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Processo nº  895/2006 
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza 
 
  
 Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: 
 
  
 
  
 
 1. Por acórdão do Tribunal  Judicial de Arraiolos, de 21 de Fevereiro de 2001, 
 de fls. 188, e para o que agora releva, A. foi condenado pela prática de dois 
 crimes de homicídio por negligência, nos termos do disposto nos artigos 10º, 15º 
 e 137º, n.º 1, do Código Penal, em cúmulo jurídico, na pena única de 500 dias de 
 multa, à taxa diária de 2.000$00, correspondente portanto a um milhão de 
 escudos, bem como na pena acessória de 10 meses de proibição de conduzir 
 veículos motorizados. 
 A. recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, mas o recurso foi rejeitado 
 pelo acórdão de 16  de Outubro de 2001, de fls. 251, por não ter conclusões, e, 
 posteriormente, para o Supremo Tribunal de Justiça. Por acórdão de 7 de Março de 
 
 2002, de fls. 283, o recurso foi igualmente rejeitado, por inadmissibilidade.
 A. recorreu então para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da 
 Relação de Évora. 
 Pelo acórdão n.º 428/2003 deste Tribunal, de 24 de Setembro de 2003, de fls. 
 
 330, foi julgada inconstitucional 'por violação do artigo 32º, n.º 1, da 
 Constituição, a norma constante dos artigos 412º, n.º 1, 414º, n.º 2 e 420º, 
 n.º1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de 
 conclusões da motivação do recurso conduz à rejeição liminar do recurso do 
 arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal 
 deficiência'.
 Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de fls. 372, foi decidido 'conceder 
 provimento ao recurso e, em consequência, anular o julgamento, ordenando o 
 competente reenvio para novo julgamento, a efectuar de acordo com o disposto nos 
 artºs 426º e 426º-A, do Cód. Proc. Penal, a fim de se apurar a situação 
 económica do arguido e quais os seus encargos pessoais', ficando 'prejudicado o 
 conhecimento das restantes questões suscitadas pelo recorrente'.
 A Relação considerou que, tendo o tribunal  de 1ª Instância optado por condenar 
 o arguido no pagamento de uma multa, e dependendo o montante da multa das 
 
 'condições pessoais do agente'  e da 'sua situação económica' (artigo 71º, n.º 
 
 2, d) do Código Penal), deveria o mesmo Tribunal  ter 'cumprido o dever de 
 investigar a situação económica e financeira do arguido, bem como os seus 
 encargos pessoais, como se lhe impunha'. Não o tendo feito, 'fica este Tribunal  
 
  impedido de, com base nos factos dados como provados, decidir a causa'.
 
  
 
 2. Por despacho do Juiz do Tribunal Judicial de Arraiolos de 4 de Novembro de 
 
 2004, foi determinada a remessa dos autos ao Tribunal  Judicial da Comarca de 
 Avis, para novo julgamento, 'a efectuar de acordo com o disposto nos arts. 426º 
 e 426º-A, do Código de Processo Penal, a fim de se apurar a situação económica 
 do arguido e quais os seus encargos pessoais'.
 Conforme consta da acta da audiência de discussão e julgamento, realizada em 5 
 de Janeiro de 2006 após várias vicissitudes, e apenas para o que agora 
 interessa, o mandatário do arguido arguiu a nulidade da constituição do 
 colectivo de Juízes por o integrar um Juiz que fizera parte do colectivo que 
 julgara a causa no Tribunal de Arraiolos, o que foi indeferido. O Tribunal 
 considerou não ocorrer qualquer nulidade, desde logo por não estar previsto o 
 caso no artigo 123º do Código de Processo Civil, apenas podendo eventualmente 
 verificar-se uma irregularidade. Julgou, todavia, 'indeferida tal 
 irregularidade, ordenando (…) o prosseguimento da audiência para se apurar do 
 ordenado no douto acórdão de folhas 382 e 383 dos autos'.
 Consta ainda da acta que o arguido prestou declarações mas que, quer o seu 
 mandatário, quer o Ministério Público, prescindiram do depoimento das 
 testemunhas arroladas.
 Por acórdão de 11 de Janeiro de 2006, de fls. 583, o Tribunal  Judicial de Avis 
 manteve a condenação pela prática de 2 crimes de homicídio por negligência, nos 
 termos dos mesmos artigos 10º, 15º e 137º do Código Penal, manteve a condenação 
 na pena acessória e reduziu a pena de multa para dois mil e quinhentos euros, 
 pelos seguintes motivos:
 
 'No presente caso, não obstante as (…) necessidades de forte prevenção geral que 
 este tipo de casos reclama, cremos, ainda assim, dever privilegiar-se a faceta 
 menos intensa da prevenção especial (o arguido não deixa de ser o que se costuma 
 apelidar de uma pessoa de bem, já com uma avançada idade, à beira de completar 
 os 75 anos, não obstante a falha em causa nestes autos, a qual teve trágicas 
 consequências). Daí que este Tribunal  Colectivo, ponderando em todos os 
 aspectos acima explanados, entenda como adequadas ao caso as penas de 300 dias 
 de multa, à taxa diária de 5 (cinco) euros, para cada um dos crimes de homicídio 
 por negligência e, em cúmulo jurídico, a pena de 500 dias de multa, à mesma Taxa 
 diária, que perfaz a quantia global de 2500,00 euros'.
 
  
 
 3. A., a fls. 602, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, quer do 
 indeferimento de outra nulidade que arguira, quer do acórdão condenatório, quer 
 
 'do douto acórdão [despacho] que desatendeu a arguição de nulidade consistente 
 no facto de, tratando-se de julgamento no âmbito do 426º-A do C.P.P., o tribunal 
 
  de reenvio ser presidido por juiz que integrara o anterior colectivo'.
 Quanto a este último ponto, sustentou na motivação (e repetiu nas alegações) do 
 recurso o seguinte:
 
 '1. Decretado o reenvio do processo para novo julgamento, decorre do art. 426°-A 
 do C.P.P. – com o estabelecer que compete ele ao tribunal de categoria e 
 composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida que se 
 encontrar mais próximo – que do tribunal de segundo julgamento não podem fazer 
 parte quaisquer dos juízes que tenham integrado o primeiro. 
 
 2. É essa a interpretação do preceito consentânea com as disposições da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente do seu art. 6°, 1, 
 princípios esses que subjazem ao ordenamento judiciário português e à 
 consagração constitucional da regra de que o processo penal assegura todas as 
 garantias de defesa (art. 32°, 1, da C.R.P.), sob pena de violação desses 
 ontológicos princípios. 
 
 3. O Juiz Presidente do Tribunal recorrido, e porque integrara o colectivo do 
 julgamento anulado, estava impedido de intervir, pelo que, tendo, não obstante, 
 intervindo no julgamento e no acórdão recorrido, violadas foram as apontadas 
 regras e preceitos, com a consequência inevitável da declaração de nulidade do 
 julgamento e anulação do acórdão recorrido (por força também do estatuído nos 
 art.s 118° e ss do C.P.P.).'
 Enviado o processo para o Tribunal da Relação de Évora, foi o mesmo remetido ao 
 Supremo Tribunal de Justiça, na sequência do despacho de fls. 675. 
 
  
 
 4. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2006, de fls. 
 
 705, foi decidido o seguinte: 
 
  
 
 'III. Recurso do despacho de fls. 581 
 No início da audiência, a fls. 580, o arguido levantou as questões da nulidade 
 da realização da mesma sem a presença do seu defensor escolhido e da nulidade da 
 composição do tribunal colectivo, tendo o Presidente do tribunal colectivo 
 indeferido o requerimento, ordenando o prosseguimento da audiência. 
 
 (…)
 Questão da nulidade do julgamento por violação das regras de constituição do 
 tribunal colectivo 
 O presente processo foi julgado num primeiro momento pelo tribunal colectivo da 
 comarca de Arraiolos. 
 Em recurso interposto pelo arguido, o Tribunal da Relação de Évora ordenou o 
 reenvio do processo para novo julgamento, nos termos dos artigos 426° e 426°-A, 
 do Código de Processo Penal. 
 O julgamento foi repetido pelo tribunal colectivo da comarca de Avis, 
 constituído pelo juiz presidente, que interviera no anterior julgamento como 
 juiz da comarca de Arraiolos, e por outros juízes adjuntos. 
 No início do mesmo, o arguido suscitou a questão na nulidade da constituição do 
 tribunal, com fundamento na circunstância de o presidente do tribunal ter 
 intervindo no primeiro julgamento. 
 O presidente do tribunal indeferiu o que considerou ser uma irregularidade e 
 ordenou o prosseguimento dos autos, invocando jurisprudência deste Supremo 
 Tribunal no sentido de que apenas não poderá integrar o tribunal colectivo o 
 juiz que tenha proferido a decisão recorrida. 
 Está em causa a aplicação do artigo 426.°-A do Código de Processo Penal. 
 O n.° 1 dispõe que quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento 
 compete ao tribunal, da categoria e composição idênticas às do tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, que se encontrar mais próximo. 
 O n.° 2 preceitua que quando na mesma comarca existirem mais de dois tribunais 
 da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar 
 da distribuição. 
 O recorrente sustenta na motivação do recurso que o juiz presidente estava 
 impedido de intervir, pelo que o julgamento deve ser anulado, nos termos dos 
 artigos 118° e seguintes do Código de Processo Penal. 
 O Ministério Público, tanto na 1ª instância como neste Supremo Tribunal tomou 
 posição concordante com a pretensão do recorrente. 
 Trata-se de saber se, no caso de reenvio do processo para novo julgamento a 
 efectuar por outro tribunal colectivo, na constituição deste pode entrar um dos 
 juízes que intervieram no primeiro julgamento. 
 Sobre esta questão não tem sido uniforme a jurisprudência deste Supremo 
 Tribunal. 
 Mencionaremos em seguida alguns dos arestos proferidos, com indicação resumida 
 das posições assumidas. 
 
 (…) Como revela a diversidade de posições assumidas na jurisprudência deste 
 Supremo Tribunal, a questão não é de fácil solução. 
 Há que tomar posição. 
 Temos para nós que, tendo sido o tribunal colectivo de outra comarca que 
 efectuou o segundo julgamento, foi observado o disposto no artigo 426°-A, n.° 1, 
 do Código de Processo Penal. 
 E obedecendo a sua constituição às normas de organização judiciária aplicáveis, 
 designadamente os artigos 105º da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro, e 7.° do 
 Decreto-Lei n.° 186-A/99, de 31 de Maio, não se verifica a nulidade insanável 
 prevista no artigo 119.°, alínea a), do mesmo Código: violação das regras legais 
 relativas ao modo de determinar a composição do tribunal. 
 Embora possa impressionar que um dos juízes intervenha nos dois julgamentos, o 
 certo é que não existe norma legal que estabeleça o impedimento da sua 
 participação no segundo julgamento. 
 Alguns dos arestos citados que adoptaram solução contrária à que ora se perfilha 
 apoiam-se no artigo 40° do Código de Processo Penal, que prevê os casos de 
 impedimento por participação em processo. 
 Estabelece esse artigo que nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de 
 revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado 
 ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido ou em 
 que, no inquérito ou na instrução, tiver aplicado e posteriormente mantido a 
 prisão preventiva do arguido. 
 A anterior intervenção do juiz no caso em apreço não integra qualquer das 
 hipóteses aí previstas, pelo que não se pode lançar mão desse preceito para 
 sustentar o impedimento do juiz no segundo julgamento. 
 E sempre seria de ter presente que a declaração de impedimento não é feita 
 oficiosamente: terá de ser declarada pelo próprio, ou requerida pelos 
 interessados, nos termos do artigo 41° do Código de Processo Penal. 
 O afastamento do juiz só pode ser obtido através dos incidentes de recusa e 
 escusa, regulados nos artigos 43° e seguintes do Código de Processo Penal. No 
 n.° 2 do artigo 43° prevê-se até expressamente como fundamento de recusa ou 
 escusa a intervenção do juiz em fase anterior do processo fora dos casos do 
 artigo 40°. 
 Afastado o juiz nesses termos, o seu lugar será preenchido por outro juiz 
 segundo as regras de substituição previstas nas leis de organização judiciária. 
 Deste modo improcede a arguida nulidade do acórdão do tribunal colectivo.'
 
  
 
          5. A. recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 
 do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  'na medida em que desatendeu o 
 recurso do despacho de fls 581 – na parte respeitante à arguição de nulidade do 
 julgamento por violação das regras de constituição do tribunal colectivo', 
 pretendendo 'a apreciação da inconstitucionalidade do art. 426°-A do Código de 
 Processo Penal quando e se interpretado no sentido de que é permitida a 
 intervenção, no tribunal do reenvio do processo, de um dos Juízes que já 
 interviera no anterior e anulado julgamento'. 
 
          Em seu entender, 'o acórdão recorrido violou o princípio constitucional 
 de que o processo penal deve garantir ao arguido todos os idóneos meios de 
 defesa, e que vem consagrado no art. 32° n.° 1, da C.R.P., na vertente 
 designadamente do direito ao julgamento por um tribunal independente, isento e 
 imparcial, princípio que tem também acolhimento no art. 6° da Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem.'
 
          Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações, que o 
 recorrente concluiu da seguinte forma: 
 
 'a) Decretado que seja o reenvio do processo para novo julgamento, do art. 426° 
 A do C.P.P. — como o estabelecer que compete ele ao Tribunal de categoria e 
 composição idênticas às do Tribunal que proferiu a decisão recorrida que se 
 encontrar mais próximo — se interpretado de acordo com as disposições da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente do seu art. 6°, 1, cujos 
 princípios subjazem e foram incorporados no ordenamento judiciário português, e 
 se interpretado de acordo com o princípio constitucional de que o processo penal 
 tem que assegurar todas as garantias de defesa vertido no art. 32°, 1, da 
 C.R.P., desse art. 426°-A do C.P.P., dizia-se, decorre o corolário irrecusável 
 de que o Tribunal de segundo julgamento não pode fazer parte qualquer dos Juízes 
 que tenha integrado o primeiro, sob pena de violação desses ontológicos 
 princípios. 
 b) Interpretação mais ou menos capciosa ou complacente do preceito implicaria a 
 violação dos princípios constitucionais aludidos. 
 c) Declarada a inconstitucionalidade de tal interpretação, impor-se-á, em 
 consequência, que, no lugar e momento próprio, seja anulado o julgamento 
 viciado, com o que se fará JUSTIÇA.' 
 Quanto ao Ministério Público, formulou estas conclusões:
 
 '1. É inconstitucional a norma do artigo 426°-A do Código Processo Penal, na 
 interpretação de que em novo julgamento pelo Tribunal Colectivo pode fazer parte 
 um dos juízes, que integrara o anterior, cuja decisão foi anulada, por violação 
 do disposto nos artigos 20°, n° 4 e 32°, n° 1 da Lei Fundamental. 
 
 2. Termos em que deverá proceder o presente recurso.'
 
 6. O n.º 1 artigo 426°-A do Código de Processo Penal (competência para novo 
 julgamento) – só releva o n.º 1, no âmbito deste recurso – tem a seguinte 
 redacção: 
 
 “1. Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao 
 tribunal, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, que se encontrar mais próximo.'
 
          Constitui, assim, o objecto deste recurso, segundo a definição feita 
 pelo recorrente no requerimento de interposição, a norma do n.º 1 do artigo 426º 
 do Código de Processo Penal enquanto interpretada 'no sentido de que é permitida 
 a intervenção, no tribunal  do reenvio do processo, de um dos Juízes que já 
 interviera no anterior e anulado julgamento'.
 
          A verdade, todavia, é que esta norma apenas foi aplicada a um caso de 
 anulação meramente parcial do julgamento, e em que o reenvio para novo 
 julgamento se destinou, somente, a que o tribunal  de 1ª Instância 'apura[sse] a 
 situação económica do arguido e quais os seus encargos pessoais', a fim de ser 
 possível fixar o montante da pena de multa, não se questionando, sequer, a opção 
 por esse tipo de pena.
 
          O objecto do recurso tem, assim, de ser restringido em conformidade, já 
 que o Tribunal Constitucional apenas pode apreciar a alegada 
 inconstitucionalidade de normas efectivamente aplicadas na decisão recorrida, 
 não obstante ter sido suscitada oportunamente a respectiva inconstitucionalidade 
 
 (nos casos dos recursos ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º 
 da Lei nº 28/82, como agora sucede).
 
          Assim, o Tribunal Constitucional vai apreciar a norma do n.º 1 do 
 artigo 426º do Código de Processo Penal enquanto interpretada 'no sentido de que 
 
 é permitida a intervenção, no tribunal  do reenvio do processo, de um dos Juízes 
 que já interviera no anterior e anulado julgamento' quando a anulação apenas 
 teve por objectivo que se apurasse a situação económica e os encargos pessoais 
 do arguido, de forma a ser possível tomar tais elementos em consideração para 
 efeitos da fixação do montante da multa a aplicar.
 
  
 
          7. Como este Tribunal  já teve ocasião de escrever no seu acórdão n.º 
 
 324/2006 (Diário da República, II série, de 30 de Agosto de 2006), foi a Lei n.º 
 
 59/98, de 25 de Agosto que, tendo em conta as alterações então introduzidas no 
 sistema de recursos, acrescentou ao Código de Processo Penal o artigo 426º-A, 
 relativo à determinação do tribunal  competente para o novo julgamento em caso 
 de reenvio do processo para o efeito. Veio, por aquele motivo, substituir o 
 
 'disposto anteriormente nos artigos 436º (reenvio determinado pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça ) e 431º (reenvio determinado pelas Relações)'. 
 
          Também ali se escreveu que esta alteração não foi acompanhada de uma 
 qualquer regra que considerasse motivo de 'impedimento (…) que eventualmente 
 venha a intervir no novo julgamento um juiz que participou no primeiro. Os 
 impedimentos, em Processo Penal, constam dos artigos 39º e 40º do mesmo Código, 
 não figurando entre eles esta hipótese (diferentemente do que sucede com a 
 intervenção em recurso, prevista no artigo 40º)'.
 
          Acrescenta-se agora que, além do mais, as regras da organização 
 judiciária, como se sabe, também não foram modificadas por forma a evitar 
 coincidência de juízes nos dois julgamentos; trata-se, aliás, de um problema por 
 diversas vezes colocado nos tribunais, como se pode verificar pela 
 jurisprudência indicada no próprio acórdão recorrido.
 
          Torna-se, assim, difícil ao sistema respeitar o objectivo com que a 
 regra da repetição do julgamento anulado pelo tribunal  que o proferiu, que 
 vigorava até 1987, foi substituída, e que foi o de que 'sendo a repetição do 
 julgamento um mal necessário, pareceu que o reexame da causa poderia ser feito 
 em melhores condições por tribunal  diferente' (Cunha Rodrigues, Recursos, in  
 Jornadas de Direito Processual Penal, o novo Código de Processo Penal, Coimbra, 
 
 1988, pág. 379 e segs., pág. 397). Aparentemente, fica sujeita ao regime 
 definido pelo n.º 2 do artigo 43º a possibilidade de o próprio juiz pedir escusa 
 ou de ser recusado, caso se ponha a hipótese de intervenção nos dois 
 julgamentos.
 
  
 
          8. O problema colocado ao Tribunal Constitucional não é, todavia, o de 
 saber qual é a solução decorrente das normas de direito ordinário; consiste, 
 apenas, em determinar se, tal como foi interpretada e aplicada ao caso, a norma 
 retirada do n.º 1 do artigo 426º-A do Código de Processo Penal viola ou não as 
 garantias de defesa do arguido, consagradas no n.º 1 do artigo 32º, como 
 sustenta o recorrente, ou, ainda, as 'garantias de um processo equitativo, 
 consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa', como 
 também afirma o Ministério Público.
 
          Em qualquer caso, e independentemente da norma constitucional em 
 concreto violada, o problema colocado por ambas as partes traduz-se em saber se 
 a norma põe ou não em causa a independência e a imparcialidade do julgador de 
 forma constitucionalmente insuportável.
 
  
 
 9. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes se debruçou sobre a questão 
 da independência e da imparcialidade do julgador, nomeadamente no âmbito do 
 Processo Penal.
 Recorrendo, por exemplo, ao seu acórdão n.º 124/90 (Diário da República, II 
 série, de 8 de Fevereiro de 1991), verificamos que sempre o Tribunal 
 Constitucional observou que 'num Estado de Direito, a solução jurídica dos 
 conflitos há-de, com efeito, fazer-se sempre com observância de regras de 
 independência e de imparcialidade, pois tal é uma exigência do próprio direito 
 de acesso aos tribunais, que a Constituição consagra no artigo 20.º, n.º 1 
 
 (cfr., neste sentido, o Acórdão n.º 86/88 deste Tribunal, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 22 de Agosto de 1988).  A garantia de um julgamento 
 independente e imparcial é, de resto, também uma dimensão — e dimensão 
 importante — do princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32.º, 
 n.º 1, da Constituição, para o processo criminal, pois este tem que ser sempre a 
 due process of law.
 Para que haja um julgamento independente e imparcial, necessário é que o juiz 
 que a ele proceda possa julgar com independência e imparcialidade.
 
 (…) não pode, porém, esquecer-se a necessidade de existir um quadro legal que 
 
 «promova» e facilite aquela «independência vocacional».
 Assim, necessário é, inter alia, que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado 
 de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a 
 confiança geral na objectividade da jurisdição.
 
 É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa 
 imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições 
 de «administrar justiça».  Nesse caso, não deve poder intervir no processo, 
 antes deve ser pela lei impedido de funcionar — deve, numa palavra, poder ser 
 declarado iudex inhabilis.
 Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência e imparcialidade.  
 E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um 
 julgamento objectivo e imparcial.  É que, a confiança da comunidade nas decisões 
 dos seus magistrados é essencial para que os tribunais, ao «administrar a 
 justiça», actuem, de facto, «em nome do povo» (cfr. artigo 205.º, n.º 1, da 
 Constituição).'
 
 É com este objectivo de garantir a imparcialidade do julgador que a lei prevê, 
 no caso do Processo Penal, o regime dos 'impedimentos, recusas e escusas' 
 
 (artigos 39º e segs. do respectivo Código); e foi justamente a propósito das 
 normas respectivas, sobretudo, que se desenvolveu a jurisprudência 
 constitucional relevante (cfr., por exemplo, para a história da jurisprudência 
 relativa ao artigo 40º do Código de Processo Penal, que prevê o 'impedimento por 
 participação em processo', o acórdão n.º 297/2003, Diário da República, II 
 série, de 3 de Outubro de 2003).
 No presente recurso, a alegação de inconstitucionalidade por violação do direito 
 a um julgamento por um tribunal  independente e imparcial não é dirigida às 
 normas sobre impedimentos, recusas ou escusas; como se viu, antes é colocada 
 relativamente ao preceito que fixa o modo de determinar qual é o tribunal que, 
 em caso de reenvio do processo para novo julgamento na sequência de anulação do 
 primeiro pelo tribunal  de recurso, deve efectuar a repetição. 
 Isto não significa, naturalmente, que não tenham plena aplicação as 
 considerações atrás transcritas, uma vez que é justamente a quebra da 
 independência e da imparcialidade que o recorrente aponta como justificativa da 
 inconstitucionalidade que suscitou.
 
  
 
  10. Mais concretamente, o recorrente suscita a questão a propósito da 
 constituição do tribunal  colectivo que procedeu ao segundo julgamento, 
 constituição essa que, em seu entender, resultou da aplicação de uma 
 interpretação inconstitucional do disposto no artigo 426º-A do Código de 
 Processo Penal.
 O Tribunal Constitucional já analisou a questão da constitucionalidade de normas 
 relativas a participação de juízes que, tendo intervindo em julgamentos anulados 
 em recurso, voltaram a participar no segundo julgamento, por exemplo, nos seus 
 acórdãos n.ºs 399/2003 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) e 393/2004 
 
 (Diário da República, II série, de 8 de Julho de 2004). 
 Assim, no acórdão n.º 399/2003 negou provimento a um recurso cujo objecto era 
 constituído pelas «normas dos artigos 40º e 43º, n.ºs 1 e 2, do Código de 
 Processo Penal, 'no segmento que permite que os arguidos possam ser julgados por 
 juízes que antes já haviam participado num primeiro julgamento, do qual houve 
 sentença, anulado com a finalidade de se proceder á documentação das declarações 
 prestadas em audiência'».
 No acórdão n.º 393/2004 decidiu 'não julgar inconstitucionais as normas dos n.ºs 
 
 1 e 2 do artigo 43º do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de não 
 constituir, por si só, motivo de recusa da intervenção de juízes em novo 
 julgamento a sua participação em anterior julgamento, que veio a ser considerado 
 consequentemente inválido por força da revogação, em recurso, de despacho que 
 determinara o desentranhamento da contestação e do requerimento de produção de 
 prova apresentados pelo arguido'.
 Tratava-se, nos dois casos, de anulações não decorrentes da verificação de 
 qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo 
 Penal, tendo a repetição sido efectuada no mesmo tribunal  que julgara pela 
 primeira vez e não nos termos do disposto no artigo 426º do Código de Processo 
 Penal. 
 Ambos os acórdãos, aliás, dão relevo a essa diferença. Assim, no acórdão n.º 
 
 399/2003 chama-se a atenção para as duas hipóteses, nestes termos: 
 
 'Convém salientar, como refere o Ministério Público nas suas alegações, que, no 
 caso concreto, não está em causa a aplicação dos artigos 426º e 426º-A do Código 
 de Processo Penal – que só são convocadas quando o tribunal ad quem julgue 
 verificados vícios intrínsecos quanto ao conteúdo da decisão tomada sobre a 
 matéria de facto pelo tribunal recorrido, tipificados no nº2 do artigo 410º do 
 Código de Processo Penal –, mas tão só a mera anulação do processado a partir de 
 determinado acto – no caso, o despacho que indeferir a gravação da prova –, em 
 consequência de ter ocorrido uma nulidade processual, susceptível de 
 reflexamente se repercutir nos ulteriores termos da causa, incluindo o próprio 
 julgamento.
 Os vícios tipificados no artigo 410º, nº2, do Código de Processo Penal, 
 reportam-se a vícios intrínsecos quanto ao conteúdo da decisão tomada sobre a 
 matéria de facto – insuficiência ou contradição dos factos e razões que suportam 
 a própria decisão –, ou de erros ostensivos ou patentes na valoração da prova, 
 que pela sua natureza e gravidade constituem verdadeira nulidade de sentença, 
 justificando o reenvio para julgamento noutro tribunal.
 Já assim não é quando a anulação do julgamento decorre, não por vícios 
 intrínsecos e lógicos do conteúdo da própria decisão, mas quando a mesma é 
 ditada reflexamente por via da anulação dos actos posteriores em consequência do 
 cometimento de uma nulidade decorrente da tramitação da causa.
 Tanto basta, por serem diferentes as situações contempladas no artigo 426º do 
 Código de Processo Penal, para os casos de reenvio, e a dos presentes autos, 
 para que não se mostre violado o princípio da igualdade, consagrado no artigo 
 
 13º, nº1, da Constituição, existindo um fundamento material bastantes que 
 justifica a diferença de tratamento.'
 Também no acórdão n.º 393/2004 se escreveu que 'no presente caso, não tendo a 
 necessidade de repetição do julgamento resultado da verificação de qualquer dos 
 vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, mas antes surgindo como 
 indirecta e exclusiva consequência do provimento de recurso de despacho 
 proferido no decurso da audiência (…), que havia ordenado o desentranhamento da 
 contestação e do requerimento de produção de prova apresentados pelo arguido, 
 implicitamente entendeu–se – entendimento que, respeitando a interpretação do 
 direito ordinário, não compete ao Tribunal Constitucional censurar – não ser 
 aplicável a regra de o novo julgamento caber a tribunal diferente. E, por 
 outro lado, agora de forma expressa, entendeu‑se não ocorrer, no caso, “risco 
 de ser considerada suspeita” a intervenção no novo julgamento de juízes que 
 haviam participado no anterior, por não “existir motivo, sério e grave, adequado 
 a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”, justificador da sua recusa.
 E entendeu-se que 'os fundamentos desenvolvidos para alicerçar o juízo de não 
 inconstitucionalidade, contido no Acórdão n.º 399/2003, são transponíveis para 
 o presente caso (…). Nestes dois casos, diferentemente do que sucede quando a 
 causa do reenvio é a procedência dos vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º 
 do CPP, não foi posto em causa – nem chegou a ser apreciado – o conteúdo da 
 decisão condenatória, quer em sede de matéria de facto, quer em sede de matéria 
 de direito, nem sequer a coerência lógica da sentença, mas aspectos exteriores 
 
 à mesma (embora com possibilidade de nela se repercutirem), como a documentação 
 da prova ou a atendibilidade da contestação e a produção de prova requerida pelo 
 arguido, o que terá estado na base do entendimento do legislador de que, nestas 
 hipóteses, nada obsta a que a repetição do julgamento seja feita pelo mesmo 
 tribunal. E, na mesma linha, há que concluir não ser de considerar como 
 desrespeitadora do princípio da imparcialidade do julgador a possibilidade de 
 intervenção dos mesmos juízes (ou de parte deles) que participaram no primeiro 
 julgamento.'
 
  
 
 11. Ora, no presente recurso está precisamente em apreciação uma norma aplicável 
 
 à hipótese de reenvio para novo julgamento, decorrente da ocorrência de um dos 
 vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
 A verdade, todavia, é que, num caso de  uma anulação meramente parcial, 
 determinada com o objectivo de ampliar a base factual para permitir a 
 quantificação da pena de multa – não visando, nem eliminar contradições, nem 
 corrigir erros de apreciação da prova –, dificilmente se encontrará motivo para 
 crer que a participação de um juiz que interveio no julgamento anulado implique 
 receio de quebra objectiva da independência ou da imparcialidade do colectivo do 
 segundo julgamento.
 Não se quer com isto afirmar que, para as outras hipóteses de reenvio, ocorra ou 
 não um tal receio; apenas se pretende concluir que não infringe, nem o n.º 1 do 
 artigo 32º, nem o n.º 4 do artigo 20º da Constituição, uma norma que permita 
 que, em caso de reenvio para novo julgamento em consequência de uma anulação 
 parcial do julgamento, com o estrito objectivo de determinar a situação 
 económica do arguido, por tal averiguação ter sido omitida, integre o colectivo 
 que realizar o segundo julgamento um dos juízes que participou no primeiro.
 
  
 
 12. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs. 
 Lisboa, 7 de Março de 2007
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício