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Processo n.º 363/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
             1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do 
 artigo 78.º-A da LTC:
 
 “1. A., melhor identificado nos autos, notificado da decisão do Presidente do 
 Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Outubro de 2007, que indeferiu a 
 reclamação e, consequentemente, manteve o despacho do relator no Tribunal da 
 Relação de Coimbra, que não admitiu o recurso para o Supremo do acórdão daquela 
 Relação de 2 de Maio de 2007, veio interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos:
 
  
 
 “A., arguido/recorrente nos autos, esgotados que estão os recursos ordinários 
 vem, respeitosamente, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70° da Lei do 
 Tribunal Constitucional interpor recurso para o Tribunal Constitucional do douto 
 Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, com os seguintes 
 fundamentos:
 
 1º
 O recurso é admissível porque a decisão recorrida não é passível de recurso 
 ordinário e a questão da inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, 
 na motivação do recurso interposto das doutas decisões de 1ª instância e do 
 Tribunal da Relação de Coimbra. 
 
 2º
 Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 118º nº 2 e 123º 
 do Código de Processo Penal na redacção anterior à Lei 59/07 de 04.09 da 
 interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Coimbra de que uma ilegalidade e 
 inconstitucionalidade cometida em despacho e não em sentença ou acórdão 
 constitui mera irregularidade a arguir em três dias após a notificação, por 
 violação dos artigos 204º e 205º da Constituição da República Portuguesa. 
 
 3º
 Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 213º, nº 1 alínea a) 
 do Código Penal na interpretação que lhe foi dada pela decisão recorrida de que 
 o valor do dano se afere pela qualidade da coisa e não pelo prejuízo 
 efectivamente causado, por violação do disposto no artigo 204º da Constituição 
 da República Portuguesa e dos princípios da certeza, da confiança jurídica e da 
 proibição de excesso previstos no artigo 29º, nº 1, 32º, nº 2 e 205º da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 Requer-se a Vossa Excelência que se digne admitir o presente recurso e fazê-lo 
 subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo.”
 
  
 
 2. Com interesse para a decisão importa reter as seguintes ocorrências 
 processuais:
 
 2.1. Por decisão de 12 de Dezembro de 2002 (cf. fls. 156 a 162), foi o arguido 
 pronunciado, além do mais, pela prática de um crime de dano qualificado, 
 previsto e punido pelo artigo 213.º, n.º 1, alínea a), e 202.º, alínea a), do 
 Código Penal.
 Quanto à previsão deste tipo legal de crime consignou-se na pronúncia o 
 seguinte: 
 
  
 
 “(…)
 O crime de dano (indiciado, face aos depoimentos e declarações já referidos: às 
 declarações do próprio arguido – fls. 31; ao teor dos documentos de fls. 8, 10, 
 
 11, 12, 13, complementados pelos depoimentos de fls. 133 a 136 e documento 57 a 
 
 63), previsto e punido pelo Artº 212.º do Cód. Penal, é qualificado, por força 
 do disposto no Artº 213º, nº 1, al. a), quando a coisa alheia total ou 
 parcialmente destruída, danificada, desfigurada ou tornada não utilizável tiver 
 valor elevado.
 Refere-se portanto o Artº 213º do Cód. Penal ao valor da coisa alheia na qual 
 foi provocado o dano e não ao valor do próprio dano.
 Não obstante, face aos indícios recolhidos, já mencionados, o custo da reparação 
 do veículo do assistente (que terá sido de 693.000$00) não atingir «valor 
 elevado» nos termos do Artº 202º, al. a), do Cód. Penal, o depoimento de fls. 
 
 134 a 136 indicia que o referido automóvel valia, à data dos factos indiciados, 
 não menos de 1.500.000$00 (valor elevado, portanto, nos termos da citada 
 disposição legal), sendo este (o valor da coisa danificada, não o do dano) o 
 valor a considerar para o efeito de qualificação nos termos do Artº 213º, n.º 1, 
 al. a), do Cód. Penal.
 
 (…).”
 
  
 
 2.2. O arguido recorreu do despacho de pronúncia para o Tribunal da Relação de 
 Coimbra, invocando, no que ao crime de dano respeita, que “[O] arguido não podia 
 ser pronunciado por um crime de dano agravado pelo valor, uma vez que o valor do 
 dano se afere pelos custos da reparação do veículo, e não pelo valor do próprio 
 veículo (neste sentido Comentário Conimbricense, artigo 213.º, pág. 245)” (cf. 
 conclusão 1ª da respectiva motivação).
 
 2.3. Por acórdão de 10 de Dezembro de 2003, o Tribunal da Relação de Coimbra 
 manteve o despacho recorrido, com excepção da parte em que qualificava o crime 
 de ofensas corporais voluntárias com referência ao artigo 132.º, alínea g) do 
 Código Penal.
 Quanto à qualificação do crime de dano consignou-se neste aresto o seguinte:
 
  
 
 “B – Matéria de direito 
 I – Valor a ter em conta para efeitos de agravação do crime de dano: 
 
 É do seguinte teor a norma que tipifica o crime imputado ao arguido – artº 212º 
 nº 1 e 213º nº 1 al. a): 
 Artº 212º - Dano 
 
 1. Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não 
 utilizável coisa alheia é punido com pena de (....) 
 
 2.(....) 
 
 3. (...) 
 
 4. (...) 
 Artº 213 – Dano qualificado. 
 a)- Quem destruir, no todo o em parte, danificar, desfigurar ou tornar não 
 utilizável: 
 a). coisa alheia de valor elevado. 
 b). 
 c). 
 d). 
 e). (…) é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de muita até 600 
 dias. 
 Por seu turno, face ao disposto no artº 202º a), valor elevado é aquele que 
 excede 50 unidades e conta avaliadas no momento da prática do facto, ou seja, 
 atendendo a que os factos ocorreram em Janeiro de 1999, data em que a UC 
 ascendia a 14.000$0 (69,83), ascendia a es.700.000$00 ou € 3.49159. 
 O despacho de pronúncia considerou suficientemente indiciado que o assistente 
 pagou esc. 693.000$00 de reparação e que o veículo na altura valia esc. 
 
 1.500.000$00, partindo deste último valor, que excede o referido na al. a) do 
 artº 202º para qualificar o furto, enquanto que o recorrente pugna pela 
 consideração do valor da reparação que representa o valor dos danos e é inferior 
 ao referido na falada al. a) do artº 202º. 
 Quid juris? 
 Não se desconhece a doutrina plasmada por Manuel da Costa Andrade na obra citada 
 pelo recorrente, Comentário Conimbricense ao Código Penal, dirigido pelo Prof. 
 Figueiredo Dias, seguida, aliás, por alguma jurisprudência. Porém entendemos, 
 tal como defende o assistente, que não é esta a interpretação que melhor se 
 coaduna com a lei, sendo certo que temos sempre de ter em conta que o legislador 
 se exprimiu nos termos mais correctos. 
 Com efeito, como acima se transcreveu a lei, para qualificar o crime em função 
 do valor, não fala dos danos ou sequer do prejuízo, mas apenas na própria coisa. 
 
 
 E, é compreensível que assim seja. Danificar parcialmente um objecto valioso é 
 bem mais censurável do que danificar um objecto barato – já que danificar ou 
 objecto de valor diminuto, igual ou inferior a uma unidade de conta, nunca será 
 enquadrável no dano qualificado por força do disposto no artº 213º ex vi 204º nº 
 
 4 do Cód. Penal – ainda que porventura o valor da reparação seja idêntico para 
 os dois objectos. 
 Por outro lado, mesmo que se entenda que o valor a considerar é o valor do dano 
 provocado na coisa e não a coisa como nos parece que resulta do preceito contido 
 na falada al) a) do nº 1 do artº 213º, mesmo assim, além do valor da reparação 
 que vem indicado na pronúncia, temos ainda de considerar a desvalorização da 
 coisa se ela ocorreu, elemento que não consta a peça sob censura, mas que nada 
 impede ao abrigo do disposto no artº 358º nº 1, pois que tal como a pronúncia 
 está formulada este facto representa apenas uma alteração não substancial de 
 factos. 
 E, assim, também por esta via, a haver desvalorização o seu valor e o da 
 reparação (693.000$00) dificilmente ultrapassarão o valor correspondente a 50 UC 
 
 à data da prática do facto.
 Improcede assim esta questão.”
 
  
 
 2.4. Por acórdão de 18 de Março de 2005, do tribunal colectivo do Círculo 
 Judicial de Aveiro, foi o arguido A. condenado, em cúmulo jurídico, na pena 
 
 única de 2 anos e 2 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 
 
 4 anos, que englobou as penas parcelares de 10 meses de prisão, 7 meses de 
 prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão, aplicadas pela prática em concurso real, 
 respectivamente, de 1 crime de tentativa de ofensa à integridade física, 
 previsto e punido pelos artigos 144.º, alínea d), 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 
 
 23.º, n.ºs 1 e 2, e 73.º, do Código Penal, de 1 crime de condução perigosa de 
 veículo automóvel, previsto e punido pelos artigos 291.º, n.º 1, alínea b), e 
 
 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e de 1 crime de dano qualificado, 
 previsto e punido pelos artigos 213.º, n.º 1, alínea a), e 202.º, alínea a), do 
 mesmo código.
 Quanto à imputação ao arguido da prática do crime de dano qualificado 
 entendeu-se nesta decisão o seguinte:
 
  
 
 “Por último, temos então a imputação ao arguido da prática de um crime de dano 
 qualificado, previsto e punido pelo Art 213º, nº 1, al. a), e com relação do 
 Artº 202º al. a), todos do Cód. Penal.
 Dispõe o primeiro dispositivo mencionado, o artº 212º, nº 1, tipificando o crime 
 simples, que:
 
 ‘Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não 
 utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena e 
 multa’.
 Conforme se referiu no seio da 1ª Comissão Revisora, pretendeu-se abranger com a 
 formulação deste preceito todas as hipóteses de dano, independentemente do seu 
 objecto ser coisa móvel ou imóvel, ou dos meios utilizados. (“Actas das Sessões 
 da Comissão Revisora do Processo Penal, Parte Especial”, Ministério da Justiça, 
 
 1979, pg 135).
 Também aqui se mostra verificado este ilícito, pois que o arguido, ao atingir o 
 veículo do ofendido, provocou-lhe determinados danos e estragos, não de todo 
 despiciendo, bem pelo contrário, pois que partiu-lhe os vidros, espelhos, 
 amolgou o capôt e porta traseira, cuja reparação será referida adiante a 
 propósito do pedido cível, produzindo assim o resultado típico, pois que se 
 trata de um crime de resultado. (cf. Leal Henriques e Simas Santos, “Código 
 Penal Anotado”, 2º Vol., 1996, Rei dos Livros, pgs. 510-511).
 De resto como era aqui a própria intenção do arguido, o que configura o dolo na 
 sua modalidade mais intensa, embora bastasse o dolo em qualquer das suas formas 
 previstas no artº 14º do CP.”
 
  
 
 2.5. Deste aresto interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de 
 Coimbra, que motivou como consta de fls. 455 e segs., concluindo do seguinte 
 modo [segue transcrição parcial das conclusões do recurso]:
 
  
 
 «I.
 Quanto ao crime de “dano qualificado”. 
 
 1ª - Foi dado como provado que o arguido provocou danos no montante de 
 
 691.077$00 no automóvel do seu filho. 
 
 2ª - Tal quantia, porque não atingia, à data dos factos, 50 UCs (artigo 202º 
 alínea a) do Código Penal), não podia considerar-se valor elevado, pelo que não 
 podia o arguido ser condenado por dano qualificado (artigo 213º nº 1 alínea a) 
 do Código Penal), mas apenas por dano simples (artigo 212º nº 1 do Código 
 Penal). 
 
 3ª - Nos termos conjugados dos artigos 212º nº 4 e 207º do Código Penal e 285º 
 nº 1 do Código de Processo Penal o procedimento criminal por este crime de dano 
 simples dependia de acusação particular. 
 
 4ª - O assistente não fez acusação particular por dano simples, mas pelo crime 
 de dano qualificado para o qual não tinha legitimidade; o Ministério Público 
 acusou o recorrente pelo crime de dano simples para o qual (sem prévia acusação 
 particular) também não tinha legitimidade; a pronúncia pelo crime de dano 
 qualificado não sanou a falta de legitimidade porque esta falta é insanável e, 
 de todo o modo, o arguido não praticou factos que pudessem integrar o crime de 
 dano qualificado (atendendo ao valor). 
 
 5ª - A falta de acusação particular por crime de dano simples impede a 
 existência de procedimento criminal pelo que o arguido não podia ser condenado 
 por este crime, devendo antes ter sido, nesta parte, determinado o arquivamento 
 dos autos, - podendo sê-lo ainda neste momento (Acórdão de fixação de 
 jurisprudência do Plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça 
 de 16.05.1995 in DR, 1 série de 12.06.1995) – sob pena de violação do artigo 29º 
 nº 1 e nº 2 da Constituição da República Portuguesa. 
 
 […]
 VI. 
 Finalmente, 
 
 14ª - Em suma, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigo 213º nº 1 
 alínea a), 202º alínea a), 212º nº 1 e 207º todos do Código Penal, violou também 
 o disposto nos artigos 285º nº 1 e 50º nº 1 do Código de Processo Penal; violou, 
 ainda, o disposto nos artigos 144º alínea d), 143º nº 1 e 23º nº 1 do Código 
 Penal e, bem assim, o princípio da presunção de inocência ínsito no artigo 32º 
 da Constituição da República Portuguesa e violou, por fim, os artigos 29º, 70º e 
 
 50º nº 1 e nº 5 do Código Penal, devendo, por isso, o douto acórdão recorrido 
 ser revogado na íntegra e substituído por outro que decida o arquivamento dos 
 autos relativamente ao crime de dano e absolva o arguido dos restantes crimes 
 por que foi pronunciado e, bem assim, do pedido civil, até pela extemporaneidade 
 do mesmo, conforme invocado no recurso oportunamente interposto, no qual o 
 arguido mantém o interesse (artigo 412º nº 5 do Código de Processo Penal).»
 
  
 
  
 
 2.6. Na resposta à motivação, que foi notificada ao recorrente (cf. fls. 496 e 
 
 497), o assistente pronunciou-se nos seguintes termos:
 
  
 
 “B., assistente nos autos em epígrafe, notificado do douto despacho de admissão 
 de recurso de fls. 468 vem por este meio, de acordo com o disposto no artº 413º 
 C.P.P., respeitosamente apresentar a sua resposta ao recurso interposto pelo 
 arguido. 
 
 1 – O tribunal ad quem encontra-se limitado na matéria de que pode conhecer 
 pelas conclusões formuladas pelo recorrente. 
 
 2 – Quanto à questão da qualificação do dano, o recorrente alega apenas que o 
 montante 
 dos danos por si provocados não atingia à data dos factos 50 UCs pelo que não 
 poderia 
 o arguido ser condenado por dano qualificado. 
 
 3 – Como bem já decidiu o tribunal da relação em douto acórdão, que aqui se dá 
 como reproduzido, proferido no recurso interposto neste mesmo processo pelo 
 arguido e que correu os seus termos sob o nº 806/03-5, o valor a ter em conta 
 para efeitos da qualificação do dano é o da coisa danificada e não o dos danos 
 provocados. 
 
 4 – O recorrente nada alegou nas suas conclusões quanto ao valor da coisa 
 danificada e 
 não invocou que o douto acórdão sob recurso padecesse do vício previsto no nº 2 
 do artº 
 
 410º C.P.P.. 
 
 5 – Termos em que, por infundadas, deverão improceder as conclusões formuladas 
 pelo recorrente. 
 
 6 – De qualquer forma e sem conceder, ainda quanto à questão dano simples/dano 
 qualificado, temos que foi dado como provado que o veículo automóvel danificado 
 era de marca «Volkswagen» modelo «Golf» do ano de 1992 e estava em bom estado de 
 conservação, tendo a sua reparação importado em 691.077$00, sendo 681.077$00 de 
 materiais e 10.000$00 de mão de obra. 
 
 7 – O tribunal ad quo não tendo dado como provado que o veículo valia à data dos 
 factos 1.500.000$00, por mero e evidente lapso, também não atribuiu ao mesmo 
 qualquer valor.
 
 8 – De acordo com o disposto na alínea a) do art° 431° C.P.P. o tribunal de 
 recurso pode modificar a decisão do tribunal de 1a instância sobre a matéria de 
 facto se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de 
 base. 
 
 9 – Tendo o assistente despendido, apenas em materiais, 681.077$00 na reparação 
 do veículo, este facto, conjugado com as regras da experiência comum, permite 
 afirmar com total segurança e certeza que o referido veículo valia à data dos 
 factos mais de 700.000$00, valor a tomar em consideração para a qualificação do 
 dano. 
 
 10 – Termos em que deverá esse venerando tribunal aditar à matéria de facto dada 
 como provada que o valor do veículo à data da prática dos factos era superior a 
 
 700.000$00, ou, efectivamente padecendo o douto acórdão sob recurso do vício de 
 insuficiência da matéria de facto para a decisão, deverá proceder ao reenvio do 
 processo para novo julgamento de acordo com o disposto no artº 426º C.P.P.. 
 
 11 – Quanto à fantasiosa tese do arguido que os autos deveriam quanto ao dano 
 ser arquivados por falta de acusação particular, por mera cautela e dever de 
 patrocínio sempre se diga que o assistente deduziu a fls. 75 acusação particular 
 por aquele crime e caso se considerasse ter existido dano simples estaria tal 
 alteração abrangida pelo disposto no nº 2 do artº 358º C.P.P..” 
 
  
 
 2.7. Juntamente com o recurso do acórdão final subiu o recurso interlocutório, 
 interposto pelo arguido, do despacho que recaiu sobre o seu requerimento de fls. 
 
 394, em que pedia que fosse “indeferido, por intempestivo, o pedido de 
 indemnização civil por parte do assistente a fim de não ser produzida, durante o 
 julgamento, prova”.
 Neste recurso sustentou o recorrente o seguinte [segue transcrição das 
 respectivas conclusões]:
 
  
 
 “1ª - Nos termos do artigo 77º do Código de Processo Penal o prazo para 
 apresentação do pedido de indemnização civil varia consoante o estatuto ou 
 qualidade do demandante. 
 
 2ª - Sendo o demandante o assistente (ou o Ministério Público) o pedido terá de 
 ser feito na acusação ou no prazo em que esta deva ser apresentada (artigo 77º 
 nº 1 do Código de Processo Penal e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 
 
 16.02.2000 in www.dgsi.pt). Só poderia fazer o pedido nos termos do nº 2 do 
 artigo 77º do Código de Processo Penal se fosse um mero lesado. 
 
 3ª - O assistente formulou no prazo da acusação um pedido de indemnização civil 
 
 (folhas 77 e 78), mas veio dele a desinteressar-se, apresentando a folhas 171 um 
 outro pedido. 
 
 4ª Este último pedido, porque não foi feito no prazo da acusação ou, quando 
 muito, no prazo do requerimento de abertura de instrução (que corresponderá a 
 uma nova acusação) não podia ter sido admitido, por ser extemporâneo. 
 
 5ª - A partir do momento em que se desinteressou do primeiro pedido o seu 
 direito de exercer a acção cível caducou (neste sentido Maia Gonçalves in CPP 
 anot, 1999, 11ª ed nota 2 ao artigo 77º). 
 
 6ª - Sendo o queixoso assistente no momento em que formula o pedido de 
 indemnização civil terá de sujeitar-se aos prazos previstos no nº 1 do artigo 
 
 77º do Código de Processo Penal. 
 
 7ª - O Tribunal a quo ao admitir o pedido de indemnização civil fazendo apelo ao 
 nº 2 do artigo 77º do Código de Processo Penal, confundiu os estatutos 
 processuais do assistente e do mero lesado. 
 
 8ª - A (re)formulação do pedido não é uma ampliação do pedido, até porque o 
 primeiro pedido nunca chegou a ser admitido e foram repetidos no segundo pedido 
 danos que haviam sido peticionados no primeiro. 
 
 9ª - O pedido formulado a folhas 171 é extemporâneo, não está legalmente 
 previsto para o assistente e deveria, por isso, ser rejeitado. 
 
 10ª - O douto despacho de que se recorre violou o disposto no artigo 77º nº 1 do 
 Código de Processo Penal e deve, por isso, ser substituído por outro que 
 rejeite, por extemporâneo, o pedido de indemnização civil apresentado pelo 
 assistente a folhas 171. 
 
 11ª - Violou, igualmente, o douto despacho, o princípio da certeza e o da 
 confiança, ínsitos na Constituição da República Portuguesa.”
 
  
 
 2.8. Por acórdão de 2 de Maio de 2005, o Tribunal da Relação de Coimbra, 
 decidiu, na parte que nos interessa considerar, julgar improcedente o recurso 
 interlocutório, anular parcialmente o julgamento e determinar o reenvio para 
 novo julgamento, a realizar em conformidade com o disposto no artigo 426º-A, 
 restrito à averiguação do valor do veículo à data dos factos.
 Para tanto, fundamentou-se no seguinte:
 
  
 
 «[…]
 I) 
 Começando pelo recurso interlocutório. 
 Neste recurso, incidente sobre o despacho de 15 de Fevereiro de 2005 (fls. 401) 
 que indeferiu o requerimento de fls. 394, põe o arguido em causa, “grosso modo”, 
 o despacho judicial de fls. 250 na parte que a seguir se transcreve: 
 
 “Admito liminarmente o pedido de indemnização civil formulado a fls. 171 e ss. 
 Notifique (...) art.º 78º, n.º 1 do Código de Processo Penal”. 
 Vejamos se lhe assiste razão. 
 Consta dos autos o seguinte: 
 
 - Em 8 de Outubro de 2001, B. foi admitido como assistente (fls. 71) 
 
 - Em 5 de Novembro de 2001 e na sequência de notificação para efeitos do art.º 
 
 285º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o assistente deduziu acusação 
 particular e pedido de indemnização civil (75 e seguintes) 
 
 - Em 6 de Janeiro de 2003 e na sequência do despacho de pronúncia, o assistente 
 deduziu novo pedido de indemnização civil (fls. 171 e seguintes) 
 A questão colocada pelo recorrente prende-se com o facto de o tribunal “a quo” 
 ter admitido o segundo pedido de indemnização civil e não o primeiro. 
 Vejamos: 
 Diz-nos o n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo Penal que “quando 
 apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na 
 acusação ou no prazo em que esta deve ser formulada”, especificando o n.º 2 que 
 
 “o lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização 
 civil, nos termos do artigo 75º, n.º 2, é notificado do despacho de acusação, 
 ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, 
 querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias” e o 
 n.º 3 que “se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de 
 indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o 
 lesado pode deduzir o pedido até 10 dias depois de ao arguido ser notificado o 
 despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia.” 
 Retira-se claramente daqui que a lei distingue duas situações: uma em que o 
 pedido de indemnização civil é deduzido pelo assistente e outra em que é 
 formulado pelo lesado não constituído assistente. 
 No caso em apreço, o demandante já intervinha nos autos como assistente, pelo 
 que o pedido de indemnização civil teria que ser deduzido na acusação ou no 
 prazo da mesma. 
 Foi o que aconteceu com o pedido de indemnização civil formulado em 5 de 
 Novembro de 2001 e que consta de fls. 75 e seguintes. 
 No entanto, após ter sido proferido despacho de pronúncia, apresentou um novo 
 pedido de indemnização civil. 
 Na sequência, o tribunal “a quo” proferiu despacho admitindo este último e nada 
 dizendo sobre o primeiro. 
 Indevidamente, porquanto não só não explicou a sua opção, como também não 
 vislumbramos que fundamento a poderia sustentar. 
 Na realidade, sendo o queixoso assistente e tendo deduzido pedido de 
 indemnização civil no momento determinado pelo n.º 1 do art.º 77º, ou seja, na 
 acusação, apenas este poderia ser considerado pelo despacho que designou data 
 para julgamento. 
 Contudo, apesar de não haver fundamento legal para o mesmo, foi o segundo pedido 
 a ser admitido. 
 Ora, não explicando o tribunal “a quo” quais as razões que o levaram a admitir o 
 pedido de 6 de Janeiro de 2003 e não o pedido de 5 de Novembro de 2001, dúvidas 
 não restam de que não fundamentou o acto decisório consubstanciado no despacho, 
 violando assim o disposto no art.º 74º, n.º 4, corolário do imperativo 
 constitucional consignado no art.º 205º, n.º 1 da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 Tal omissão, por ter ocorrido em despacho e não em sentença ou acórdão, 
 constitui mera irregularidade (art.ºs 118º, n.º 2 e 123º) que deveria ter sido 
 arguida pelo recorrente nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver 
 sido notificado para qualquer termo do processo. 
 O que não aconteceu. 
 O recorrente foi notificado do despacho em causa no dia 12 de Março de 2004 e, 
 mantendo-se indiferente à sua verificação durante quase um ano, só em 11 de 
 Fevereiro de 2005 a veio arguir, o que ocasionou a sua sanação. 
 Nestes termos, há que julgar improcedente o recurso interlocutório e manter na 
 
 íntegra o despacho recorrido, ainda que por fundamentos diferentes dos nele 
 constantes. 
 
 […]
 III) 
 Vejamos agora o recurso principal. 
 São várias as questões levantadas pelo recorrente. 
 A saber: 
 
 - Consequência de o assistente ter deduzido acusação por dano qualificado e o 
 arguido dever ser, ao contrário do decidido pelo tribunal “a quo”, condenado por 
 dano simples 
 
 - Consequência de o arguido vir pronunciado como autor de um crime de tentativa 
 de ofensa à integridade física qualificada e ter sido condenado como autor de um 
 crime de tentativa de ofensa á integridade física 
 
 - Impossibilidade de o arguido ser condenado como autor de um crime de condução 
 perigosa uma vez que não ficou provado qualquer perigo concreto para a vida ou 
 bens patrimoniais 
 CONSEQUÊNC1A DE O ASSISTENTE TER DEDUZIDO ACUSAÇÃO POR DANO QUALIFICADO E O 
 ARGUIDO DEVER AO CONTRARIO DO DECIDIDO PELO TRIBUNAL “A QUO”, CONDENADO POR DANO 
 SIMPLES 
 Entende o recorrente que tendo o assistente deduzido acusação particular onde 
 lhe era imputada a prática de um crime de dano agravado previsto e punido pelo 
 artº 213º, nº 1, do Código Penal e tendo sido indevidamente condenado por tal 
 crime, quando os factos apurados apenas integrarão o crime de dano previsto e 
 punido pelo artº 212º, deveriam os autos ser arquivados nesta parte uma vez que 
 a acusação particular não foi deduzida por este crime. 
 Preceitua o art.º 213º, n.º 1, alínea a. do Código Penal que “quem destruir, no 
 todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável (...) coisa 
 alheia de valor elevado é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de 
 multa até 600 dias”. 
 Por seu turno, determina o art.º 202º, alínea a. do mesmo diploma que “para 
 efeitos do disposto nos artigos seguintes considera-se (...) valor elevado 
 aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do 
 facto”. 
 A questão que se coloca é, desde logo, a interpretação a dar à expressão legal 
 
 “coisa alheia de valor elevado”: será o valor da coisa que releva para a 
 qualificação ou será ou valor do prejuízo? 
 Embora não desconheçamos a existência de jurisprudência e doutrina em sentido 
 contrário, parece-nos que o legislador é absolutamente claro no sentido de que é 
 o valor elevado da coisa que qualifica o dano. 
 Não conseguimos ler na expressão coisa alheia de valor elevado” algo que não 
 seja que a coisa tenha valor elevado. 
 Na realidade, se em termos gramaticais a interpretação não pode ser outra, não 
 menos esclarecedor é o teor das demais alíneas dos n.ºs 1 e 2, o qual se refere 
 sempre à “qualidade” da coisa e nunca ao prejuízo efectivamente causado, que 
 apenas releva se for diminuto (n.º 3). 
 Temos assim que uma interpretação que “leia” na expressão “coisa alheia de valor 
 elevado”, algo como, “o prejuízo causado seja de valor elevado” subverte 
 claramente o que o legislador consignou na letra da lei, o que nitidamente viola 
 o disposto no art.º 9º, n.ºs 2 e 3 do CC que, como limite à interpretação, 
 determina que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo 
 que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que 
 imperfeitamente expresso e que impõe que o mesmo presuma que o legislador 
 consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em 
 termos adequados. 
 Em suma: sendo clara a letra da lei e enquadrando-se a interpretação literal 
 inteiramente no espírito do legislador, o qual se mostra também inequivocamente 
 plasmado nas demais alíneas do n.º 1 (e também do n.º 2), temos por assente que 
 a qualificação do crime de dano assenta no valor elevado da coisa destruída, 
 danificada, desfigurada ou tornada não utilizável. 
 Assim sendo, a integração jurídica de uma conduta como crime de dano simples ou 
 como crime de dano qualificado impõe o conhecimento do valor da coisa sobre a 
 qual se produziu a acção. 
 Ora, no caso “sub judice” tal valor não consta da factualidade dada como provada 
 o que impede este tribunal de decidir e constitui o vício de insuficiência para 
 a decisão da matéria de facto provada previsto na alínea a., do n.º 2, do art.º 
 
 410º.” 
 
  
 
 3. Entende-se no caso ser de proferir decisão sumária de não conhecimento do 
 objecto do recurso, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de 15 
 de Novembro, por não ocorrerem os pressupostos de admissibilidade do mesmo.
 Com efeito, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade 
 depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 Vejamos:
 
  
 
 4. Pretende o recorrente a apreciação das seguintes questões:
 a) Dos artigos 118º, nº 2, e 123º do Código de Processo Penal na redacção 
 anterior à Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, na interpretação feita pelo Tribunal 
 da Relação de Coimbra de que uma ilegalidade e inconstitucionalidade cometida em 
 despacho e não em sentença ou acórdão constitui mera irregularidade a arguir em 
 três dias após a notificação, por violação dos artigos 204º e 205º da 
 Constituição da República Portuguesa; e
 b) Do artigo 213º, nº 1 alínea a) do Código Penal, na interpretação que lhe foi 
 dada pela decisão recorrida de que o valor do dano se afere pela qualidade da 
 coisa e não pelo prejuízo efectivamente causado, por violação do disposto no 
 artigo 204º da Constituição da República Portuguesa e dos princípios da certeza, 
 da confiança jurídica e da proibição de excesso previstos no artigo 29º, nº 1, 
 
 32º, nº 2 e 205º da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 
 5. Quanto à primeira questão, o acórdão da Relação não aplicou as normas dos 
 artigos 118.º, n.º 2, e 123.º, do Código de Processo Penal, com a interpretação 
 invocada pelo recorrente, ou seja, a de que uma ilegalidade e 
 inconstitucionalidade cometida em despacho e não em sentença ou acórdão 
 constitui mera irregularidade a arguir em três dias após a notificação.
 Na verdade, este aresto limitou-se a decidir a questão, suscitada pelo 
 recorrente no recurso interlocutório, da admissibilidade do “segundo” pedido de 
 indemnização cível, apresentado após a prolação do despacho de pronúncia, tendo 
 concluído que o despacho que admitiu tal pedido carecia de fundamentação, 
 
 “violando assim, o artigo 74.º, n.º 4 [do Código de Processo Penal], corolário 
 do imperativo constitucional consignado no artigo 205º, n.º1, da Constituição da 
 República Portuguesa”, e que “tal omissão, por ter ocorrido em despacho e não em 
 sentença ou acórdão, constitui mera irregularidade (artigos 118.º, n.º 2, e 
 
 123.º) que deveria ter sido arguida pelo recorrente nos três dias seguintes a 
 contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo”.
 Ora, desta interpretação normativa não resulta que se haja entendido que uma 
 ilegalidade e inconstitucionalidade cometida em despacho e não em sentença ou 
 acórdão constitui mera irregularidade a arguir em três dias após a notificação, 
 mas, sim, que a falta de fundamentação do despacho que decide pela 
 admissibilidade de um pedido de indemnização civil, e não de um outro 
 anteriormente apresentado, constitui uma irregularidade a arguir no prazo de 
 três dias a contar da data em que a parte tiver sido notificada para qualquer 
 termo do processo. Esta é a verdadeira ratio decidendi do acórdão em apreço e 
 não foi sindicada pelo recorrente em sede de recurso de constitucionalidade.
 Acresce que, durante o processo o recorrente não suscitou qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa relacionada com a problemática em apreço, pois nas 
 conclusões do recurso interlocutório (cf. conclusões 10ª e 11ª), imputou o vício 
 de inconstitucionalidade (e de ilegalidade) ao despacho judicial, em si mesmo 
 considerado, e não à interpretação das normas que este aplicou.
 
 6. De todo o modo, ainda que se entendesse o recurso como que reportado às 
 normas dos artigos 118.º, n.º 2, e 123.º, do Código de Processo Penal, 
 interpretados no sentido de que a falta de fundamentação do despacho que decide 
 pela admissibilidade de um pedido de indemnização civil, e não de um outro 
 anteriormente apresentado, constitui uma irregularidade a arguir no prazo de 
 três dias a contar da data em que a parte tiver sido notificada para qualquer 
 termo do processo, sob pena de sanação, o mesmo seria objecto de decisão sumária 
 e julgado manifestamente improcedente.
 Com efeito, a irregularidade em causa – falta de fundamentação do despacho que 
 admitiu o pedido de indemnização cível – é facilmente detectável com a 
 notificação desse despacho (que ocorreu, como se refere no acórdão recorrido, em 
 
 12 de Março de 2004 e o recorrente só reagiu em 11 de Fevereiro de 2005), pelo 
 que, numa situação em que não se vislumbra nem é alegada qualquer dificuldade de 
 percepção de tal falta, nem dificuldades de apreensão decorrentes da 
 complexidade dos autos ou da sua extensão, o prazo de três dias para arguir essa 
 irregularidade, sob pena de sanação, não constitui um prazo diminuto nem 
 desproporcionado, susceptível de colocar em causa os direitos do demandado cível 
 
 (que no caso coincide com a pessoa do arguido).
 
 7. Quanto à segunda questão colocada pelo recorrente – a da 
 inconstitucionalidade do artigo 213.º, nº 1 alínea a) do Código Penal, na 
 interpretação que lhe foi dada pela decisão recorrida de que o valor do dano se 
 afere pela qualidade [valor] da coisa e não pelo prejuízo efectivamente causado, 
 não pode tomar-se conhecimento do recurso, porquanto o recorrente não a suscitou 
 durante o processo.
 Em primeiro lugar, a problemática relacionada com o crime de dano agravado, 
 previsto e punido nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 213.º do Código 
 Penal, que o recorrente discutiu nas alegações de recurso para a Relação, não 
 dizia respeito à questão de saber se o que relevava para efeitos de qualificação 
 do dano como agravado era o “valor da coisa danificada” ou o “valor do prejuízo 
 causado” a que se reporta a questão de constitucionalidade. O que se sustentava 
 era que o arguido não podia ser condenado pelo crime de dano agravado, em 
 virtude de o valor do prejuízo causado não atingir o montante de 50 unidades de 
 conta, previsto no artigo 202.º, alínea a) do Código Penal, e também não podia 
 ser condenado pelo crime de dano simples, por falta de queixa do ofendido. 
 Aliás, relativamente a este tema não foi adequadamente suscitada qualquer 
 questão de constitucionalidade (o recorrente imputa a inconstitucionalidade à 
 decisão judicial e não às normas ou interpretação normativas aplicadas pela 
 decisão).
 
 É verdade que da sentença da 1ª instância não resulta, ao menos expressamente, 
 que se haja entendido que o que relevava para efeitos de qualificação do dano 
 era “o valor da coisa danificada” e, assim, poderia parecer que a decisão da 
 Relação, que seguiu esta interpretação, seria uma surpresa para o arguido, 
 legitimando-o para só agora suscitar a inconstitucionalidade de tal 
 interpretação.
 Porém, não é assim. 
 Com efeito, a interpretação de que para efeitos da previsão da alínea a) do n.º 
 
 1 do artigo 213.º do Código Penal o que qualifica o dano como agravado é “o 
 valor da coisa” danificada e não “o valor do prejuízo causado” já tinha sido 
 acolhida quer no despacho de pronúncia, quer no acórdão da Relação, de 10 de 
 Dezembro de 2003, que decidiu o recurso interposto pelo arguido desse despacho.
 Acresce que, na resposta à motivação do recurso interposto pelo arguido da 
 sentença final, o assistente referiu tal facto, e o recorrente, notificado desta 
 peça processual, nada disse.
 Deste modo, não tendo o recorrente suscitado durante o processo a questão de 
 constitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 213.º do Código 
 Penal, na interpretação acolhida no acórdão recorrido, tendo disposto de 
 oportunidade processual para esse efeito, não pode, também nesta parte, tomar-se 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
 8. Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
 Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de 
 conta.”
 
  
 
  
 
             2. O recorrente reclamou para a conferência, com os seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
 “(…)
 
 2.
 A primeira das questões resultou do facto de o Tribunal da Relação não obstante 
 ter no douto acórdão que proferiu admitido que foi em primeira instância violada 
 a Lei Fundamental, designadamente “o imperativo constitucional consignado no 
 artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa”, ter, 
 contraditoriamente, concluído que tal violação constituiu mera irregularidade, 
 sindicável em três dias. 
 A douta decisão sumária entendeu também que se tratou de irregularidade 
 facilmente detectável, arguível em três dias, prazo que não foi considerado 
 diminuto, nem desproporcionado. 
 Ora, a partir do momento em que se considera ter sido cometido um acto violador 
 da Lei Fundamental, jamais poderá considerar-se que se trata de mera 
 irregularidade, sanável, se não arguida, em três dias. 
 Diferente seria se se tratasse de irregularidade que não violasse qualquer norma 
 ou princípio constitucional. 
 Deve, por isso, a primeira questão ser apreciada pelo Tribunal Constitucional 
 nos termos peticionados pelo arguido. 
 
 3.
 Relativamente à segunda questão – a da inconstitucionalidade do artigo 213º, nº 
 
 1 alínea a) do Código Penal, na interpretação que lhe foi dada pela decisão 
 recorrida de que o valor do dano se afere pela qualidade (valor) da coisa e não 
 pelo prejuízo efectivamente causado – entendeu o Exmo Relator não ter sido 
 suscitada durante o processo e, portanto, dela não poder o Tribunal 
 Constitucional conhecer. 
 Ocorre, contudo que a questão em apreço só ficou configurada com os contornos 
 que legitimam o recurso por parte do arguido, a partir do douto acórdão do 
 Tribunal da Relação, como aliás, o Exmo Relator admite. 
 Efectivamente na sentença da primeira instância a questão não é claramente 
 referida e se é verdade que o assistente na resposta à motivação do recurso 
 interposto pelo arguido o refere, também é certo que o arguido não podia 
 responder a essa resposta. Por essa razão o arguido “notificado desta peça 
 processual” nada disse. 
 Assim sendo, respeitosamente se requer seja considerado que o arguido arguiu a 
 inconstitucionalidade em momento processualmente adequado, recebendo-se o 
 recurso interposto.” 
 
  
 
  
 
             3. O Ministério Público respondeu que a “argumentação do reclamante 
 em nada abala os fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente 
 inverificação dos pressupostos do recurso, em consequência do incumprimento dos 
 
 ónus que incidiam sobre o recorrente.”
 
  
 
             4. A reclamação é manifestamente improcedente, nada dizendo o 
 recorrente que imponha um suplemento de fundamentação para confirmação da 
 decisão reclamada, cujos fundamentos para não conhecimento do objecto do recurso 
 se reiteram.
 
  
 Lembra-se, apenas, quanto à questão do valor relevante para qualificação do 
 dano, que a afirmação de que o recorrente dispôs de oportunidade para suscitar a 
 questão de constitucionalidade não se funda, somente, no facto de o recorrente 
 ter sido notificado da resposta do assistente à motivação do recurso. Ainda que 
 se sustente que essa notificação não conferia, por si só, a faculdade processual 
 de o recorrente intervir para suscitar a questão de constitucionalidade – 
 questão em que não é indispensável entrar –, o certo é que o entendimento que 
 fez vencimento já fora anteriormente adoptado no processo, quer no despacho de 
 pronúncia, quer no acórdão de 10 de Dezembro de 2003 que decidiu o recurso 
 interposto do despacho de pronúncia. Razões de sobra para que, agindo com a 
 normal cautela, o recorrente pudesse prever a aplicação da norma com o sentido 
 alegadamente inconstitucional que veio a ser adoptado e suscitar a 
 correspondente questão de constitucionalidade nas alegações do recurso.
 
  
 
  
 
             5. Pelo exposto, indefere-se a reclamação e condena-se o recorrente 
 nas custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
 Lisboa, 7 de Outubro de 2008
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão