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Processo n.º 99/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 
               Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
 
             
 
 1. O representante do Ministério Público junto do 2.º Juízo do Tribunal de 
 Pequena Instância Criminal do Porto reclama para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o 
 recurso por ele interposto para o Tribunal Constitucional do anterior despacho 
 do mesmo Tribunal, de 29.10.2007, que determinou a remessa dos autos ao 
 Ministério Público para tramitação sob outra forma processual.
 
  
 
 2. Compulsados os autos, apura-se o seguinte:
 
 − A presente reclamação emerge de processo iniciado em “auto de notícia por 
 detenção”, instaurado, por agente da PSP, a A., por, em determinada data, hora e 
 local, ter alegadamente praticado “crime contra a segurança das comunicações”.
 
 − Em 27.10.2007, o referido condutor foi constituído arguido e notificado, nos 
 termos do n.º 3 do artigo 385.º do CPP, para comparecer perante o Ministério 
 Público do Tribunal de Turno do Porto, no local aí indicado, para ser submetido 
 a audiência de julgamento em processo sumário.
 
 − Na mesma data, o Juiz do 2.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal 
 do Porto proferiu despacho, determinando que o arguido fosse notificado para 
 comparecer, em determinado dia e hora, no tribunal competente, a fim de aí ser 
 julgado em processo sumário.
 
 − Por despacho de 29.10.207, foi ordenada a remessa dos autos ao Ministério 
 Público «para os fins tido por convenientes, respectivamente apresentação da 
 acusação».
 
 − Aberta vista ao Ministério Público, na mesma data, este exarou que «aguardará 
 o início da audiência para, aí e então, se for o caso, requerer, nos termos 
 legais supra, a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de 
 notícia (por Detenção de fls. 1) da autoridade (PSP) que procedeu à detenção.»
 
 − Em 29.10.2007 foi exarado despacho com o seguinte teor:
 
 «Do auto de notícia elaborado pela autoridade policial resulta que o arguido foi 
 detido em flagrante delito e depois restituído à liberdade, tendo sido 
 notificado para comparecer perante o M.P. junto do Tribunal de turno.
 Resulta também dos autos, que não foi deduzida verdadeira acusação escrita 
 contra o arguido.
 O M.P. apresentou apenas o expediente ao juiz de turno para os efeitos do art. 
 
 387.º, n.º 2, al. a) do C.P.P., pretensão que foi deferida, adiando-se 
 simplesmente o início da audiência de julgamento.
 Aberta vista à Digna Magistrada do M.P., pela mesma foi referido que aguardará o 
 início da audiência, para aí requerer a substituição da apresentação da acusação 
 pela leitura do auto de notícia da autoridade que procedeu à detenção.
 
 É certo que no auto de notícia constam alguns factos.
 Todavia, tais factos, por si só, não constituem qualquer crime.
 
 É de ter em conta que a consciência e a vontade de praticar tais factos típicos, 
 bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei – o dolo – constitui 
 elemento típico dos ilícitos criminais, e designadamente do perfunctoriamente 
 indiciado no auto de notícia.
 O mesmo sucede quanto à negligência, nos termos do disposto nos arts. 13.º e 
 
 15.º do C.P.
 Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia – 
 cfr. os arts. 243.º e 283.º, n.º 3, al. b) do C.P.P., e ainda sobre o tema, 
 entre outros, o Ac. do TRG de 7/04/2003, in CJ, tomo II, pg. 291-294.
 Qualquer acusação em que se omita este facto – falta dos factos integradores do 
 dolo ou da negligência – deve ser rejeitada, por se encontrar manifestamente 
 infundada, com base no art. 311.º, n.º 3, al. d) do C.P.P. – quando os demais 
 elementos típicos do crime se encontrarem nela descritos.
 Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou 
 negligência).
 De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais 
 aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos factos, o que é relevante e 
 implica até a rejeição da acusação, nos termos do citado art. 311.º, n.º 3,  al. 
 c) do C.P.P.
 Dado o teor do auto de notícia, mesmo com a sua leitura em audiência nada mais 
 se acrescenta ao que aí consta.
 
 É condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de 
 processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado, 
 com indicação dos respectivos factos integradores (objectivos e subjectivos) e 
 de todas as disposições legais aplicáveis. Só assim se podem apreciar os 
 apertados requisitos de admissibilidade do processo sumário, bem como a 
 competência do tribunal.
 Está em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de 
 defesa do arguido e o princípio da vinculação temática do tribunal.
 Afigura-se-nos, pois que não se verificam os requisitos que justificam o 
 julgamento em processo sumário, nos termos do disposto no art. 381.º do C.P.P., 
 na redacção da Lei n.º 48/07, de 29/08.
 Assim sendo, e por razões de economia processual, e ainda nos termos dos arts. 
 
 381.º e 390.º, alínea a) do C.P.P., na actual redacção, determino a remessa dos 
 presentes autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma 
 processual.» 
 
 − O representante do Ministério Público junto daquele Tribunal interpôs recurso 
 deste despacho para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
 
 «Por douto/a despacho/decisão, proferido/a no p.p. dia 29 do corrente mês de 
 Outubro do corrente ano 2007 e exarado a fls. 13 e 14 dos autos à margem 
 identificados, o/a Mmo/a Juiz, nos termos e com os fundamentos de facto e de 
 direito daquele/a constantes, tendo consignado, além do mais, “Está em causa a 
 natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa do arguido e 
 o princípio da vinculação temática do tribunal.” (sic), a final decidiu “…/…nos 
 termos dos arts. 381.º e 390.º, alínea a) do C.P.P., na actual redacção, 
 determino a remessa dos presentes autos ao Ministério Público para tramitação 
 sob outra forma processual.” (sic), recusando, dessa forma, a aplicação da norma 
 constante do art. 389.º, n.º 2, do CPP, expressamente requerida pelo MP, por 
 reputar a mesma inconstitucional, por violação dos invocados princípios 
 constitucionais das garantias de defesa do arguido e da estrutura acusatória do 
 processo penal – art. 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP – e/ou ilegal, por violação do 
 referido princípio da vinculação temática do tribunal – arts. 358.º, 359.º e 
 
 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP.
 Tendo sido, nos termos supra expostos, a aplicação da norma em referência, n.º 2 
 do art. 389.º do CPP, constante de acto legislativo – Lei 48/2007, de 29 de 
 Agosto – 15ª alterações ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 
 n.º 78/87, de 17 de Fevereiro – recusada por inconstitucionalidade e/ou 
 ilegalidade – vem o MP, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 280.º, 
 n.ºs 1, al. a), 2, al. a) e 3, da CRP, 70.º, n.º 1, als. a) e/ou c), 71.º, n.º 
 
 1, 72.º, n.ºs 1, al. a) e 3, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.º 1 e 78.º, n.º 4, da Lei 
 
 28/82, de 15 de Novembro – Organização, funcionamento e processo do Tribunal 
 Constitucional -, ao abrigo das citadas als. a) e ou c) do n.º 1 do respectivo 
 art. 70.º, interpor recurso, obrigatório, para o Tribunal Constitucional – a 
 subir nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto no 
 citado art. 78.º, n.º 4, da Lei em referência – requerendo a apreciação da 
 constitucionalidade e legalidade da norma constante do n.º 2 do art. 389.º, do 
 CPP.»
 
 − Por despacho de 12.11.2007, o recurso não foi admitido, com fundamento na 
 falta de requisitos de admissibilidade do recurso, nos termos do artigo 70.º, 
 n.º 1, alínea a), da LTC, por se ter entendido que o despacho recorrido não 
 recusou, explícita ou implicitamente, a aplicação de uma norma com fundamento na 
 sua inconstitucionalidade.
 
  
 
 3. É contra este despacho que vem deduzida a presente reclamação, invocando o 
 magistrado reclamante o seguinte:
 
 «[…] Alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, por referência 
 ao anteriormente citado art°. 70°, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, além do mais 
 que infra se analisará “Ora da análise dos preceitos em causa, não se vislumbra 
 que a decisão em causa nos autos, admita recurso para o tribunal Constitucional, 
 atendendo a que não se subsume a qualquer das alíneas supra referidas.” (sic).
 Salvo o devido respeito, conforme aliás expressamente consta do requerimento de 
 interposição de recurso ora indeferido, a situação sub judice subsume-se à 
 previsão das al.s a) e/ou c), do citado art°. 70°, se bem que nas respectivas 
 actuais redacções e não nas citadas pelo/a Mmo/a Juiz a quo, sendo a redacção 
 actual daquela al. c) “Que recusem a aplicação de norma constante de acto 
 legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado”. 
 Com efeito, da leitura integral do douto despacho judicial recorrido e da 
 respectiva integração na antecedente tramitação processual que conduziu à 
 prolacção do mesmo, parece-nos inegável que consubstancia este, de facto, a 
 recusa de aplicação da norma constante do n°. 2, do ar°. 389°, do CPP, -  
 constante de acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto – 15ª. Alteração ao 
 Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n°. 78/87, de 17 de 
 Fevereiro) -, por inconstitucionalidade e/ou ilegalidade.
 De facto, tendo o MP, nos termos do douto despacho exarado a fls. 10, 
 verificados que se mostravam os pressupostos dos art°.s 381°, nº. 1, al. a), e 3 
 
 87°, n°. 1, do CPP, determinado, nos termos do disposto na 2ª. parte, do n°. 2, 
 do art°. 382°, do CPP, a apresentação do “…/... expediente, ao M°. Juiz de Turno 
 para os efeitos do art°. 387, n° 2, alínea a) do código de Processo Penal ... 
 
 /...”(sic) e tendo este - Mmo/a Juiz de turno -, com os fundamentos de facto e 
 de direito que constam do douto despacho judicial de fls. 11 determinado 
 
 “.../... que o arguido seja notificado para comparecer no próximo dia 
 
 29/10/2007, pelas 10 horas, no Tribunal competente afim de aí ser julgado em 
 processo sumário, art. 387 n° 2, alínea a) do C.P.P.” (sic) e tendo ainda o MP, 
 entretanto e atento o despacho judicial de fls. 14 - “Atento a promoção e o 
 despacho meramente formal de adiamento proferido no TIC, (art° 387°, n°2, alínea 
 a) do C.P.P.) vão os autos ao M.P. para os fins tidos por convenientes, 
 respectivamente apresentação da acusação.” (sic) -, nos termos consignados a 
 fls. 15, reservado para o início da audiência de discussão e julgamento, o 
 eventual uso da faculdade prevista no n°. 2, do art°. 389°, do CPP, a decisão 
 judicial entretanto recorrida, ao decidir “.../... determino a remessa dos 
 presentes autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma 
 processual.” (sic), não só nega a aplicação daquela disposição legal, 
 expressamente invocada pelo MP, (ou antes, a possibilidade do exercício, pelo 
 MP, da faculdade p. na mesma), como fundamenta tal posição, alegando, além do 
 mais que, “É certo que no auto de notícia constam alguns factos. Todavia, tais 
 factos, por si só não constituem qualquer crime, … /… - o dolo - constitui 
 elemento típico dos ilícitos criminais, .../… O mesmo sucede quanto à 
 negligência, ... / …Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do 
 auto de notícia - .../… Do expediente ora em análise não consta qualquer um 
 desses elementos (dolo ou negligência).De tal expediente também não se retira a 
 indicação das disposições legais aplicáveis a chamada qualificação jurídica dos 
 factos, …/…” (sic), concluindo com a alegação de que “Está em causa a natureza 
 acusatória do processo penal, além das garantias de defesa do arguido e o 
 princípio da vinculação temática do tribunal” (sic).
 Ora, não sendo obviamente de exigir fórmulas sacramentais para afirmar 
 princípios, parece-nos que outra coisa não fez o/a Mmo/a Juiz a quo que não 
 tenha sido recusar a aplicação, in casu, da norma legal expressamente invocada 
 pelo MP, (n°. 2, do art°. 389°, do CPP), por entender que tal aplicação, 
 faltando no auto de notícia, “o elemento subjectivo” e “a chamada qualificação 
 jurídica dos factos”, seria inconstitucional, por violação dos, aliás 
 expressamente citados e assim invocados, princípios constitucionais da 
 estrutura/natureza acusatória do processo penal e das garantias de defesa do 
 arguido - art°. 32°, n°.s 1 e 5, da CRP - e/ou ilegal, por violação do, 
 igualmente expressamente citado e invocado, princípio da vinculação temática do 
 tribunal - art°.s 358°, 359° e 379°, n°. 1, al. b), do CPP.
 Mais alega o/a Mmo/a Juiz a quo no douto despacho ora reclamado, “Requisito de 
 admissibilidade do recurso, nos termos do art° 70º al. a), é a da existência da 
 recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. 
 Ora, isso não acontece, nem explicita nem implicitamente no despacho em causa 
 nos autos, .../... .”
 De facto, nos termos da citada al. a), do n°. 1, do art°. 70°, da Lei 28/82, de 
 
 15 de Novembro, ao abrigo da qual, também, mas não só, foi interposto o recurso 
 ora indeferido, o requisito de admissibilidade do recurso é efectivamente a 
 existência de recusa de aplicação de qualquer norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade.
 Contudo, nos termos da al. c), do n°. 1, do mesmo preceito legal, ao abrigo da 
 qual foi ainda, interposto o recurso em causa, o requisito de admissibilidade do 
 recurso é a existência de recusa de aplicação de norma constante de acto 
 legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado.
 Ora, a expressa invocação, no despacho recorrido, dos supra referenciados 
 princípios constitucionais da estrutura/natureza acusatória do processo penal e 
 das garantias de defesa do arguido e do princípio legal da vinculação temática 
 do tribunal, resulta inequívoca e inegavelmente do respectivo texto, supra 
 transcrito, mormente do supra citado segmento da respectiva parte final -“Está 
 em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa 
 do arguido e o princípio da vinculação temática do tribunal.” (sic, com 
 sublinhado nosso).
 Face ao exposto, não pode naturalmente concordar-se com a, além de 
 infundamentada, estranha conclusão, constante do despacho em reclamação, no 
 sentido de que, no mesmo “não acontece, nem explicita nem implicitamente.../ 
 
 /...” (sic) a recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade, pois que, manifestamente tal acontece, relativamente à 
 norma constante do nº. 2, do art°. 389°, do CPP, com fundamento, aliás 
 explícito, e portanto, claro e inegável, na respectiva inconstitucionalidade 
 e/ou, na respectiva ilegalidade, por violação dos princípios citados, o que, 
 sendo certo que a norma em referência consta de acto legislativo, também pode 
 fundamentar a admissibilidade do recurso, ora indeferido.
 Assim sendo, parece-nos forçoso concluir que a decisão em referência não só 
 admite recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos das supra citadas 
 al.s a) e/ou c), do n°. 1, do art°. 70°, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, corno 
 
 é o mesmo, aliás, para o MP, atento o prescrito no n°. 3, do art°. 72°, da 
 citada Lei, até obrigatório, por a norma cuja aplicação se mostra recusada, 
 constar de acto legislativo (L. 48/2007, de 29 de Agosto, conforme supra já 
 referido).
 Concluindo, o que o/a Mmo/a Juiz fez, no/a douto/a despacho/decisão recorrido/a, 
 ao decidir “.../..., determino a remessa dos presentes autos ao Ministério 
 Público para tramitação sob outra forma processual.” (sic), não realizando o 
 requerido pelo MP, nos termos legais e aliás, anteriormente, judicialmente 
 determinado, - tendo sido o/a arguido/a e o/a/s agente/s autuante/s de tal 
 despacho notificado/a/s (cfr. fls. 12) - julgamento do/a arguido/a, em processo 
 sumário e nem sequer iniciando a audiência, cujo início, note-se, havia sido, 
 oportuna e anteriormente, judicialmente adiado, nos termos do disposto na al.a), 
 do n°. 2, do art°. 387°, do CPP, - sem cuidar aqui sequer da questão da eventual 
 violação do princípio do caso julgado formal, na medida em que se pronunciou o/a 
 Mmo/a juiz a quo, sobre questão já ultrapassada/processualmente precludida e 
 relativamente à qual se encontrava esgotado; o poder jurisdicional com a 
 prolacção do anterior despacho judicial, supra citado, que procedeu ao adiamento 
 do início da audiência de julgamento em processo sumário - foi manifestamente 
 recusar a aplicação da norma constante do n°. 2, do art°. 389°, do CPP, com 
 fundamento em inconstitucionalidade e/ou na sua ilegalidade, por permitir a 
 realização do julgamento em processo sumário, nos casos em que o MP, não tendo 
 deduzido acusação, reserva para o início da audiência, a faculdade de substituir 
 a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que 
 tiver procedido à detenção, quando deste “ não consta qualquer um desses 
 elementos (dolo ou negligência).” (sic) e “.../... não se retira a indicação das 
 disposições legais aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos factos, 
 
 .../…” (sic).
 Face ao exposto, o interposto recurso, requerendo a apreciação da 
 constitucionalidade e legalidade da norma constante do n°. 2 do art°. 389°,do 
 CPP, deveria ter sido admitido, pelo que, não o tendo sido, o MP apresenta a 
 presente reclamação, sendo as ora expostas, as razões que justificam a admissão 
 daquele.»
 
  
 
 4. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer nos 
 termos seguintes:
 
 «Importa notar liminarmente que — sendo o recurso, interposto pelo Ministério 
 Público e rejeitado no Tribunal “a quo”, — exclusivamente fundado na alínea a) 
 do n° 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, apenas poderá reportar-se à recusa de 
 aplicação da norma identificada no respectivo requerimento de interposição — e 
 não a quaisquer outros preceitos legais, eventualmente aplicados no despacho 
 reclamado, já que tal implicaria a ampliação do respectivo objecto de modo a 
 incluir estes últimos, bem como a invocação, como base recursória, da alínea b) 
 daquele artigo 70.°, n.º 1, o que se afigura inviável face à regra de que a 
 delimitação do objecto do recurso decorre irremediavelmente (no que se refere ao 
 seu máximo âmbito) do teor daquele requerimento. 
 A sorte da presente reclamação dependerá, deste modo, da determinação da 
 existência de uma “verdadeira” recusa de aplicação normativa, reportada ao 
 artigo 389.°, n.º 2 , do Código de Processo Penal fundada em violação dos 
 princípios constitucionais da estrutura acusatória do processo penal e das 
 garantias de defesa. 
 Qual a interpretação normativa feita pelo juiz “a quo” de tal preceito legal? 
 A nosso ver, considerou-se ser inviável a substituição da apresentação de 
 acusação pelo Ministério Público em processo sumário pela simples leitura do 
 auto de notícia, no início da audiência, sem qualquer “aditamento”, num caso em 
 que o referido auto omitiria elementos essenciais a qualquer acusação, nos 
 planos fáctico (estruturantes do elemento subjectivo do crime imputado ao 
 arguido), da qualificação jurídica (especificação das disposições legais 
 aplicáveis) e probatório (indicação das provas que fundamentam tal imputação ao 
 arguido). 
 
 É feita, no despacho reclamado, a seguinte leitura da norma constante do artigo 
 
 389.°, n.° 2, do Código de Processo Penal: 
 Em processo sumário, pode o Ministério Público substituir a apresentação da 
 acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à 
 detenção, salvo se de tal auto não constarem todos os elementos — fácticos, de 
 qualificação jurídica e probatório — que obrigatoriamente — por força das 
 disposições gerais — devem constar de qualquer acusação. 
 Ou seja: não se considerou inviável, de modo genérico, a actuação processual ali 
 consentida ao Ministério Público, procedendo-se antes a uma leitura conjugada de 
 tal preceito legal com as disposições que regulam os requisitos da acusação, só 
 consentindo a “substituição” da acusação pela leitura do auto quando este 
 satisfaça minimamente tais requisitos gerais. 
 Procedeu, deste modo, o despacho recorrido a uma leitura conjugada da norma que 
 integra o objecto do presente recurso (a do artigo 389.°, n.° 2, do Código de 
 Processo Penal) com outras disposições que regem sobre os requisitos da acusação 
 
 (artigo 283.°, n.° 3, e 311.º, n.° 2 e 3 do Código de Processo Penal) para 
 concluir que a possibilidade de mera leitura do auto de notícia, no início da 
 audiência, pressupõe a suficiência deste, na óptica das exigências formuladas 
 por aqueles preceitos legais. 
 Sendo duvidosa a definição da precisa “linha de fronteira” entre a verdadeira 
 
