
 ponderar se é do seu interesse continuar a perceber determinado quantitativo 
 vitalício representativo daquela pensão ou se, pelo contrário, a perda da sua 
 capacidade de ganho pode ser compensada com um capital ou um eventual rendimento 
 do capital decorrente da remição. E isto desde que a pensão que tenha sido 
 atribuída seja representativa do asseguramento de um rendimento susceptível de 
 garantir uma existência minimamente condigna.
 Outrotanto, e ainda segundo aquela jurisprudência, não sucede se em causa se 
 colocarem situações de acidentes de trabalho ou doenças profissionais que não 
 demandaram acentuada perda de capacidade de trabalho.
 
 É que, em tais situações, o lesado pode ainda desempenhar o seu labor e a 
 compensação pelo infortúnio que sofreu – ponderando os consabidamente diminutos 
 montantes das pensões atribuídas nesses casos, a natural degradação valorativa 
 da moeda e a sempre tendencial elevação dos custos – facilmente poderá, ao ser a 
 pensão vitalícia «transformada», pela remição num dado capital, ser considerável 
 como uma «justa reparação» ancorada no direito que é conferido pela alínea f) do 
 nº 1 do artigo 59º da Constituição.
 Neste ponto, tem cabimento a citação do que se escreveu no Acórdão deste 
 Tribunal nº 302/99 (in Diário da República, II Série, de 16 de Julho de 1999), 
 quando aí se considerou que a consagração da remição impositivamente decretada 
 tem a ver com a circunstância de a perda da capacidade de trabalho não ter sido 
 
 “por demais acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho não 
 implicou a futura continuação do desempenho do labor por parte do trabalhador”, 
 permitindo que “a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada – e 
 sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é de pouco relevo e, de 
 outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar do tempo – possa ser 
 
 ‘transformada’ em capital, a fim de ser aplicada em finalidades económicas 
 porventura mais úteis e rentáveis que a mera percepção de uma ‘renda’ anual cujo 
 quantitativo não pode permitir a subsistência condigna a quem quer que seja”. 
 E, por isso, se escreveu no Acórdão nº 468/02, (publicado no indicado jornal 
 oficial, II Série, de 4 de Janeiro de 2003), que nas situações de acidentes de 
 trabalho e doenças profissionais que implicaram uma incapacidade permanente para 
 o trabalho inferior a 30%, o que se prescreve no acima transcrito artº 33º da 
 Lei nº 100/97 traduz uma forma como o legislador desejou que, “atentas as 
 circunstâncias, se efectivasse o direito dos trabalhadores a serem justamente 
 reparados do infortúnio laboral que sofreram, o que significa que veio consagrar 
 um direito que, na sua óptica, para as ditas circunstâncias, concretizava a 
 justa reparação” a que alude a alínea f), do nº 1 do artigo 59º da Lei 
 Fundamental.
 Daí que se tenha entendido – considerando que, teleologicamente, a imposição da 
 remição das pensões nessas circunstâncias, se justifica com base no raciocínio 
 segundo o qual a privação de futuras e eventuais actualizações dos respectivos 
 quantitativos (que, como é facto notório incarecido de demonstração, a 
 experiência revela serem de mui pequena monta) – a remição obrigatoriamente 
 imposta ainda se inclui (como «contrapartida» da perda da capacidade de trabalho 
 e, logo, de ganho do trabalhador) no conceito de «justa reparação».
 Também o Tribunal Constitucional tem trilhado a senda de, como «excepção» ao 
 relevo da tutela da autonomia da vontade do trabalhador, a par das situações de 
 menos acentuada incapacidade permanente para o trabalho, ter como não 
 conflituante com a Lei Fundamental, os casos em que, independentemente dessa 
 incapacidade, o montante da pensão é de tal sorte diminuto que não pode ser tido 
 como apto para, de um modo mínimo, assegurar uma condigna subsistência do 
 lesado.
 Porém, quanto a este último particular, como já se disse, colocavam-se situações 
 em que o trabalhador era já falecido e, por conseguinte, nem sequer era 
 equacionável a ponderação da sua vontade.
 
 6. Como se viu, a situação sub iudicio cura da pretensão de remição de uma 
 pensão atribuída por um acidente de trabalho do qual resultou para o trabalhador 
 uma incapacidade permanente para o trabalho de 30%.
 Neste conspecto, a corte argumentativa que conduziu à declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral vertida no Acórdão nº 34/2006, 
 poderia não ser globalmente transponível para o caso em apreço, já que se não 
 trata de uma incapacidade parcial permanente superior a 30%.
 Ainda assim, mesmo nesta perspectiva, não se vá sem dizer que o raciocínio que 
 formou o «fio condutor» daquele aresto foi o de, porque a pensão, nas situações 
 de “acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal 
 sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, 
 reflexamente, a possibilidade de auferir um salário condigno com ao menos, a sua 
 digna subsistência” [constituindo, pois, a pensão um “complemento à parca (e por 
 vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de 
 trabalho”) e porque “a aplicação de um capital – ainda que no momento em que 
 essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual – é sempre alguma coisa que, em virtude de ser 
 aleatória, comporta riscos”, haveria que se atender, por forma a ser respeitado 
 direito consagrado na alínea f) do nº 1 do artigo 59º da Constituição, à vontade 
 expressa pelo trabalhador e não a uma “imposição do risco do capital a receber”, 
 a qual “limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando 
 vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional”.
 Ora, reportando-se a situação em espécie a um acidente de trabalho de que 
 resultou uma incapacidade parcial permanente de 30%, não se poderá desconsiderar 
 a circunstância de a lei ordinária, como deflui das disposições combinadas dos 
 artigos 33º da Lei nº 100/97 e 56º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 143/99, 
 entender que as incapacidade parciais permanentes não muito acentuadas são 
 aquelas que se situam numa percentagem inferior a 30%.
 E, nesse contexto, poder-se-ia enveredar por um raciocínio semelhante ao que foi 
 prosseguido no Acórdão 34/2006.
 
 6.1.  [ ….]
 Vale isto por dizer que a pergunta cabida para a solução da questão é a de saber 
 se ofende aquele normativo a remição imposta pela alínea a) do nº 1 do artº 56º 
 do Decreto-Lei nº 143/99, se em causa estiver uma pensão de valor não superior a 
 seis vezes a remuneração mínima mensal mais elevada à data da sua fixação, 
 atribuída por um acidente de trabalho ou doença profissional que acarretou uma 
 incapacidade parcial permanente não inferior a 30%, opondo-se a tanto o 
 trabalhador. 
 Ora, estando em causa um direito constitucionalmente conferido aos 
 trabalhadores, e porque se não trata de um infortúnio laboral de que redundou 
 uma perda de capacidade laboral inferior a 30%, não obstante o montante da 
 pensão (tido por reduzido pelo legislador ordinário), entende-se, com a entidade 
 recorrente, que a dimensão normativa daquele preceito que agora se analisa, ao 
 não devolver ao trabalhador “a sua livre opção sobre o modo como pretende ser 
 ressarcido” das consequências da incapacidade que o afecta (que o próprio 
 legislador ordinário considera não serem de pequena monta, justamente por não 
 ser inferior a 30%) deixa de privilegiar “em última análise, o valor ‘autonomia’ 
 da vontade que, em regra, deverá funcionar como parâmetro fundamental nesta 
 sede.»
 
 8. O cerne do juízo de inconstitucionalidade radica na consideração de que, 
 relativamente a pensões por incapacidades susceptíveis de afectar 
 significativamente a capacidade de ganho do sinistrado – não interessa agora 
 saber se e em que termos este entendimento é extensível a situações em que o 
 titular da pensão seja um “beneficiário legal” (cfr., todavia, acórdãos n.ºs 
 
 529/2006 e 533/2006) –, pelo menos quando se trate de pensões vitalícias já 
 atribuídas, a imposição da remição contra vontade do titular, atendendo à maior 
 aleatoriedade dos proventos da aplicação do capital por comparação com o 
 recebimento regular de uma pensão susceptível de actualização, não assegura a 
 justa reparação constitucionalmente imposta pela alínea f) do n.º 1 do artigo 
 
 59.º da Constituição. O sinistrado, afectado em grau significativo na sua 
 capacidade de ganho, não deve ser privado da possibilidade de optar, consoante a 
 avaliação que faça das vantagens e desvantagens, por continuar a receber uma 
 pensão vitalícia actualizável que lhe foi inicialmente fixada, sendo obrigado a 
 receber um capital, com o inerente risco de aplicação.
 Obviamente, que esta ponderação não é afectada pela circunstância de a 
 incapacidade ser igual (e não superior) a 30% porque, como se disse no acórdão 
 que vimos seguindo, “não se poderá desconsiderar a circunstância de a lei 
 ordinária, como deflui das disposições combinadas dos artigos 33.º da Lei nº 
 
 100/97 e 56.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 143/99, entender que as 
 incapacidade parciais permanentes não muito acentuadas são aquelas que se situam 
 numa percentagem inferior a 30%”.
 
  
 III- Decisão
 
             Pelo exposto, decide-se:
 
             a) Julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 59.º, 
 n.º 1, alínea f), da Constituição, o conjunto normativo constante dos artigos 
 
 56,º, n.º 1, alínea a) e 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, 
 interpretado no sentido de impor a remição obrigatória, independentemente da 
 vontade do trabalhador sinistrado, de pensões atribuídas em consequência de 
 acidentes de trabalho de que resulte incapacidade parcial permanente igual (ou 
 superior) a 30%;
 b) Consequentemente, negar provimento ao recurso. 
 Lisboa, 5 de Março de 2002
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão