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Processo n.º 784/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
 1. Relatório
 O representante do Ministério Público no Tribunal Central Administrativo Norte 
 
 (TCAN) interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra 
 o acórdão do referido Tribunal, de 21 de Junho de 2007, “em que foi recusada a 
 aplicação do preceituado no artigo 5.º, n.º 1, da Portaria n.º 52/91, de 18 de 
 Janeiro, por julgada materialmente inconstitucional, por violação do princípio 
 constitucional da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da 
 República Portuguesa, quando interpretada no sentido de restringir os meios de 
 prova apresentados ao abrigo do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 335/90, 
 exclusivamente aos de natureza documental”.
 O acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto por 
 A. contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 6 de 
 Dezembro de 2006 (que negara provimento ao recurso contencioso em que pedia a 
 anulação do despacho de 14 de Maio de 2001 do Chefe de Repartição do Centro 
 Regional de Segurança Social do Norte – Serviço Sub‑Regional de Braga, que lhe 
 indeferiu requerimento com vista ao reconhecimento do período contributivo 
 efectuado na ex‑colónia de Angola), revogou a sentença recorrida, concedeu 
 provimento ao recurso contencioso e anulou o acto impugnado.
 O acórdão ora recorrido assentou na seguinte fundamentação jurídica:
 
  
 
 “II. O recorrente contencioso pediu ao tribunal a anulação do acto que lhe 
 indeferiu a pretensão de reconhecimento do período contributivo efectuado na 
 ex‑colónia de Angola (província de Huambo), apontando‑lhe, para tal, violação 
 dos artigos 5.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, e 5.º, n.º 
 
 1, in fine, da Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro.
 O tribunal negou‑lhe razão, por entender, fundamentalmente, que ele não 
 comprovou ter feito quaisquer contribuições (artigo 5.º, n.º 2, do Decreto‑Lei 
 n.º 335/90), e ser impossível à Segurança Social proceder, agora, ao 
 conhecimento oficioso das mesmas (artigo 5.º, n.º 1, in fine, da Portaria n.º 
 
 52/91).
 Inconformado com o assim decidido, o recorrente alega que a falta de prova dos 
 períodos contributivos não o deve prejudicar, sob pena de violação do princípio 
 constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP), e que o seu pedido de 
 reconhecimento do período contributivo não deveria ter sido indeferido sem que 
 a Segurança Social diligenciasse, oficiosamente, pela sua comprovação, sob pena 
 de violação do artigo 5.º, n.º 1, in fine, da Portaria n.º 52/91, de 18 de 
 Janeiro.
 
  
 III. Na sequência do processo de descolonização, aqueles que tinham trabalhado 
 nas nossas ex‑colónias, e que aí tinham efectuado contribuições para 
 instituições de previdência, ficaram numa situação injusta no regresso a 
 Portugal: apesar dessas contribuições, poderia acontecer não só não terem 
 direito ao pagamento de qualquer pensão de invalidez, velhice ou sobrevivência, 
 mas também não serem reembolsados dos quantitativos que, a esse título, tinham 
 pago naqueles territórios – ver preâmbulo do diploma referido de seguida.
 Foi esta situação de injustiça que o legislador reconheceu, e mediante o 
 Decreto‑Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, pretendeu reparar (este diploma foi 
 sendo alterado pelos Decretos‑Leis n.ºs 45/93, de 20 de Fevereiro, 401/93, de 3 
 de Dezembro, 278/98, de 11 de Setembro, e 465/99, de 5 de Novembro).
 Assim, este diploma veio reconhecer, no âmbito do sistema de segurança social 
 português, os períodos contributivos verificados nas caixas de previdência de 
 inscrição obrigatória dos territórios das ex‑colónias até à independência desses 
 territórios às pessoas que preenchessem cumulativamente os seguintes 
 requisitos: a) Tenham exercido nos territórios das ex‑colónias portuguesas 
 actividade profissional por conta de outrem ou por conta própria; b) Não recebam 
 dos novos Estados de expressão oficial portuguesa a protecção social 
 correspondente aos períodos contributivos verificados; c) Residam em Portugal 
 
 (alínea alterada pelo Decreto‑Lei n.º 465/99 para «residam ou não em Portugal»); 
 d) Não sejam pensionistas de qualquer regime de protecção social de inscrição 
 obrigatória – artigo 1.º, n.º 1.
 No tocante à prova desses períodos contributivos, estipula o referido diploma 
 que a abertura do processo para o reconhecimento dos períodos contributivos em 
 questão depende da apresentação de requerimento do interessado instruído com: a) 
 Documentos que constituam meio de prova legal da sua identificação e residência 
 
 (alínea alterada pelo Decreto‑Lei n.º 465/99 para «documentos que constituam 
 meio de prova legal da sua identificação»); b) Documento que constitua meio de 
 prova dos períodos contributivos cujo reconhecimento se pretende e de que não 
 está a ser atribuída a protecção social correspondente à carreira contributiva 
 verificada nas ex‑colónias; c) Documento que constitua meio de prova de que a 
 atribuição de pensões integrava o esquema de benefícios da caixa de previdência 
 de inscrição obrigatória em causa – artigo 3.º.
 Quanto ao meio de prova exigido por esta última alínea b), o mesmo diploma 
 prescreve o seguinte no seu artigo 5.º:
 
  
 
 «1 – Constitui documento comprovativo referido na alínea b) do artigo 3.º a 
 certidão emitida pela instituição de previdência que abrangeu o interessado ou 
 instituição que lhe tenha sucedido, donde conste o correspondente registo de 
 salários, bem como a indicação de não lhe estar a ser concedida a correspondente 
 protecção social.
 
 2 – Na falta do meio de prova indicado no n.º 1, poderão ser aceites quaisquer 
 outros que indiquem claramente os períodos contributivos verificados, bem como 
 a correspondente situação de desprotecção.
 
 3 – Os meios de prova a que se refere o número anterior são apreciados pela 
 instituição de segurança social competente, em processo administrativo, cujos 
 termos são objecto de regulamentação por portaria do membro do Governo 
 responsável pela área da Segurança Social.»
 
  
 No cumprimento da última parte deste n.º 3, foi publicada a Portaria n.º 52/91, 
 de 18 de Janeiro, visando estabelecer os termos desse processo administrativo 
 para apreciação dos meios de prova apresentados pelos requerentes do 
 reconhecimento, sempre que não disponham do meio de prova específico indicado 
 no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 335/90.
 Nela (Portaria), sobre a natureza e características desses meios de prova, 
 prescreve‑se que devem ter natureza documental, nomeadamente certidões, 
 certificados ou declarações escritas dimanadas de pessoas ou entidades que, por 
 dever funcional, estivessem em situação que lhes permitisse ter conhecimento 
 directo da situação contributiva do requerente, sendo que do conjunto desses 
 elementos deve resultar claramente a comprovação dos períodos de contribuição – 
 artigo 2.º, n.ºs 1 e 2. Acrescenta que a situação de desprotecção social 
 relativamente aos períodos contributivos invocados bem como ao facto de não ter 
 havido lugar ao reembolso das contribuições pagas deve constar desses elementos 
 documentais, ou, se assim não for, deve ser declarada sob compromisso de honra 
 em documento a subscrever pelo requerente – artigo 2.º, n.º 3.
 Sempre que os requerentes não instruam o requerimento com tais meios de prova, 
 devem as instituições proceder ao seu recebimento e notificar os requerentes 
 para os apresentarem, no prazo máximo de 60 dias, sob pena de o processo ser 
 arquivado, sem prejuízo de eventual reabertura – artigo 3.º da Portaria.
 E quando, em resultado de apreciação no seio da instituição competente, os 
 meios de prova forem considerados insuficientes ou inadequados, deve o 
 requerente ser de novo notificado para, no prazo máximo de 60 dias, apresentar 
 outros meios de prova de que eventualmente disponha ou que possa obter, sob pena 
 de o seu pedido de reconhecimento vir a ser indeferido, salvo quando a 
 instituição os possua ou deles possa ter conhecimento oficioso – artigo 5.º, n.º 
 
 1, da Portaria.
 Da ponderação destas pertinentes normas legais, verifica‑se que dominou a pena 
 do legislador um desígnio de justiça social e uma preocupação de rigor 
 probatório.
 Justiça social porque se pretendeu que os retornados das ex‑colónias não vissem 
 desvalorizadas as contribuições que haviam feito naqueles territórios para as 
 instituições de previdência ali existentes, e, por isso, não sentissem que as 
 mesmas tinham sido em vão. Este reconhecimento dos períodos contributivos 
 feitos nas ex‑colónias significava, pois, e muito justamente, que os mesmos 
 deveriam ser considerados como se tivessem acontecido no Portugal europeu.
 Rigor probatório porque o legislador do Decreto‑Lei n.º 335/90 sublinha a 
 exigência de prova que indique claramente os períodos contributivos verificados, 
 bem como a correspondente situação de desprotecção (artigo 5.º, n.º 2), dando 
 clara primazia aos meios de prova de natureza documental (artigo 3.º), enquanto 
 o legislador da Portaria n.º 52/91 acaba por restringir a prova dos períodos 
 contributivos aos meios de prova de natureza documental (artigo 2.º, n.º 1), 
 apenas permitindo que, caso ela não exista, a situação de desprotecção social 
 relativamente aos períodos contributivos invocados, bem como o facto de não ter 
 havido reembolso das contribuições pagas, seja declarada sob compromisso de 
 honra em documento a subscrever pelo requerente (artigo 2.º, n.º 3).
 Ora, é precisamente a esta restrição da prova dos pertinentes períodos 
 contributivos aos meios de prova de natureza documental que o recorrente reage, 
 alegando que a mesma viola o princípio constitucional da igualdade, pois que, 
 esgrimindo o seu caso concreto, ele não pode ser prejudicado por não dispor, sem 
 culpa sua, da documentação que lhe é exigida e que lhe é impossível obter 
 porque desaparecida no turbilhão da guerra civil angolana.
 
  
 IV. O princípio da igualdade, segundo o qual todos os cidadãos têm a mesma 
 dignidade social e são iguais perante a lei (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), é aqui 
 invocado pelo recorrente como constituindo um limite à discricionariedade 
 legislativa.
 Conforme a jurisprudência tem vindo a afirmar repetidamente, o princípio da 
 igualdade, como limite da discricionariedade legislativa, não exige o tratamento 
 igual de todas as situações, mas implica, antes, que sejam tratados igualmente 
 os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se 
 encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações 
 arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O 
 princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim 
 distinções desprovidas de justificação objectiva e racional – ver, entre muitos 
 outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 468/96, de 14 de Março de 1996, 
 Processo n.º 87/95; n.º 1057/96, de 16 de Outubro de 1996, Processo n.º 347/91; 
 n.º 128/99, de 3 de Março de 1999, Processo n.º 140/97; n.º 254/2000, de 23 de 
 Maio de 2000; e n.º 426/2001, de 16 de Novembro de 2001.
 Detectada, na lei, uma situação geradora de desigualdade, tudo está em saber se 
 essa desigualdade se revela como discriminatória e arbitrária, por desprovida de 
 fundamento material bastante, atenta a natureza e especificidade da situação, os 
 efeitos tidos em vista pelo legislador, e o conjunto de valores e fins 
 constitucionais.
 Tudo consiste em saber, no nosso caso, por conseguinte, se ocorre efectivamente 
 uma restrição da prova dos períodos contributivos aos meios de prova documental, 
 e se, a ocorrer, redunda numa violação do princípio constitucional da 
 igualdade.
 
 É nossa convicção que tal restrição não ocorre no âmbito do preceituado no 
 Decreto‑Lei n.º 335/90, mas ocorre, sim, na regulamentação do seu artigo 5.º, 
 n.º 3, realizada pela Portaria n.º 52/91.
 Como é sabido, na interpretação da lei não basta atender à sua letra, se bem que 
 esta seja sempre limite da mesma, mas dever‑se‑á ter em conta também a unidade 
 do sistema jurídico, e, entre outros factores, as condições em que a lei foi 
 elaborada (artigo 9.º do Código Civil), sendo que a sua razão de ser, o seu 
 elemento racional e teleológico, constitui um subsídio da maior importância para 
 determinar o sentido da norma – ver Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao 
 Discurso Legitimador, Almedina, 2006, 15.ª reimpressão, páginas 182 e 183.
 No presente caso, conhecendo como conhecemos o desígnio de justiça social 
 prosseguido pelo Decreto‑Lei n.º 335/90, e devendo presumir‑se que nele o 
 legislador adoptou o regime probatório mais adequado à sua concretização, 
 dificilmente se compreenderia que tivessem sido adoptadas restrições de meios de 
 prova que, na prática, acabariam por inviabilizar, em muitos casos, a prova dos 
 pressupostos do direito ao reconhecimento dos períodos contributivos 
 efectuados. Seria, de algum modo, dar com uma mão o que se tira com a outra.
 Assim, é com este sentido que deverá ser interpretado o artigo 5.º, n.º 2, do 
 Decreto‑Lei n.º 335/90: na falta do meio de prova documental (a que o legislador 
 dá clara preferência, desde logo pela certeza e pormenor que dele emana), poderá 
 o interessado fazer prova dos períodos contributivos cujo reconhecimento 
 pretende por quaisquer outros meios de prova, nomeadamente testemunhal, desde 
 que os mesmos demonstrem claramente os períodos contributivos verificados.
 
 É este o sentido que, tendo suporte na letra da lei, está de acordo com as 
 exigências de igualdade decorrentes do artigo 13.º da CRP, e de acordo com a 
 possibilidade de utilização de todos os meios de prova consagrada, no âmbito da 
 instrução do procedimento administrativo, no artigo 87.º, n.º 1, do CPA.
 A verdade é que ao falar, nessa norma (artigo 5.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 
 
 335/90), em quaisquer outros meios de prova, o legislador não distingue se está 
 a falar dentro do âmbito da prova documental ou fora dele, pelo que deveremos 
 entender que nela não se contém qualquer restrição a determinado meio de prova. 
 De facto, e em princípio, quando a lei não distingue também o intérprete não 
 deve distinguir, a não ser que haja razões sérias que justifiquem uma distinção 
 
 – Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 123.º, página 
 
 30, e ano 124.º, página 39.
 Nem se diga que a prova testemunhal, pela sua falibilidade, se mostra pouco 
 adequada a gerar convicções relativas a pormenores sobre montantes de salários e 
 respectivos descontos efectuados. É que, no caso, o mais importante é conseguir 
 provar os períodos contributivos verificados, pois mesmo que o requerente não 
 consiga provar em pormenor os registos de salários e descontos realizados, de 
 modo a servir de base de cálculo do montante da pensão, desde que aquele período 
 de garantia esteja determinado a lei prevê que lhe sejam atribuídos os mínimos 
 do regime geral de segurança social (artigo 10.º da Portaria n.º 52/91).
 Temos, portanto, que não é correcto concluir que o legislador do Decreto‑Lei n.º 
 
 335/90, de 29 de Outubro, restringiu a prova dos períodos contributivos 
 efectuados nas ex‑colónias portuguesas ao meio de prova documental.
 Mas o mesmo não se poderá afirmar da Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro. Esta, 
 ao estabelecer os procedimentos necessários para apreciar os meios de prova 
 apresentados ao abrigo do artigo 5.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 335/90, acaba 
 por considerá‑los como sendo exclusivamente de natureza documental, 
 restringindo, dessa forma, o naipe de elementos probatórios que podem ser 
 objecto de apreciação no âmbito do respectivo procedimento administrativo: os 
 elementos que podem ser objecto de apreciação e constituir meios de prova dos 
 períodos contributivos cujo reconhecimento é pretendido pelo requerente devem 
 ter natureza documental, nomeadamente certidões, certificados ou declarações 
 escritas dimanadas de pessoas ou entidades que, por dever funcional, estivessem 
 em situação que lhes permitisse ter conhecimento directo da situação 
 contributiva do requerente – artigo 5.º, n.º 1, da Portaria.
 Como vem sendo sublinhado pela jurisprudência, o preceituado no artigo 13.º, n.º 
 
 1, da CRP convive mal com este tipo de restrição dos meios de prova no âmbito do 
 procedimento administrativo – ver, a respeito, Acórdãos do STA (Pleno), de 18 de 
 Maio de 2004, Recurso n.º 48 397, e de 5 de Julho de 2005, Recurso n.º 164/04.
 Temos, pois, que, ao restringir os meios de prova dos períodos contributivos 
 aos de natureza documental, o referido artigo 5.º, n.º 1, da Portaria n.º 
 
 52/91, de 18 de Janeiro, acaba por desfavorecer, injustificadamente, todos 
 aqueles que, por motivos que não lhes são imputáveis, não dispõem dos exigidos 
 documentos por a eles já não poderem ter acesso.
 Nessa medida, o artigo 5.º, n.º 1, da Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro, 
 apresenta‑se como materialmente inconstitucional, por violar o princípio da 
 igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, sendo que, com este fundamento, 
 deverá ser recusada a sua aplicação neste caso concreto.
 Daqui decorre que a instituição de segurança social competente deverá permitir 
 ao recorrente provar o invocado período contributivo (alegadamente realizado 
 entre 25 de Janeiro de 1962 e 9 de Janeiro de 1975) através de outros meios 
 probatórios, nomeadamente através das testemunhas por ele arroladas, cujos 
 depoimentos deverão permitir que se conclua claramente os períodos contributivos 
 verificados.
 Deve, pois, ser dada razão ao recorrente no tocante às suas conclusões 1 a 8. 
 Mas não assim, quanto às restantes.
 De facto, quando na parte final do artigo 5.º, n.º 1, da Portaria n.º 52/91 se 
 impede a instituição de segurança social competente de indeferir o pedido de 
 reconhecimento com base na insuficiência dos elementos de prova do período 
 contributivo quando possua ou possa ter conhecimento oficioso desses elementos, 
 não se está a inverter o ónus da prova dos pressupostos do direito ao 
 reconhecimento, nem a atribuir à instituição de segurança social em causa um 
 amplo dever de investigação.
 Trata‑se apenas, e à semelhança do que preceitua o artigo 87.º, n.º 2, do CPA, 
 de dispensar o requerente de provar aqueles factos de que a segurança social já 
 tenha conhecimento por outros meios que não os por ele trazidos ao respectivo 
 procedimento administrativo – segundo o artigo 87.º, n.º 2, do CPA, não carecem 
 de prova os factos notórios, bem como os factos de que o órgão competente tenha 
 conhecimento em virtude do exercício das suas funções.
 Isto é, e no dizer de Alberto dos Reis, dispensa‑se a prova pelo particular mas 
 não se dispensa a prova pelo órgão – Código de Processo Civil Anotado, III 
 volume, páginas 264 e 265.
 Ressuma do exposto que, sendo inaplicável, por materialmente inconstitucional, 
 a restrição de meios probatórios fixada no artigo 5.º, n.º 1, da Portaria n.º 
 
 52/91, de 18 de Janeiro, deveria ter sido permitido ao recorrente provar o 
 respectivo período contributivo mediante a pretendida prova testemunhal, ao 
 abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 335/90, de 29 de 
 Outubro.
 Na medida em que assim não entenderam, a sentença recorrida deve ser revogada, 
 na parte pertinente, e o recurso contencioso julgado procedente, sendo anulado o 
 despacho administrativo nele impugnado com fundamento na violação do artigo 5.º, 
 n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro.”
 
  
 No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público apresentou 
 alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
 “1.º – A norma constante do artigo 5.º, n.º 1, da Portaria n.º 52/91, de 18 de 
 Janeiro, interpretada em termos de estabelecer uma limitação absoluta à prova 
 documental a apresentar por parte do interessado que pretende obter o 
 reconhecimento dos períodos contributivos para a previdência no território das 
 ex‑colónias, mesmo nos casos em que esteja comprovada a impossibilidade 
 objectiva de obter os documentos necessários pelo onerado com tal prova, envolve 
 restrição ou limitação substancial ao direito cujo reconhecimento se pretende 
 efectivar, conexionado com o princípio constitucional da contribuição de todo o 
 tempo de trabalho para o cálculo das pensões (artigo 63.º, n.º 4, da 
 Constituição).
 
 2.º – Tal restrição – para além de desproporcionada e injustificada (e, nessa 
 medida, violadora dos artigos 13.º e 18.º da Constituição) – nunca poderia 
 decorrer de mera norma regulamentar.
 
 3.º – Termos em que deverá confirmar‑se o julgamento de inconstitucionalidade 
 feito pela decisão recorrida.”
 
  
 O recorrido contra‑alegou, aduzindo:
 
  
 
 “1 – A., recorrido nos autos de recurso supra identificados, tendo sido 
 notificado para, querendo, contra‑alegar, vem dizer que secunda inteiramente e 
 aplaude o teor da douta alegação apresentada pelo Digníssimo Procurador 
 Geral‑Adjunto que pugna pela confirmação do julgamento de inconstitucionalidade 
 feita pela decisão recorrida da norma regulamentar constante no artigo 5.º, n.º 
 
 1, da Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro, na medida em que restringe os meios 
 probatórios a apresentar por parte do interessado que pretende obter o 
 reconhecimento dos períodos contributivos efectuados para a previdência no 
 território das ex‑colónias à prova documental, mesmo nos casos de comprovada 
 impossibilidade objectiva por parte do onerado com tal prova de obter os 
 respectivos documentos.
 
 2 – Tal restrição é materialmente inconstitucional, uma vez que limita 
 substancialmente a tutela efectiva do direito ao reconhecimento dos referidos 
 períodos contributivos, em total arrepio aos princípios constitucionais de 
 justiça social, da contribuição de todo o tempo de trabalho para o cálculo das 
 pensões, da legalidade, da proporcionalidade e adequação que dominam o 
 Decreto‑Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro – cf. artigos 13.º, 18.º, 63.º, n.º 4, 
 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.”
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
 2. Fundamentação
 
 2.1. O Decreto‑Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, veio proclamar, no n.º 1 do seu 
 artigo 1.º, que: “Têm direito ao reconhecimento, no âmbito do sistema de 
 segurança social português, dos períodos contributivos verificados nas caixas de 
 previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex‑colónias 
 portuguesas até à independência desses territórios as pessoas que preencham 
 cumulativamente os seguintes requisitos: a) Tenham exercido nos territórios das 
 ex‑colónias portuguesas actividade profissional por conta de outrem ou por conta 
 própria; b) Não recebam dos novos Estados de expressão oficial portuguesa a 
 protecção social correspondente aos períodos contributivos verificados; c) 
 Residam em Portugal; d) Não sejam pensionistas de qualquer regime de protecção 
 social de inscrição obrigatória”, esclarecendo o n.º 2 que “O direito a que se 
 refere o número anterior apenas engloba os períodos contributivos verificados em 
 caixas de previdência de inscrição obrigatória, cujo esquema de benefícios 
 incluísse a atribuição de pensões e em relação aos quais não se tenha verificado 
 reembolso de contribuições”.
 A justificação para o reconhecimento deste direito consta do preâmbulo do 
 diploma, onde se salienta que:
 
  
 
 “O sistema de previdência social português vigente até à Constituição da 
 República de 1976 não incluía no seu âmbito os territórios das ex‑colónias que 
 constituíam o então chamado ultramar.
 Por outro lado, nos referidos territórios não chegaram a ser criados 
 verdadeiros sistemas de protecção social organizados, não obstante a existência 
 de algumas instituições com as características que então tinham as caixas de 
 previdência.
 Com a descolonização e consequente independência dos novos Estados de expressão 
 oficial portuguesa, procurou o sistema de segurança social enquadrar de forma 
 adequada a generalidade das situações dos desalojados.
 Para além de diversas formas de apoio ao retorno e à integração social de 
 nacionais residentes nas antigas colónias, foi criado o regime especial de 
 protecção social dos desalojados. O respectivo diploma (Decreto‑Lei n.º 259/77, 
 de 21 de Junho) deixou de vigorar por força do Decreto‑Lei n.º 351/81, de 26 de 
 Dezembro, já que os mecanismos instituídos permitiram que os interessados 
 adquirissem um estatuto análogo ao da restante população portuguesa, 
 circunstância que determinou a sua integração no regime geral de segurança 
 social.
 
 É certo que, pelas limitações daquele diploma, muitas pessoas ficaram sem 
 protecção social adequada ao período de actividade profissional exercida nas 
 ex‑colónias.
 Deste modo, justificou‑se a elaboração de um projecto de diploma que visa 
 permitir o pagamento retroactivo de contribuições às pessoas que, tendo exercido 
 actividade profissional naqueles territórios, não puderam contribuir para 
 quaisquer instituições.
 No entanto, casos houve em que de facto ocorreram descontos obrigatórios para 
 caixas de previdência, mas em que, por força das vicissitudes do processo de 
 descolonização, os interessados estão impossibilitados de fazer valer os seus 
 direitos.
 Para colmatar as lacunas de protecção social daí decorrentes importa legislar em 
 conformidade, já que os outros dispositivos legais são inadequados para o 
 efeito.
 Independentemente da forma de protecção aos beneficiários dessas instituições 
 por parte dos novos Estados e dos termos a desenvolver pelas tarefas de 
 cooperação, verificam‑se situações em que se fixaram relações jurídicas de 
 seguro social obrigatório, sem a correspondente contrapartida em prestações.
 Assim, não estando presentemente, através de convenção bilateral de segurança 
 social, assegurados os direitos emergentes desse quadro jurídico, considera‑se 
 justificado atender as situações de beneficiários que, abrangidos por aquelas 
 instituições de previdência, das mesmas não recebem qualquer protecção nem foram 
 reembolsados dos quantitativos pagos a título de contribuições.
 Por conseguinte, o Estado Português não deverá deixar de solver os seus 
 compromissos e procurar garantir expectativas legitimamente formadas e que, ao 
 tempo, eram enquadráveis de direito.”
 
  
 O artigo 2.º deste diploma apontava como objectivos do reconhecimento dos 
 períodos contributivos “o preenchimento dos prazos de garantia necessários para 
 concessão de pensões de invalidez, velhice e sobrevivência” e “o registo de 
 contribuições na carreira do beneficiário, por forma a completá‑la, no sentido 
 da melhoria quantitativa das prestações que, de futuro, lhe venham a ser 
 atribuídas no âmbito do sistema de segurança social português”.
 Nos termos do artigo 3.º, “a abertura do processo para o reconhecimento dos 
 períodos contributivos em questão depende da apresentação de requerimento do 
 interessado instruído com: a) Documentos que constituam meio de prova legal da 
 sua identificação e residência; b) Documento que constitua meio de prova dos 
 períodos contributivos cujo reconhecimento se pretende e de que não lhe está a 
 ser atribuída a protecção social correspondente à carreira contributiva 
 verificada nas ex‑colónias; c) Documento que constitua meio de prova de que a 
 atribuição de pensões integrava o esquema de benefícios da caixa de previdência 
 de inscrição obrigatória em causa”.
 Relativamente à prova dos períodos contributivos, dispunha o artigo 5.º:
 
  
 
 “1 – Constitui documento comprovativo referido na alínea b) do artigo 3.º a 
 certidão emitida pela instituição de previdência que abrangeu o interessado ou 
 instituição que lhe tenha sucedido, donde conste o correspondente registo de 
 salários, bem como a indicação de não lhe estar a ser concedida a correspondente 
 protecção social.
 
 2 – Na falta de meio de prova indicado no n.º 1, poderão ser aceites quaisquer 
 outros que indiquem claramente os períodos contributivos verificados, bem como 
 a correspondente situação de desprotecção.
 
 3 – Os meios de prova a que se refere o número anterior são apreciados pela 
 instituição de segurança social competente, em processo administrativo, cujos 
 termos são objecto de regulamentação por portaria do membro do Governo 
 responsável pela área da Segurança Social.”
 
  
 Com o objectivo (proclamado no seu n.º 1.º) de “estabelecer os termos do 
 processo administrativo para apreciação dos meios de prova apresentados pelos 
 requerentes de reconhecimento de períodos contributivos verificados nas caixas 
 de previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex‑colónias 
 portuguesas, a que se refere o Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, quando 
 os mesmos não disponham do meio de prova específico indicado no n.º 1 do artigo 
 
 5.º do mesmo decreto‑lei”, veio a Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro, estatuir 
 no seu n.º 2.º, sob a epígrafe “Natureza e características dos meios de prova”:
 
  
 
 “1 – Os elementos que podem ser objecto de apreciação e constituir meios de 
 prova dos períodos contributivos cujo reconhecimento é pretendido pelo 
 requerente devem ser de natureza documental, nomeadamente certidões, 
 certificados ou declarações escritas dimanadas de pessoas ou entidades que, por 
 dever funcional, estivessem em situação que lhes permitisse ter conhecimento 
 directo da situação contributiva do requerente.
 
 2 – Do conjunto de elementos a que se refere o número anterior deve resultar 
 claramente a comprovação dos períodos de contribuição.
 
 3 – A situação de desprotecção social relativamente aos períodos contributivos 
 invocados bem como o facto de não ter havido lugar ao reembolso das 
 contribuições pagas deve constar dos documentos referidos no n.º 1 ou, se assim 
 não for, deve ser declarada sob compromisso de honra em documento a subscrever 
 pelo requerente.”
 
  
 O subsequente n.º 3.º previa a notificação dos interessados para apresentarem, 
 no prazo máximo de 60 dias, sob pena de o processo ser arquivado, sem prejuízo 
 de eventual reabertura, os meios de prova que deviam ter acompanhado o 
 requerimento inicial, e o n.º 4.º que a apreciação desses elementos devia ser 
 feita, no seio da instituição competente, no prazo máximo de 60 dias, por um 
 conjunto de três funcionários da instituição, dispondo seguidamente o n.º 5, 
 sob a epígrafe Insuficiência ou inadequação dos meios de prova:
 
  
 
 “1 – Quando, em resultado da apreciação a que se refere o número anterior, 
 forem considerados insuficientes ou inadequados os meios de prova, deve esta 
 conclusão, devidamente fundamentada, ser comunicada ao requerente, que será 
 notificado para, no prazo máximo de 60 dias, apresentar outros meios de prova de 
 que eventualmente disponha ou que possa obter, sob pena de o seu pedido de 
 reconhecimento vir a ser indeferido, salvo quando a instituição os possua ou 
 deles possa ter conhecimento oficioso.
 
 2 – Apresentados pelo requerente outros documentos comprovativos, há novo prazo 
 de 60 dias para se proceder à sua apreciação.”
 
  
 Na interpretação feita pela decisão ora recorrida – interpretação cuja correcção 
 não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar, devendo aceitá‑la como um dado da 
 questão de constitucionalidade que lhe cumpre apreciar –, enquanto o Decreto‑Lei 
 n.º 335/90, apesar de dar primazia à prova documental (seu artigo 3.º), admitia 
 que, quanto à prova dos “períodos contributivos”, na falta da “certidão emitida 
 pela instituição de previdência que abrangeu o interessado ou instituição que 
 lhe tenha sucedido, donde conste o correspondente registo de salários” (n.º 1 do 
 artigo 5.º), pudessem ser aceites “quaisquer outros [meios de prova] que 
 indiquem claramente os períodos contributivos verificados” (n.º 2 do artigo 
 
 5.º), nomeadamente prova testemunhal, já a Portaria n.º 52/91, no seu n.º 2.º, 
 restringiu os meios de prova admissíveis aos de natureza documental (só 
 admitindo a sua substituição por declaração do requerente prestada sob 
 compromisso de honra relativamente à prova da existência de situação de 
 desprotecção social e do facto de não ter havido lugar ao reembolso das 
 contribuições pagas, mas já não para prova dos períodos contributivos).
 Acontece, porém, que, por óbvio lapso de escrita, a decisão recorrida por vezes 
 refere‑se ao n.º 2.º da Portaria n.º 52/91 como se fosse o seu “artigo 5.º”, 
 erro que, por manifestamente revelado pelo próprio contexto da decisão, cumpre 
 oficiosamente corrigir. Na verdade, no 13.º parágrafo da sua parte IV, a seguir 
 
 à transcrição, em itálico, do teor do n.º 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 52/91, a 
 sentença insere “– artigo 5.º, n.º 1, da Portaria”. E a evidência do erro mais 
 se patenteia quando, após ter concluído pela inconstitucionalidade material do 
 
 (erradamente referido) “artigo 5.º, n.º 1, da Portaria”, considera que já não 
 assiste razão ao requerente quanto às demais questões suscitadas, a primeira das 
 quais respeita justamente ao (agora acertadamente referido) “artigo 5.º, n.º 1, 
 da Portaria n.º 52/91”, em cuja parte final, segundo o requerente, se impediria 
 a instituição de segurança social competente de indeferir o pedido de 
 reconhecimento com base na insuficiência dos elementos de prova do período 
 contributivo quando possuísse ou pudesse ter conhecimento oficioso desses 
 elementos.
 Cumpre, pois, corrigir oficiosamente o manifesto erro material na identificação 
 do n.º do preceito da Portaria a que se reporta a norma cuja aplicação foi 
 recusada com fundamento em inconstitucionalidade – erro que contagiou o 
 requerimento de interposição de recurso e as alegações de recorrente e recorrido 
 
 –, uma vez que o mesmo se evidencia pelo próprio contexto da decisão e não se 
 suscitam quaisquer dúvidas quanto à identificação da norma desaplicada.
 Assinale‑se, ainda, que embora da decisão recorrida resulte ter‑se entendido que 
 essa norma da Portaria representava a adopção de critério diverso do consagrado 
 no decreto‑lei que ela visou regulamentar, a razão explícita da recusa de 
 aplicação da norma consistiu num juízo de inconstitucionalidade, que não num 
 juízo de ilegalidade.
 Constitui, assim, objecto do presente recurso a questão da 
 inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 
 
 52/91, de 18 de Janeiro, que restringe aos de natureza documental os meios de 
 prova utilizáveis para o reconhecimento, no âmbito do sistema de segurança 
 social português, dos períodos contributivos verificados nas caixas de 
 previdência de inscrição obrigatória dos territórios das ex‑colónias portuguesas 
 até à independência desses territórios.
 
  
 
 2.2. O direito à tutela jurisdicional efectiva para defesa dos direitos e 
 interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no 
 artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente no âmbito do contencioso administrativo, 
 no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica, 
 como já se assinalou no Acórdão n.º 86/88 e posteriormente foi repetidamente 
 reafirmado na jurisprudência deste Tribunal, “um direito a uma solução jurídica 
 dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de 
 garantias de imparcialidade e independência, possibilitando‑se, designadamente, 
 um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma 
 das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as 
 suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e 
 resultados de umas e outras» (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de 
 Processo Civil, I, Coimbra, 1961, p. 364)”.
 Este direito à prova, integrante do direito à tutela jurisdicionalmente 
 efectiva, tem necessariamente de valer também no âmbito do procedimento 
 administrativo, quando – como no presente caso ocorre –, o acesso aos tribunais 
 administrativos está legalmente condicionado à prévia provocação de uma 
 decisão administrativa sobre a pretensão do interessado. Competindo, neste 
 contexto, aos tribunais administrativos a fiscalização da legalidade dos actos 
 emanados pelas autoridades administrativas, é óbvio que a restrição legal dos 
 meios de prova utilizáveis pelo interessados no decurso do procedimento 
 administrativo se repercute necessariamente na efectividade da defesa judicial 
 da pretensão substantiva em causa.
 Mas o direito à prova, como este Tribunal por diversas vezes recordou, não 
 implica a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova 
 utilizáveis, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e 
 respeitadoras do princípio da proporcionalidade.
 Neste sentido, pode citar‑se, designadamente, o Acórdão n.º 395/89, que não 
 julgou inconstitucionais as normas constantes da Base III, n.º 1, da Lei n.º 
 
 7/70, de 9 de Junho, e do artigo 7.º, n.º 1, do Decreto n.º 562/70, de 18 de 
 Novembro, que exigiam dos requerentes de assistência judiciária (que não 
 gozassem de qualquer presunção legal de insuficiência económica) que provassem 
 a sua insuficiência económica mediante certidão de deliberação da junta de 
 freguesia ou da câmara municipal das suas residências, por considerar que esta 
 exigência, por um lado, se justificava pela consideração de que tal meio de 
 prova era “mais seguro e adequado à descoberta da verdade, conhecida que é a 
 falibilidade da prova testemunhal”, e, por outro lado, não tornava o acesso aos 
 tribunais “particularmente oneroso, uma vez que quem não tinha meios económicos 
 bastantes para custear as despesas normais do pleito não tinha especial 
 dificuldade na obtenção dos documentos exigidos”.
 Também o Acórdão n.º 209/95 – que não julgou inconstitucional a norma do artigo 
 
 73.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1976, que apenas admitia a produção 
 de prova testemunhal no processo especial de expropriação litigiosa quando tal 
 fosse considerado indispensável pelo juiz de 1.ª instância, enquanto tribunal 
 de recurso de arbitragem, juízo este reproduzido nos Acórdãos n.ºs 604/95, 
 
 744/95, 606/96, 607/96 e 131/97 – expendeu as seguintes considerações sobre o 
 
 “direito à produção de prova”:
 
  
 
 “15. Importa acentuar que o direito de acesso à justiça comporta 
 indiscutivelmente o direito à produção de prova (cf. M. Teixeira de Sousa, As 
 Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, págs. 228 e 
 seguintes). Tal não significa, porém, que o direito subjectivo à prova implique 
 a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de 
 processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, ou que não sejam 
 possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova (por 
 exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por cada parte).
 Bastará percorrer as normas de direito probatório constantes do Código Civil ou 
 do Código de Processo Civil para verificar que há diversas proibições de 
 utilização de certos meios de prova cuja constitucionalidade nunca foi posta em 
 causa. Assim, quanto à prova confessória, há casos em que a lei a considera 
 insuficiente para provar certos factos (por exemplo, um negócio jurídico solene 
 em que sejam exigidas formalidades ad substantiam) ou inadmissível (por exemplo, 
 por recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba ou sobre 
 factos respeitantes a direitos indisponíveis – artigo 354.º do Código Civil). 
 Também quanto à prova testemunhal, a mesma é considerada inadmissível quando a 
 declaração negocial tiver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada 
 por escrito, ou ainda quando o facto probando estiver «plenamente provado por 
 documento ou outro meio com força probatória plena» (artigo 393.º, n.º 2, do 
 Código Civil; vejam‑se, porém, os artigos 393.º, n.º 3, e 394.º do mesmo 
 diploma). Especialmente impressivo é o caso da prova do acordo simulatório e do 
 negócio simulado: a prova testemunhal só é admissível se for um terceiro a 
 arguir a simulação, mas já não é admissível quando esse acordo ou o negócio 
 simulado forem invocados pelos próprios simuladores (artigo 394.º, n.ºs 2 e 3, 
 do Código Civil).
 Em muitos destes casos, a inadmissibilidade, estabelecida pela lei, de prova 
 testemunhal tem como fundamento o juízo do legislador sobre as graves 
 consequências de um testemunho inverídico, dada a especial falibilidade desse 
 meio probatório. Tais casos de inadmissibilidade têm, porém, natureza 
 excepcional e hão‑de ter uma justificação racional.
 Ora, no processo expropriativo, o legislador entende que, havendo uma decisão 
 arbitral que fixa o valor da indemnização, no recurso dela interposto a 
 impugnação do quantum indemnizatório implicará uma prova pericial exigente. 
 Estando em causa a fixação do valor do bem ou direito expropriados – fixação que 
 começou por ser feita na fase arbitral –, o juiz há‑de valorar em especial a 
 prova pericial, visto que os peritos são encarregados pelo tribunal de 
 transmitir a este informações que devem colher, nomeadamente utilizando certos 
 conhecimentos de natureza técnica (artigo 388.º do Código Civil). Sabendo‑se 
 que as testemunhas transmitem conhecimentos casualmente adquiridos, bem se 
 compreende a enorme falibilidade do respectivo testemunho, nomeadamente quando 
 está em causa a transmissão ao tribunal de informações sobre valores do mercado 
 imobiliário, devendo a prova desses valores assentar, por regra, em documentos 
 autênticos (como as alienações dos bens imóveis estão sujeitas a escritura 
 pública, os valores dos preços constam desses documentos; só quanto aos 
 contratos preliminares falta, em regra, a publicidade registral, podendo 
 admitir‑se a vantagem de produção de prova testemunhal, anda que muito falível, 
 dado o carácter reservado, ou mesmo confidencial, da celebração de muitos 
 contratos‑promessa).
 A opção do legislador constante da norma impugnada não se afigura arbitrária ou 
 irrazoável. Como a fixação do valor de avaliação do bem expropriado, necessária 
 para a atribuição do quantum indemnizatório, na fase de recurso há‑de ser feita 
 pelo juiz, que assim vai apreciar criticamente o outro valor a que se chegou no 
 juízo arbitral, entendeu o legislador que os meios probatórios especialmente 
 atendíveis deveriam ser a perícia, os documentos e a própria inspecção judicial. 
 No que toca à prova pericial, o legislador entendeu que, em vez da opinião do 
 
 «homem comum» ou a do «bom pai de família» – opiniões expressas em depoimentos 
 de testemunhas – importava privilegiar a intervenção de peritos, por estes 
 disporem de conhecimentos especiais que os julgadores não possuem por regra. Mas 
 deixou, sempre, ao critério do juiz a audição de prova testemunhal.
 Acrescente‑se que a prova testemunhal sobre o valor de mercado de um bem não 
 será susceptível, no comum dos casos, de esclarecer cabalmente o julgador, 
 atentos os outros meios probatórios a que pode recorrer (prova documental, 
 prova pericial e inspecção judicial). Seja como for, a lei não veda em absoluto 
 a prova testemunhal no processo expropriativo. Na verdade, a lei confere um 
 poder discricionário para ouvir o depoimento de pessoas que não sejam peritos, 
 sempre que o repute indispensável, podendo valorar livremente esses depoimentos, 
 tal como os laudos periciais (artigo 389.º do Código Civil).
 Globalmente considerada a regulamentação dos meios probatórios no processo de 
 expropriação, afigura‑se que não é desproporcionada ou arbitrária a solução 
 limitativa constante do n.º 2 do artigo 73.º do Código das Expropriações de 
 
 1976, porque tem justificação material, atendendo à natureza do litígio em causa 
 e à fase processual de recurso em que ocorre a mesma limitação.”
 
  
 No Acórdão n.º 452/2003 – que não julgou inconstitucionais as normas do artigo 
 
 7.º, n.ºs 4 e 5, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, 
 na redacção anterior à Lei n.º 30‑G/2000, de 29 de Dezembro, interpretadas no 
 sentido de que, no âmbito de um processo de impugnação da liquidação tributária, 
 
 é vedado o recurso a meios de prova diversos dos que aí se deixam taxativamente 
 elencados –, após se considerar que o conjunto de meios probatórios à disposição 
 do contribuinte admitidos no n.º 5 do preceito (decisão judicial, acto 
 administrativo, declaração do Banco de Portugal, reconhecimento pela 
 Direcção‑Geral dos Impostos), para ilidir a presunção estabelecida no n.º 4 
 
 (presunção de que foram feitos a título de lucros ou adiantamentos os 
 lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas 
 sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de 
 mútuos, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais), era 
 
 “suficientemente amplo para que se não possa falar numa restrição 
 desproporcionada ou irrazoável de instrumentos de prova, susceptível de, na 
 prática, converter uma presunção juris tantum numa presunção juris et de jure”, 
 sublinhou‑se que “a garantia de acesso ao direito e aos tribunais prevista no 
 artigo 20.º da Constituição não contempla a possibilidade de utilização 
 irrestrita de todos os meios de prova em qualquer processo judicial (no caso, 
 num processo de impugnação da liquidação tributária), nem proíbe o legislador de 
 restringir o uso de certos instrumentos probatórios, desde que tal restrição 
 não se configure como desproporcionada ou irrazoável”.
 Mais recentemente, no Acórdão n.º 646/2006 – que julgou inconstitucional, por 
 violação do artigo 20.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 1, da CRP, 
 a norma constante da parte final do n.º 3 do artigo 146.º‑B do Código de 
 Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 433/99, de 
 
 26 de Outubro, quando aplicável por força do disposto no n.º 8 do artigo 89.º‑A 
 da Lei Geral Tributária, na medida em que exclui em absoluto a produção de prova 
 testemunhal, nos casos em que esta é, em geral, admissível (juízo de 
 inconstitucionalidade reiterado no Acórdão n.º 24/2008) –, expendeu‑se o 
 seguinte:
 
  
 
 “3.2. (…) partindo agora da premissa que o direito de acesso à justiça integra, 
 inter alia, o direito de o interessado produzir demonstração dos factos que, na 
 sua óptica, suportam o «direito» ou o «interesse» que visa defender pelo recurso 
 aos tribunais, o problema que se põe há‑de residir na formulação de um juízo que 
 pondere se o legislador, ao editar a norma em análise, respeitou, proporcionada 
 e racionalmente, aquele direito na vertente em questão, em termos de conduzir a 
 que, para a generalidade de situações, o interessado se não veja constrito à 
 impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito.
 
 (…)
 Ora, são cogitáveis situações em que, no que ora importa, a demonstração de que 
 as «manifestações de fortuna» não produziram rendimentos diversos daqueles que 
 foram trazidos às declarações se não alcança unicamente (ou, mais propriamente, 
 não se pode alguma vez atingir) através de meios documentais, carecendo‑se de 
 prova testemunhal e, obviamente, nos casos em que esta seja admissível nos 
 termos gerais de direito.
 Nessas situações, perante a determinação ínsita na norma em causa, o 
 interessado, perante uma, então, manifesta e, quiçá, insuperável, dificuldade 
 em alcançar o objecto probandi, ver‑se‑ia postado numa impossibilidade de 
 demonstrar os factos que suportavam os seus direitos ou interesses.
 Essa limitação, que, em tais situações, redunda numa absoluta constrição de 
 quanto à utilização desse específico meio de prova, não se revela ponderada e 
 adequada em face do direito fundamental que deflui do n.º 1 do artigo 20.º da 
 Constituição.
 O direito à tutela judicial efectiva, como vincam Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, p. 164), «sob 
 o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar‑se‑á, sobretudo, 
 quando a não observância … de princípios gerais de processo acarreta a 
 impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar [e, 
 acrescentar‑se‑á agora, de provar], daí resultando prejuízos efectivos para os 
 seus interesses».
 Também Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, p. 
 
 190) referem que, muito embora disponha o legislador de uma ampla margem de 
 liberdade na concreta modelação do processo, não sendo incompatível com a tutela 
 jurisdicional a imposição de determinados ónus processuais às «partes», o que é 
 certo é que o direito ao processo inculca que «os regimes adjectivos devem 
 revelar‑se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar‑se com o 
 princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, 
 nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que 
 dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o 
 direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva».
 Neste circunstancialismo, e perante situações em que, face ao normativamente 
 consagrado, a demonstração dos factos – que, no entendimento da «parte», 
 conduzam à defesa do seu direito ou interesse legalmente protegido – não é 
 possível, de todo, deixar de fazer‑se através de prova testemunhal, desde que, 
 repete‑se, essa seja, nos termos gerais, legalmente admissível, claramente que 
 vai ficar afectada aquela defesa, porventura tornando inviável ou inexequível o 
 direito de acesso aos tribunais.
 E, nesse contexto, a solução legislativa que isso consagre não pode deixar de 
 considerar‑se como desproporcionada e afectadora do direito consagrado no n.º 1 
 do artigo 20.º da Lei Fundamental, pois que totalmente preclude uma apreciação e 
 valoração dos factos invocados como consubstanciadores da pretensão deduzida em 
 juízo.”
 
  
 Por último, na mesma linha do Acórdão precedentemente citado, cumpre invocar o 
 Acórdão n.º 681/2006 – que julgou inconstitucional, por violação do direito de 
 acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, em conjugação 
 com o princípio da proporcionalidade, o artigo 146.º‑B, n.º 3, do Código de 
 Procedimento e de Processo Tributário, na parte em que veda em qualquer caso a 
 possibilidade de o contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão 
 da administração tributária que determina o acesso à informação bancária que lhe 
 diz respeito –, do qual consta:
 
  
 
 “Ora, importa justamente começar por salientar que, na averiguação da 
 conformidade constitucional da solução limitativa consagrada na norma em apreço, 
 o que está em causa não é a constitucionalidade da previsão de um acesso 
 directo, isto é, sem prévia autorização judicial, da administração tributária à 
 informação bancária para fins fiscais (…). Está apenas em causa a eventual 
 inconstitucionalidade da solução normativa que se traduz na inadmissibilidade 
 de o contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão da 
 administração tributária que determina o acesso à informação bancária que lhe 
 diz respeito.
 Em particular, pergunta‑se se tal substancial limitação probatória terá 
 justificação razoável nos poderes atribuídos à administração tributária como 
 concretização do interesse geral do acesso à informação bancária para fins 
 fiscais. Ou, ainda, na especial falibilidade da prova testemunhal e no carácter 
 mais exigente e seguro da prova documental, ou na respectiva ratio legis no 
 carácter urgente do recurso interposto pelo contribuinte (artigo 146.º‑D do 
 CPPT).
 Entende‑se que a limitação em causa da norma em apreço importa uma lesão do 
 direito à produção de prova ou do «direito constitucional à prova» (J. J. Gomes 
 Canotilho, «O ónus da prova na jurisdição das liberdades – Para uma teoria do 
 direito constitucional à prova», Estudos sobre direitos fundamentais, Coimbra 
 Editora, 2004, p. 170), ínsito na garantia de acesso aos tribunais e «entendido 
 como poder de uma parte (pessoa individual ou pessoa jurídica ‘representar ao 
 juiz a realidade dos factos que lhe é favorável’ e de ‘exibir os meios 
 representativos desta realidade’».
 Recorde‑se que, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, a restrição 
 de uma garantia fundamental exige que se encontre na própria Constituição (pelo 
 menos noutros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos) base para 
 a limitação do direito em causa, bem como que esta se limite «ao necessário para 
 salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (não 
 podendo, por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, «diminuir a 
 extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais»).
 Ora, como vimos, existe a possibilidade de o legislador introduzir limites ao 
 direito à produção de prova, ínsito no direito de acesso aos tribunais, 
 consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que podem ir até à exclusão 
 de um meio de prova (não «pré‑constituída») como é o depoimento de testemunhas. 
 Mas é assim apenas desde que tal medida não exceda o necessário para a 
 salvaguarda do interesse geral do acesso à informação bancária para fins 
 fiscais, mantendo‑se dentro do equilíbrio entre os poderes da administração 
 tributária e os direitos dos contribuintes, sem impedir desnecessariamente o 
 exercício de qualquer um deles.
 
 É certo haver quem saliente (José Casalta Nabais, «Estado fiscal, cidadania 
 fiscal e alguns dos seus problemas», Separata do Boletim de Ciências 
 Económicas, vol. 45, 2002, pp. 611 e 609) que «o futuro provavelmente não nos 
 reserva outro caminho senão o da crescente abertura da informação bancária às 
 administrações tributárias dos Estados», dizendo‑se também (J. Silva Lopes, in 
 
 «Acesso do Fisco a informações protegidas pelo sigilo bancário», Forum 
 Iustitiae – Direito e Sociedade, ano II, n.º 15, Setembro de 2000, p. 13) que «o 
 direito à privacidade não deve ser utilizado para que uns contribuintes 
 pratiquem, ao abrigo do sigilo bancário, delitos fiscais que, indirectamente, 
 prejudicarão os demais contribuintes. É, por essa razão, que em quase todos os 
 países da OCDE – a maioria dos quais com tradições democráticas bem mais sólidas 
 do que Portugal – o direito à privacidade não impede as autoridades de terem 
 amplo acesso às informações cobertas pelo sigilo bancário».
 No entanto, a abertura do segredo bancário – cuja constitucionalidade, 
 repete‑se, não está, enquanto tal, agora em causa – há‑de respeitar a 
 possibilidade da sua impugnação, e de produção de prova nesta impugnação, 
 estando, como está, em causa a comprovação e/ou valoração dos factos que 
 presidiram à emanação de um acto da administração tributária que contende com o 
 segredo bancário dos contribuintes, e devendo rejeitar‑se, por outro lado, a 
 suficiência, para tal, de uma mera presunção de legalidade do acto 
 administrativo, bem como um entendimento favorável à ampliação, na fase da 
 instrução procedimental, dos poderes da administração tributária. Note‑se, 
 aliás, que o próprio artigo 87.º, n.º 1, do Código do Procedimento 
 Administrativo, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, afirma 
 que «o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo 
 conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, 
 podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em 
 direito».
 De harmonia com o disposto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, «os órgãos e 
 agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem 
 actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da 
 igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé». 
 Destes princípios decorre, para o nosso caso, que a prova a praticar, desde logo 
 no procedimento administrativo, é, em regra (apenas, mas toda), aquela que 
 contribua para aclarar os factos relevantes, de forma a saber se a administração 
 excedeu, ou não, os limites de legalidade e constitucionalidade a que se 
 encontra vinculada.
 A garantia de um «processo leal», da qual decorre a igualdade de armas – 
 aplicável também ao processo especial de derrogação do dever do sigilo bancário 
 previsto nos artigos 146.º‑A a 146.º‑D do CPPT (bem como a todo o procedimento 
 e processo tributários), como exigência que é do princípio do Estado de Direito, 
 como este Tribunal teve ocasião de afirmar –, implica um quadro razoável de 
 equilíbrio entre os poderes da administração tributária e os direitos dos 
 contribuintes, sem aniquilação no caso concreto destes últimos. Daí o sistema 
 de garantias dos contribuintes e os princípios do procedimento tributário 
 estabelecidos na Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 398/98, de 17 de Dezembro.
 Este Tribunal tem reconhecido a liberdade de conformação do legislador no 
 estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, e tem 
 admitido, por exemplo, o encurtamento de prazos processuais com fundamento em 
 objectivos de eficácia, celeridade e economia processual. Compreende‑se, por 
 isso, a natureza urgente do recurso interposto pelo contribuinte ao abrigo do 
 disposto no artigo 146.º‑B do CPPT, o qual tem efeito suspensivo nas situações 
 previstas no n.º 3 do artigo 63.º‑B da LGT (artigo 63.º‑B, n.º 5, da mesma LGT), 
 o que ocasiona uma paralisação temporária dos efeitos jurídicos da decisão de 
 acesso à informação bancária para fins fiscais, prolongando um estado de 
 incerteza que importa seja o mais breve possível, quer no interesse da 
 administração tributária, quer no dos contribuintes (dada a exigência ditada 
 pelo artigo 20.º, n.º 5, da CRP, de que «para defesa dos direitos, liberdades e 
 garantais pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais 
 caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva 
 e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos»).
 
 5. Já, porém, a impossibilidade decretada pela norma em sindicância – 
 concretamente, a impossibilidade de, em qualquer caso, o contribuinte contestar 
 através de prova testemunhal a veracidade da prova recolhida pela administração 
 tributária, e independentemente de se reconhecer a esta uma certa liberdade de 
 decisão sobre a pertinência de tal meio de prova apresentado pelo contribuinte 
 
 – não se encontra suficientemente ancorada com os referidos objectivos de 
 eficácia, celeridade e economia processual, afectando de forma 
 constitucionalmente censurável o direito à produção de prova, ínsito no direito 
 de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, em 
 conjugação com o princípio da proporcionalidade.
 Na verdade, a norma em apreciação assenta na ideia de que, em sede de recurso de 
 decisão da administração tributária que determina o acesso directo à informação 
 bancária que diz respeito ao contribuinte, admitir‑se ou valorar‑se a prova 
 testemunhal permitiria que a verdade fosse atraiçoada, pela própria 
 falibilidade da prova, ou que o processo se protelasse excessivamente.
 Todavia, não consentir o uso de prova testemunhal não é sempre o mesmo que 
 sugerir o(s) meio(s) de prova mais oportuno(s) ou idóneo(s) sem exclusão dos 
 demais meios de prova no caso concreto, significando antes vedar em abstracto um 
 meio de prova que, em concreto, se pode revelar adequado à aclaração dos factos 
 que fazem parte do objecto do processo especial de derrogação do dever de 
 sigilo bancário, e que pode mesmo ser o único meio de prova disponível. Esta 
 exclusão abstracta excede manifestamente o necessário para a prossecução dos 
 interesses que o levantamento do sigilo bancário visa prosseguir, cerceando uma 
 dimensão que pode ser essencial (o direito à produção de prova) da garantia de 
 acesso ao direito e aos tribunais.
 Tendo de operar‑se uma ponderação de interesses contrapostos 
 constitucionalmente reconhecidos, há que tomar em consideração que o princípio 
 da proporcionalidade implicará uma solução que admita a produção de prova 
 testemunhal, pelo menos quando esta na situação concreta não se revele contrária 
 
 às finalidades tidas em vista, competindo então ao juiz avaliar e decidir sobre 
 a oportunidade de admissão de tal meio de prova no caso concreto, considerando, 
 também, os casos em que o recurso à prova testemunhal seja mesmo (como acontece 
 no presente caso) o único meio de conhecer e/ou de comprovar factos e elementos 
 materiais dos quais dependa a subsistência da pretensão da administração 
 tributária de derrogação do dever de sigilo bancário. Noutros casos – pode 
 admitir‑se – será já, possivelmente, de recusar fundadamente a prova 
 testemunhal apresentada pelo contribuinte, quando a considere impertinente ou 
 desnecessária à luz do interesse público que lhe compete prosseguir. Mas 
 tratar‑se‑á, sempre, de uma limitação em concreto, e não de uma exclusão 
 absoluta, e em abstracto, de um meio de prova que, repisa‑se, pode bem ser o 
 
 único de que é possível lançar mão no caso concreto para concretização da 
 garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais. Aliás, a eventual 
 falibilidade da prova testemunhal pode ser considerada no âmbito da livre 
 valoração consentida ao julgador.
 A norma em apreço, na medida em que prevê uma proibição absoluta, e em 
 abstracto, de o contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão 
 da administração tributária que determina o acesso à informação bancária que lhe 
 diz respeito, e em que, portanto, não permite em qualquer caso a autorização 
 dessa prova pelo juiz quando ela se revele indispensável, é, portanto, 
 inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, em 
 conjugação com o princípio da proporcionalidade.”
 
  
 
 2.3. Recordada, sem pretensões de exaustão, a jurisprudência deste Tribunal 
 sobre o “direito à produção de prova”, impõe‑se concluir que, no caso presente, 
 se justifica a emissão de um juízo de inconstitucionalidade, tal como foi feito 
 nos últimos dois Acórdãos citados.
 Não se questiona a conformidade constitucional da primazia dada à prova 
 documental pelo artigo 3.º do Decreto‑Lei n.º 357/90, quer atendendo à 
 reconhecida menor fiabilidade da prova testemunhal, quer, sobretudo, tendo em 
 conta a natureza dos factos que se pretendiam provar: a duração dos períodos 
 contributivos e o registo de salários (cf. n.º 1 do artigo 5.º).
 Mas o que surge como constitucionalmente intolerável é o radical afastamento, em 
 abstracto, feito pelo n.º 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 52/91, na interpretação 
 que lhe foi dada pela decisão recorrida, da possibilidade de recurso a outros 
 meios de prova para além da documental, meios que, em concreto, se podem revelar 
 como os únicos disponíveis quer por parte do interessado, quer oficiosamente por 
 parte da Administração, de acordo quer com o princípio geral constante do artigo 
 
 87.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (“O órgão competente deve 
 procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a 
 justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos 
 os meios de prova admitidos em direito”), quer com o dever específico 
 consagrado, para este especial procedimento, na parte final do n.º 5.º, n.º 1, 
 da citada Portaria.
 Esta indisponibilidade de meios de prova documentais foi, aliás, expressamente 
 reconhecida, no caso, pela entidade contenciosamente recorrida, na sua resposta 
 ao recurso contencioso (n.º 30, a fls. 20 destes autos), atenta a extinção da 
 instituição de previdência (Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e 
 Indústria da Província de Angola do Huambo – SNECIPA) para a qual o interessado 
 terá efectuada contribuições, e o compreensível desaparecimento dos 
 correspondentes arquivos, atentas as convulsões associadas ao processo de 
 independência e de guerra civil vividas nesse território.
 A admissibilidade de meios de prova não documental e designadamente 
 testemunhal, neste domínio, não afasta, como é evidente, o poder da 
 Administração de valorar a sua fiabilidade e suficiência para o apuramento dos 
 factos em causa. Mesmo que se considere, à partida, de especial dificuldade a 
 aferição, por prova testemunhal, dos concretos salários recebidos e descontos 
 feitos pelo interessado durante o período contributivo em causa, cumpre não 
 esquecer que, nos termos do n.º 9.º da Portaria n.º 52/91, “o reconhecimento de 
 períodos contributivos baseado nos meios de prova, a que se refere a presente 
 portaria, produz efeitos apenas para o preenchimento dos períodos de garantia e 
 para a formação da taxa global de pensões de invalidez, velhice e sobrevivência 
 do regime geral de segurança social”, e que o subsequente n.º 10.º prevê que, 
 
 “quando, à data da atribuição dos benefícios referidos no número anterior, o 
 beneficiário não apresente registo de remunerações efectivo que possa servir de 
 base de cálculo e justificar a atribuição de pensões de montante superior, os 
 valores das pensões a conceder com recurso ao reconhecimento dos períodos 
 contributivos invocados são, desde que o respectivo prazo de garantia se 
 encontre preenchido, os mínimos do regime geral de segurança social”.
 Conclui‑se, assim, que a exclusão total e abstracta da admissibilidade de meios 
 de prova não documental não se mostra imposta pela necessidade de prossecução de 
 interesses constitucionalmente relevantes e, pelo contrário, surge como 
 susceptível de afectar desproporcionadamente a efectividade da tutela 
 jurisdicional de um direito constitucionalmente consagrado – o de ver relevar, 
 para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, todo o tempo de trabalho, 
 independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado (artigo 
 
 63.º, n.º 4, da CRP) –, que comunga da fundamentalidade do direito à segurança 
 social.
 
  
 
 3. Decisão
 Em face do exposto, acordam em:
 a) Julgar inconstitucional, por violação do direito à tutela jurisdicional 
 efectiva e do princípio da proporcionalidade (artigos 20.º, n.º 1, 268.º, n.º 4, 
 e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), a norma constante do 
 n.º 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 52/91, de 18 de Janeiro, interpretada no sentido 
 de restringir aos de natureza documental os meios de prova utilizáveis para o 
 reconhecimento, no âmbito do sistema de segurança social português, dos períodos 
 contributivos verificados nas caixas de previdência de inscrição obrigatória 
 dos territórios das ex‑colónias portuguesas até à independência desses 
 territórios; e, consequentemente,
 b) Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
 Sem custas.
 Lisboa, 4 de Março de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos