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Processo nº 253/2006
 
 2ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
   
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.  Nos presentes autos, o Tribunal da Comarca de Oeiras proferiu a seguinte 
 decisão:
 
  
 I. RELATÓRIO. 
 O Ministério Público acusou, para julgamento em processo de transgressão, o 
 arguido A. (id. a fls. 04), acusando-o da prática da contravenção de falta de 
 título de transporte válido em transportes públicos, prevista e punível pelo 
 art.° 3º, n.° 2, alínea a), do Decreto-Lei n.° 108/78, de 24 de Maio. 
 Procedeu-se a audiência de julgamento em conformidade, cumprindo agora apreciar 
 e decidir. 
 
  
 II. FUNDAMENTAÇÃO. 
 
 1. Factos provados: 
 No dia 26 de Maio de 2004, pelas 14h50m, em Linda-a-Velha, Oeiras, no autocarro 
 n.° 219, da carreira 2 da empresa “B.”, o arguido não se fazia transportar 
 munido de título de transporte válido previamente adquirido para o efeito. 
 O que sabia ser necessário. 
 Mais sabendo que tal conduta era proibida por Lei. 
 
 2. Não houve quaisquer factos não provados. 
 
 3. Motivação da decisão de facto. 
 A convicção do Tribunal quanto à factualidade provada formou-se nas declarações 
 confessórias do arguido, confirmando do teor do auto de notícia. 
 
 4. Fundamentação de Direito. 
 
 4.1. O arguido vem acusado da prática da prática da infracção de falta de título 
 de transporte válido em transportes públicos, constante do artigo 3.°, n.° 2, 
 alínea a), do Decreto-Lei n.° 108/78, de 24 de Maio, o qual dispõe: 
 
 “Nos casos em que a cobrança seja feita por qualquer outro processo, os 
 infractores pagarão o preço do bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido 
 de uma multa do montante de: 
 a) 50% do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a cem vezes o mínimo 
 cobrável no transporte utilizado, na hipótese de não terem adquirido qualquer 
 título válido de transporte;” 
 
 4.2. A infracção prevenida no referido dispositivo reveste a natureza de 
 transgressão ou contravenção, regendo-se, ainda (ao menos do ponto de vista 
 substantivo) pelo C. Penal de 1886. Na verdade, o art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 
 
 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o C. Penal vigente e revogou o anterior, 
 expressamente manteve o regime do C. Penal de 1886 no que às contravenções 
 concerne. 
 Sem outras considerações que, agora, se revelariam supérfluas, sobre, 
 nomeadamente, a natureza penal das transgressões e a própria liquidez 
 constitucional dessa realidade jurídica, actualmente, no ordenamento jurídico 
 português, mormente face ao universo do Direito das Contra-Ordenações 
 
 (constituindo as transgressões, sem dúvida, um corpo estranho no ordenamento 
 sancionatório português hodierno), importa, somente, assentar, que essa natureza 
 penal se mantém, e mais se mantém a definição que constava do vetusto Código 
 Penal de 1886, segundo o qual “considera-se contravenção o facto voluntário 
 punível que unicamente consiste na violação ou na falta de observância das 
 disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda a 
 intenção maléfica” (art.° 3.º). 
 Isto posto cabe questionar se, na infracção em causa, se estabelece uma pena 
 
 (contravencional) fixa e, sendo assim, se tal é constitucionalmente aceitável. 
 Quanto ao primeiro ponto, crê-se que a resposta deve ser afirmativa. Com efeito, 
 o preceito punitivo prevê duas penas fixas: a primeira, consiste no preço do 
 bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido de uma multa do montante de 
 
 50% do preço do respectivo bilhete; a segunda, prevenida na segunda parte da 
 norma, redunda em cem vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado, no caso 
 de a multa, se calculada de acordo com o primeiro critério, resultar em montante 
 inferior a tal mínimo (é a hipótese que sucede na esmagadora maioria, se não na 
 totalidade, das situações). 
 Isto significa, portanto, que o julgador não tem qualquer intervenção da 
 determinação da pena concreta, em especial, adequando-a à culpa – que pode ser, 
 desde logo, dolosa ou negligente – e à própria situação sócio‑económica do 
 agente da infracção. Tal equivale, afigura-se, a concluir que o normativo em 
 apreço padece, irremediavelmente, de inconstitucionalidade por violação dos 
 princípios da culpa, da igualdade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa 
 humana (e, saliente-se, a adequação económico‑financeira das penas pecuniárias 
 pode considerar-se um princípio geral do Direito Penal, em sede de penas 
 pecuniárias, com fundamento no próprio princípio constitucional da dignidade da 
 Pessoa Humana). 
 
 4.3. Como repetidamente tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional o Direito 
 Penal, no Estado de Direito, tem de edificar-se sobre o homem como ser pessoal e 
 livre, ancorado na dignidade da pessoa humana, que tenha a culpa como fundamento 
 e limite da pena, pois não é admissível pena sem culpa, nem em medida tal que 
 exceda a da culpa. Ou seja: há-de ser um direito penal de culpa. E é – ou deve 
 ser - um Direito Penal que só pode intervir para a protecção de bens jurídicos 
 com dignidade penal (ou, para utilizar uma expressão hoje corrente, com 
 ressonância ética), sendo que uma tal danosidade social, capaz de justificar a 
 imposição de uma punição, há-de ser ajuizada no plano ético-jurídico, e não num 
 plano meramente sociológico. 
 O Direito Penal, enquanto direito de protecção, cumpre, por isso, uma função de 
 ultima ratio, pois só se justifica que intervenha se a protecção dos bens 
 jurídicos não puder ser assegurada com eficácia mediante o recurso a outras 
 medidas de política social menos violentas e gravosas do que as sanções 
 criminais. A necessidade da pena – que, repete-se, há-de ser uma pena de culpa – 
 limita, pois, o âmbito de intervenção do Direito Penal, ou é mesmo o critério 
 decisivo dessa intervenção. 
 O legislador ordinário, além de um princípio de humanidade na previsão das 
 penas, que logo releva do princípio da dignidade da pessoa humana (cf. art.°s 
 
 25.°, n.°s 1 e 2, da Constituição), há-de ainda ter em conta que a ideia de 
 necessidade da pena leva implicada a da sua adequação e proporcionalidade. 
 
 4.4. É bem certo o Tribunal Constitucional, quando teve que ajuizar uma norma 
 penal à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, sempre sublinhou 
 que o legislador goza de ampla liberdade na definição dos crimes e no 
 estabelecimento das penas correspondentes. E sublinhou, bem assim, que, nessa 
 matéria, só pode censurar-se, ratione constitutionis, as decisões legislativas 
 que contenham incriminações arbitrárias ou punições excessivas: é que, no Estado 
 de Direito, o legislador está vinculado por concepções de justiça; ora, o 
 princípio de justiça impede-o de actuar arbitrariamente ou de forma excessiva. 
 
 4.5. O que se disse acima – em apertada síntese – resulta, entre outros, dos 
 seguintes artigos da Constituição: do art.° 1.º, que baseia a República na 
 dignidade da pessoa humana; do art.° 18.°, n.° 2, que condiciona a legitimidade 
 das restrições de direitos à necessidade, adequação e proporcionalidade das 
 mesmas; do art.° 25.°, n.° 1, que sublinha a inviolabilidade da integridade 
 pessoal; e do art.° 30.º, n.° 1, que proíbe penas ou medidas de segurança 
 privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração 
 ilimitada ou indefinida. 
 
 4.6. O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do Direito Penal de um 
 Estado de Direito, proíbe – já se disse – que se aplique pena sem culpa e, bem 
 assim, que a medida da pena ultrapasse a medida da culpa. 
 Trata-se de um princípio que emana da Constituição e logo se decanta da 
 dignidade da pessoa humana, em que se baseia a República (art.° 1.º da 
 Constituição) e, bem assim do direito de liberdade (art.° 27.°, n.° 1); No dizer 
 de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, vai buscar o seu “fundamento axiológico ao 
 princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal: o princípio axiológico mais 
 essencial à ideia do Estado de Direito democrático”. 
 Ora, um Direito Penal de culpa não é compatível com a existência de penas fixas: 
 de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também o seu 
 limite, é em função dela (e, obviamente também, das exigências de prevenção) 
 que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta da pena, situada entre o 
 mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de comportamento. Ora, 
 prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não pode, na determinação da pena a aplicar 
 ao caso que lhe é submetido, atender ao grau e intensidade de culpa do agente. 
 A previsão, pela Lei, de uma pena fixa também não permite que o juiz, na 
 determinação concreta da medida da pena, leve em consideração o grau de 
 ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas 
 consequências, nem tão-pouco o grau de violação dos deveres impostos ao agente, 
 nem as circunstâncias do caso que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham 
 a favor ou contra ele; nem, enfim, à situação socio-económica do agente. 
 Ora, tal obriga a que o juiz se veja forçado a tratar de modo igual situações 
 que só aparentemente são iguais, por, essencialmente, acabarem por ser muito 
 diferentes. Ou seja: prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não tem maneira de 
 atender à diferença das várias situações que se lhe apresentam. 
 
 4.7. Mas, o princípio da igualdade – que impõe se dê tratamento igual a 
 situações essencialmente iguais, e se trate diferentemente as que forem 
 diferentes – também vincula o juiz. A essência da aplicação do princípio da 
 igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos 
 e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que 
 significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem 
 de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de 
 ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso 
 de entender que tal se justifica. 
 A lei que prevê uma pena fixa pode também conduzir a que o juiz se veja forçado 
 a aplicar uma pena excessiva para a gravidade da infracção, assim deixando de 
 observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a gravidade das sanções 
 criminais seja proporcional à gravidade das infracções (nos três vectores 
 essenciais: necessidade, adequação e racionalidade). 
 Por isso, a norma legal que preveja uma pena fixa viola o princípio da culpa, o 
 princípio da igualdade, e o princípio da proporcionalidade. E isto é assim para 
 qualquer tipo de pena, maxime, pena de prisão ou pena de multa. 
 
 4.8. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre situações semelhantes (cf. 
 os arestos citados na nota 3). 
 Em todos as situações foi considerada inconstitucional a norma constante da 
 parte final do § único do art.° 67.º do Decreto n.° 44.623, de 10 de Outubro de 
 
 1962, enquanto sanciona com uma pena fixa (consistente no máximo da pena 
 prevista no art.° 64.° do mesmo Decreto) o crime agravado de pesca ilegal em 
 período de defeso. 
 Mas esta jurisprudência, até determinada altura, não foi unívoca. Assim, por 
 exemplo, dissentiu o Acórdão n.° 83/91 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 volume 18°, pp. 493 e seguintes), o qual apreciou, justamente, a norma referida. 
 
 
 Sublinhou-se nesse aresto que “não se nega, em tese geral, que os princípios da 
 igualdade e da proporcionalidade possam implicar o juízo de que a cominação de 
 penas criminais fixas quanto a certo crime por uma concreta norma jurídica seja 
 tida por materialmente inconstitucional”. Acrescentou-se que “não se crê 
 igualmente que destes princípios constitucionais tenha que decorrer 
 necessariamente, de forma directa ou indirecta, a ilegitimidade constitucional 
 de todas as chamadas penas fixas”. Mais adiante, o aresto ponderou que, “no 
 domínio do direito penal económico ou do direito penal de defesa do ambiente e 
 da ecologia, pode aceitar-se, em casos pontuais e para certos tipos de 
 infracções, a cominação de penas fixas, ainda que o juiz possa sempre recorrer 
 aos meios gerais de suspensão da pena ou mesmo de dispensa da pena. Nessa 
 medida, só tendencialmente as penas serão fixas”. 
 Mais se transcreveu, a seguir, uma passagem de um estudo de JORGE DE FIGUEIREDO 
 DIAS (“Breves Considerações Sobre o Fundamento, o Sentido e a Aplicação das 
 Penas em Direito Penal Económico”, in Direito Penal Económico, CEJ, Coimbra, 
 
 1985, p. 40), na qual o Autor sustenta, em âmbitos determinados do Direito Penal 
 económico, em conformidade com a ideia de que a este direito não só compete uma 
 função de protecção de bens jurídicos, mas também de promoção de valores 
 económico-sociais no seio da comunidade, a possibilidade de o legislador, 
 legitimamente, proibir o juiz de impor uma pena inferior ao limite mínimo ditado 
 pela culpa, mas sem que essa proibição possa ir tão longe que impeça a 
 proporcionalidade entre a pena e a infracção, quando esta seja de pequena 
 gravidade, pois, de contrário, estaria a ultrapassar-se o limite máximo 
 permitido pela culpa, em homenagem a razões de pura prevenção geral negativa ou 
 de intimidação o que seria, além do mais, duplamente inconstitucional por 
 irremissível violação do princípio da culpa, imposto pelos art.°s 1.º, 13.° e 
 
 25.º, n.° 1, da Constituição; e inconstitucional, por violação do princípio da 
 proporcionalidade das sanções no direito penal económico, reconhecido sem 
 quaisquer limitações pelo art.° 88.° da Lei Fundamental. 
 No dito aresto acrescentou-se: “Nesta linha de pensamento, não se crê que possa 
 afirmar-se [...] que a cominação desta pena fixa concreta, quando surja uma 
 circunstância agravante específica, viole intoleravelmente os princípios da 
 culpa ou da proporcionalidade das sanções à gravidade das infracções. [...) Por 
 um lado, não pode falar-se, no caso sub iudicio, de violação do princípio da 
 igualdade, na medida em que a norma desaplicada considera manifestamente um grau 
 de culpa que normalmente se verifica no comum dos casos de pesca ilegal 
 nocturnas nos períodos de defeso, sendo certo que acentuado. Seja como for, tal 
 norma (ou outras normas do diploma) não impede, de forma absoluta, que o juiz 
 adeqúe a sanção à gravidade da infracção, de harmonia com os ditames da justiça 
 distributiva.” 
 E mais adiante: 
 
 “No presente processo, e de forma decisiva, há-de considerar-se [...] que “só em 
 via de princípio”, ou seja, tendencialmente, se pode ter por fixa a cominação de 
 penas prevista nesta legislação sobre fomento da piscicultura e da defesa da 
 pesca nos rios, já que “(...) nada obsta a que no caso, desde que tal se 
 justifique, se proceda à atenuação especial da pena (artigos 730 e 74° do Código 
 Penal) ou mesmo à dispensa da pena (artigo 750 do mesmo Código). [...] Quer 
 dizer, a norma sancionatória, devidamente interpretada no contexto sistemático 
 do Código Penal, não conduz a resultados arbitrários, nem implica 
 necessariamente uma igualdade de tratamento perante situações diversas de 
 agentes com acentuadas diferenças de grau de culpabilidade. Na verdade, como se 
 viu, não pode sustentar-se que a norma proíba de forma absoluta que o juiz 
 estabeleça uma diferenciação na aplicação de sanções quanto a arguidos em 
 situações materialmente diferentes, dando assim acolhimento à ideia de 
 diversificação, em detrimento de uma ideia de tratamento uniforme, encarada, em 
 princípio, pelo legislador. 
 A seguir, apreciando a norma à luz do princípio da proporcionalidade, ponderou o 
 Acórdão: 
 
 “Por outro lado, o estabelecimento de uma pena tendencialmente fixa nestes casos 
 não pode considerar-se que viole o princípio da proporcionalidade, o qual 
 postula, no Direito Penal, que a gravidade das sanções deve ser proporcional à 
 gravidade das infracções. A melhor interpretação da norma desaplicada não 
 acarreta um resultado que possa qualificar-se como manifesta violação do 
 princípio da proporcionalidade, visto que o juiz dispõe sempre, como se viu, da 
 possibilidade de recorrer a institutos de natureza geral como o de atenuação 
 especial da pena e o da dispensa de pena, evitando que se atinjam, em concreto, 
 resultados intoleráveis ou gravemente chocantes, “em homenagem a razões de pura 
 prevenção geral negativa ou de intimidação”, para se utilizarem as expressões de 
 Figueiredo Dias, no passo atrás transcrito. Acresce que a pena cominada para o 
 comum dos casos se afigura como razoavelmente proporcionada ao conjunto de 
 comportamentos recondutíveis a este específico tipo criminal, no comum dos casos 
 da vida, não tendo este Tribunal razões para censurar a opção do legislador 
 neste caso concreto. 
 Reafirma-se, assim, que tal pena tendencialmente fixa não ofende o princípio da 
 proporcionalidade da sanção à gravidade da infracção, isto dando por adquirido 
 que a eliminação do antigo artigo 880, da Constituição na segunda revisão 
 constitucional, em 1989, não traduziu uma diferente valoração do legislador 
 constitucional sobre os princípios básicos do Direito Penal, em especial do 
 Direito Penal Económico [...).” 
 Por fim, olhando a norma então sub iudicio sob a perspectiva do princípio da 
 culpa, aditou-se: 
 
 “Por último, também para aqueles que sustentam que está constitucionalmente 
 consagrado o princípio da culpa em matéria penal, tão-pouco se pode dizer que a 
 cominação de penas fixas, com o sentido de tendencial fixidez atrás exposto, 
 possa conduzir a uma “irremissível violação do princípio da culpa”, de novo se 
 utilizando a expressão de Figueiredo Dias, atrás transcrita. É que, já se viu, 
 continua a reconhecer-se ao juiz uma apreciável intervenção na adequação da 
 sanção ao agente, em função dos resultados apurados no julgamento, admitindo-se 
 que seja determinada uma atenuação especial da pena ou, até, a dispensa de pena. 
 O juiz não está limitado a condenar ou a absolver o arguido. No caso de ter de 
 condenar, não tem necessariamente de lhe aplicar uma sanção rigidamente fixa, 
 como mero efeito da lei. [...] Se é verdade que, em linha de princípio, se deve 
 preferir um sistema de mobilidade das penas cominadas para cada tipo criminal, 
 entre um mínimo e um máximo fixados na lei, de forma a que o juiz possa graduar 
 a pena à gravidade da infracção e à culpabilidade do agente, não se pode dizer 
 que o estabelecimento de uma pena tendencialmente fixa prive de todo em todo o 
 juiz de levar em conta a individualidade concreta do agente e as específicas 
 circunstâncias de cada caso, como atrás se viu Também aqui se pode dizer que não 
 
 é violado o princípio da culpa, dando como suposto que o mesmo tem consagração 
 constitucional. 
 Tudo isto para concluir que não se mostram, assim, violados pela norma em 
 análise os princípios constitucionais de igualdade e de proporcionalidade das 
 sanções criminais.” 
 
 4.9. O Tribunal Constitucional retomou a doutrina deste Acórdão n.° 83/91, 
 aplicando-a no caso sobre que incidiu o acórdão n.° 441/93 (publicado nos 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 25.º, p. 643), estando em causa, 
 porém, já não uma sanção de natureza criminal, mas uma coima; o mesmo sucedendo 
 no Acórdão n.° 175/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 
 
 36.º, pp. 103 e seguintes), confrontando-se com uma situação em que o limite 
 mínimo de uma coima passara a ser igual ao seu limite máximo (ou seja, em que a 
 coima passou a ser de montante fixo), embora neste último aresto, já se tenha 
 chamado a atenção “de a possibilidade de aplicação de uma sanção não variável 
 poder implicar uma frontal contradição com a vontade expressa do legislador no 
 artigo 30° da Lei n.° 30/89, onde se estabelecem os critérios para a graduação e 
 determinação, em concreto, dos montantes das coimas.” 
 No entanto, em resposta a tal doutrina seguiu-se o acórdão n.° 95/2001, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 2002, o qual, em 
 seguida se transcreve para melhor elucidação: 
 
 «Pode dizer-se, em síntese, que o citado acórdão n.° 83/91 concluíu que a norma, 
 que está sub iudicio nestes autos, não viola o princípio da igualdade, nem o da 
 proporcionalidade, nem o da culpa – e, por isso, não é inconstitucional –, 
 porque, não proibindo o juiz de lançar mão do instituto da atenuação especial da 
 pena ou, sendo caso disso, mesmo do da isenção de pena, o que, ao cabo e ao 
 resto, a norma em causa comina é uma pena tendencialmente fixa. Não uma pena 
 rigidamente fixa. Ora – pondera o aresto –, só este último tipo de pena fixa a 
 Constituição proíbe. Ou seja, ela só proíbe que a lei preveja penas que, no caso 
 de se provar que “o arguido agiu ilícita e culposamente, isto é, que é imputável 
 e que não se verifica nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou da 
 culpabilidade”, o juiz tenha que aplicar rigidamente, sem poder fazer outra 
 coisa senão absolver ou condenar o arguido, pois, “devendo condená-lo, terá de 
 lhe aplicar a pena prevista na lei, sem possibilidade de qualquer graduação”. A 
 Constituição – sublinha o acórdão – não proíbe as penas só tendencialmente 
 fixas, ou seja, aquelas que o juiz, em princípio, não pode graduar, mas em que 
 pode recorrer a institutos de carácter geral, como os da atenuação especial da 
 pena ou da dispensa da pena, para adequar a sanção à personalidade do agente e 
 
 às circunstâncias apuradas quanto à infracção. 
 Pois bem: flui do que se disse atrás que a proibição constitucional de penas 
 fixas acarreta a ilegitimidade de todas as penas fixas: mesmo daquelas a que o 
 acórdão n.° 83/9 1 chama penas só tendencialmente fixas. 
 Decorre, na verdade, dos princípios da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade a necessidade de a lei prever penas variáveis: é que, só desse 
 modo o legislador abre ao juiz a possibilidade de graduar a pena, fixando-a 
 entre o mínimo e o máximo que a lei prevê, de acordo com todas as circunstâncias 
 atendíveis (grau de culpa, necessidades de prevenção e demais circunstâncias), 
 por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, 
 em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar penas 
 desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em consideração todo o quadro 
 que envolveu a prática de cada uma delas. Ou seja: só prevendo o legislador 
 penas variáveis, pode o juiz adequar a pena à culpa do agente, às exigências de 
 prevenção e, bem assim, às demais circunstâncias que ele deve considerar para 
 encontrar, em concreto, a pena ajustada a cada caso. 
 Esse resultado não o pode, com efeito, o juiz atingir, lançando mão do instituto 
 da atenuação especial da pena ou, sendo o caso, do da dispensa de pena, a que 
 faz apelo o acórdão n.° 83/91 para ver consagrada, na norma sub iudicio, uma 
 pena que, tão-só tendencialmente, é uma pena fixa, e não uma pena rigidamente 
 fixa: é que, desde logo, a atenuação especial da pena pressupõe que a pena (de 
 prisão ou de multa) aplicável ao caso seja variável (cf. o artigo 73° do Código 
 Penal); e, depois, supõe a ocorrência de um quadro de circunstâncias com valor 
 fortemente atenuativo (“quando existirem circunstâncias anteriores ou 
 posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a 
 ilicitude do facto, a culpa do agente ou necessidade da pena”, diz o n.° 1 do 
 artigo 72° do mesmo Código). E, quanto à dispensa de pena, também só pode 
 recorrer-se a ela, quando, estando em causa uma infracção de pequena gravidade 
 
 (recte, uma infracção punível com prisão não superior a seis meses, ou só com 
 multa não superior a cento e vinte dias), o juiz verificar que são “diminutas” 
 
 “a ilicitude do facto e a culpa do agente”; que o “dano” já foi “reparado”; e 
 que “à dispensa de pena” se não opõem “razões de prevenção” (cf. o artigo 74° do 
 mesmo Código). 
 Estes mecanismos são, de facto inaptos para – como se escreveu no citado acórdão 
 n.° 202/2000, a propósito da atenuação especial da pena – “dar conta da 
 necessária adequação da pena em concreto às circunstâncias a considerar – à 
 culpa do agente e às necessidades de prevenção”. 
 Recorrendo, de novo, aos dizeres do acórdão n.° 202/2000: 
 Não pode aceitar-se o argumento de que, interpretando a norma em causa como 
 prevendo uma pena apenas “tendencialmente fixa” ela não viola o princípio da 
 igualdade e da proporcionalidade, do qual decorre que a gravidade das penas (e 
 das medidas de segurança) há-de ser proporcional à gravidade das infracções, 
 encaradas sob o ponto de vista, respectivamente, da culpa e das necessidades de 
 prevenção geral (e, para aquelas medidas, da prevenção especial, perante a 
 perigosidade do agente). 
 E, mais adiante, ponderou ainda o mesmo acórdão n.° 202/2000: 
 A admissão de que o recurso a estas possibilidades, previstas na lei geral – de 
 atenuação especial da pena e de dispensa de pena –, bastaria para permitir a 
 graduação, no caso concreto, de uma pena prevista na lei como de duração fixa, 
 assim a tornando proporcional às circunstâncias deste, se coerentemente seguida, 
 conduziria, aliás, à conclusão da desnecessidade de previsão de quaisquer 
 molduras penais abstractas, satisfazendo-se as exigências constitucionais da 
 igualdade e da proporcionalidade através daqueles institutos gerais. 
 A norma constante da parte final do § único do artigo 67° do Decreto n.° 44.623, 
 de 10 de Outubro de 1962, aqui sub iudicio – ou seja: o segmento dele que manda 
 aplicar o máximo da pena prevista no artigo 640 para o crime de pesca em época 
 de defeso, quando concorra a agravante de a pesca ter lugar em zona de pesca 
 reservada – é, pois, inconstitucional: ela viola os princípios constitucionais 
 da culpa, da igualdade e da proporcionalidade». 
 
 4.10. Toda esta doutrina, que se sufraga, é aplicável à situação dos presentes 
 autos. No caso em questão a Lei determina a aplicação de um multa correspondente 
 do preço do bilhete acrescido de uma multa do montante de 50% do preço do 
 respectivo bilhete; ou correspondente a 100 vezes o mínimo cobrável no 
 transporte utilizado. Em qualquer caso, trata-se sempre de uma multa de valor 
 fixo, que vem a ser aplicada em Tribunal, caso o arguido, oportuna e 
 voluntariamente não proceda ao pagamento da multa. 
 Embora a terminologia utilizada na norma constante do art.° 67.º, do Decreto 
 
 44.623 citado seja algo diferente, pois manda aplicar os máximos das penas a 
 partir de uma pena variável, a situação vem a ser é idêntica. Cabe assim 
 declarar em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, nos termos do 
 artigo 280.°, n.°1 alínea a), da CRP, a inconstitucionalidade da norma constante 
 do artigo 3.°, n.° 2, alínea a), do Decreto-Lei n.° 108/78, de 24 de Maio, por 
 violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade. 
 
  
 III. DECISÃO. 
 Pelos fundamentos expostos, decide-se: 
 A) Julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da 
 culpa, da igualdade e da proporcionalidade consagrados nos art.°s 1.º, 13.º, n.° 
 
 1, 18.º, n.° 1, 25.°, n.° 1, e 30.°, n.° 1, da Constituição, a norma constante 
 do artigo 3.°, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.° 108/78, de 24 de Maio, e em 
 consequência, 
 B) Na não aplicação daquela norma, ABSOLVER o arguido A. da transgressão de que 
 vinha acusado.
 
  
 O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes 
 termos:
 
  
 O Ministério Publico junto deste Tribunal, vem, nos termos do art° 70°, nº 1, 
 al. a) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional – Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas 
 pela Lei n° 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei 88/95, de 1 de Setembro e pela Lei 
 n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro - interpor recurso para o Tribunal Constitucional 
 do despacho de 14 de Dezembro de 2005, proferido no processo acima indicado que, 
 com fundamento em inconstitucionalidade material, recusou aplicar o art° 30 n° 2 
 al. a) do Dec. Lei n° 108/78, de 24 de Maio. 
 Nestes termos, porque está em tempo e tem legitimidade, requer-se a V. Exª. se 
 digne admitir o recurso, com efeito suspensivo, subida imediata e nos próprios 
 autos, directamente para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, onde serão produzidas as 
 alegações do recurso (art°s 72°, n° 1. al. a) e n° 3 - recurso obrigatório para 
 o M° P° -, 74°, n° 1, 75°, n° 1, 75°-A, n° 1, 76°, n° 1, 78°, n° 4 e 79º, todos 
 da referida Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional).
 
  
 Junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público alegou, concluíndo o 
 seguinte:
 
  
 
 1 - É inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade, a norma constante do artigo 3°., n°. 2, alínea a) do 
 Decreto-Lei nº. 108/78, de 24 de Maio, na medida em que estabelece uma pena de 
 multa de valor fixo, que o tribunal terá sempre de aplicar em caso de 
 condenação. 
 
 2 - Termos em que deverá confirmar-se a decisão recorrida quanto à questão de 
 inconstitucionalidade que é objecto de recurso.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 
 2.  A norma cuja apreciação é submetida ao Tribunal Constitucional tem a 
 seguinte redacção:
 
  
 Nos casos em que a cobrança seja feita por qualquer outro processo, os 
 infractores pagarão o preço do bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido 
 de uma multa de montante de: 
 a)   50% do preço do respectivo bilhete mas nunca inferior a cem vezes o mínimo 
 cobrável no transporte utilizado, na hipótese de não terem adquirido qualquer 
 título válido de transporte;
 
  
 
  
 O tribunal a quo, invocando jurisprudência do Tribunal Constitucional, julgou 
 tal norma inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e 
 da proporcionalidade.
 
  
 
  
 
 3.  A norma sob apreciação estabelece uma sanção penal (uma multa) fixa no seu 
 valor, caso se verifique a situação descrita no tipo (utilização de transporte 
 público sem título válido). Trata‑se, deste modo, de uma infracção penal 
 
 (contravenção) à qual são aplicáveis os princípios que conformam o regime das 
 penas criminais.
 O Tribunal Constitucional, em diversos arestos (cf. Acórdãos nºs 95/2001, 
 
 202/2000, 20/2002 e 124/2004, www.tribunalconstitucional.pt) decidiu julgar 
 inconstitucionais normas que consagrem penas fixas. 
 No mencionado Acórdão nº 124/2004, o Tribunal Constitucional julgou 
 inconstitucional com força obrigatória geral a norma da parte final do § único 
 do artigo 67º do Decreto nº 44.623, de 10 de Outubro de 1962, enquanto manda 
 aplicar o máximo da pena prevista no artigo 64º do mesmo diploma para o crime de 
 pescar em época de defeso, quando concorrer a agravante de a pesca ter lugar em 
 zona de pesca reservada, por violação dos princípios constitutivos de culpa, da 
 igualdade e da proporcionalidade. Nesse Acórdão, o Tribunal Constitucional, 
 transcrevendo o Acórdão nº 95/2001, considerou o seguinte:
 
  
 
 (...) O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de 
 um Estado de Direito, proíbe – já se disse –  que se aplique pena sem culpa e, 
 bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa.
 Trata-se de um princípio que emana da Constituição e que, na formulação de JOSÉ 
 DE SOUSA E BRITO (loc. cit., página 199), se deduz da dignidade da pessoa 
 humana, em que se baseia a República (artigo 1º da Constituição), e do direito 
 de liberdade (artigo 27º, n.º 1); e, nos dizeres de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, 
 vai buscar o seu fundamento axiológico “ao princípio da inviolabilidade da 
 dignidade pessoal: o princípio axiológico mais essencial à ideia do Estado de 
 Direito democrático” (Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do 
 Crime, Lisboa, 1993, página 73). 
 Pois bem: um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas 
 fixas: de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também 
 o seu limite, é em função dela (e, obviamente também, das exigências de 
 prevenção) que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta da pena, 
 situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de 
 comportamento. Ora, prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não pode, na 
 determinação da pena a aplicar ao caso que lhe é submetido, atender ao grau de 
 culpa do agente – é dizer: à intensidade do dolo ou da negligência.
 A previsão pela lei de uma pena fixa também não permite que o juiz, na 
 determinação concreta da medida da pena, leve em consideração o grau de 
 ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas 
 consequências, nem tão-pouco o grau de violação dos deveres impostos ao agente, 
 nem as circunstâncias do caso que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham 
 a favor ou contra ele.
 Ora, isto pode ter como consequência que o juiz se veja forçado a tratar de modo 
 igual situações que só aparentemente são iguais, por, essencialmente, acabarem 
 por ser muito diferentes. Ou seja: prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não tem 
 maneira de atender à diferença das várias situações que se lhe apresentam. Mas, 
 o princípio da igualdade – que impõe se dê tratamento igual a situações 
 essencialmente iguais e se trate diferentemente as que forem diferentes – também 
 vincula o juiz.
 A lei que prevê uma pena fixa pode também conduzir a que o juiz se veja forçado 
 a aplicar uma pena excessiva para a gravidade da infracção, assim deixando de 
 observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a gravidade das sanções 
 criminais seja proporcional à gravidade das infracções.
 Por isso, a norma legal que preveja uma pena fixa viola o princípio da culpa, 
 que enforma o direito penal, e o princípio da igualdade, que o juiz há-de 
 observar na determinação da medida da pena. E pode violar também o princípio da 
 proporcionalidade. E isto é assim, quer a pena que a norma prevê seja uma pena 
 de prisão, quer seja uma pena de multa.
 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal Português cit., página 193), depois de 
 dizer que decorre da Constituição que a determinação da pena exige cooperação – 
 
 “mas também, por outro lado, uma separação de tarefas e de responsabilidades tão 
 nítida quanto possível  entre o legislador e o juiz” –, sublinha que “uma 
 responsabilização total do legislador pelas tarefas de determinação da pena 
 conduziria à existência de penas fixas e, consequentemente, à violação do 
 princípio da culpa e (eventualmente também) do princípio da igualdade”.
 Este Tribunal, no seu acórdão n.º 202/2000 (publicado no Diário da República, II 
 série, de 11 de Outubro de 2000), debruçou-se sobre a norma constante do artigo 
 
 31º, n.º 10, da Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto – que mandava aplicar a pena fixa 
 de interdição do direito de caçar por um período de cinco anos àquele que 
 caçasse em zonas de regime cinegético especial em épocas de defeso ou com o 
 emprego de meios não permitidos – e concluiu que a mesma era inconstitucional, 
 por violar os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade. 
 Escreveu-se aí:
 
 “Deve, pois, reconhecer-se que a cominação, pela norma em análise, de uma pena 
 fixa, de quantum legalmente determinado sem possibilidade de individualização de 
 acordo com as circunstâncias do caso concreto, não se acha em conformidade com a 
 exigência de que à desigualdade da situação concreta (do facto cometido e das 
 suas “circunstâncias”) corresponda também uma diferenciação da sanção penal que 
 lhe é aplicada, e que esta seja proporcional às circunstâncias relevantes de tal 
 situação concreta.
 Os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade implicam, na 
 verdade, o juízo de que a cominação de uma pena de interdição do direito de 
 caçar invariável de cinco anos para o “crime de caça” do artigo 31º, n.º 10, da 
 Lei n.º 30/86 é materialmente inconstitucional”.
 Importa, então, saber se a norma sub iudicio prevê uma pena fixa, pois, tal 
 sucedendo, ela é constitucionalmente ilegítima nos termos que se deixaram 
 apontados.
 
 (...) Decorre, na verdade, dos princípios da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade a necessidade de a lei prever penas variáveis: é que, só desse 
 modo o legislador abre ao juiz a possibilidade de graduar a pena, fixando-a 
 entre o mínimo e o máximo que a lei prevê, de acordo com todas as circunstâncias 
 atendíveis (grau de culpa, necessidades de prevenção e demais circunstâncias), 
 por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, 
 em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar penas 
 desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em consideração todo o quadro 
 que envolveu a prática de cada uma delas. Ou seja: só prevendo o legislador 
 penas variáveis, pode o juiz adequar a pena à culpa do agente, às exigências de 
 prevenção e, bem assim, às demais circunstâncias que ele deve considerar para 
 encontrar, em concreto, a pena ajustada a cada caso.
 Esse resultado não o pode, com efeito, o juiz atingir, lançando mão do instituto 
 da atenuação especial da pena ou, sendo o caso, do da dispensa de pena, a que 
 faz apelo o acórdão n.º 83/91 para ver consagrada, na norma sub iudicio, uma 
 pena que, tão-só tendencialmente, é uma pena fixa, e não uma pena rigidamente 
 fixa: é que, desde logo, a atenuação especial da pena pressupõe que a pena (de 
 prisão ou de multa) aplicável ao caso seja variável (cf. o artigo 73º do Código 
 Penal); e, depois, supõe a ocorrência de um quadro de circunstâncias com valor 
 fortemente atenuativo (“quando existirem circunstâncias anteriores ou 
 posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a 
 ilicitude do facto, a culpa do agente ou necessidade da pena”, diz o n.º 1 do 
 artigo 72º do mesmo Código). E, quanto à dispensa de pena, também só pode 
 recorrer-se a ela, quando, estando em causa uma infracção de pequena gravidade 
 
 (recte, uma infracção punível com prisão não superior a seis meses, ou só com 
 multa não superior a cento e vinte dias), o juiz verificar que são “diminutas” 
 
 “a ilicitude do facto e a culpa do agente”; que o “dano” já foi “reparado”; e 
 que “à dispensa de pena” se não opõem “razões de prevenção” (cf. o artigo 74º do 
 mesmo Código).
 Estes mecanismos são, de facto inaptos para – como se escreveu no citado acórdão 
 n.º 202/2000, a propósito da atenuação especial da pena – “dar conta da 
 necessária adequação da pena em concreto às circunstâncias a considerar – à 
 culpa do agente e às necessidades de prevenção”. 
 Recorrendo, de novo, aos dizeres do acórdão n.º 202/2000:
 
 “Não pode aceitar-se o argumento de que, interpretando a norma em causa como 
 prevendo uma pena apenas “tendencialmente fixa” ela não viola o princípio da 
 igualdade e da proporcionalidade, do qual decorre que a gravidade das penas (e 
 das medidas de segurança) há-de ser proporcional à gravidade das infracções, 
 encaradas sob o ponto de vista, respectivamente, da culpa e das necessidades de 
 prevenção geral (e, para aquelas medidas, da prevenção especial, perante a 
 perigosidade do agente)”.
 E, mais adiante, ponderou ainda o mesmo acórdão n.º 202/2000:
 
 “A admissão de que o recurso a estas possibilidades, previstas na lei geral – de 
 atenuação especial da pena e de dispensa de pena –, bastaria para permitir a 
 graduação, no caso concreto, de uma pena prevista na lei como de duração fixa, 
 assim a tornando proporcional às circunstâncias deste, se coerentemente seguida, 
 conduziria, aliás, à conclusão da desnecessidade de previsão de quaisquer 
 molduras penais abstractas, satisfazendo-se as exigências constitucionais da 
 igualdade e da proporcionalidade através daqueles institutos gerais”.
 
  
 Estas considerações são, no essencial, transponíveis para os presentes autos. 
 Com efeito, as contravenções que o legislador manteve no sistema penal 
 português, após a criação do Regime Geral das Contra‑ordenações (Decreto-Lei nº 
 
 433/82, de 27 de Outubro, agora na redacção do Decreto-Lei nº 356/85, de 17 de 
 Outubro e do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro), não estão em geral 
 despenalizadas, isto é, subtraídas aos princípios constitucionais do Direito 
 Penal, tal como o princípio da culpa e a proibição constitucional de penas 
 fixas. Na verdade, o legislador, mesmo em termos processuais, subordinou a 
 matéria de processamento e julgamento de contravenções a um regime processual 
 penal simplificado, mas, em todo o caso, de natureza processual penal e não 
 administrativa (Decreto-Lei nº 17/91, de 10 de Janeiro). E, apesar de as 
 infracções terem sido despenalizadas nesta específica matéria através da Lei nº 
 
 28/2006, de 4 de Julho (artigos 7º, 13º e 14º), é ainda aplicável aos processos 
 pendentes o regime concretamente mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à 
 medida das sanções aplicáveis (artigo 14º, nº 2). A evolução legislativa impede, 
 assim, não só de situar as infracções qualificadas como ilícito contravencional 
 no Direito de mera ordenação social, no Direito Civil ou em qualquer outro ramo 
 do Direito, mantendo‑se a natureza que legal, doutrinária e jurisprudencialmente 
 sempre lhe foi conferida (cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, reimp., 
 
 1996, p. 213 e ss., Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 
 Questões Fundamentais, A doutrina geral do crime, 2004, p. 145 e, ainda Maia 
 Gonçalves, Código Penal Anotado, 3ª ed., 1977, anotação ao artigo 3º), como 
 também, nesta matéria específica, é salvaguardada a subordinação a princípios do 
 Direito Penal garantísticos. Também não há qualquer obrigação constitucional 
 genérica de despenalizar o ilícito contravencional, na medida em que a opção do 
 legislador ao nível do ilícito, da sanção e do processo não interfira com o 
 princípio da necessidade da pena.
 E, por fim, ainda o próprio Direito de mera ordenação social adopta, no 
 essencial, os princípios do Direito Penal (artigos 2º, 3º, 8º e 9º do 
 Decreto-Lei nº 433/82), não sendo sequer os princípios da culpa e da proibição 
 de penas fixas expressamente afastados por aquele regime legal. 
 Consequentemente, não existem razões substanciais, nem legais nem 
 constitucionais, inerentes à menor gravidade do ilícito contravencional que 
 tornem inadequada ou injustificada a aplicação daqueles princípios, sobretudo na 
 medida em que eles se exprimam numa acentuação das garantias do arguido.
 Razões de economia processual ou de celeridade bem como argumentos relacionados 
 com a massificação das infracções não têm dignidade constitucional por si para 
 prevalecer sobre princípios constitucionais que se aplicam directa, 
 expressamente e sem excepções a matéria de ilícito e sanções penais e que não 
 são sequer incompatíveis com a natureza do próprio Direito de mera ordenação 
 social.
 E, finalmente, também não existem argumentos derivados da espécie de sanção – 
 uma multa penal – que impeçam a sua adaptação aos princípios constitucionais.
 Não suscitando o presente recurso qualquer outra questão que deva ser apreciada, 
 remete‑se para a jurisprudência constitucional citada (cujo fundamento é 
 acolhido pela decisão recorrida), concluindo‑se pela inconstitucionalidade da 
 norma sob apreciação, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade.
 
  
 
 4.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide confirmar o juízo de 
 inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
 
  
 
  
 
                                                   Lisboa, 18 de Outubro de 2006
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 
                                        Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da 
 declaração de voto que junto)
 
                                     Benjamim Rodrigues (vencido nos termos da 
 declaração anexa)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 Declaração de voto
 Votei vencido por ter ficado com sérias dúvidas sobre a extensão da 
 jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade, por violação dos princípios 
 constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, de penas fixas 
 para crimes, que subscrevo (cf., aliás, o Acórdão n.º 202/2000, de que fui 
 relator), à infracção prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de 
 Maio, consistente na utilização de transportes colectivos de passageiros sem 
 estar munido de título de transporte válido, e que está em causa no presente 
 recurso de constitucionalidade. É certo que essa infracção é sancionada com uma 
 
 “multa” que é receita do Estado, e que o próprio diploma remete o processo 
 respectivo para os artigos 166.º e segs. do Código de Processo Penal de 1929. 
 Apesar disso, não pode esquecer-se que, nos casos em que o agente utiliza o 
 serviço de transporte com intenção de não pagar e se nega a solver a dívida 
 respectiva, a sua actuação é já prevista e punida (com uma pena a aplicar dentro 
 de uma moldura penal, obviamente), como crime de “burla para obtenção de 
 serviços”, no artigo 220.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal. Nas restantes 
 hipóteses, penso que a conduta prevista como infracção no artigo 3.º do 
 Decreto-Lei n.º 108/78, por não atingir aquele “mínimo ético” que é protegido 
 pela previsão de sanções criminais, melhor seria objecto de uma contraordenação, 
 sendo, portanto, considerada como infracção de natureza não criminal, mas antes 
 jurídico-administrativa – cf., aliás, a despenalização dessas condutas, também 
 referida no Acórdão, operada pela Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho (e em especial 
 o artigo 7.º desta).
 Acresce que estamos perante infracções que são tipicamente condutas que têm 
 lugar no tráfico ou circulação de massas, em que é em regra particularmente 
 difícil, logo pela “natureza das coisas”, a averiguação de algumas das 
 circunstâncias que podem justificar uma individualização e graduação da sanção. 
 Esta averiguação poderia mesmo, ou impor um esforço que não parece exigível, ou, 
 pelo seu carácter rotineiro, conduzir a situações de injustiça relativa. E, 
 consistindo a infracção na utilização de um serviço de transporte sem o 
 respectivo título, cuja obtenção custa certo montante, parece de admitir – como 
 noutras infracções em que está em causa o não pagamento de um certo montante 
 fixo para utilização de serviços postos à disposição do público – que a sanção 
 consista num múltiplo ou fracção fixa desse montante, isto é, que seja fixada 
 por referência a esse custo (e isto, mesmo que não seja uma sanção de tipo 
 contratual ou convencional, mas antes uma sanção para uma infracção que está 
 prevista na lei). 
 Estas considerações fizeram-me duvidar do acerto de uma ampla proibição 
 constitucional de quaisquer sanções pecuniárias fixas, em casos como o presente, 
 em que é de duvidar da natureza criminal (ou da justificação político-criminal) 
 da sanção e em que a infracção, cometida no tráfico de massas, consiste no não 
 pagamento de um preço pela utilização de um serviço disponibilizado ao público, 
 pelo que parece mais simples que a sanção seja fixada num múltiplo ou fracção do 
 montante que deveria ter sido pago. Perante tais dúvidas, não me pronunciei no 
 sentido da inconstitucionalidade.
 Paulo Mota Pinto
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
 1 – Não obstante acompanharmos as considerações tecidas no acórdão sobre a 
 natureza e funcionalidade jurídico-constitucionais do Direito Penal e a sua 
 sujeição aos princípios da necessidade das penas, da legalidade, da culpa, da 
 proporcionalidade e da igualdade e aderirmos, igualmente, à tese segundo a qual 
 um Direito Penal de culpa não é compatível com a existência de penas criminais 
 fixas, nos termos afirmados, entre outros, pelo Acórdão n.º 95/01, a que o 
 presente acórdão se arrimou, divergimos da posição que fez vencimento 
 relativamente à concreta contravenção (hoje, contra-ordenação – cf. Lei n.º 
 
 28/2006, de 4 de Julho) e à sanção que se encontram previstas no art. 3.º, n.º 
 
 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 108/78, de 24 de Maio.
 
  
 
                  2 – E dissentimos porque entendemos que aqueles princípios não 
 postulam o mesmo grau de protecção constitucional quando o ilícito que está em 
 causa não é o ilícito criminal, mas outro tipo de ilícito, como o 
 contravencional ou, agora, o contra-ordenacional, bem podendo transportar um 
 diferente grau de tutela constitucional para cada um destes dois últimos tipos 
 de ilícito e, dentro deles, das concretas infracções que o legislador 
 constitucionalmente competente modele.
 
                  O acórdão abona-se numa lógica apodíctica de total 
 transponibilidade daqueles princípios constitucionais de direito penal para o 
 direito contravencional e para o direito contra-ordenacional, não relevando 
 suficientemente, segundo o nosso ponto de vista, o aspecto da Lei fundamental os 
 destrinçar. 
 
                  Ora, acontece que esta apenas aludia, até à revisão de 1992, à 
 
 “lei criminal” e aos “crimes” [cf., a título de exemplo, os art.ºs 29.º, 30.º, 
 
 32.º e 167.º, alínea e), na versão originária], omitindo qualquer referência às 
 contravenções. 
 
                  Deste modo, ao constituir, no uso da sua discricionariedade 
 normativo-constitutiva, o ilícito contravencional, o legislador ordinário só 
 estava obrigado à “Constituição criminal” onde pudesse surpreender-se uma 
 identidade dos motivos constitucionais, ainda que com assento em outros 
 preceitos constitucionais como, por exemplo, os arts. 2º, 13º, nº 1 e 20º s Lei 
 fundamental. 
 
                  Por seu lado, a partir daquela revisão, a Constituição passou a 
 falar em termos dicotómicos, de crimes e de contra-ordenações, continuando a 
 silenciar a existência do ilícito contravencional [art. 29.º, 30.º, 32.º e 
 
 168.º, n.º 1, alínea c)], para dizer, sucintamente, quanto ao último, que “nos 
 processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de 
 audiência e de defesa” e que era (como continua a ser) da competência reservada 
 da Assembleia da República “legislar sobre o regime geral dos actos ilícitos de 
 mera ordenação social”.
 
                  Ora, conquanto admitamos, em tese geral, que os princípios da 
 legalidade, da culpa, da proporcionalidade e da igualdade são também aplicáveis 
 no direito contravencional (como no contra-ordenacional), entendemos, todavia, 
 que eles têm, aqui, um diferente grau de intensidade de tutela constitucional.
 
                  Assim, segundo o nosso ponto de vista, o recorte normativo dos 
 factos ilícitos poderá ser efectuado com mais plasticidade do que no direito 
 penal, de modo a poder abarcar realidades que estão próximas, mas em que 
 continua a estar presente a teleologia que justifica a criação da contravenção 
 
 (ou contra-ordenação) – um princípio de legalidade menos sujeito à sua dimensão 
 de tipicidade. 
 
                  Assim, será lícita a utilização de conceitos com maior grau de 
 indeterminação relativamente ao que se passa no direito criminal, na medida em 
 que a sanção demandada pela prática dos factos ilícitos não contende com a 
 garantia fundamental da liberdade e segurança da pessoa humana (art. 27.º, n.º 
 
 1, da CRP), antes se quedando, primacialmente, pela imposição de um sacrifício 
 pecuniário e que, desse modo, afecta, essencialmente, tão só uma das dimensões 
 em que se desdobra a protecção constitucional do direito de propriedade, 
 surgindo as sanções acessórias, mesmo quando não revistam a mesma natureza, como 
 medidas de carácter especial, sendo que, no caso do concreto ilícito, elas nem 
 sequer estão previstas.
 
                  Esta maior elasticidade do princípio da legalidade 
 repercute-se, igualmente, no domínio da conformação legislativa das respectivas 
 sanções, apontando no sentido de o legislador poder ampliar ou restringir a sua 
 modelação ou concretização normativas (sobre a articulação entre o princípio da 
 legalidade e o princípio da culpa, na projecção das penas, cf. o Acórdão n.º 
 
 547/01, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 
                  Por outro lado, a culpa não contende com a violação, voluntária 
 ou negligente, de concretos bens com essencial ressonância ética, referindo-se, 
 essencialmente, à violação de padrões normativos de ordenação social, 
 constantes, normalmente, de normas regulamentares. 
 
                  Por isso, ela tende a manifestar-se através de tipos de 
 comportamentos que são susceptíveis de acontecer em massa, em virtude de, por um 
 lado, ser grande o universo das pessoas que estão sujeitas, na vida real, a 
 esses padrões normativos, e, por outro, a violação se traduzir, normalmente, na 
 simples produção do resultado que o legislador pretende evitar, seja ele 
 positivo ou negativo.
 
                  Por fim, a especificidade que os princípios da legalidade e da 
 culpa assumem no domínio das contravenções (contra-ordenações) não pode, também, 
 deixar de ter reflexos, atento tal “padronamento”, no domínio da necessidade de 
 intervenção do juiz para concretizar o nível de ilícito e de culpa atingidos 
 pelo concreto comportamento do agente.
 
                  Deste modo, não se vê que o legislador ordinário, colocado 
 perante a possibilidade de verificação de infracções contravencionais 
 
 (contra-ordenacionais) em massa, decorrente da opção legislativa de punir a esse 
 título comportamentos violadores de simples regras de conduta ou de ordenação da 
 comunidade social ou de colaboração com o Estado, não possa conferir maior 
 relevo às exigências postuladas pelo princípio da legalidade em detrimento do 
 sentido apontado pelo princípio da culpa e, nesse seu juízo, proceder a uma 
 maior concretização das sanções aplicáveis nesses tipos de ilícito, afrouxando a 
 necessidade da intervenção do juiz no apuramento efectivo do montante da sanção 
 a aplicar, sem que possa sustentar-se existir uma violação intolerável dos 
 princípios da igualdade e proporcionalidade. 
 
                  Não pode, por outro lado, desconhecer-se que as sanções em 
 causa não têm o sentido estigmatizante do direito criminal e que não atingem o 
 direito fundamental da liberdade, tendo natureza, essencialmente, pecuniária.
 
                  Acresce que o respeito pelos referidos princípios 
 constitucionais, com a intensidade de tutela demandada pelo direito criminal, se 
 afigura tanto menos imperativa quanto menor for o valor pecuniário da sanção, na 
 sua expressão absoluta: não é indiferente à Lei Fundamental uma sanção cujo 
 montante máximo aplicável seja de elevadíssimo ou muito elevado valor pecuniário 
 e uma outra sanção que se quede por valores baixos ou acessíveis ao comum das 
 pessoas (abordando essa matéria, cf. o referido Acórdão n.º 547/01).
 
                  Trata-se de uma solução legislativa que pode encontrar especial 
 justificação substancial nos princípios da necessidade, da proporcionalidade e 
 da igualdade, bem como na concreta natureza dos bens ou deveres jurídicos que 
 são violados, na natureza da sanção – pecuniária – e no montante absoluto das 
 sanções abstractamente aplicáveis (afirmando, abertamente, a conformidade 
 constitucional de algumas penas fixas, podem ver-se os Acórdãos nºs 83/91, 
 
 441/93 e 74/95, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 
                  3 - Ora, é exactamente o que se passa com a norma objecto do 
 recurso de constitucionalidade. 
 
                  Ela pune o comportamento, no mínimo culposo, da falta de título 
 válido de transporte, por banda do utilizador, nos casos em que a cobrança não é 
 feita por agente cobrador mas por outro processo, prevendo que o infractor pague 
 o preço do bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido de uma multa de 
 
 “50% do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a cem vezes o mínimo 
 cobrável no transporte utilizado”.
 
                  Para o conhecimento da questão em apreço apenas releva a norma, 
 na parte em que esta sanciona o comportamento do infractor com multa, pois o 
 pagamento do preço corresponde a uma mera dívida que encontra a sua causa 
 jurídica no contrato de transporte (ainda que de simples adesão).
 
                   Antes de mais importa notar que não estamos, porém, perante 
 uma sanção que se possa considerar rigidamente fixa. 
 
                  Na verdade, a sanção prevista apenas coloca na mesma posição os 
 infractores que utilizem, sem título válido, o transporte durante um mesmo 
 percurso ou ainda aqueles em que o valor de 50% do preço do respectivo bilhete 
 seja inferior a cem vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado. Nos outros 
 casos, a sanção é objectivamente variável.
 
                  Todavia, existem razões que podem sustentar, no plano 
 constitucional, essa opção legislativa de igualação sancionatória.
 
                  A sanção pune a utilização dos transportes sem título válido de 
 transporte, nos casos em que a cobrança do preço não é feita por cobrador. 
 
                  O fim que ela prossegue é, pois, o de desencorajar, pelo modo 
 tido como eficaz, a utilização dos transportes sem o pagamento da 
 contraprestação devida pela prestação do transporte e de, por essa via, procurar 
 garantir, na maior medida possível, a amortização dos custos do investimento e 
 da prestação do serviço.  
 
                  Ora, estes serviços de transporte são serviços de interesse 
 geral, porquanto satisfazem necessidades básicas dos cidadãos, que são prestados 
 em regime de concessão de serviço público e que estão sujeitos a princípios 
 específicos, como o da universalidade, ou do acesso do maior número possível de 
 pessoas, mesmo as economicamente desfavorecidas, neste se incluindo a 
 inadmissibilidade legal da possibilidade de escolha do contraente e de recusa de 
 contratar, possível relativamente a outros bens. 
 
                  Deve notar-se, por outro lado, que a prestação de serviços 
 deste tipo corresponde, de resto, a um modo de o Estado se desincumbir da tarefa 
 fundamental cometida no art. 9.º, alínea d) da Constituição (“promover o bem 
 estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem 
 como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais…”).
 
                  Acresce – como já se disse, no nosso voto de vencido aposto ao 
 Acórdão n.º 650/04, publicado no Diário da República I Série-A, de 23 de 
 Fevereiro de 2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, a propósito do 
 transporte ferroviário, mas não sendo diferente a valoração a estabelecer aqui – 
 que “o fornecimento desse serviço está sujeito a um princípio de qualidade 
 elevada que é normativamente definida (cf., hoje, o art. 7º da Lei n.º 23/96, de 
 
 26 de Julho), afastando, assim, quaisquer critérios de padrões mínimos ou até de 
 critérios médios na avaliação do grau de cumprimento da obrigação de transporte 
 
 (cf. Carlos Ferreira de Almeida, Serviços Públicos, Contrato Privados, in 
 Estudos de Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Colaço, p. 132)”. 
 
                  Por estas razões, os preços relativos à prestação dos serviços 
 de transporte são, por via de regra, “preços normativos” e não preços 
 estabelecidos por acordo das partes ou segundo mecanismos de livre funcionamento 
 do mercado, em cuja determinação intervêm, de modo relevante, factores 
 normativos e ponderações “políticas” que são efectuadas pela competente 
 administração pública, situando-se, normalmente, em patamares que se situam 
 abaixo do que resultaria daquele mercado.
 
                  Mas demandando a actividade de prestação de tais bens avultados 
 investimentos, não poderá, correspondentemente, o legislador deixar de adoptar, 
 como se disse, já, instrumentos que garantam, eficazmente, o pagamento dos 
 preços devidos.
 
                  Ora, se os preços são fixados em função de um paradigma 
 económico dos seus utilizadores, que procura colocar todos os consumidores no 
 mesmo plano, quanto à possibilidade de poder aceder a tais bens, dentro de uma 
 
 óptica de igualdade de oportunidades, não se vê que o legislador, optando pela 
 conformação de um ilícito contravencional (ou contra-ordenacional) perspectivado 
 para conferir eficácia ao dever do seu pagamento/cobrança, não possa, por 
 decorrência desses mesmos princípios, estabelecer um padrão de pena igual para 
 todos aqueles que o violem, desde que ele se situe dentro de valores que não 
 sejam desadequados, e exista uma infracção a punir.
 
                  A sanção fixa corresponderá, deste modo, a uma transposição 
 para o campo sancionatório dos mesmos princípios a que obedece, precisamente, o 
 estabelecimento dos preços normativos e a conformação do dever do seu 
 pagamento/cobrança, maxime, dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
 
                  A sanção constitucionalmente impugnada enquadra-se, a nosso 
 ver, dentro de tais exigências.
 
                  O que acaba de dizer-se não impede que o legislador ordinário, 
 no uso da sua discricionariedade normativo-constitutiva, não possa optar por um 
 sistema de sanções variáveis, como aquele que estabeleceu no art. 7.º da recente 
 Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, que regulou em novos termos o “regime 
 sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes 
 colectivos de passageiros”.
 
                  Eis, porque entendemos que não é constitucionalmente proibida a 
 existência, no ilícito contravencional e no contra-ordenacional, de sanções 
 fixas, relativamente a infracções cuja conformação visa defender bens jurídicos 
 relacionados com a prestação de bens em condições tendenciais de igualdade no 
 seu acesso real.
 Benjamim Rodrigues