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Processo nº 1011/07
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheiro Maria João Antunes
 
 
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são 
 recorrentes o Ministério Público e A. e recorrido o IEP – Instituto das Estradas 
 de Portugal, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da 
 alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 3 de Outubro de 
 
 2007. Desta decisão A. interpôs ainda recurso ao abrigo da alínea b) do nº 1 do 
 artigo 70º da LTC.
 
  
 
 2. Em acção intentada no Tribunal de Trabalho de Coimbra contra o Instituto de 
 Estradas de Portugal, a recorrente pediu, entre o mais, que se declarasse que os 
 contratos designados por tarefas, contratos de trabalho a termo e contrato de 
 trabalho temporário, sucessivamente celebrados entre as partes desde 1 de Abril 
 de 2001, são um verdadeiro contrato de trabalho subordinado e que a Autora é 
 trabalhadora do Réu, ao abrigo de contrato sem termo, desde aquela data. 
 O Instituto de Estradas de Portugal foi então condenado, entre o mais, a 
 reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo entre as partes e a 
 reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e 
 antiguidade. Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, este 
 Tribunal confirmou integralmente a sentença de primeira instância, negando 
 provimento à apelação do Réu, que interpôs, de seguida, recurso de revista. 
 Produzidas alegações, o Instituto de Estradas de Portugal concluiu, para o que 
 agora releva, o seguinte:
 
  
 
 «10.ª Tendo como pressuposto que o ICERR – Instituto Público – se integra no 
 conceito constitucional de “função pública”, nos termos e para efeitos do n.º 2 
 do art.º 47.º da Constituição. 
 
 11.ª Os art.os 2.º do DL 184/89 e do DL 427/89 – expressam as bases gerais do 
 regime e âmbito da função pública – bem como a Lei n.º 114/88, art.º 15.º, al. 
 c) e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 77/2002, de 18/5, incluem no 
 
 âmbito da função pública os institutos públicos, logo o Recorrente. 
 
 12.ª Atenta a especialidade constante do art.º 43.º, n.º 1 do DL 427/89, que 
 derroga o disposto na LCCT sobre as situações (hipótese e circunstância) da 
 conversão dos contratos a termo certo em contratos sem termo, os contratos 
 celebrados pelo ICERR ao arrepio do regime previsto naquele diploma são nulos, 
 nos termos dos art.os 280.º, n.º 1 e 294.º do Cód. Civil, produzindo apenas 
 efeitos em relação ao tempo em que esteve em execução.
 
 13.ª No caso [a] aplicação da norma constante do n.º 1 do art.º 44.º do DL 
 
 427/89, no sentido de que o regime estabelecido pelo Dec.-Lei 427/89, não ser 
 aplicável ao Recorrente, aplicando-se, antes o regime estabelecido nos seus 
 Estatutos, esta norma – n.º 1 do art.º 44.º do DL 427/89 – é inconstitucional, 
 por violação do n.º 2 do art.º 47.º da Constituição da República Portuguesa, ao 
 permitir-se a contratação da Recorrida sem concurso, o que decorre da conversão 
 do contrato a termo em contrato sem termo. 
 
 14.ª A inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 44.º do DL 427/89, com a 
 interpretação que é feita pelo acórdão recorrido, é manifesta, pois qualquer 
 admissão, mesmo no contexto de um instituto público, sem um procedimento de 
 recrutamento e selecção prévio, que garantisse o acesso em condições de 
 liberdade e igualdade, violaria o art.º 47.º, n.º 2, da CRP.
 
 15.ª Contrariamente ao que sucede no estabelecido no DL 64-A/89, de 27/2, em que 
 a celebração de contratos a termo fora dos casos nele previstos ou sem 
 obediência à forma ali prescrita, têm como efeito a sua conversão em contratos 
 por tempo indeterminado (art.os 41.º e 42.º), nos casos de inobservância dos 
 preceitos relativos à celebração dos contratos a termo com a Administração 
 Pública, a consequência será a nulidade do contrato, produzindo estes efeitos 
 como se fosse válido em relação ao tempo em que estivessem em execução – art.º 
 
 15.º, n.º 1 da LCT – como também veio estabelecer a Lei 23/2004».
 
  
 
 3. No Supremo Tribunal de Justiça, em parecer notificado à ora recorrente, o 
 Ministério Público pronunciou-se no sentido de que:
 
  
 
 «(…) é inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, a 
 norma constante do nº 1 do artigo 44º do Decreto-Lei nº 427/89, de 07 de 
 Dezembro, quando interpretada no sentido de que a salvaguarda de regimes 
 especiais nela prevista permite que os contratos de trabalho a termo celebrados 
 com um instituto público que revista a natureza de serviço personalizado e se 
 reja pelo regime jurídico do contrato de trabalho, se convertam em contratos de 
 trabalho por tempo indeterminado, uma vez verificada a falta ou insuficiência do 
 motivo justificativo invocado para a contratação a termo».
 
  
 
 4. Pelo acórdão agora recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, para o 
 que agora importa, declarar nulo o contrato de trabalho que vinculou as partes 
 até 14 de Abril de 2004, com os seguintes fundamentos:
 
 «Subscrevendo o juízo de inconstitucionalidade proferido no mencionado acórdão 
 do Tribunal Constitucional, haverá que reconhecer-se que ele tem projecção no 
 caso que nos ocupa, apesar de se registarem algumas diferenças entre as 
 situações de facto e as pretensões com base nelas formuladas, submetidas a 
 juízo.
 Na verdade, o que aqui se nos depara não é, em rigor, apenas, a conversão de um 
 contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, por força da aplicação, na 
 sua plenitude, quer dizer sem restrições, do Regime Jurídico da Cessação do 
 Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de 
 Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de 
 Fevereiro.
 O quadro que se nos apresenta envolve, de harmonia com os factos declarados 
 provados, a prestação de actividade remunerada, sem qualquer hiato, durante 3 
 anos e 14 dias, ao abrigo, sucessivamente, por ordem cronológica, de dois 
 contratos denominados de “tarefa”, um intitulado contrato de trabalho a termo, 
 dois contratos denominados de “tarefa”, um contrato de trabalho temporário, e, 
 finalmente, sem qualquer contrato de trabalho, o que, na óptica da Autora, 
 sufragada pelas instâncias, consubstancia – face aos termos de subordinação em 
 que, sempre, se desenvolveu a execução do convencionado pelas partes – a 
 existência de uma relação laboral perene, com início reportado ao momento da 
 celebração do primeiro contrato.
 Retira-se da exposição dos fundamentos do referido acórdão do Tribunal 
 Constitucional a conclusão de que o n.º 2 do artigo 47.º da CRP não permite que 
 uma lei ordinária consinta a contratação por institutos públicos, investidos de 
 poderes de autoridade – por isso que equiparáveis ao Estado –, de pessoal 
 sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, sem precedência 
 de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em 
 condições de liberdade e igualdade.
 Daí o juízo de inconstitucionalidade da interpretação do bloco constituído pelas 
 normas em causa – os artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, 44.º, n.º 
 
 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, e 13.º, n.º 1, dos Estatutos do ICERR – no sentido 
 de ser autorizada a contratação sem aquela garantia, em regra, tornada efectiva 
 por via de concurso ou procedimento equiparável.
 Assim, tendo em atenção o disposto nos artigos 280.º, n.º 1 e 294.º do Código 
 Civil, nenhuma relação jurídica com a natureza de contrato de trabalho – seja 
 qual for a denominação que lhe tenha sido atribuída –, em que o Instituto de 
 Estradas de Portugal figure como empregador, será válida, se tiver sido 
 preterida, sem motivo excepcionalmente atendível, a prévia realização do 
 adequado procedimento.
 No caso vertente, sabe-se que a Autora, tendo tido conhecimento de que o Réu 
 estava a admitir trabalhadores, havendo uma vaga para o sector das licenças, 
 apresentou o seu currículo, foi seleccionada para apresentar uma proposta para a 
 execução de determinados trabalhos, na sequência do que foi admitida, em 1 de 
 Abril de 2001, ao serviço do Réu (factos 1., 2. e 3.).
 Estes factos não são suficientes para se considerar que houve um procedimento de 
 recrutamento e selecção de candidatos equiparável ao concurso, que pressupõe a 
 publicitação da existência da(s) vaga(a)s, de modo a permitir a candidatura de 
 todos os eventuais interessados, facto que não está demonstrado, nem foi alegado 
 
 – como não foi demonstrado, nem alegado o contrário.
 Como se observou no supra referido Acórdão de 26 de Setembro de 2007, “estamos 
 perante aspecto de facto que, na presente acção, reveste natureza constitutiva e 
 cujo ónus da prova cabe, por isso, ao A., nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do 
 Cód. Civil (diga-se que parece ter sido também o entendimento subjacente à 
 posição do Acórdão do TC que vem sendo abordado, como se deduz da passagem acima 
 transcrita sobre a projecção do juízo de inconstitucionalidade nele formulado ao 
 caso concreto aí abordado)”.
 Não se sabendo se houve ou não o adequado procedimento, porque à Autora competia 
 alegar e provar o facto, a dúvida resolve-se contra ela, nos termos das 
 disposições combinadas dos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 516.º do CPC.
 De tudo o exposto resulta que a relação estabelecida entre as partes, que se 
 iniciou em 1 de Abril de 2001, quando encarada como relação de trabalho 
 subordinado, tem de ser, considerada nula e como tal, em vista do disposto no 
 artigo 286.º do Código Civil, declarada, o mesmo sucedendo relativamente aos 
 dois posteriores “contratos de tarefa”.
 Quanto aos contratos denominados de trabalho a termo e de trabalho temporário, 
 nunca poderiam ser convertidos em relação laboral duradoura, face ao assumido 
 juízo de inconstitucionalidade, no que toca à sua conversão.
 Soçobra, por conseguinte, a pretensão da Autora de ver reconhecido um vínculo 
 laboral permanente e o Réu condenado, por despedimento ilícito, a reintegrá-la e 
 a pagar-lhe retribuições vencidas e vincendas até à data do trânsito em julgado 
 da sentença (…).
 Já se viu que o vínculo que permaneceu entre 1 de Abril de 2001 e 14 de Abril de 
 
 2004 consubstancia um contrato de trabalho.
 Esse contrato deve ser declarado nulo, por força do disposto nos artigos 280.º, 
 n.º 1, 286.º e 294.º do Código Civil».
 
 5. Em requerimento aperfeiçoado ao abrigo do nº 6 do artigo 75º-A da LTC, a 
 recorrente veio então recorrer para este Tribunal, para apreciação:
 
  
 
 «das normas contidas nos artigos 280°, n.º 1 294.° e artigo 342.° n.° 1 todos do 
 Código Civil, em conjugação com os artigos 44°. n.° 1 do Decreto – Lei n.° 
 
 407/89, de 7 de Setembro, 41°, n.° 4 do Decreto – Lei n.° 184/89, de 2 de Junho 
 e artigo 13°, n.° 1 dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto – Lei n.° 
 
 237/99, de 25 de Junho, no sentido de que o contrato de trabalho celebrado entre 
 a Autora e Réu é nulo na medida em que a contratação da Autora estava sujeita a 
 procedimento administrativo de recrutamento e selecção de candidatos e que os 
 contratos celebrados entre Autora e Réu nunca podem ser convertidos face à 
 inexistência de prova quanto a tal procedimento, prova que incumbia à Autora, 
 por violação do artigo 13.° e artigo 53.° da Constituição».
 
  
 
 6. Em 15 de Janeiro de 2008, foi proferido despacho para produção de alegações 
 no recurso interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC. 
 Relativamente ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) deste artigo foi 
 proferido despacho com o seguinte teor:
 
  
 
 «(…) independentemente da questão de saber se, do teor do requerimento de 
 interposição de recurso e da resposta ao convite ao respectivo aperfeiçoamento, 
 pode retirar-se a identificação de uma norma (fl. 349 e s. e 359 dos autos; 
 artigo 75º-A, nº 1 da LTC), o certo é que não foi suscitada, durante o processo, 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa relativa aos artigos agora referidos – os 
 artigos 280º, nº 1, 294º e 342º, nº 1, do Código Civil (em conjugação com os 
 artigos 44º, nº 1, do Decreto-Lei nº 407/89, de 7 de Setembro, 41º, nº 4, do 
 Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, e 13º, nº 1, dos Estatutos aprovados pelo 
 Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho). Designadamente, não foi suscitada a 
 questão nas contra-alegações de revista e na resposta ao parecer do Ministério 
 Público junto do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. fl. 257 e ss. e 299 e ss. dos 
 autos).
 Não pode, pois, o Tribunal tomar conhecimento do objecto deste recurso (artigos 
 
 70º, nº 1, alínea b) e 78º-A, nº 1, da LTC)».
 
  
 
 7. Deste despacho vem agora a recorrente reclamar para a conferência, 
 sustentando o seguinte:
 
  
 
 «A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do n ° 1 do artigo 70.° da LCT, pretendendo ver apreciada 
 a inconstitucionalidade do artigo 41.º n.° 4 do Decreto – Lei n.° 184/89, artigo 
 
 44.º n.° 1 do Decreto – Lei n.° 427/89 e artigo 13.° dos Estatutos do ICERR 
 aprovados pelo Decreto – Lei n.° 237/99, de 25 de Junho, com a interpretação que 
 foi dada no douto acórdão recorrido, no sentido de que tais normas impõem que a 
 contratação da A. Pelo R. estava sujeita a procedimento administrativo de 
 recrutamento e selecção que assegurasse a liberdade e igualdade de acesso, bem 
 como, que a inexistência de prova quanto à prévia existência de tal procedimento 
 consubstancia a invalidade da conversão do contrato a termo celebrado em 
 contrato sem termo, por falta de suporte normativo para tal conversão e que tal 
 facto reveste natureza constitutiva e cujo ónus de prova cabe à A..
 Tal interpretação viola claramente, não só o princípio da igualdade previsto no 
 artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, mas também o princípio da 
 garantia da segurança no emprego postulada no artigo 53.° do mesmo diploma 
 constitucional.
 Alegou ainda a recorrente que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada 
 nos autos nas contra-alegações apresentadas no recurso de apelação (30 de 
 Novembro de 2005), nas contra-alegações apresentadas no recurso de revista (27 
 de Dezembro de 2006) e na resposta ao douto parecer do Ministério Público junto 
 do Supremo Tribunal de Justiça (27 de Fevereiro de 2007).
 Em cumprimento do douto despacho de fls., a recorrente veio aperfeiçoar o seu 
 requerimento, alegando que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da 
 aplicação das normas contidas nos artigos 280°, n.º 1 294.° e artigo 342.° n.° 1 
 todos do Código Civil, em conjugação com os artigos 44°. n.° 1 do Decreto – Lei 
 n.° 407/89, de 7 de Setembro, 41°, n.° 4 do Decreto – Lei n.° 184/89, de 2 de 
 Junho e artigo 13°, n.° 1 dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto – Lei 
 n.° 237/99, de 25 de Junho, no sentido de que o contrato de trabalho celebrado 
 entre a Autora e Réu é nulo na medida em que a contratação da Autora estava 
 sujeita a procedimento administrativo de recrutamento e selecção de candidatos e 
 que os contratos celebrados entre Autora e Réu nunca podem ser convertidos face 
 
 à inexistência de prova quanto a tal procedimento, prova que incumbia à Autora, 
 por violação do artigo 13.° e artigo 53.° da Constituição.
 Por douto despacho sumário proferido nos autos pela Ex.ma Juíza Conselheira 
 Relatora foi decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso, uma vez que 
 não foi suscitada a questão da inconstitucionalidade normativa relativa aos 
 artigos 280°, n.° 1, 294.° e artigo 342.° n.° 1 todos do Código Civil, nas 
 contra-alegações de revista e na resposta ao parecer do Ministério Público junto 
 do Supremo Tribunal de Justiça (cfr fls. 257 e ss. e 299 e ss dos autos).
 Com efeito, a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade normativa contida 
 nos artigos 280°, n.° 1. 294.° e artigo 342.° n.° 1 todos do Código Civil, mas 
 apenas dos artigos 44°. n.° 1 do Decreto – Lei n.° 407/89, de 7 de Setembro, 
 
 41°, n.° 4 do Decreto – Lei n.° 184/89, de 2 de Junho e artigo 13°, n.° 1 dos 
 Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto – Lei n.° 237/99, de 25 de Junho, na 
 interpretação referida.
 Contudo, não podia a Autora suscitar qualquer inconstitucionalidade 
 relativamente aos referidos artigos do Código Civil, pela simples razão de que, 
 até à douta decisão do STJ, a contratação da Autora sempre se alicerçou na 
 aplicação do disposto no artigo 13.° dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo 
 Decreto – Lei n.° 237/99, de 25 de Junho, ao abrigo do qual aos trabalhadores do 
 Instituto se aplica o regime do contrato individual de trabalho, sem o prévio 
 procedimento administrativo de recrutamento e selecção de candidatos.
 Ou seja, uma lei do seu País ao abrigo da qual foi contratada e sobre a qual 
 nenhuma dúvida de constitucionalidade havia sido suscitada, designadamente por 
 falta do já referido procedimento.
 A Autora, ora recorrente, confiou na legalidade e também constitucionalidade do 
 artigo 13.° dos Estatutos do ICERR e nele não podia deixar de confiar.
 Pelo que nenhuma prova tinha que fazer para afastar um vício – a ausência do 
 prévio procedimento administrativo de recrutamento e selecção de candidatos – 
 com que não contava, nem podia contar.
 Ou seja, a Autora, ora recorrente não pode, nem é obrigada a contar com a 
 surpresa de uma norma de um diploma legal ao abrigo do qual foi contratada venha 
 a sofrer de tal vício e, consequentemente, que lhe incumbia a prova da 
 existência desse prévio procedimento por força da aplicação dos artigos 280°, 
 n.° 1, 294.° e artigo 342.° n.° 1 todos do Código Civil.
 Logo, não podia a Autora previamente suscitar a sua inconstitucionalidade dessas 
 normas.
 De modo que, só quando este vício é suscitado – o que apenas aconteceu com o 
 acórdão proferido pelo STJ – pode a recorrente a ele reagir.
 Pelo que, deve ser apreciada a questão de inconstitucionalidade suscitada».
 
  
 
 8. Notificado, o recorrido respondeu, concluindo, que «deverá ser decidido que a 
 recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa relativa aos artigos agora referidos, não 
 podendo o Tribunal tomar conhecimento do objecto deste recurso interposto ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artº 70º da LTC».
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 Pelo despacho reclamado foi decidido não conhecer do objecto do recurso 
 interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, com fundamento 
 na não suscitação prévia, durante o processo, da questão de 
 inconstitucionalidade cuja apreciação a recorrente pretendia.
 A reclamante vem agora sustentar que suscitou a questão de inconstitucionalidade 
 normativa apenas quanto aos artigos 44º, nº 1, do Decreto-Lei nº 407/89, de 7 de 
 Setembro [Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro], 41°, nº 4, do Decreto-Lei nº 
 
 184/89, de 2 de Junho, e artigo 13º, nº 1, dos Estatutos do ICERR, aprovados 
 pelo Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho; e que não podia suscitar qualquer 
 inconstitucionalidade relativamente aos artigos 280º, nº 1, 294º e 342º, nº 1, 
 do Código Civil, pela simples razão de que até à decisão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, a contratação da Autora sempre se alicerçou na aplicação do disposto no 
 artigo 13º dos Estatutos do Instituto, aprovados pelo Decreto-Lei nº 237/99, de 
 
 25 de Junho, ao abrigo do qual aos trabalhadores se aplica o regime do contrato 
 individual de trabalho, sem o prévio procedimento administrativo de recrutamento 
 e selecção de candidatos.
 Importa começar por notar que é no requerimento de interposição de recurso que 
 se define o respectivo objecto (segundo o nº 1 do artigo 75º-A da LTC cabe ao 
 recorrente indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal 
 aprecie) e que a recorrente, logo na versão primitiva desta peça, ao especificar 
 a dimensão interpretativa que pretendia apreciada, especificou quer a invalidade 
 da conversão do contrato a termo em contrato sem termo quer a circunstância de o 
 
 ónus da prova recair sobre a Autora. Apesar disso, não reportou também aos 
 artigos 280º, nº 1, 294º e 342º, nº 1, do Código Civil, a norma que indicou no 
 requerimento de interposição do recurso, o que veio a fazer na resposta ao 
 convite feito ao abrigo do nº 6 do artigo 75º-A da LTC. 
 A argumentação da reclamante no sentido de não lhe ter sido possível suscitar 
 previamente a questão de inconstitucionalidade posta no requerimento de 
 interposição de recurso para este Tribunal, designadamente por referência 
 
 àqueles artigos do Código Civil, é totalmente improcedente. A recorrente não 
 estava dispensada do ónus de suscitar previamente, durante o processo, perante o 
 Supremo Tribunal de Justiça, tal questão de inconstitucionalidade (artigos 70º, 
 nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC).
 O Tribunal Constitucional tem vindo a entender, de forma reiterada, que “a 
 inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder 
 jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de 
 inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se 
 estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que 
 pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão 
 
 (de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso (…). Todavia, a 
 orientação geral assim definida, não será de aplicar em determinadas situações 
 de todo excepcionais, em que os interessados não disponham de oportunidade 
 processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes do proferimento 
 da decisão, caso em que lhes deverá ser salvaguardado o direito ao recurso de 
 constitucionalidade. Na verdade, este Tribunal tem vindo a entender, num plano 
 conformador da sua jurisprudência genérica sobre este tema, que naqueles casos 
 anómalos em que o recorrente não disponha de oportunidade processual para 
 suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir, 
 ainda assim existirá o direito ao recurso de constitucionalidade” (Acórdão nº 
 
 61/92, Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992).
 No caso em apreço, a recorrente dispôs de oportunidade processual para suscitar 
 a questão de inconstitucionalidade cuja apreciação requereu, não tendo sido 
 confrontada, no tribunal recorrido, com uma aplicação ou interpretação 
 normativa, de todo imprevisível ou inesperada, “em termos de não lhe ser 
 exigível que a antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão 
 antes da prolação dessa decisão” (Acórdão nº 426/2002, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 Com efeito, durante o processo, esteve sempre presente a questão da validade dos 
 contratos celebrados entre a reclamante e o Instituto das Estradas de Portugal 
 e, consequentemente, a aplicabilidade dos artigos 280º, nº 1, 294º e 342º, nº 1, 
 do Código Civil. Nas alegações do recurso de revista foi expressamente invocado 
 o artigo 43º, nº 1, do Decreto-Lei 427/89, de 7 de Dezembro, para daí retirar a 
 consequência da nulidade dos contratos celebrados com o Instituto ao arrepio do 
 regime previsto neste diploma (cf. supra ponto 2. do Relatório); no parecer do 
 Ministério Público, oportunamente notificado à ora reclamante, sustentou-se a 
 inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artigo 44º do Decreto-Lei nº 
 
 427/89, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. supra ponto 3. do 
 Relatório e fl. 287 e ss. dos presentes autos). Num caso e noutro sempre por 
 referência ao artigo 47º, nº 2, da Constituição – todos os cidadãos têm o 
 direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em 
 regra por via de concurso.
 Conforme jurisprudência do Tribunal Constitucional, o requisito da suscitação 
 prévia da questão de constitucionalidade compreende, salvo casos excepcionais 
 que no caso se não verificam, a exigência de que os recorrentes efectuem um 
 juízo de prognose relativamente à aplicação de determinada norma; um dever de 
 prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser aplicado; o ónus de 
 perspectivar as várias hipóteses razoáveis de selecção e interpretação do 
 direito potencialmente aplicável (neste sentido, cf. Acórdãos nºs 678/99, 
 
 573/2003 e 188/2007, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).  
 Resta, pois, concluir pelo indeferimento da reclamação.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e, em consequência, confirmar o 
 despacho reclamado.
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa,  4 de Março de 2008
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão