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Processo n.º 615/2009 
 
 
 
 3.ª Secção 
 
 
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral 
 
 
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I 
 
 
 Relatório 
 
 
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente ?A., Lda.?, foi proferida 
 decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso com fundamento, na 
 parte que respeita a norma alegadamente aplicada no acórdão proferido sobre o 
 recurso de revista, na intempestividade do recurso de constitucionalidade e, na 
 parte respeitante a normas alegadamente aplicadas quer no acórdão proferido 
 sobre o pedido de aclaração do acórdão proferido sobre o recurso de revista quer 
 no acórdão proferido sobre a arguição de nulidade deste último, por, conforme 
 decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional, o pedido de aclaração de 
 uma decisão judicial ou a arguição da sua nulidade não serem já meios idóneos e 
 atempados para suscitar ? em vista de ulterior recurso para o Tribunal 
 Constitucional ? a questão de inconstitucionalidade relativa a matéria sobre a 
 qual o poder jurisdicional do juiz a quo se esgotou com a decisão e num momento 
 em que já não lhe é possível tomar posição sobre a mesma. 
 
 
 
 2. Notificado dessa decisão, ?A., Lda.? veio reclamar para a conferência, 
 sustentando que, na parte que respeita a norma alegadamente aplicada no acórdão 
 proferido sobre o recurso de revista, o recurso de constitucionalidade é 
 tempestivo e que, na parte respeitante a normas alegadamente aplicadas quer no 
 acórdão proferido sobre o pedido de aclaração do acórdão proferido sobre o 
 recurso de revista quer no acórdão proferido sobre a arguição de nulidade deste 
 
 último, acautelou devidamente essa questão no requerimento de interposição do 
 recurso de constitucionalidade, justificando a suscitação da questão de 
 constitucionalidade apenas no requerimento de aclaração do acórdão proferido 
 sobre o recurso de revista por só neste último terem sido tais normas 
 interpretadas no sentido cuja constitucionalidade se impugna. 
 
 
 
 3. Os recorridos B. e C. responderam à reclamação pugnando pelo seu 
 indeferimento. 
 
 
 
 4. Foi proferido pelo Relator o seguinte despacho: 
 
 
 Perante a eventualidade de o Tribunal não vir a conhecer do objecto do recurso ? 
 indeferindo-se assim a reclamação apresentada ? com fundamento em falta de 
 suscitação prévia, de modo processualmente adequado, de questão de 
 constitucionalidade normativa, notifique o recorrente para que, querendo, se 
 pronuncie sobre o assunto no prazo de dez dias. 
 
 
 
 5. Notificado desse despacho, a recorrente veio responder, concluindo do 
 seguinte modo: 
 
 
 
 ? quanto à norma do artigo 712 do CPC, cuja averiguação da desconformidade 
 constitucional foi pedida a esse Venerando Tribunal no ponto 1. a) do 
 requerimento de interposição de recurso, a questão de constitucionalidade foi 
 suscitada perante o Tribunal da Relação de Coimbra e mantida perante o Supremo 
 Tribunal de Justiça; 
 
 
 
 ? quanto às normas dos artigos 268 e 269 do CC, cuja averiguação da 
 desconformidade constitucional foi pedida a esse Venerando Tribunal nos pontos 1. 
 b) e c) do requerimento de interposição de recurso, a sua dimensão de 
 inconstitucionalidade resulta da forma como foram invocados, pela primeira vez, 
 na decisão do STJ, tendo a questão de constitucionalidade sido suscitada perante 
 o Supremo Tribunal de Justiça na primeira oportunidade processual de que a 
 recorrente dispôs: no requerimento de aclaração da decisão ora ainda em recurso. 
 
 
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
 
 II 
 
 
 Fundamentos 
 
 
 
 6. O reclamante alega que, na parte que respeita a norma alegadamente aplicada 
 no acórdão proferido sobre o recurso de revista, o recurso de 
 constitucionalidade é tempestivo. 
 
 
 Embora se deva reconhecer razão ao reclamante quanto à improcedência do 
 fundamento oferecido na decisão sumária reclamada para o não conhecimento do 
 recurso na parte que respeita a norma alegadamente aplicada no acórdão proferido 
 sobre o recurso de revista ? o da sua intempestividade ? entende-se não se poder 
 conhecer, na parte em análise, do recurso de constitucionalidade com base em um 
 outro fundamento, qual seja o da falta de suscitação prévia, de modo 
 processualmente adequado, de uma questão de constitucionalidade normativa. 
 
 
 Com efeito, nas suas alegações de recurso para o Tribunal a quo, o recorrente 
 afirma que ?[?] um entendimento do artigo 712.º, n.º 4, do [Código de Processo 
 Civil] que, por mera hipótese de raciocínio, impedisse, no caso, a ampliação da 
 matéria de facto para o estabelecimento da verdadeira legitimidade para proceder 
 
 à venda, em sintonia com o que se discutiu durante anos, sempre se revelaria 
 inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais 
 
 (artigo 20.º da CRP) e da boa administração da justiça (artigo 202.º, n.º 2 da 
 CRP)? (fls. 1272-3). 
 
 
 Uma tal forma de proceder é manifestamente insuficiente para que se possa 
 considerar cumprido o ónus, que impende sobre o recorrente, de, caso pretenda 
 vir a recorrer para o Tribunal Constitucional, suscitar previamente, perante o 
 tribunal recorrido, de modo processualmente adequado, uma questão de 
 constitucionalidade normativa que por este possa vir a ser apreciada. 
 
 
 Com efeito, objecto de controlo por parte do Tribunal Constitucional são 
 exclusivamente normas. É certo que o Tribunal Constitucional admite conhecer de 
 dimensões normativas aplicadas nas decisões judiciais, desde que, porém, o 
 recorrente seja capaz de explicitar o sentido atribuído ao preceito em questão 
 de que se extrai a norma que se considera inconstitucional e que pretende ver 
 apreciado no âmbito do recurso de constitucionalidade. 
 
 
 Certo é que o juízo sobre a indispensabilidade da ampliação da matéria de facto 
 não consubstancia qualquer interpretação ou aplicação do disposto no n.º 4 do 
 artigo 712.º do Código de Processo Civil, juízo esse que seria, em todo o caso, 
 insusceptível de ser apreciado em sede de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade que, como se sabe, apenas tem por objecto uma norma e não 
 uma decisão judicial. 
 
 
 Assim, com esse fundamento, confirma-se a decisão sumária reclamada de não 
 conhecimento do recurso na parte que respeita a norma alegadamente aplicada no 
 acórdão proferido sobre o recurso de revista. 
 
 
 
 7. Também na parte respeitante a normas alegadamente aplicadas quer no acórdão 
 proferido sobre o pedido de aclaração do acórdão proferido sobre o recurso de 
 revista quer no acórdão proferido sobre a arguição de nulidade deste último, é 
 de manter-se a decisão sumária reclamada de não conhecimento do recurso. 
 
 
 O reclamante entende que, no requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade, justificou devidamente o facto de apenas no requerimento de 
 aclaração do acórdão proferido sobre o recurso de revista ter suscitada a 
 questão de constitucionalidade dos artigo 268.º e 269.º do Código Civil, aí 
 afirmando que só neste último teriam tais normas sido interpretadas no sentido 
 cuja constitucionalidade se impugna. 
 
 
 Desde logo, importa esclarecer que, como o Tribunal Constitucional tem afirmado, 
 mesmo nessa hipótese, ainda assim, recai sobre as partes o ónus de analisarem as 
 diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas e 
 utilizadas na decisão e adoptarem as necessárias precauções, de modo a poderem, 
 em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, 
 salvaguardar a defesa dos seus direitos. 
 
 
 No caso dos autos, tal significa que o recorrente, ora reclamante, havia de ter 
 antecipado a interpretação das normas em questão feita pelo Tribunal a quo e ter 
 suscitado antecipadamente a questão da sua inconstitucionalidade nas suas 
 alegações de recurso, de modo a que, nos termos do n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, o tribunal estivesse obrigado a dela conhecer. 
 
 
 Conforme se afirma na decisão sumária reclamada, ?[t]em sido entendimento deste 
 Tribunal que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a arguição da sua 
 nulidade não são já meios idóneos e atempados para suscitar ? em vista de 
 ulterior recurso para o Tribunal Constitucional ? a questão de 
 inconstitucionalidade relativa a matéria sobre a qual o poder jurisdicional do 
 juiz a quo se esgotou com a decisão e num momento em que já não lhe é possível 
 tomar posição sobre a mesma, apenas se dispensando o recorrente do ónus de 
 invocar a inconstitucionalidade ?durante o 
 processo? nos casos excepcionais e anómalos em que este não tenha 
 disposto processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível 
 a arguição em momento subsequente (v. Ac. n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), 
 o que manifestamente não se verifica no caso dos autos?. 
 
 
 Para que o Tribunal Constitucional pudesse, excepcionalmente, conhecer do 
 recurso, seria necessário estar-se perante um daqueles casos anómalos ou 
 excepcionais em que o recorrente é confrontado com uma situação de aplicação ou 
 interpretação normativa de todo imprevista e inesperada, feita pela decisão. 
 
 
 Simplesmente, o recorrente, ora reclamante, no requerimento de interposição do 
 recurso de constitucionalidade, não alega sequer que a interpretação dada aos 
 preceitos aí referidos era imprevisível, sendo que, em rigor, além dessa 
 alegação haveria ainda que justificar por que razão assim o entende. Como se 
 afirma no Ac. n.º 213/2004 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), ?[é], 
 no entanto, de exigir que o invocado elemento surpresa decorra de regras de 
 interpretação e aplicação lógicas e, por isso, se impõe que sobre aquele que 
 alega essa circunstância recaia o ónus de explicitar os factores, objectivos, 
 que possam conduzir o tribunal a aceitar uma tal conclusão. É assim insuficiente 
 afirmar, de modo conclusivo, que a aplicação da norma foi inesperada ou 
 surpreendente, se não se aponta com o necessário rigor quer a formulação da 
 interpretação normativa usada, quer a razão pela qual, em atenção à fase 
 processual verificada, foi impossível ao interessado suscitar atempadamente a 
 questão. Na verdade, a jurisprudência do Tribunal tem vincado que «só em casos 
 excepcionais e anómalos» em que o recorrente não dispôs processualmente da 
 possibilidade da suscitação atempada da questão é que será «admissível» a 
 arguição em momento subsequente (Acórdãos 62/85, 90/85 e 160/94 in AcTC, 5º vol., 
 p. 497 e 663 e DR, II, de 28MAI94) o que faz recair sobre o recorrente o dito 
 
 ónus de expor, com a devida concretização, as circunstâncias pelas quais lhe foi 
 impossível suscitar a questão de forma adequada?. 
 
 
 Assim, confirma-se a decisão sumária reclamada de não conhecimento do recurso na 
 parte que respeita a normas alegadamente aplicadas quer no acórdão proferido 
 sobre o pedido de aclaração do acórdão proferido sobre o recurso de revista quer 
 no acórdão proferido sobre a arguição de nulidade deste último. 
 
 
 III 
 
 
 Decisão 
 
 
 
 8. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a 
 presente reclamação. 
 
 
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de 
 conta. 
 
 
 Lisboa, 13 de Janeiro de 2010 
 
 
 Maria Lúcia Amaral 
 
 
 Carlos Fernandes Cadilha 
 
 
 Gil Galvão