 “recusa de aplicação” normativa, enquadrável na alínea a) do n.° 1 do artigo 
 
 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e a mera interpretação de preceitos 
 legais “em conformidade com a Constituição” (cf., v.g., os Acórdãos nos 170/85, 
 
 425/89, 137/89, 636/94 e 1020/96) afigura-se que — no caso dos autos — o juízo 
 de inaplicabilidade de certa interpretação que — a ser feito — violaria 
 determinados princípios constitucionais se não fundou “única ou primacialmente” 
 
 (para utilizar a expressão de Rui Medeiros — A Decisão de Inconstitucionalidade, 
 pg. 331 e segs) no princípio da interpretação conforme à Lei Fundamental, mas 
 não desempenhando “o apelo à Constituição (princípio do acusatório e das 
 garantias de defesa) em sede hermenêutica, uma função de apoio ou de confirmação 
 de um sentido da norma já sugerido pelos restantes elementos de interpretação” 
 
 (cf. ainda o Acórdão n.° 285/02) 
 Assim, por se afigurar que o Tribunal “a quo”, no despacho recorrido, se limitou 
 a proceder a uma leitura conjugada de diversos regimes processuais penais, 
 referentes aos requisitos da acusação, articulando-os com a possibilidade de 
 mera “leitura” pelo Ministério Público do auto de notícia no início da audiência 
 em processo sumário, não será a circunstância de se considerar que a 
 imperatividade de tal aplicação conjugada dos regimes legais decorre dos 
 princípios constitucionais do acusatório e das garantias de defesa que traduz a 
 ocorrência de uma verdadeira “recusa de aplicação normativa”, enquadrável no 
 tipo recursório previsto na alínea a) do n° 1 do artigo 70.º da Lei 28/82. »
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
 5. O reclamante pretende interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo das 
 alíneas «a) e/ou c)» do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
 É pressuposto deste recurso que a decisão recorrida tenha rejeitado, explícita 
 ou implicitamente, a aplicação ao caso concreto de uma norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade (no caso do recurso da alínea a)), ou na sua ilegalidade, 
 por violação de lei com valor reforçado, no caso da alínea c) daquele preceito) 
 e que esse juízo de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) constitua uma 
 verdadeira ratio decidendi da decisão recorrida.
 No caso em apreço, o despacho de que se pretende recorrer determinou a remessa 
 dos autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual, por 
 se ter concluído que «não se verificam os requisitos que justificam o julgamento 
 em processo sumário, nos termos do disposto no artigo 381.º do CPP, na redacção 
 da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto», invocando-se que o auto de notícia é 
 omisso quanto a alguns elementos essenciais a qualquer acusação, nomeadamente, 
 por dele não constarem os elementos relativos ao dolo ou negligência e à 
 qualificação jurídica dos factos.
 
  
 Ao decidir assim, o despacho tem implícita uma interpretação do n.º 2 do artigo 
 
 389.º do CPP que apela ao elemento sistemático (nomeadamente, aos princípios da 
 Constituição e às normas do Código de Processo Penal que estabelecem os 
 requisitos da acusação), dele extraindo a regra de que apenas será admissível a 
 substituição da acusação pela leitura do auto de notícia quando este auto 
 contenha todos os elementos legalmente exigíveis para a validade de qualquer 
 acusação. E conclui, com base nessa regra, que tais elementos, naquele caso 
 concreto, não constavam do auto de notícia. 
 Ora, esta actividade interpretativa do n.º 2 do artigo 389.º do CPP, ainda que 
 implicitamente convoque princípios constitucionais, não se confunde com uma 
 recusa de aplicação daquela norma, com fundamento em inconstitucionalidade (ou 
 ilegalidade por violação de lei com valor reforçado), que aqui não existiu.
 Pelo exposto, a presente reclamação revela-se improcedente (no mesmo sentido, 
 versando despachos idênticos ao que aqui está em causa, vejam-se, entre outros 
 os Acórdãos n.ºs 8/2008, 12/2008 e 65/2008, disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 
 6. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
 Sem custas.
 Lisboa, 4 de Março de 2008
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos