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Processo n.º 120/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 Na sequência de requerimento do Ministério Público foi proferido acórdão pelo 
 Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de Dezembro de 2007, que decidiu:
 
 “- Indeferir os pedidos de diligências requeridas pelo executado e dirigidas à 
 Direcção de Finanças de Coimbra, DIAP e inquirição de testemunhas;
 
 - Por se não verificar causa obrigatória ou facultativa de recusa do mandado de 
 detenção dirigido pela Autoridade Judiciária neerlandesa à Autoridade Judiciária 
 portuguesa ordenar a entrega do cidadão A. à Autoridade Judiciária requerente 
 para cumprimento da pena de trezentos (300) dias de prisão, sob a condição de 
 ser assegurado pela Autoridade Judiciária competente que o executado terá, 
 depois de notificado da sentença condenatória, o direito de recorrer da 
 sentença que o condenou na pena supra mencionada ou ser submetido a novo 
 julgamento com a sua presença e com garantia dos direitos de defesa.”
 
  
 O executado A. recorreu desta decisão, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por 
 acórdão de 9 de Janeiro de 2008, negado provimento ao recurso interposto.
 
  
 O executado interpôs, então, recurso desta decisão para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, 
 requerendo a verificação de constitucionalidade das seguintes interpretações 
 normativas:
 
 “ - Da norma do artigo 3º, n.º 1, al. c) e e), da Lei n.º 65/03, quando 
 interpretada no sentido de que quando se estiver perante um pedido de entrega 
 para cumprimento de uma condenação, o conteúdo do MDE de que se dá conhecimento 
 ao arguido não conter uma descrição circunstanciada das circunstâncias de tempo, 
 modo e lugar em que a infracção foi cometida, mesmo quando a sentença indicada 
 tiver sido proferida em julgamento sem a presença do arguido e inexistir 
 notificação da decisão da sentença condenatória.
 
 - Da norma do artigo 3.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 65/03, quando interpretada 
 no sentido de admitir que para concretização das circunstâncias em que a 
 infracção foi cometida é bastante dar a conhecer ao arguido quais os tipos 
 legais de crime e respectiva epígrafe.
 
 - Da norma do artigo 340, n.º 1, do CPP, interpretada no sentido de admitir que 
 o tribunal indefira um requerimento de produção de prova independentemente de um 
 juízo sobre a sua (des)necessidade para a boa decisão da causa.
 
 - Da norma resultante da interpretação conjugada do disposto nos artigos 3º, n.º 
 
 1, al. e), 11.º e 12.º da Lei n.º 65/03, numa dimensão normativa segundo a qual 
 o conteúdo do MDE não tem de abranger as informações necessárias à avaliação da 
 existência de causas de recusa de execução.”
 
  
 Em 12-2-2008 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso 
 interposto, com a seguinte fundamentação:
 
 “1. Dos requisitos de conhecimento do recurso de constitucionalidade
 No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas e já 
 não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões 
 judiciais, em si mesmas consideradas.
 Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 
 
 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da 
 verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade 
 haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar 
 obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão 
 recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões 
 normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
 Verifiquemos se este último requisito se encontra preenchido, relativamente às 
 interpretações normativas cuja constitucionalidade o recorrente questiona:
 
 2. Da interpretação da norma do artigo 3º, n.º 1, al. c) e e), da Lei n.º 65/03, 
 no sentido de que quando se estiver perante um pedido de entrega para 
 cumprimento de uma condenação, o conteúdo do MDE de que se dá conhecimento ao 
 arguido não é obrigado a conter uma descrição circunstanciada das circunstâncias 
 de tempo, modo e lugar em que a infracção foi cometida, mesmo quando a sentença 
 indicada tiver sido proferida em julgamento sem a presença do arguido e 
 inexistir notificação da decisão da sentença condenatória.
 
                    Relativamente a esta questão, lê-se o seguinte no acórdão do 
 S.T.J.:
 
 “São três as fases que o processo de decisão sobre a execução do mandado de 
 detenção europeu comporta:
 
 1. A apreciação da suficiência das informações e da regularidade do mandado 
 
 (conteúdo e forma) — artigo 16º, n.º 2 a 4;
 
 2. A detenção e audição da pessoa procurada — artigos 16º, n.ºs 5 e 6, 17º e 
 
 18º;
 
 3. A decisão sobre a execução do mandado — artigos 20º e 22º.
 Debruçando-nos sobre a primeira fase do procedimento, a da apreciação da 
 suficiência das informações e da regularidade do mandado de detenção, 
 constatamos que a lei a elege como antecedente prévio e necessário, condição 
 essencial da fase seguinte, a da detenção e audição da pessoa procurada.
 Com efeito, da hermenêutica do n.º 5 do artigo 16º resulta claramente que só 
 após a sindicação da suficiência das informações e da regularidade do mandado, o 
 que tem lugar em despacho liminar a proferir pelo juiz relator — n.º 2 do artigo 
 
 16º —, é ordenada a entrega daquele para detenção da pessoa procurada.
 Prevendo a lei, no caso de insuficiência das informações, a solicitação das 
 informações complementares necessárias — n.º 3 do artigo 16º.
 Informações cujo juízo de suficiência deverá ter especialmente em conta, de 
 acordo com a parte final do n.º 2 do artigo 16º, o concreto conteúdo do mandado 
 de detenção estabelecido no artigo 3º.
 Conteúdo que a lei, sob a epígrafe de direitos do detido (artigo 17º, n.º 1), 
 impõe seja dado a conhecer à pessoa procurada, ao estabelecer que a pessoa 
 procurada é informada, quando for detida, da existência e do conteúdo do mandado 
 de detenção europeu.
 Em consonância com o disposto no n.º 5 do artigo 18º que, vai mais além, impondo 
 ao juiz relator, aquando da audição do detido, que o elucide sobre a existência 
 e o conteúdo do mandado de detenção e sobre o direito de se opor à execução do 
 mandado ou de consentir nela e os termos em que o pode fazer, bem como sobre a 
 faculdade de renunciar ao benefício da regra da especialidade.
 Conteúdo que, de acordo com o n.º 5 do artigo 16º, é determinante para a entrega 
 do mandado, tendo em vista a detenção da pessoa procurada, no sentido de que, 
 não constando do mesmo as informações exigidas pelo artigo 3º, o juiz não pode 
 ordenar o prosseguimento do procedimento, isto é, não pode ordenar a detenção 
 da pessoa procurada.
 O que bem se percebe.
 Com efeito, só depois de o juiz se certificar da legalidade do mandado de 
 detenção, com verificação dos pressupostos formais e materiais que a lei exige 
 para a validade e exequibilidade do mesmo, pode ordenar a sua entrega ao 
 Ministério Público para que providencie pela detenção da pessoa procurada.
 Conteúdo que a lei, repete-se, impõe seja dado a conhecer ao detido, já que 
 essencial para que o mesmo possa exercer o seu direito de audição e de oposição 
 ao mandado, ou seja, o seu direito de intervenção no acto, maxime de defesa, com 
 respeito pelo contraditório.
 
 É que, como se consignou no acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Outubro de 
 
 2006, resulta do disposto no artigo 21º, n.º 2, da Lei n.º 65/03, que a oposição 
 da pessoa procurada pode ter por fundamentos o erro na identidade do detido ou a 
 existência de causa de recusa do mandado de detenção europeu, causas de recusa 
 previstas nos artigos 11º e 12º, consoante se trate de recusa imposta ou 
 facultativa.
 Donde que o conhecimento do conteúdo do mandado de detenção é conditio sine qua 
 non de um adequado exercício do direito de defesa, postulado, ao menos, no 
 artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República, tendo em conta, nomeadamente, 
 que só conhecendo o conteúdo do mandado de detenção se poderá saber, por 
 exemplo, se a infracção foi amnistiada (artigo 11º, alínea a), se a pessoa 
 procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro 
 
 (alínea c) do artigo 11º), se a infracção é punível com pena de morte ou com 
 outra, pena de que resulte lesão irreversível da integridade física (artigo 11º, 
 alínea c) se está pendente em Portugal procedimento criminal contra a pessoa 
 procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção (artigo 12º, 
 n.º 1, alínea b).
 Por outro lado, o conteúdo do mandado de detenção, concretamente a descrição da 
 natureza e qualificação jurídica da infracção, bem como a descrição das 
 circunstâncias em que foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de 
 participação nela assumido pela pessoa procurada, também são imprescindíveis 
 para que a mesma possa pronunciar-se sobre a faculdade de renunciar ao beneficio 
 da regra da especialidade e, em último termo, sobre se deseja ou deve consentir 
 seja executado o mandado de detenção ou, ao invés, opor-se à sua execução.
 No caso vertente, como já se deixou subentendido, a detenção do ora recorrente 
 pela autoridade policial, sua apresentação em tribunal e acto de audição não 
 tiveram por base mandado de detenção, antes a inserção de indicação no SIS, 
 documentação que, no entanto, produz os mesmos efeitos do mandado, desde que 
 acompanhada das informações referidas no n.º 1 do artigo 30º.
 Certo é que o mandado de detenção europeu foi apresentado e junto aos autos 
 antes de proferido o acórdão recorrido, como se vê de fls. 83 a 87.
 Examinando o teor da indicação inserida nos S1S verificamos que, ao contrário do 
 alegado pelo recorrente, da mesma constam todas as informações impostas pelo n.º 
 
 1 do artigo 3º, com excepção da indicação da força executiva da sentença.
 Com efeito, para além da identificação da pessoa procurada, ali se dá conta da 
 qualificação jurídica das infracções (fls. 14), com referência directa aos 
 dispositivos legais que as prevêem (fls.14) e indicação do limite máximo da pena 
 aplicável (fls. 14), bem como das circunstâncias em que foram perpetradas (fls. 
 
 18 e 19), com menção da data da sua prática (fls. 15), do lugar do seu 
 cometimento e do grau de participação nelas assumido pela pessoa procurada 
 
 (fls. 15) e, bem assim, da pena aplicada (fls. 14).”
 Da leitura deste excerto resulta claramente que não se perfilhou a opinião de 
 que o Mandado de Detenção Europeu não tem que conter uma descrição das 
 circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a infracção foi cometida, mesmo que 
 a sentença a executar tenha sido proferida em julgamento sem a presença do 
 arguido e inexistir notificação da decisão da sentença condenatória.
 Antes se disse que tais requisitos eram necessários, mas que eles constavam do 
 SIS em causa, pelo que a interpretação normativa questionada não constituiu 
 ratio decidendi da decisão recorrida.
 
 3. Da interpretação da norma do artigo 3.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 65/03, 
 quando interpretada no sentido de admitir que para a concretização das 
 circunstâncias em que a infracção foi cometida é bastante dar a conhecer ao 
 arguido quais os tipos legais de crime e respectiva epígrafe.
 Da leitura do excerto acima transcrito no ponto 2, constata-se com clareza que a 
 decisão recorrida não sustentou em nenhum passo esta interpretação, tendo, antes 
 pelo contrário, referido que todo o conteúdo do mandado de detenção deveria ser 
 comunicado ao executado e que deste deveriam constar “a descrição da natureza e 
 qualificação jurídica da infracção, bem como a descrição das circunstâncias em 
 que foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação nela 
 assumido pela pessoa procurada”.
 A interpretação normativa questionada não consta, pois, da ratio decidendi da 
 decisão recorrida.
 
 4. Da interpretação da norma do artigo 340, n.º 1, do CPP, no sentido de admitir 
 que o tribunal indefira um requerimento de produção de prova independentemente 
 de um juízo sobre a sua (des)necessidade para a boa decisão da causa.
 
                     Relativamente a esta questão, lê-se o seguinte no acórdão do 
 S.T.J.:
 
 “Aquando da oposição apresentada à execução do mandado de detenção o ora 
 recorrente alegou, junto do Tribunal da Relação, que na sequência de inspecção 
 tributária de que foi alvo por parte da Direcção Distrital de Finanças de 
 Coimbra, motivada por documentação remetida pelas autoridades holandesas, 
 foi-lhe instaurado um processo de inquérito pelo Ministério Público, o qual 
 ficou suspenso nos termos do artigo 47º, do RGIT, no seguimento de impugnação 
 judicial por si apresentada, razão pela qual é possível que esteja a correr 
 termos em Portugal procedimento criminal contra si pelos mesmos factos pelos 
 quais foi condenado na sentença que subjaz ao mandado de detenção objecto dos 
 autos.
 Com base em tal alegação, tendo em vista o motivo de recusa facultativa de 
 execução do mandado de detenção previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12º, 
 requereu para prova do mesmo:
 
 - A notificação da Direcção de Finanças de Coimbra para juntar cópia certificada 
 de todo o processo administrativo de liquidação de impostos referente a si 
 referente;
 
 - A notificação da Direcção de Finanças de Coimbra para informar que 
 documentação remeteu ao Ministério Público no âmbito daquele processo ou de 
 qualquer outro que tenha sido instaurado, juntado cópia de todo o expediente;
 
 - A notificação do Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra no 
 sentido de informar se foi instaurado contra si processo de inquérito e, em 
 caso afirmativo, por indícios de que crime e qual o estado actual do mesmo. Para 
 prova do alegado também arrolou duas testemunhas.
 Na decisão recorrida o Tribunal da Relação, apreciando este fundamento de 
 oposição, bem como o pedido de produção de prova tendo em vista o apuramento dos 
 factos integrantes daquele motivo de recusa facultativa, após ter considerado 
 que o fundamento de oposição invocado mais não constitui que uma mera hipótese 
 ou conjectura, sendo baseado em situação ou possibilidade virtual, entendeu não 
 caber ao tribunal a produção da prova requerida, indeferindo esta e 
 considerando, por carência de invocação de causa plausível, inexistir a referida 
 causa de recusa facultativa.
 Decidindo, dir-se-á.
 O recorrente requereu ao Tribunal da Relação a produção de certa e determinada 
 prova tendo em vista o apuramento de factos susceptíveis de integrarem motivo 
 por si alegado de recusa facultativa do mandado de detenção europeu contra si 
 emitido, concretamente o previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12º — 
 pendência em Portugal de procedimento criminal contra a pessoa procurada pelo 
 facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu.
 Sucede que o recorrente ao invocar aquele motivo de recusa facultativa fê-lo, 
 claramente, de forma deficiente e inconsistente, baseando-se em mera suposição, 
 partindo de meras conjecturas.
 Na realidade, é o próprio recorrente que expressamente refere na conclusão 
 número 7 do requerimento de oposição que apresentou:
 
 “Consagrando o artigo 12º, n.º 1, alínea b), da Lei em causa que a execução do 
 mandado de detenção europeu pode ser recusada quando estiver pendente em 
 Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a 
 emissão do mandado de detenção europeu e tendo o arguido conhecimento que na 
 sequência de uma acção de inspecção tributária que lhe foi feita pela Direcção 
 Distrital de Finanças de Coimbra, lhe foi instaurado um processo de inquérito 
 pelo Ministério Público, face ao teor do que consta do art. 9º do requerimento 
 inicial, é perfeitamente possível que esteja a correr termos em Portugal 
 procedimento criminal contra o arguido pelos mesmos factos»’
 Ou seja, o recorrente fundamenta o motivo de recusa invocado no facto de ser 
 possível estar a correr termos em Portugal procedimento criminal contra si pelos 
 mesmos factos pelos quais foi condenado na sentença que subjaz ao mandado de 
 detenção objecto dos autos.
 Indicando como razão dessa possibilidade o facto de aquele procedimento ter sido 
 instaurado na sequência de acção de inspecção fiscal efectuada pela Direcção 
 Distrital de Finanças de Coimbra com base em documentação enviada pelas 
 autoridades holandesas e a circunstância de ter sido condenado naquela sentença, 
 para além de outros dois crimes, num crime de natureza fiscal.
 Convenhamos que é pouco, mesmo muito pouco, para arguir o motivo de recusa 
 facultativa do mandado de detenção previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 12º 
 da Lei nº 65/03.
 A arguição assim apresentada, produzida na base de uma mera suposição, 
 evidentemente que carece de relevância, sendo, por isso, legalmente 
 inatendível, razão pela qual bem andou o Tribunal da Relação ao indeferir o 
 pedido de produção de prova apresentado pelo recorrente, decisão que, 
 obviamente, não contende minimamente com o princípio constitucional segundo o 
 qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa.”
 Da leitura deste excerto resulta também claramente que a decisão recorrida não 
 entendeu que o tribunal possa indeferir um requerimento de produção de prova 
 independentemente de um juízo sobre a sua desnecessidade para a boa decisão da 
 causa, antes tendo apreciado o juízo que nesses termos foi efectuado pelo 
 tribunal recorrido e concordado com ele, pelo que a interpretação normativa 
 questionada não constituiu manifestamente ratio decidendi da decisão recorrida.
 
 5. Da interpretação conjugada do disposto nos artigos 3º, n.º 1, al. e), 11.º e 
 
 12.º da Lei n.º 65/03, numa dimensão normativa segundo a qual o conteúdo do MDE 
 não tem de abranger as informações necessárias à avaliação da existência de 
 causas de recusa de execução.
 Esta questão colocada pelo recorrente reporta-se à decisão sobre a prescrição 
 do procedimento criminal suscitada pelo recorrente.
 Relativamente a essa decisão lê-se o seguinte no acórdão do S.T.J.:
 Invoca o recorrente que o Tribunal da Relação não deu resposta à questão por si 
 suscitada relativa à prescrição do procedimento criminal, sendo certo que, há 
 muito, decorreram os prazos de prescrição do procedimento criminal e da pena.
 Observação prévia a fazer é a de que o recorrente, aquando da oposição que 
 deduziu ao mandado de detenção, não arguiu a prescrição da pena, antes e tão-só, 
 a da prescrição do procedimento criminal, razão pela qual não pode vir agora 
 suscitar aquela questão, visto que o recurso visa somente a sindicação da 
 decisão impugnada e não o conhecimento de questões novas
 Certo é que o recorrente ao arguir a excepção de prescrição do procedimento 
 criminal se limitou a alegar (artigo 35º do articulado de oposição e número 9 
 das conclusões ali formuladas) que: «Face aos elementos dos autos constantes é 
 de admitir a  prescrição do procedimento criminal, situação, aliás, de 
 conhecimento oficioso».
 Por essa razão e perante os elementos constantes dos autos, o Tribunal da 
 Relação ao conhecer esta concreta questão, o que fez de fls. 117 (fls.28 do 
 acórdão) in fine a fls. 19 (fls. 30 do acórdão), após enunciar este fundamento 
 de oposição, limitou-se a considerar não ocorrer nenhuma causa de recusa 
 obrigatória ou facultativa de execução do mandado de detenção.
 Não incorreu, pois, o Tribunal da Relação na nulidade arguida.
 Relativamente à questão de findo dir-se-á que dos elementos constantes dos 
 autos, designadamente do mandado de detenção, resulta não se verificar a causa 
 de recusa facultativa de execução do mandado de detenção invocada pelo 
 recorrente, causa prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 12º, quer no que 
 concerne ao procedimento criminal quer no que tange à pena.
 Certo é que esta causa de recusa facultativa atinente à prescrição do 
 procedimento criminal e da pena tem por pressuposto que os tribunais portugueses 
 sejam competentes para conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado 
 de detenção.
 Os crimes que subjazem ao mandado de detenção europeu são os de omissão de 
 declaração de pagamento de salários a funcionários (artigo 100, da Lei Holandesa 
 de Coordenação da Segurança), falsificação de documento (artigo 225º, n.º 2, do 
 Código Penal Holandês) e falência fraudulenta (artigo 341º, n.º 3, do Código 
 Penal Holandês).
 Como resulta do mandado de detenção, todas as infracções objecto do mesmo foram 
 cometidas por cidadão holandês em vários locais da Holanda.
 Atento o que preceitua a lei substantiva penal sobre a aplicação da lei no 
 espaço — artigos 4º a 7º —, os tribunais portugueses carecem de competência para 
 conhecimento dos crimes que motivaram a emissão do mandado de detenção, uma vez 
 que todos eles foram praticados na Holanda, não se enquadrando qualquer deles na 
 previsão do artigo 5º.
 Também se mostra improcedente, pois, o recurso nesta parte”.
 Da leitura deste excerto resulta também claramente que a decisão recorrida não 
 sustentou que o Mandado de Detenção Europeu não tem de abranger as informações 
 necessárias à avaliação da existência de causas de recusa de execução.
 Na verdade, o acórdão recorrido não abordou tal questão, uma vez que a mesma não 
 se revelou necessária para a decisão da oposição que estava subjacente à 
 enunciada interpretação, ou seja a prescrição do procedimento criminal.
 Na verdade, a decisão recorrida considerou que devido aos tribunais portugueses 
 carecerem de competência para conhecimento dos crimes que motivaram a emissão 
 do mandado de detenção europeu, nunca poderia recusar o cumprimento do mandado 
 com fundamento no decurso do prazo de prescrição, atento o disposto no artigo 
 
 12.º, nº 1, e), da Lei nº 65/03.
 A falta de dados necessários à verificação da prescrição do procedimento 
 criminal não foi, pois, fundamento da decisão recorrida, pelo que a 
 interpretação cuja inconstitucionalidade foi arguida também não integrou a ratio 
 decidendi daquela.
 
 6. Conclusão
 Do exposto resulta que nenhuma das interpretações normativas questionadas neste 
 recurso constitui ratio decidendi da decisão recorrida, pelo que, atenta a 
 natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, não é possível conhecer 
 do seu mérito, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos 
 do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
 
  
 Desta decisão reclamou o recorrente para a conferência, com os seguintes 
 argumentos:
 
 “1. Pré-compreensão e enquadramento jurídico da reclamação 
 Na impossibilidade de sindicar perante esse Tribunal a aplicação que permitiu ao 
 Supremo Tribunal de Justiça dar como preenchidos, face ao teor do SIS, os 
 requisitos impostos pelo artigo 3.º da Lei n.º 65/03, a presente reclamação 
 versa exclusivamente sobre a parte em que a douta decisão reclamada conclui que 
 a norma do artigo 340.º, n.º 1, do CPP, quando interpretada no sentido de 
 admitir que o tribunal indefira um pedido de produção de prova independentemente 
 de um juízo sobre a sua (des)necessidade para a boa decisão da causa, “não 
 constituiu manifestamente ratio decidendi da decisão recorrida”, na medida, de 
 acordo com o exposto, se entendeu que o Supremo apreciou o juízo que foi 
 efectuado pela Relação e concordou com ele. 
 Apesar do reclamante ter alguma dificuldade em entender a concreta motivação que 
 determinou a contestanda proposição conclusiva – acreditando que a mesma não 
 pode apenas ser autorizada pela menção de que foi apreciado o juízo do tribunal 
 recorrido e houve concordância com ele que poderá concluir-se pela não aplicação 
 da norma em causa –, o verdadeiramente decisivo é que, da leitura dos 
 fundamentos decisórios lavrados nas instâncias, acaba por colher-se, claramente, 
 que a requerida prova acabou por ser indeferida à margem de qualquer juízo que 
 sobre a sua necessidade para a boa decisão da causa. 
 O executado alegou perante o Tribunal da Relação um facto absolutamente 
 inequívoco, qual fosse o de se encontrar a correr em Portugal um processo de 
 inquérito instaurado pelo Ministério Público na sequência de uma acção de 
 fiscalização da Administração Fiscal também suportada em documentação remetida 
 pelas autoridades holandesas. 
 Desconhecendo o teor da sentença condenatória e sem olvidar as omissões factuais 
 constantes do mandado e o curtíssimo prazo de defesa, o arguido, que não tinha 
 ao seu imediato dispor quaisquer elementos que lhe permitissem, com toda a 
 certeza, afirmar que o procedimento criminal aqui instaurado contendia com os 
 factos pelos quais fora condenado, perante aquela realidade afirmou “ser 
 possível que esteja a correr termos em Portugal procedimento pelos mesmos 
 factos” e requereu, de modo a que se pudesse concluir pela existência da causa 
 de recusa prevista no artigo 12.º, n.º 1, b), da Lei 65/03, que a Direcção de 
 Finanças fosse notificada para juntar cópia do competente processo 
 administrativo e para informar qual a documentação que remetera ao Departamento 
 de Investigação e Acção Penal de Coimbra desse ou de outro processo que tivesse 
 sido instaurado contra o ora reclamante. 
 Estava assim em causa a realização de diligências probatórias direccionadas a 
 demonstrar a sobrevivência de uma situação de facto cuja existência se admite, 
 lógico-inferativamente, à luz dos dados adiantados, como perfeitamente possível, 
 pelo que se pretendia confirmar a existência desse facto, que, a verificar-se, 
 constituía causa de recusa da execução do mandado. 
 
 2. A(s) ratio(nes) decidendi do(s) Acórdão(s) recorrido(s) 
 O artigo 340.º do CPP, na sua formulação literal dispõe que 
 
  
 
 “o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os 
 meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da 
 verdade e à boa decisão da causa”. 
 Dando aqui por reproduzida toda a argumentação expendida pelas instâncias, e por 
 mais que o reclamante tente perscrutar o seu sentido e a ratio decidendi 
 normativa que lhe subjaz, não se vislumbra, no mínimo que seja, que o Tribunal 
 haja indeferido a requerida produção de prova com base num juízo na sua 
 desnecessidade para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da 
 causa. 
 Da panóplia de razões que podem colher-se a partir do impugnado substrato 
 decisório, acaba, inversamente, por resultar que os motivos justificadores da 
 decisão passam completamente à margem de uma ponderação autónoma e concretizada 
 na aferição dos critérios que determinam a produção probatória. 
 Ilustrando tal conclusão, atente-se no teor da motivação seguida nos autos. 
 No douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: 
 
 “(…) o executado deveria ter trazido ao tribunal os elementos mínimos que 
 suscitassem um incentivo processual tendente a comprovar (...)”; “não parece 
 suportável que o tribunal seja compelido a solicitar elementos a uma entidade 
 com base em suposições e sem que o interessado em comprovar a factualidade que 
 alega induza a ideia de que houve da parte dessa entidade uma recusa ou uma 
 justificação para a não entrega da documentação que pretende exibir como prova”; 
 não “deve[ndo] ser o tribunal a realizar os actos que ao interessado em 
 demonstrar uma determinada razão devia levar a efeito”.
 No douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: 
 
 “o recorrente fundamenta o motivo de recusa invocado no facto de ser possível 
 estar a correr termos em Portugal procedimento criminal contra si pelos mesmos 
 factos pelos quais foi condenado (...) indicando como razão dessa possibilidade 
 o facto de aquele procedimento ter sido instaurado na sequência de acção da 
 inspecção fiscal efectuada pela Direcção Distrital de Finanças de Coimbra com 
 base em documentação enviada pelas autoridades holandesas (...); a arguição 
 apresentada, produzida na base de uma mera suposição, evidentemente que carece 
 de relevância, sendo por isso, legalmente inatendível, razão pela qual andou bem 
 o Tribunal da Relação ao indeferir o pedido de produção de prova”. 
 Como se vê, o Tribunal permitiu-se indeferir o requerimento de produção de prova 
 independentemente da formulação de um juízo autónomo sobre a sua necessidade 
 para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, mas apenas por a pretensão 
 do ora reclamante dizer respeito a factos incertos ou de verificação possível, 
 sem avaliar, com isso, se o conhecimento da situação de facto suposta seria, ou 
 não, importante para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa. 
 Ou seja, o Tribunal ficou a montante da ponderação das referidas exigências que 
 determinam a produção de prova, o que é comprovado pelo facto do juízo judicial 
 ser, à luz do decidido, completamente estranho, indiferente e independente 
 
 àquela avaliação. 
 Nestes termos, s.m.o., a decisão recorrida aplicou efectivamente a norma do 
 artigo 340.º do CPP interpretada no sentido de admitir que o tribunal indefira 
 um requerimento de produção de prova independentemente de (hoc sensu, por outros 
 motivos que não) um juízo sobre a sua (des)necessidade para a boa decisão da 
 causa.” 
 
  
 O Ministério Público respondeu a esta reclamação da seguinte forma:
 A presente reclamação é, a nosso ver, manifestamente improcedente. 
 
 É, na verdade, evidente que a – aliás vaga – interpretação normativa, delineada 
 pelo recorrente, não constitui “ratio decidendi” do acórdão recorrido. 
 O que esteve na base do decidido não foi qualquer entendimento jurisprudencial 
 atinente ao âmbito das diligências probatórias no procedimento em causa, mas a 
 interpretação de que – ao invocar o motivo de recusa facultativa do mandato de 
 detenção – carece o arguido de especificar, em termos minimamente concretizados 
 e conclusivos, a pendência contra si de processo de natureza criminal, não 
 bastando alegar vagamente a “mera suposição” de que, eventualmente, ele possa 
 estar em curso. 
 Matéria que, como é óbvio, nada tem que ver com a interpretação normativa 
 questionada pelo recorrente.”
 
  
 
                                                       *
 Fundamentação
 Na reclamação apresentada o recorrente apenas manifesta discordância quanto ao 
 não conhecimento da questão de inconstitucionalidade da interpretação normativa 
 do artigo 340.º, do C.P.P., “no sentido de admitir que o tribunal indefira um 
 requerimento de produção de prova independentemente de um juízo sobre a sua 
 
 (des)necessidade para a boa decisão da causa”.
 A decisão reclamada optou pelo não conhecimento desta questão por entender que a 
 mesma não constituía ratio decidendi da decisão recorrida.
 Da leitura da fundamentação do acórdão do S.T.J. de 9-1-2008 resulta que este 
 aresto confirmou a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de indeferimento de 
 um pedido de produção de prova, apoiado no disposto do artigo 340.º, do C.P.P., 
 por entender que a mesma respeitava a alegação duma mera suposição da 
 verificação da circunstância integrante do motivo de recusa facultativa do 
 mandado de detenção previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 12.º, da Lei n.º 
 
 65/03.
 O acórdão recorrido perfilhou o entendimento que a alegação dessa “vaga 
 suposição” não era suficiente para que se desenvolvesse uma actividade 
 probatória, exigindo-se que o arguido especificasse, em termos minimamente 
 concretizados e conclusivos, a pendência contra si de processo de natureza 
 criminal.
 Ora, este entendimento não coincide e não pode sequer conviver com uma posição 
 que admita que um requerimento para produção de prova possa ser indeferido 
 independentemente de um juízo sobre a sua necessidade para a boa decisão da 
 causa.
 Na verdade, o argumento utilizado pelo acórdão recorrido para confirmar a 
 decisão de não admissão do requerimento foi precisamente um juízo de 
 desnecessidade do mesmo, em virtude dos meios de prova indicados recaírem não 
 sobre a alegação de um facto, mas sim sobre uma “vaga suposição”.
 Não integrando, pois, a ratio decidendi do acórdão recorrido, a interpretação 
 normativa cuja constitucionalidade o recorrente pretendia ver sindicada, deve 
 ser indeferida a reclamação apresentada.
 
  
 
                                                       *
 Decisão
 Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A., da decisão sumária 
 proferida nestes autos em 12-2-2008.
 
  
 
                                                       *
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, do D.L. n.º 303/98, de 7 de 
 Outubro (artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma).
 
  
 
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 Lisboa, 4 de Março de 2008
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos