Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 295/08
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I − Relatório
 
 1. A., preso preventivamente por estar indiciado da prática de um crime de 
 tráfico de estupefacientes, veio requerer, perante o Supremo Tribunal de 
 Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 222.º, n.º 2, alínea c), do Código de 
 Processo Penal (CPP), a providência de habeas corpus, alegando, em síntese, o 
 seguinte:
 
 “1 – O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, a 
 qual lhe foi aplicada por despacho judicial datado de 03 de Agosto de 2007, não 
 tendo, até à data, sido notificado do despacho de acusação. 
 
 2 – Ora, ao abrigo do disposto no artigo 215°, n.° 1, al. a) do C.P.P., a prisão 
 preventiva extingue-se quando, desde o seu início tiverem decorrido quatro meses 
 sem que tenha sido deduzida acusação. Este prazo eleva-se, porém, para seis 
 meses quando se proceda por crime punível com pena de prisão de máximo superior 
 a 8 anos, que é a situação dos presentes autos. 
 
 3 – Sucede que desde a data da aplicação da medida de prisão preventiva até 
 ontem, dia 3 de Fevereiro de 2008, decorreu esse prazo de seis meses e não tendo 
 sido declarados os presentes autos de excepcional complexidade, o que ditaria a 
 elevação dos prazos de prisão preventiva, ao abrigo do disposto no artigo 215°, 
 n.° 3 do C.P.P., tal significa que o prazo de duração máxima de prisão 
 preventiva expirou às 24 horas do dia de ontem, 3 de Fevereiro de 2008, 
 encontrando-se o arguido em situação de prisão preventiva ilegal. 
 
 4 – Perante tais factos, o arguido solicitou já durante o dia de hoje, 4 de 
 Fevereiro de 2008, a emissão de mandados de libertação e a consequente 
 restituição à liberdade. 
 
 5 – Sobre tal requerimento pronunciou-se a Meritíssima Juíza de Instrução por 
 despacho de fls. 485 e seguintes, entendendo que nada há a determinar, uma vez 
 que foi proferida acusação em 31 de Janeiro de 2008 – facto que o arguido 
 desconhece – e que os prazos previstos no artigo 215° do C.P.P. se contam da 
 data da prolação de acusação e não da data da notificação da mesma. 
 
 6 – Entendimento que, salvo o devido respeito, não colhe, porquanto a prolação 
 da acusação sem a notificação da mesma ao arguido não pode produzir quaisquer 
 efeitos em relação a este. A interpretação do disposto no artigo 215° do C.P.P. 
 no sentido para os efeitos nele previstos os prazos se contam da prolação da 
 acusação e não da sua notificação é inconstitucional, por violação do disposto 
 nos artigos 28°, n.° 4, 31° e 32°, n.° 1, todos da C.R.P., inconstitucionalidade 
 que desde já se argúi para todos os efeitos legais. 
 
 7 - Um tal entendimento, é contrário às garantias de defesa do arguido e torna 
 inefectivo o direito a habeas corpus em razão do excesso do prazo de prisão 
 preventiva em todas as situações em que já tivesse sido proferida acusação mas 
 este não tivesse conhecimento da mesma. 
 
 8 – Ademais, não tinha o arguido forma de, de modo imediato, tomar conhecimento 
 da prolação de despacho de acusação, porquanto mesmo nos processos não sujeitos 
 a segredo de justiça, o artigo 89° do C.P.P. determina que a consulta dos autos 
 durante o inquérito é feita mediante requerimento, sobre o qual há-de incidir 
 despacho do Ministério Público. 
 
 9 – Nos termos do disposto no artigo 228°, n.° 2 do C.P.C, aplicável ao Processo 
 Penal ex-vi do disposto no artigo 4° do C.P.P., ‘a notificação serve para (...) 
 chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto’. Daqui decorre que antes 
 da notificação, o arguido não tem qualquer conhecimento acto processual que 
 esteja em causa (tanto mais em processo penal, onde, conforme referido, a 
 consulta dos autos não é imediata). Por isso, impõe-se entender que um acto 
 processual não comunicado se tem como inexistente em relação ao arguido, devendo 
 este proceder em conformidade como se o mesmo não lhe tivesse sido praticado e 
 accionar todas as garantias de defesa que a lei e a Constituição lhe consagram. 
 
 10 – Ademais, dispõe o artigo 113°, n.° 9 do C.P.P., a notificação da acusação 
 deve ser efectuada directamente ao arguido, não sendo suficiente a notificação 
 ao respectivo mandatário. O que bem se compreende, atenta a relevância que a 
 prolação de despacho de acusação pode ter na situação processual do arguido, 
 especialmente quando esteja em causa a aplicação de medidas de coacção, um tal 
 despacho pode implicar alterações no seu estatuto coactivo e tem que ser 
 notificado ao arguido. 
 
 11 – Donde, tudo visto, impõe-se concluir que para efeitos do disposto no artigo 
 
 215° do C.P.P., os prazos de duração máxima de prisão preventiva devem ser 
 contados por referência à notificação do arguido da dedução de acusação e não da 
 prolação desse despacho, por não ter o arguido forma de sindicar quando é que o 
 mesmo é proferido. É este o entendimento que melhor se coaduna com as exigências 
 de segurança jurídica e melhor assegura as garantias de defesa do arguido. Por 
 essa razão, o arguido encontra-se em prisão preventiva ilegal desde as 00horas 
 do dia 4 de Fevereiro de 2008, impondo-se a sua imediata libertação.” 
 O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, indeferiu 
 a petição de habeas corpus, por manifesta falta de fundamento. 
 
 2. Desse acórdão, o arguido veio interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do 
 artigo 215.°, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Penal, conjugada com a do 
 n.º 2 do mesmo artigo, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal 
 de Justiça no aresto recorrido. 
 Diz, nomeadamente, no seu requerimento:
 
 “ (…) ao interpretar a norma constante do artigo 215°, n.°1, al. a) do C.P.P. 
 conjugada com a do n.° 2 (corpo do artigo) no sentido de que para efeitos de 
 averiguar do decurso dos prazos de duração máxima da prisão preventiva vale a 
 data da dedução da acusação e não a da sua notificação ao arguido, o STJ adoptou 
 um entendimento que é contrário às garantias de defesa do arguido, insustentável 
 face à protecção constitucional dispensada ao direito à liberdade e de todo 
 contrário aos ditames de máxima publicidade das restrições a essa liberdade, e 
 de controlabilidade dos actos e decisões que possam afectar o estatuto 
 processual do arguido. 
 
 6. A interpretação acolhida no acórdão recorrido dos mencionados normativos 
 viola, portanto, os Princípios Constitucionais do amplo exercício do Direito de 
 Defesa, da Legalidade e da Segurança Jurídica, bem como as garantias de defesa 
 asseguradas em processo penal consagrados, entre outros nos arts. 28°, 31° e 32° 
 todos da Constituição da República Portuguesa.”
 Notificado para alegar, concluiu a sua argumentação pela seguinte forma:
 
 “1.ª 
 O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva aplicada 
 por despacho judicial desde 03 de Agosto de 2007. 
 
 2.ª
 O prazo de duração máxima dessa medida no caso dos autos, durante a fase de 
 Inquérito, é de 6 meses, por força da aplicação conjugada do disposto no artigo 
 
 215°, n.° 1, al. a) e n.° 2 do C.P.P. 
 
 3.ª 
 Esse prazo de seis meses terminava em 03 de Fevereiro de 2008. 
 
 4.ª 
 Data que passou sem que o arguido tivesse sido notificado de qualquer despacho 
 de acusação que tivesse sido deduzido contra si. 
 
 5.ª 
 Em face disso, o arguido invocou de imediato o decurso do prazo da prisão 
 preventiva e requereu a emissão dos competentes mandados de libertação. 
 
 6.ª 
 Pronunciando-se sobre o requerido, a Meritíssima Juíza de Instrução constatou 
 que havia sido proferida acusação nos autos em 31 de Janeiro de 2008, pelo que 
 se mostrava respeitado o prazo máximo de duração da medida de coacção a que o 
 arguido se encontrava sujeito. 
 
 7.ª 
 Não obstante, à data em que se perfizeram os seis meses de duração da medida de 
 coacção, o arguido não tinha conhecimento de ter sido deduzida acusação contra 
 si. 
 
 8.ª 
 Em suma, foi perfilhado o entendimento de que os prazos máximos de duração da 
 prisão preventiva previstos nos artigos 215°, n.° 1, al. a) e n.° 2 se contam 
 por referência à prolação da acusação e não à notificação desse despacho ao 
 arguido. 
 
 9.ª 
 Entendimento que atenta contra o disposto nos artigos 28°, n.° 4, 31° e 32°, n.° 
 
 1 da C.R.P.. 
 
 10.ª 
 Inconformado, o arguido apresentou de imediato providência de habeas corpus, 
 porquanto tal entendimento se afigura contrário às suas garantias de defesa. 
 
 11.ª
 Além de que torna inefectivo o direito a habeas corpus em todas as situações em 
 que o arguido se mantém em prisão preventiva para além dos prazos máximos 
 previstos, quando não tenha conhecimento da dedução da acusação, não obstante 
 esta ter sido já deduzida nos autos. 
 
 12.ª 
 A petição de habeas corpus veio a ser indeferida, tendo o STJ perfilhado também 
 a interpretação supra citada do artigos 215°, n.° 1, al. a) e n.° 2 da C.R.P.. 
 
 13.ª 
 As restrições que a Lei Fundamental admite aos direitos, liberdades e garantias 
 individuais, hão-de restringir-se ao necessário para salvaguardar outros 
 direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18°, n.° 2 da 
 C.R.P.). 
 
 14.ª 
 Por isso, a prisão preventiva há-de ser aplicada em situações em que mais 
 nenhuma outra medida de coação se afigure adequada e em ordem a satisfazer 
 necessidades de investigação ou de precaução face ao perigo que o arguido possa 
 representar para a comunidade. 
 
 15.ª 
 Por isso, essa medida afigura-se excepcional, face ao direito à liberdade 
 constitucionalmente consagrado (cfr. artigos 27° e 28° da CR.P.). 
 
 16.ª 
 E por se tratar de uma medida cautelar de última ratio, a lei, por imposição 
 constitucional (artigo 28°, n.° 4 – ‘a prisão preventiva está sujeita aos prazos 
 estabelecidos na lei’) define os prazos máximos da sua duração. 
 
 17.ª 
 O legislador definiu os prazos máximos de duração da medida de coacção de prisão 
 preventiva por referência às diversas fases processuais. 
 
 18.ª 
 Transcorridos esses prazos sem que determinado acto processual tenha tido lugar 
 
 (acusação, pronúncia, condenação), deixa de ser exigível que o arguido se 
 encontre privado da sua liberdade. 
 
 19.ª 
 A manutenção da medida de coacção para além desses prazos torna-se ilegal, 
 podendo o arguido reagir contra ela das formas legalmente admissíveis e 
 nomeadamente através da providência de habeas corpus prevista no artigo 31° da 
 C.R.P. e regulamentada nos artigos 220.º e 221° do C.P.P.. 
 
 20.ª 
 O STJ baseia-se, entre outros, no argumento literal, em virtude de o artigo 
 
 215°, n.° 1, al. a) referir que a medida de coacção se extingue se decorrerem 
 quatro meses sem que se mostre deduzida acusação. 
 
 21.ª 
 Não pode ser atribuída maior importância ao elemento literal do que aos direitos 
 subjectivos do arguido – in casu, direito à defesa, à liberdade e à dignidade. 
 
 22.ª 
 Além disso, impõe-se atender não apenas à letra da lei mas também ao seu 
 espírito. 
 
 23.ª 
 E conjugando-se esses dois elementos, depreende-se que o prazo máximo de duração 
 da prisão preventiva se extingue se passados seis meses, num caso como o dos 
 autos, o Inquérito não tiver terminado com acusação, conhecida, do arguido. 
 
 24.ª 
 
 É uma garantia do arguido que ao cabo desses seis meses saiba se houve acusação 
 para que possa reagir no quadro legal de que dispõe. 
 
 25.ª 
 
 É incompreensível, do ponto de vista de alguém que se encontra limitado quanto à 
 sua liberdade que, tendo visto decorrer o prazo que inicialmente fixou para 
 limite dessa privação da liberdade, não possa reagir contra tal privação, 
 decorrido o mesmo. 
 
 26.ª 
 Sem dúvida o legislador disse menos do que queria, pelo que se impõe uma 
 interpretação extensiva, no que tange à necessidade de conhecimento, por parte 
 do arguido, dentro do prazo de quatro ou seis meses, consoante o crime, da 
 prolação de acusação contra si. 
 
 27.ª 
 Sendo a acusação é um acto processual que tem que ser notificado ao próprio 
 arguido, não sendo suficiente a simples notificação ao seu mandatário (artigo 
 
 113°, n.° 9 do C.P.P.), sem essa notificação, o mesmo considera-se inexistente 
 em relação ao arguido. 
 
 28.ª 
 Quando não notificada, a acusação não tem a virtualidade de produzir quaisquer 
 efeitos, nomeadamente o de iniciar a contagem dos prazos máximos de duração da 
 prisão preventiva por referência à fase processual seguinte. 
 
 29.ª 
 O entendimento defendido pelo STJ permite manter um arguido preso à ordem de 
 certos autos, desconhecendo este a existência ou conteúdo do despacho de 
 acusação. 
 
 30.ª 
 E no caso de o mesmo ser nulo, por falta de algum dos elementos previstos no 
 artigo 283°, n.° 3 do C.P.P., não há como explicar, à luz das garantias de 
 defesa, que o arguido se mantenha sujeito a prisão preventiva com fundamento na 
 existência de um despacho de acusação que consta dos autos, quando afinal este 
 não tem qualquer validade. 
 
 31.ª 
 Por outro lado, o argumento de que no caso de pluralidade de arguidos o prazo 
 seria diferente para cada um deles falece, porquanto o prazo de duração máximo é 
 uno para todos os arguidos e para todos os processos. 
 
 32.ª 
 Ponto é que dentro desse prazo, o arguido seja notificado dos despachos que 
 fazem iniciar o prazo relativo à fase processual seguinte, de forma a que as 
 regras de segurança jurídica prevaleçam sobre a incerteza. 
 
 33.ª 
 Por outro lado, durante a fase de Inquérito, a consulta dos autos pelo arguido 
 não é livre, devendo antes ser requerida ao Ministério Público, nos termos do 
 disposto no artigo 89°, n.° 1 do C.P.P., pelo que, se a acusação não for 
 notificada ao arguido, este não tem forma de, no imediato, saber se a mesma foi 
 deduzida ou não. 
 
 34.ª 
 E a sua liberdade não pode de modo algum ficar prejudicada ou compadecer-se com 
 a demora de aguardar por uma resposta ao requerimento que lhe permita consultar 
 o processo. 
 
 35.ª 
 Além disso, no artigo 215°, n.° 3 do C.P.P. prevê-se a faculdade de alargar os 
 prazos máximos de duração da prisão preventiva, através da declaração de 
 excepcional complexidade do processo. 
 
 36.ª 
 No caso dos autos, o arguido não fora notificado de qualquer declaração de 
 excepcional complexidade (aliás a mesma não existiu). 
 
 37.ª 
 Porém, decorrendo o prazo de duração máxima de tal medida, sem que tivesse sido 
 notificado da dedução de acusação, veio a ser-lhe recusada a sua libertação com 
 fundamentação em que a mesma havia sido produzida quatro dias antes. 
 
 38.ª 
 A interpretação acolhida permitiu prorrogar os prazos de duração máxima da 
 prisão preventiva sem recorrer a qualquer mecanismo legalmente previsto nem 
 assegurar a transparência que é desejável quando se trata de limitar a liberdade 
 do arguido. 
 
 39.ª 
 No caso dos autos, a falta de transparência foi tal que a mandatária do arguido 
 apenas veio a ser notificada do despacho de acusação em 14 de Fevereiro de 2008, 
 notificação, aliás, deficiente, uma vez que não continha todas as folhas de que 
 se compunha o despacho e ironicamente não continha a data em que foi proferida. 
 
 40.ª 
 A interpretação perfilhada faz ainda impender sobre o arguido, com manifesto 
 prejuízo para as suas garantias de defesa e para os seus direitos, o ónus de 
 suportar o tempo dispendido com as diligências, de tradução para língua que 
 compreenda do libelo acusatório. 
 
 41.ª 
 A comunicação ao arguido dos factos que lhe são imputados em língua que 
 compreenda é uma exigência decorrente da Constituição e da própria Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem e a respectiva tradução não pode prejudicá-lo em 
 nada comparativamente com outros arguidos e outros casos em que essa necessidade 
 não se coloque. 
 
 42.ª 
 Tanto viola as garantias de defesa do arguido a falta de notificação do libelo 
 acusatório dentro dos prazos de duração máxima de prisão preventiva como a sua 
 notificação numa língua que não compreenda. 
 
 43.ª 
 Só a interpretação do artigo 215°, n.° 1, al. a) e n.° 2 do C.P.P. no sentido de 
 que a prisão preventiva se extingue quando não for notificada ao arguido, em 
 língua que compreenda, no prazo de seis meses, é compatível com as garantias de 
 defesa que a Constituição lhe dispensa. 
 
 44.ª 
 A interpretação que foi acolhida pelo STJ afigura-se demasiado hermética e não 
 abre espaço à controlabilidade da prolação da acusação pelo arguido, sobretudo 
 porque na fase de Inquérito, em que o acesso aos autos é condicionado (artigo 
 
 89.º, n.º 1 do CPP).
 
 45.ª
 Em suma, a interpretação do disposto no artigo 215.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 
 do CPP acolhida pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal de Faro e 
 confirmada pelo S.T.J, na recusa do pedido de habeas corpus, viola os Princípios 
 Constitucionais do amplo exercício do Direito de Defesa, da Legalidade e da 
 Segurança Jurídica, bem como as garantias de defesa em processo penal 
 consagrados, entre outros, nos artigos 28.º, 31.º e 32.º todos da Constituição 
 da República Portuguesa.” 
 
 3. Nas contra-alegações, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto concluiu pela seguinte 
 forma:
 
 “1. Não é inconstitucional o bloco normativo resultante do disposto no artigo 
 
 215.º, n.º 1, alínea c) [leia-se a), já que foi indicado, por lapso, a alínea 
 c)] e n.º 2 do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que 
 para efeito de contagem do prazo de duração da prisão preventiva na fase de 
 inquérito releva a dedução de acusação e não a notificação da mesma ao arguido.
 
 2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
 Cumpre decidir.
 II – Fundamentação
 
 4. Na situação em apreço, cumpre apreciar a norma constante do artigo 215.º, n.º 
 
 1, alínea a), com referência ao n.º 2, do Código de Processo Penal, na redacção 
 introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, por violação, “entre outros 
 dos artigos 28.º, 31.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa”, na 
 interpretação de que, para efeitos de averiguar do decurso dos prazos de duração 
 máxima da prisão preventiva, vale a data da dedução da acusação e não a da sua 
 notificação ao arguido.
 O referenciado normativo, no que ora interessa, tem a seguinte redacção:
 
 “Artigo 215.º (Prazos de duração máxima da prisão preventiva)
 
 1 – A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem 
 decorrido: 
 a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação; 
 b) (…) 
 c) (…)
 d) (…)
 
 2 – Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para 
 seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, 
 criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime 
 punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime: 
 a) Previsto no artigo 299.°, no n.° 1 do artigo 318.°, nos artigos 319°, 326.°, 
 
 331.° ou no n.° 1 do artigo 333.° do Código Penal e nos artigos 30.°, 79.° e 
 
 80.° do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.° 100/2003, de 15 de 
 Novembro; 
 b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou 
 de elementos identificadores de veículos; 
 c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e 
 equiparados ou da respectiva passagem; 
 d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou 
 cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em 
 negócio; 
 e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita; 
 f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; 
 g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima. 
 
 3 – (…)
 
 4 – (…)
 
 5 – (…)
 
 6 – (…)
 
 7 – (…)
 
 8 – (…)”
 Das disposições constitucionais aduzidas pelo Recorrente no requerimento de 
 interposição de recurso para este Tribunal, bem como nas alegações produzidas – 
 artigos 28.º, 31.º e 32.º – importa salientar, paralelamente, aliás, ao que 
 ocorreu com os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 404/2005 e 208/2006 (publicados, 
 respectivamente no Diário da República, II Série, de 31 de Março de 2005 e 4 de 
 Maio de 2006) que a norma que releva como parâmetro de avaliação da conformidade 
 constitucional é tão somente a constante do artigo 28.º, n.º 4, de harmonia com 
 o qual: “A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.”
 
 5. A questão que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade 
 radica na norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 215.º do Código de 
 Processo Penal, segundo a qual o prazo máximo da prisão preventiva, na fase de 
 inquérito, afere-se em função da data da prolação da acusação e não da data da 
 notificação da mesma.
 A mesma decisão recorrida referenciou jurisprudência uniforme do Supremo 
 Tribunal de Justiça, com destaque para o Acórdão de 11 de Outubro de 2005 (in 
 Colectânea de Jurisprudência, 3.ª, página 186).
 Em sede de apreciação de constitucionalidade, e embora a situação em apreço não 
 seja, de todo, idêntica à  constante no citado Acórdão n.º 404/2005, (porquanto 
 no presente caso questiona-se a alínea a) do n.º 1 do artigo 215.º, e no 
 referenciado aresto questionava-se a alínea c)), exarou-se no mesmo que:
 
 “2.4. Recordada a jurisprudência relevante do Tribunal Constitucional sobre a 
 matéria, importa salientar que o legislador processual penal de 1987 adoptou 
 modelo diverso do até então vigente quanto à fixação dos limites máximos de 
 prisão preventiva.
 Na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e suas diversas modificações, 
 adoptou‑se o sistema de fixação de prazos máximos de prisão preventiva 
 directamente correspondentes a cada fase processual. Esses prazos eram, na 
 redacção do artigo 308.º dada pelo Decreto‑Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro, e 
 do artigo 273.º, na redacção do Decreto‑Lei n.º 402/82, de 23 de Setembro: 1.º – 
 desde a captura até à notificação ao arguido da acusação ou do pedido de 
 instrução contraditória pelo Ministério Público: 40 dias por crimes a que caiba 
 pena de prisão maior; 90 dias por crimes cuja investigação caiba exclusivamente 
 
 à Polícia Judiciária ou que legalmente lhe seja deferida; 2.º – desde a 
 notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória pelo 
 Ministério Público até ao despacho de pronúncia em 1.ª instância: 4 meses, se 
 ao crime couber pena a que corresponda processo de querela; 3.º – após a 
 formação da culpa: 3 anos (ou, se terminarem antes, quando se igualar metade 
 da duração máxima da pena correspondente ao crime mais grave imputado ao 
 arguido, ou, no caso de recurso da decisão condenatória, quando se atingir a 
 duração da pena de prisão fixada na decisão recorrida). Neste regime, não havia 
 
 ‘transferências’ de tempos de prisão preventiva: se esta fosse determinada 
 apenas após a notificação da acusação, aplicava-se o prazo indicado em 2.º 
 lugar, sendo indiferente que na fase precedente o arguido tivesse estado em 
 liberdade.
 O regime instituído pelo Código de Processo Penal de 1987 é diverso, pois não há 
 contagens separadas de prazos para cada fase. O prazo conta-se sempre do início 
 da prisão preventiva, mas não pode exceder certos limites (acumulados) 
 reportados a quatro marcos processuais: 1.º - dedução da acusação; 2.º – 
 prolação de decisão instrutória quando tenha havido instrução; 3.º – condenação 
 em 1.ª instância; 4.º – trânsito em julgado da condenação. A estes quatro marcos 
 aplicam-se três regimes: o normal (6, 10 e 18 meses e 2 anos), o especial 
 atendendo à gravidade dos crimes (8 meses, 1 ano, 2 anos e 30 meses) e o 
 excepcional quando a essa gravidade dos crimes acresce a excepcional 
 complexidade do procedimento (12 e 16 meses e 3 e 4 anos) – n.ºs 1, 2 e 3 do 
 artigo 215.º do CPP. Como refere Germano Marques da Silva (Curso de Processo 
 Penal, vol. II, 2.ª edição, Lisboa, 1999, p. 289):
 
  ‘Não há um prazo de prisão preventiva para cada fase processual, há é um limite 
 máximo de duração da prisão preventiva até que se atinja determinado momento 
 processual. Por isso, se o início da prisão preventiva só se verificar já na 
 fase de instrução ou na de julgamento, os limites máximos até à decisão 
 instrutória, condenação em 1.ª instância ou decisão transitada continuam a ser 
 os mesmos. Por idêntica razão, se numa determinada fase se tiver esgotado o 
 limite do prazo de duração da prisão, o arguido pode voltar a ser preso se se 
 passar a outra fase e se se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, 
 desde que se não tenha ainda atingido o máximo da correspondente fase.’
 Na base desta alteração de sistema terá estado o propósito de promover o 
 andamento sem delongas do processo, incentivando os respectivos responsáveis a 
 respeitar os prazos de conclusão de cada fase, sob risco de insubsistência de 
 uma prisão preventiva tida por essencial para a prossecução dos objectivos da 
 justiça criminal.”
 
 6. Já na vigência da nova redacção dada ao artigo 215.º, pela Lei n.º 48/2007, 
 de 29 de Agosto, decidiu este Tribunal no Acórdão n.º 2/2008 (publicado no 
 Diário da República, II Série, de 14 de Fevereiro de 2008):
 
 “Segundo o regime do citado artigo 215º do Código de Processo Penal, o prazo de 
 duração da prisão preventiva conta-se sempre do seu início e não pode exceder 
 certos limites (acumulados) que se reportam a quatro marcos processuais: 1.º - 
 dedução da acusação; 2.º – prolação de decisão instrutória quando tenha havido 
 instrução; 3.º – condenação em 1.ª instância; 4.º – trânsito em julgado da 
 condenação. Aos prazos fixados para cada uma dessas fases processuais 
 aplicam-se, consoante os casos, três diferentes regimes: o normal (4 meses, 8 
 meses, 1 ano e 2 meses e 1 ano e 6 meses); o especial, em que se atende à 
 gravidade dos crimes (6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos); e o 
 excepcional, quando a essa gravidade dos crimes acresce a excepcional 
 complexidade do procedimento (1 ano, 1 ano e 4 meses, 2 anos e 6 meses e 3 anos 
 e 4 meses) – n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 215.º do CPP. 
 A ideia central do sistema é a de fazer coincidir, ao menos tendencialmente, a 
 duração máxima (acumulada) de prisão preventiva com o termo das sucessivas fases 
 processuais. Os prazos de 4 meses, 8 meses e 1 ano de limite máximo de prisão 
 preventiva até dedução de acusação correspondem são indicativos da duração do 
 inquérito em cada um dos circunstancialismos definidos no artigo 215º, n.º 1, 
 alínea a), e n.ºs 2 e 3 (cfr. artigo 276.º, n.º 1, primeira parte, e n.º 2, 
 alíneas a) e c)). O acréscimo de 4 meses ao limite máximo de prisão preventiva, 
 em todas as situações, até prolação da decisão instrutória, toma em atenção os 
 prazos máximos de 2 e 3 meses para conclusão da instrução, que só se inicia com 
 o requerimento para abertura de instrução, a apresentar no prazo de 20 dias a 
 contar da notificação da acusação e a que acresce o prazo de 10 dias para 
 prolação do despacho de pronúncia (cfr. artigos 306.º, n.ºs 1, 2 e 3, 287.º, n.º 
 
 1, e 307.º, n.º 3, todos do CPP). É dentro desta lógica que se fixou o 
 prolongamento da duração máxima da prisão preventiva por mais 6 meses, 10 meses 
 e 22 meses, tempo estimado como eventualmente necessário para conclusão do 
 julgamento em 1.ª instância, e por mais 4 meses, 6 meses e 10 meses, tempo 
 estimado para conclusão das fases de recursos até se atingir o trânsito em 
 julgado.
 Como se verifica, os prazos de duração máxima de prisão preventiva são 
 pré-determinados segundo a fase processual, a gravidade do tipo legal de crime e 
 a complexidade do procedimento.”
 
 7. Conforme resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição, o direito à 
 liberdade admite restrições, entre as quais se conta a detenção ou prisão 
 preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponde pena 
 de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos. Constituindo as 
 restrições ao direito à liberdade restrições a um direito fundamental integrante 
 na categoria de direitos, liberdades e garantias, estão sujeitos às regras do 
 artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, o que quer dizer, segundo se exarou no 
 recente Acórdão n.º 2/2008, já citado, que “só podem ser estabelecidos para 
 proteger direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo 
 limitar-se ao necessário para os proteger.”
 Acresce que, como resulta do citado artigo 28.º, n.º 4, da Constituição da 
 República Portuguesa, “a prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos 
 na lei”, significando que não pode, face à sua natureza de “ultima ratio”, de 
 deixar de estar temporariamente limitada. Cabendo à lei a fixação de prazos de 
 prisão preventiva, dispõe, consequentemente, o legislador ordinário de uma 
 relativa margem de liberdade de conformação, sem embargo de dever ser respeitado 
 o princípio da proporcionalidade, conforme salientam Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, I 
 volume, Coimbra, página 490 e, no mesmo sentido Jorge Miranda e Rui Medeiros, in 
 Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2005, página 321, e Acórdãos deste 
 Tribunal n.ºs 137/92 e 246/99 (o primeiro disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt e o segundo publicado no Diário da República, II 
 Série, de 28 de Julho de 1999).
 
 8. No recurso em análise não vem equacionada a questão da apreciação da 
 conformidade constitucional do regime global da prisão preventiva e da sua 
 duração, mas tão-somente a disposição legal que fixa o termo do prazo da prisão 
 preventiva aplicado no acórdão recorrido. 
 Nesta perspectiva, não se detecta razão de ser para emitir um juízo de 
 inconstitucionalidade.
 Com efeito, estamos perante a fixação do termo de um prazo fixado na lei, de 
 acordo com uma interpretação desta que “não se mostra incongruente com a 
 aventada justificação do sistema instituído de duração de prisão preventiva, não 
 desrazoável, tendo em atenção os factores relevantes de estar em causa crime de 
 especial gravidade (…).” (Acórdão n.º 208/2006, já citado).
 Na verdade, o legislador não está impedido de tomar em conta como termo final do 
 prazo da primeira fase da prisão preventiva a data de acusação, uma vez que este 
 momento se revela congruente com propósito de promover sem delongas o normal 
 decurso do processo.
 Não é assim desrazoável a opção do legislador.
 
 9. Assim, a prisão preventiva do Recorrente está sujeita a um prazo que não 
 desrespeita o princípio da razoabilidade e em nada resulta prejudicado o seu 
 direito de defesa.
 Efectivamente, e, conforme se exarou na contra-alegação de recurso por parte do 
 Ministério Público:
 
 “Este último, aliás, na dimensão da reacção à acusação contra si deduzida, não 
 regista qualquer encurtamento do prazo, a que alude o artigo 287° do Código de 
 Processo Penal – este sim a iniciar-se após a notificação daquela – nem pelo 
 facto de o arguido ter tomado conhecimento da mesma alguns dias depois do fim do 
 prazo a que alude a alínea a) do n° 1 do artigo 215° do Código de Processo Penal 
 
 (é o que se indicia, pelo menos, do facto de estar em curso a tradução da 
 acusação, em 06-02-08, cfr. fls. 6 a 8 do apenso; e, em 14 de Fevereiro, ter 
 sido notificada a mandatária do arguido – cfr, fls. 80), se pode concluir que 
 foi prejudicado no exercício do seu direito de contraditar e pôs em causa a 
 acusação contra si proferida.”
 Assim, e porque nenhuma norma ou princípio constitucionais foram violados não 
 poderá obter vencimento a tese sufragada pelo recorrente.
 III – Decisão
 Em face do exposto, acordam negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida, na parte impugnada.
 Custas pelo Recorrente, fixadas em 25 (Vinte e cinco) UCs.
 Lisboa, 14 de Maio de 2008
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos