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Processo n.º 87/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A.  reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto no n.º 4 do art.º 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão, do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que não 
 lhe admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional do anterior 
 despacho do mesmo Tribunal que lhe indeferira a reclamação deduzida contra a 
 conta de custas elaborada no processo de impugnação judicial do IRS dos anos de 
 
 1999 e 2000, instaurado por si e pela sua mulher, no sentido de abranger apenas 
 metade da dívida apurada por o reclamante beneficiar de apoio judiciário, na 
 modalidade de isenção total de custas e de taxa de justiça.
 
  
 
             2 – Em fundamento alega o seguinte:
 
  
 
 «1- A decisão de indeferimento do recurso assenta na consideração de o 
 recorrente não ter suscitado a questão da inconstitucionalidade “durante o 
 processo» (cfr. 1º parágrafo da pág. 2 do despacho em causa), visto que as 
 invocadas inconstitucionalidades não foram referidas “nos vários articulados 
 apresentados” (Ibidem página 1, penúltimo parágrafo). Contudo, 
 
 2- Afigura-se-nos não assistir razão ao Tribunal “a quo”. De facto, 
 
 3- A interpretação dada às normas em causa — art. 13º/4 do Código das Custas 
 Judiciais; e art. 512º/1 e 2 do Código Civil — era de todo imprevisível, não 
 podendo razoavelmente o reclamante contar com a sua aplicação, pois que o 
 próprio Tribunal Constitucional adopta a posição que ao reclamante se afigura 
 mais adequada à letra e ao espírito da lei[1]. Por isso, 
 
 4- Não era exigível ao reclamante prever que essa interpretação viria a ser 
 possível e viesse a ser adoptada na decisão. E assim sendo, 
 
 5- O uso inesperado de tal interpretação pelo Tribunal “a quo” levou a que o 
 reclamante não tivesse podido, em momento anterior ao da decisão, representar a 
 possibilidade de aplicação das normas com aquela interpretação. E por isso, 
 
 6- Não se mostrava adequado exigir-lhe, no caso em apreciação, um qualquer juízo 
 de prognose relativo a essa aplicação, em termos de se antecipar ao proferimento 
 da decisão, suscitando logo as questões de inconstitucionalidade. Na verdade, 
 
 7- Só perante a decisão proferida se viu o reclamante na possibilidade de arguir 
 as inconstitucionalidades em causa, tendo-o feito logo no primeiro momento que 
 se lhe impunha fazê-lo, isto é, no requerimento de interposição de recurso. 
 
  
 Pelo exposto, 
 
  
 Requer-se a V. Exas. seja atendida a presente reclamação e, em consequência, 
 seja admitido o recurso». 
 
  
 
             3 – O despacho reclamado tem o seguinte teor:
 
  
 
 «Através do requerimento de fls. 137 a 139 veio o impugnante, nos termos do art. 
 
 70º, nº 1, al. b), da Lei nº 28/82, de 15/11 e do art. 280º, nº 1, al. b) da 
 Constituição, interpor recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 para o Tribunal Constitucional, do nº 4 do art. 13º do Código das Custas 
 Judiciais e do art. 512º, nº 1 e 2, do Código Civil. 
 Nos termos do art. 75º-A, nº 2, in fine da Lei nº 28/82, de 15/11, do 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve 
 constar, para além da indicação da norma que se considera violada, a peça 
 processual em que foi suscitada a questão da inconstitucionalidade. 
 Analisado o requerimento de interposição de recurso acima identificado 
 verifica-se que o mesmo é omisso quanto à peça processual em que foi suscitada a 
 questão da inconstitucionalidade. 
 Muito embora o nº 5 do art. 75º-A da Lei nº 28/82, de 15/11, preveja a hipótese 
 de convite ao aperfeiçoamento, verifica-se que, no caso, tal convite redundaria 
 numa diligência inútil, porquanto depois de compulsados os autos se constatou 
 não ter sido invocada pelo Impugnante a questão da inconstitucionalidade do nº 4 
 do art. 13º do Código das Custas Judiciais e do art. 512º, nº 1 e 2, do Código 
 Civil, nos vários articulados apresentados. 
 O próprio artigo 280º, nº 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa 
 exige como requisitos do recurso para o tribunal Constitucional, que as decisões 
 dos tribunais tenham aplicado uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido 
 suscitada durante o processo. 
 Relativamente ao sentido da expressão “questão suscitada durante o processo”, 
 veja-se o que escreveu J.J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria 
 da Constituição, Almedina, 7ª edição, pág. 986: “Suscitar-se a questão da 
 inconstitucionalidade durante o processo não significa que a 
 inconstitucionalidade possa ser suscitada até à extinção da instância, mas sim 
 que essa invocação pode e deve ser feita no momento em que o Tribunal a quo 
 ainda possa conhecer a questão. (...) a inconstitucionalidade terá de 
 suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a 
 que a inconstitucionalidade respeita.” 
 Face ao exposto e atento o preceituado no nº 2, do art. 76º, conjugado com o 
 art. 75º-A, nº 2, in fine, ambos da Lei nº 28/82 de 15/11, indefere-se o 
 requerimento de fls. 137 a 139. 
 Notifique». 
 
  
 
             4 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu 
 dizendo:
 
  
 
 «A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que cumpria aos 
 reclamantes terem suscitado a questão de constitucionalidade que 
 intempestivamente colocaram no âmbito do requerimento de pág. 131, através do 
 qual reclamaram de conta de custas – e sendo perceptível, face à natureza da 
 controvérsia, a eventualidade de o despacho proferido poder realizar a 
 interpretação normativa que efectivamente fez».
 
  
 
             5 – O reclamante e mulher apresentaram perante o tribunal a quo 
 reclamação contra a conta de custas, nos termos seguintes:
 
  
 
 «A., e mulher, B., impugnantes já devidamente identificados nos presentes autos, 
 notificados da conta de custas no montante de 489,50 €, vêem, nos termos do art. 
 
 161º/1 e 2, e art. 446º/3, ambos do CPC, por referência ao art. 2º-e) do CPPT, 
 expor e 
 Requerer a V. Exa. 
 O seguinte: 
 A impugnante é co-parte nos presentes autos com o seu marido, A., a quem foi 
 deferido apoio judiciário na modalidade de isenção total de custas e de taxa de 
 justiça, como deles consta. Na verdade, 
 
 2- O valor das custas é de 2,5 UC, totalizando 222,50 €. Contudo, 
 
 3- A responsabilidade imediata que recai sobre a impugnante e que lhe advém das 
 regras legalmente estatuídas (cfr. art. 13º/4 do CCJ), não pode desligar-se do 
 facto de a parte ser constituída por dois sujeitos – a impugnante e o seu marido 
 
 – um dois quais (o seu marido) beneficiando da dispensa de pagamento da taxa de 
 justiça e dos demais encargos (cfr. art. 16º/1 da actual LAJ, e art. 15º/1 da 
 anterior LAJ). Ademais, 
 
 4- Nos termos legais, “tendo ficado vencidos vários autores, respondem pelas 
 custas em partes iguais” (cfr. art. 446º/3 do CPC). Por isso, 
 
 5- Afigura-se-nos que, sendo devido certo montante a título de custas judiciais 
 cuja responsabilidade recai – solidariamente – sobre dois sujeitos, tendo um 
 deles sido totalmente dispensado de pagamento, deverá ao montante em dívida ser 
 deduzida metade da importância em causa, devendo ser essa a importância a pagar 
 pela impugnante. De outro modo, parece-nos que 
 
 6- Não teria então qualquer sentido o beneficio de apoio judiciário concedido ao 
 marido da impugnante, co-parte nos presentes autos pois que, desse modo, a taxa 
 de justiça devida acabaria por ser paga em dobro (uma parte pela impugnante, e a 
 outra parte igual pelos cofres do Estado, em virtude do apoio judiciário), não 
 parecendo ser essa a letra nem o espírito da lei. Diga-se ainda, 
 
 7- Que o montante atribuído ao recurso se nos afigura-se também incorrectamente 
 atribuído, devendo ser apenas de metade (cfr. art. 18º/2, e art. 73º/1-a), ambos 
 do CCJ). Assim, 
 
  
 Requer-se a V. Exa.: 
 a)- Seja prestado o devido esclarecimento se sobre a impugnante recai, ou não, o 
 dever de pagar apenas metade das custas devidas e, se não, com que fundamento; 
 b)- A serem devidas apenas metade das custas ora notificadas, devendo também ser 
 reduzido o montante atribuído ao recurso, como se nos afigura, solicita-se a 
 correcção da respectiva conta». 
 
  
 
             6 – Esse pedido dos reclamantes mereceu o seguinte despacho, de 
 sentido concordante com um parecer do Ministério Público dado anteriormente:
 
  
 
 «Através do requerimento de fls. 131, os impugnantes deduziram reclamação da 
 conta de custas elaborada nos presentes autos, alegando em síntese que, 
 beneficiando o impugnante, A. de apoio judiciário, na modalidade de isenção 
 total de custas e de taxa de justiça, só poderia ser exigido à impugnante B., o 
 pagamento de metade das custas. 
 O DMMP pronunciou-se no sentido do indeferimento de A. beneficia de apoio 
 judiciário. 
 Nos termos do art. 61º, nº1 do CCJ, importa decidir. 
 Foram os impugnantes condenados ao pagamento das custas do processo, enquanto 
 parte vencida na impugnação, condenação essa que reveste natureza solidária. 
 A concessão do apoio judiciário a um dos devedores das custas, não altera a 
 natureza da obrigação, conforme decorre do disposto no art. 512º, nº 2 do CC, o 
 mesmo é dizer que o benefício de apoio judiciário concedido a um dos 
 responsáveis pelo pagamento das custas, não exime o outro responsável do 
 pagamento das custas (cfr. Ac. do STA de 15/01/2004, in proc. 01386/03). Assim, 
 o pagamento das custas do processo pode ser exigido ao devedor que não beneficie 
 do apoio judiciário. 
 Nestes termos, indefiro a reclamação da conta. 
 Custas do incidente pelos reclamantes, tendo em consideração o apoio judiciário 
 concedido. 
 Notifique». 
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             7.1 – Como resulta do relatado, o reclamante insurge-se contra a 
 decisão reclamada com o fundamento de estar dispensado do cumprimento do 
 pressuposto específico do recurso de constitucionalidade de prévia suscitação da 
 questão de constitucionalidade, por ser de todo imprevisível e não poder 
 razoavelmente contar com o uso da interpretação que a decisão pretendida 
 recorrer fez das normas constantes dos art.ºs 13.º, n.º 4, do Código das Custas 
 Judiciais (CCJ) e 512.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil (CC).
 
             No que tange ao ónus de atempada e adequada suscitação da questão de 
 constitucionalidade, cumpre referir que constitui jurisprudência pacífica do 
 Tribunal Constitucional a de que o recorrente apenas se encontra dispensado do 
 cumprimento do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade normativa 
 nos casos tidos como “anómalos” ou “excepcionais” (cfr., a título de exemplo, os 
 Acórdãos nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 5º vol., pp. 497 e 663 e no Diário da República II 
 Série de 28 de Maio de 1994), como aqueles em que o recorrente não desfrutou da 
 oportunidade de questionar a validade constitucional da norma aplicada, ou, 
 dispondo dela, veio a ser confrontado com uma norma ou interpretação normativa 
 de todo “insólita” e “imprevisível”, sobre a qual seria desrazoável e inadequado 
 exigir ao interessado um prévio juízo de prognose relativo à sua aplicação, em 
 termos de se antecipar ao proferimento da decisão, suscitando a questão de 
 constitucionalidade (cf., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 120/04 e 595/05, 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, e a jurisprudência neles 
 mencionada).
 
  
 
 7.2 – Mas o caso sub judicio não configura uma dessas situações.
 De facto, a dimensão normativa dos art.ºs 13.º, n.º 4, do Código das Custas 
 Judiciais e 512.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, que foi aplicada, segundo a qual 
 a obrigação de custas de um processo de impugnação judicial instaurado por ambos 
 os cônjuges constitui responsabilidade solidária de ambos os sujeitos 
 processuais e, gozando um deles do benefício do apoio judiciário na modalidade 
 de isenção total de preparos e custas, o seu cumprimento pode ser exigido apenas 
 do outro cônjuge, corresponde a um sentido possível que, independentemente da 
 sua correcção no plano do direito infraconstitucional (bom ou mau direito), pode 
 distrair-se, imediata e directamente, do texto de tais disposições legais, de 
 resto, invocadas pelos próprios recorrentes na reclamação apresentada contra a 
 conta de custas, sem haver aqui de curar-se se ela traduz ou não o melhor 
 direito, dado este aspecto escapar à competência do Tribunal Constitucional, por 
 a interpretação adoptada pelo tribunal recorrido constituir um dado para ele.
 Anote-se que o art.º 13.º, n.º 4, do CCJ diz que “havendo, nos termos do número 
 anterior, pluralidade subjectiva, os respectivos sujeitos processuais são 
 solidariamente responsáveis pelo pagamento da totalidade da taxa de justiça da 
 parte que integram” e que o art.º 512.º, n.º 1, do CC, estipula que a “obrigação 
 
 é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta 
 a todos libera”.
 Como se afirmou no Acórdão n.º 186/03, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, “não é seguramente o caso [de uma 
 decisão-surpresa aquele] em que a decisão aplica uma norma com um sentido que 
 desde logo emerge da própria letra do preceito que a contém, como também a 
 situação em que um tal sentido é acolhido por jurisprudência pacífica ou  
 maioritária”.
 
             Dito de outro modo, não pode considerar-se insólita ou inesperada 
 uma decisão que, mediante interpretação declarativa do texto legal, faça 
 aplicação de uma norma potencial e muito previsivelmente mobilizável para a 
 resolução do caso concreto, porquanto instituinte de um possível desfecho para 
 uma determinada controvérsia.
 E isto porque, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a 
 aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de 
 conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e 
 de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da 
 
 (in)validade da norma em face da lei fundamental.
 Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito 
 plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade 
 constitucional.
 Assim sendo, pode concluir-se que o recorrente não podia ter-se por dispensado 
 do ónus de suscitar a questão de constitucionalidade que agora coloca ao 
 Tribunal Constitucional.
 
             De tudo flui que a decisão é de manter.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação.
 
             Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs, 
 sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficia.
 Lisboa, 4 de Março de 2008
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos
 
 
 
 [1] Cfr. os Autos de Recurso nº 960/05, do Tribunal Constitucional, cujo acórdão 
 condenou os recorrentes — marido (com beneficio de apoio judiciário) e mulher — 
 no pagamento de taxa de justiça no montante de sete UC (7x89,00 € = 623,00 €), 
 cuja conta notificada determinava que, atendendo ao facto de o recorrente marido 
 gozar de apoio judiciário, cabia à mulher pagar “metade da quantia supra 
 indicada”, correspondente a 311,50 € (cfr. conta nº 35/2006, da 2ª Secção do 
 Tribunal Constitucional).