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Processo nº 579/98
 Plenário
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 O pedido
 
  
 
 1.  O objecto do pedido 
 O Provedor de Justiça requer, ao abrigo do artigo 281º, nº 2, alínea a), da 
 Constituição, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral 
 da norma constante do artigo 27º do Decreto-Lei nº 268/92, de 28 de Novembro, 
 que estabelece o regime de exploração das apostas mútuas hípicas.
 A norma em causa tem o seguinte teor:
 
 “A publicidade das apostas mútuas hípicas beneficia do regime de excepção 
 previsto no nº 2 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de Outubro.”
 
  
 
  
 
 2.  Fundamentos do pedido
 Fundamentando o seu pedido, o Provedor de Justiça alegou, designadamente, o 
 seguinte:
 
 –    O Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de Outubro, aprovou o Código da Publicidade, 
 consagrando o regime da actividade publicitária.
 
 –    O referido diploma enuncia as restrições ao objecto da publicidade, entre 
 as quais se conta a restrição à publicidade de jogos de fortuna e azar, com 
 excepção dos “jogos promovidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”.
 
 –    O Decreto-Lei nº 268/92, de 28 de Novembro, estabelece o regime jurídico 
 das apostas mútuas hípicas, sendo, por força do artigo 27º, concedido à 
 publicidade destas regime de excepção idêntico ao dos jogos da Santa Casa da 
 Misericórdia de Lisboa, afastando-se, deste modo, a aplicação do regime geral 
 restritivo da publicidade de jogos de fortuna ou azar.
 
 –                 Subsistem, assim, em paralelo, dois regimes diferenciados de 
 publicidade de jogos de fortuna e azar: o regime geral, restritivo, que impõe 
 que tais jogos não possam surgir como objecto essencial da mensagem 
 publicitária, e o posterior regime, específico das apostas mútuas hípicas, que 
 isenta a publicitação daquele jogo de fortuna e azar das restrições quanto ao 
 objecto publicitado.
 
 –    A Constituição associa, no artigo 60º, nºs 1 e 2, os direitos do consumidor 
 
 à actividade publicitária, facto que pode justificar, por parte do legislador, 
 restrições ao objecto publicitado, tais como a restrição ou proibição à 
 publicidade de bebidas alcoólicas, tabaco, medicamentos e jogos de fortuna e 
 azar.
 
 –    Aliás, o preâmbulo do Código da Publicidade sublinha a importância dessa 
 actividade como “motor do mercado”, mas não sem prever “a definição de regras 
 mínimas, cuja inexistência permitiria, na prática, desvirtuar o próprio e 
 intrínseco mérito da actividade publicitária”, o que, numa perspectiva de 
 direito do consumidor, se deverá entender como a necessidade de acautelar um 
 eventual papel negativo da publicidade, através da informação que veicula, na 
 formação da vontade do consumidor.
 
 –    No caso do regime de restrições ao objecto de publicidade dos jogos de 
 fortuna e azar, consagrado pelo artigo 21º do Código da Publicidade, o intuito 
 do legislador foi limitar o estímulo à sua prática gerado pela divulgação 
 publicitária, considerando os danos económicos e sociais decorrentes da prática 
 compulsiva e reiterada dos jogos de fortuna e azar, e cercear as tentativas 
 irreflectidas de ganhos rápidos através de apostas consideráveis em tais jogos.
 
 –    As apostas mútuas hípicas constituem um jogo de fortuna e azar, conforme 
 resulta do regime do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo 
 Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, e o seu regime é semelhante ao regime 
 geral dos jogos de fortuna e azar, nomeadamente quanto à concessão de 
 exploração, inspecção e fiscalização do Estado e às obrigações de investimento.
 
 –    O preâmbulo do Decreto-Lei nº 268/92 enuncia as razões que presidiram à 
 criação do regime de exploração das apostas mútuas hípicas, designadamente, os 
 
 “efeitos benéficos” para a “economia em geral” que resultam das corridas de 
 cavalos “em termos de fomento de exportações, de emprego e de melhoria de oferta 
 turística”, considerando ser a sua organização economicamente inviável sem o 
 apoio financeiro proporcionado pela exploração da aposta mútua.
 
 –    Assim, o objectivo da norma do artigo 27º do Decreto-Lei nº 268/92 parece 
 ser o de fomentar uma ampla divulgação das apostas mútuas hípicas através da 
 publicidade, com o objectivo de incentivar o consumidor a apostar nas corridas 
 hípicas, de forma a aumentar as receitas do jogo, que reverterão, em parte, a 
 favor da realização dos objectivos mencionados.
 
 –    Porém, as razões económicas, de incremento do emprego e do turismo, não 
 podem constituir fundamento material bastante para a diferenciação legal entre o 
 regime publicitário das apostas mútuas hípicas e o dos restantes jogos de 
 fortuna e azar, porquanto tais vantagens decorrem igualmente da exploração 
 destes últimos, nomeadamente dos jogos praticados em casinos, nos termos do 
 artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 422/89.
 
 –    Tão-pouco o fomento da criação de cavalos, a promoção do desporto equestre 
 e de outras finalidades de interesse social poderão configurar tal justificação, 
 uma vez que todas as entidades que exploram jogos de fortuna e azar estão 
 vinculadas ao cumprimento de obrigações de diversa natureza, como contrapartida 
 da atribuição do direito de exploração do jogo, o que sempre se traduz em 
 benefícios para a comunidade.
 
 –    Assim sendo, não se vislumbram razões materiais que possam, de forma 
 objectiva e razoável, sustentar um tratamento legal da publicidade das apostas 
 mútuas hípicas diverso e mais favorável do que aquele que é concedido aos 
 restantes jogos de fortuna e azar, já que também não procedem aqui as razões de 
 interesse público que justificam o regime mais benévolo concedido aos jogos 
 promovidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
 
  
 Conclui o Provedor de Justiça no sentido de a norma constante do artigo 27º do 
 Decreto-Lei nº 268/92 ser inconstitucional, por desconformidade com o disposto 
 no artigo 13º, nº 1, da Constituição.
 
  
 
  
 
 3.  A resposta do órgão autor da norma
 Notificado do pedido, veio o Primeiro-Ministro responder, alegando, em suma, o 
 seguinte:
 
 –    As restrições legais ao objecto da publicidade não são impostas pela 
 Constituição (que directamente apenas proíbe a “publicidade oculta, indirecta ou 
 dolosa”), mas sim por ela justificadas em defesa de direitos constitucionalmente 
 relevantes como são os direitos do consumidor, havendo aqui uma margem de 
 liberdade para o legislador ordinário.
 
 –    O legislador ordinário utilizou essa margem de liberdade na proibição de 
 jogos de fortuna ou azar, afastando assim a regra geral que é a da possibilidade 
 de publicidade, mas voltou a essa regra geral em dois casos: os jogos promovidos 
 pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e as apostas mútuas hípicas.
 
 –    A questão situa-se, pois, no plano dos limites da liberdade do legislador 
 ordinário na regulamentação da publicidade, não por efeito de qualquer obrigação 
 constitucional na matéria concreta em causa, mas pelos limites que o princípio 
 constitucional da igualdade lhe impõe na regulamentação da matéria.
 
  
 
 –    As apostas mútuas hípicas constituem, de entre os jogos de fortuna e azar, 
 e tal como resulta do artigo 26º do Decreto-Lei nº 268/92, um jogo de apostas 
 mútuas, o que faz com que estejam mais próximos, pela sua natureza, dos jogos da 
 Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, em que pode haver publicidade, do que 
 daqueles em que essa mesma publicidade é alvo de restrição.
 
 –    A proximidade das apostas mútuas hípicas com o regime dos jogos de fortuna 
 e azar resulta, aliás, mais da natureza da entidade concessionária do que da 
 natureza do jogo, de onde não se retira nenhuma conclusão quanto à razoabilidade 
 ou impossibilidade de fazer publicidade.
 
 –    O preâmbulo do Decreto-Lei nº 268/92 silencia quaisquer fundamentos no que 
 respeita ao regime da publicidade, mas justifica a criação do regime de 
 exploração das apostas mútuas hípicas como forma de sustentar a organização das 
 corridas e ainda como meio de “obter receitas para o fomento da criação de 
 cavalos, do desporto equestre e de outras finalidades de interesse social”. 
 Deste modo, se a instituição das apostas mútuas serve estes interesses, a 
 respectiva publicidade visa tornar mais efectiva a sua promoção, aumentando 
 também o interesse pela organização das próprias apostas.
 
 –    O legislador entendeu, assim, que as apostas mútuas hípicas e a sua 
 publicidade se justificam como forma de promover uma actividade relevante para a 
 economia nacional que são as corridas de cavalos, o que as diferencia de 
 actividades que possam ser promovidas por outros jogos de fortuna e azar, por si 
 não relevantes para a economia nacional em termos semelhantes, já que os casinos 
 são basicamente locais de jogo.
 
 –    É, pois, legítimo, na contraposição entre o interesse dos consumidores em 
 que se proíba a publicidade a jogos de fortuna e azar e o interesse de promoção 
 das corridas de cavalos, que o legislador, neste caso limitado, permita a 
 publicidade, tal como o fez para os jogos da Santa Casa da Misericórdia de 
 Lisboa, aqui por razões do interesse social do destino das receitas.
 
 –    Além disso, as corridas de cavalos e respectivas apostas mútuas são novas 
 em Portugal, pelo que o seu desenvolvimento necessita de ser publicitado, sob 
 pena de não se verificarem as vantagens que se visam para efeitos de promoção da 
 economia nacional – coisa que, de forma nenhuma, sucede com os restantes jogos 
 de fortuna e azar.
 
  
 O órgão autor da norma conclui que o artigo 27º do Decreto-Lei nº 268/92 não 
 viola o princípio constitucional da igualdade, já que se limita a permitir um 
 regime de publicidade para as apostas mútuas hípicas em defesa de um interesse 
 relevante também do ponto de vista constitucional.
 Fixada, em sessão plenária, a orientação do Tribunal, cumpre agora formular e 
 fundamentar a decisão.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 4.  Não há, no Direito português, uma definição em sentido próprio do jogo. 
 O legislador português omite, no artigo 1245º do Código Civil, na verdade, 
 qualquer definição. Todavia, a doutrina não deixa de enunciar as características 
 jurídicas do jogo e da aposta, concluindo tratar‑se de contratos consensuais, 
 sinalagmáticos, onerosos e aleatórios (cf. Mota Pinto, Pinto Monteiro e Calvão 
 da Silva, Jogo e Aposta, 1982, p. 8).
 No jogo e aposta, o risco assumido pelas partes não preexiste como noutros 
 contratos aleatórios mas é criado pelas partes.
 
 É precisamente o facto de o risco não ser uma necessidade mas algo que se 
 procura por si mesmo, desenvolvendo, por vezes, paixões e obsessões lesivas das 
 pessoas que se dedicam excessivamente ao jogo, que tem levado a uma consciência 
 crítica, manifestada na Cultura e no próprio pensamento jurídico, a uma certa 
 
 “condenação” do contrato de jogo (cf. Maria Isabel Namorado Clímaco, “Os Jogos 
 de Fortuna e Azar”, em Saldanha Sanches e outro (org.), Homenagem a José 
 Guilherme Xavier de Basto, 2006, p. 469 e ss.).
 
                  É assim, por isso, que os chamados jogos de fortuna e azar são 
 normalmente ilícitos (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 
 Vol. II, 4.ª edição revista e actualizada, 1997, p. 926 e ss.), sendo, porém, 
 lícitos quando autorizados –segundo Mota Pinto, Pinto Monteiro e Calvão da 
 Silva, ob. cit., p. 30 e ss. ao autorizar certos jogos de fortuna e azar, 
 regulamentando e fiscalizando a sua prática, o Estado assegura a satisfação de 
 uma tendência natural do homem, sabendo que serão observadas as condições por 
 ele (Estado) impostas, as quais contribuem para atenuar os efeitos negativos do 
 jogo. Por outro lado, obtém importantes receitas fiscais, incentiva o turismo e 
 canaliza parte considerável das receitas do jogo para fins de ordem social.
 No actual quadro jurídico, a exploração e prática de jogos de fortuna e azar é 
 permitida nas zonas de jogo criadas por lei.
 No que concerne à publicidade dos referidos jogos, está ela sujeita ao regime 
 geral da publicidade, hoje contido no Código da Publicidade, aprovado pelo 
 Decreto‑Lei nº 330/90, de 23 de Outubro.
 Para além de proibir a publicidade que encoraje comportamentos prejudiciais à 
 saúde e segurança dos consumidores, o Código da Publicidade estabelece diversas 
 restrições à publicidade, quanto ao seu conteúdo e ao seu objecto. E é assim que 
 ele proíbe ou limita a publicidade a bebidas alcoólicas (artigo 17º), tabaco 
 
 (artigo 18º), tratamentos e medicamentos (artigo 19º), cursos (artigo 22º), 
 veículos automóveis (artigo 22º-A), produtos e serviços milagrosos (artigo 
 
 22º-B), e jogos de fortuna e azar (artigo 21º).
 No que a estes últimos respeita, a proibição legal incide sobre a publicidade 
 que tenha por objecto essencial da mensagem os jogos de fortuna e azar (artigo 
 
 21º, nº 1). Tal proibição não abrange, porém, os jogos promovidos pela Santa 
 Casa da Misericórdia de Lisboa (nº 2 do mesmo artigo). Deste regime de excepção 
 vêm mais tarde a beneficiar as apostas mútuas hípicas por força da norma do 
 artigo 27º do Decreto-Lei nº 268/92, cuja constitucionalidade agora se 
 questiona. 
 
  
 
  
 
 
 
 
 
 4.  Regime constitucional da publicidade
 A Constituição não define o conceito de publicidade. Recorrendo ao Código da 
 Publicidade (na redacção do Decreto-Lei nº 275/98, de 9 de Setembro, com as 
 
 últimas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 224/2004, de 4 de Dezembro), 
 a publicidade é considerada como qualquer forma de comunicação feita por 
 entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, 
 industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: a) 
 Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou 
 serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições (artigo 
 
 3º).
 Não obstante a referida falta de definição constitucional, a Constituição não 
 remete, no artigo 60º, nº 2,  a disciplina da publicidade inteiramente para a 
 lei, mas estabelece, desde logo, a proibição de todas as formas de publicidade 
 oculta, indirecta ou dolosa, situações estas em que a natureza publicitária da 
 mensagem não é identificável pelo consumidor ou em que a publicidade não é 
 verdadeira (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, p. 324).
 O artigo 60º da Constituição tem como epígrafe “Direitos dos consumidores” e 
 integra-se no capítulo referente aos “Direitos e deveres económicos”. Com 
 efeito, e como se afirmou no Acórdão nº 348/03 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 56º Vol., p. 639 e ss.), existe, no texto constitucional uma 
 articulação entre direitos do consumidor e publicidade, entendida esta como meio 
 potente de promover o consumo e influenciar o consumidor. E é considerando este 
 efeito potenciador do consumo e de condicionamento das decisões dos 
 destinatários da mensagem publicitária que a Constituição tutela – através de 
 uma reserva de lei e da proibição de certas formas de publicidade – os direitos 
 dos consumidores. Para além deste efeito de condicionamento, a publicidade é 
 muitas vezes criticada como instrumento da criação artificial de necessidades e 
 sobrevalorização de produtos e serviços (cf. Carlos Ferreira de Almeida, Os 
 direitos dos consumidores, 1982, p. 78). 
 Todas estas razões explicam, no que respeita à publicidade comercial, que o 
 artigo 60º, nº 2, da Constituição, seja interpretado como âncora constitucional 
 para a previsão de restrições legais quer ao conteúdo, quer ao objecto da 
 publicidade (cf., nesse sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. 
 cit., p. 324). Tais restrições são destinadas à protecção dos consumidores, 
 impedindo o consumo acrítico de produtos nocivos à saúde e segurança das pessoas 
 e as possibilidades de abuso de confiança dos destinatários da mensagem 
 publicitária (cf., sobre tais restrições, Francisco Pereira Coelho, “La 
 publicité et le consommateur – rapport général”, in La publicité – propagande 
 
 (Journées portugaises), 1981, p. 19).
 Podendo discutir-se se a Constituição consagra, ou não, uma liberdade de 
 publicidade ou um direito à expressão publicitária (cf., em sentido negativo, a 
 Informação-parecer nº 178/92 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da 
 República, em Pareceres, Vol. III, Procuradoria-Geral da República, 1997, pp. 
 
 85‑87), a publicidade não deixa de constituir uma realidade complexa, em que 
 convergem vários outros direitos fundamentais previstos na Constituição. Estes 
 não poderão deixar de ser considerados na apreciação de eventuais restrições à 
 actividade publicitária. 
 O Tribunal Constitucional admitiu já, no Acórdão nº 348/03 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 56º Vol., p. 639 e ss.) que a publicidade pode englobar-se no 
 direito de informar e este constitui uma das dimensões do direito de informação 
 consagrado no artigo 37º da Constituição. No mesmo aresto, o Tribunal afirmou 
 ainda que a publicidade traduz igualmente o exercício de um outro direito 
 fundamental – a liberdade de iniciativa económica privada.
 De qualquer modo, a apreciação da conformidade constitucional do regime jurídico 
 da publicidade tem de considerar a sua relação com a liberdade de expressão e 
 informação (artigo 37º), a liberdade de imprensa e meios de comunicação social 
 
 (artigo 38º), a liberdade de criação cultural (artigo 42º), a liberdade de 
 escolha de profissão (artigo 47º), o direito de propriedade (artigo 62º) e a 
 liberdade individual em geral (artigo 25º, nº 1).
 Torna-se, pois, necessário, no caso em apreço, fazer uma ponderação entre os 
 direitos constitucionais potencialmente afectados pelas restrições legais à 
 publicidade ao jogo e os valores ou direitos constitucionais que o legislador 
 visa proteger com essas mesmas restrições.
 
  
 
 
 
 
 
 6.      A publicidade aos jogos de fortuna e azar e a protecção dos direitos dos 
 consumidores
 A defesa dos consumidores constitui uma das incumbências prioritárias do Estado 
 e encontra-se prevista na Constituição desde a sua redacção originária [artigo 
 
 81º, alínea m), actual alínea i)].
 Com a revisão de 1982, essa incumbência ganhou destaque, passando a ser regulada 
 num Título específico (Título VI – Comércio e protecção do consumidor) da Parte 
 II da Constituição (organização económica), onde também se consagrou um elenco 
 de direitos dos consumidores (artigo 110º, nº 1). A revisão de 1989 consagrou a 
 protecção dos consumidores como um dos objectivos da política comercial [artigo 
 
 102º, alínea e), actual artigo 99º, mesma alínea] e transferiu o elenco dos 
 direitos dos consumidores para a Parte I da Constituição, passando a ser 
 regulados entre os direitos fundamentais, no artigo 60º.
 A consagração dos direitos dos consumidores como direitos fundamentais radica na 
 necessidade de proteger as pessoas (enquanto consumidoras de bens e serviços), 
 em face da especial vulnerabilidade a que estão sujeitas no relacionamento com 
 os operadores económicos (produtores, fornecedores, prestadores), num contexto 
 de produção, distribuição e consumo massificados. Essa vulnerabilidade resulta, 
 designadamente, de o consumidor não poder determinar o conteúdo dos contratos 
 que celebra e de não estar em condições de avaliar cabalmente a qualidade dos 
 bens e serviços (cf., neste sentido, Vieira de Andrade, “Os direitos dos 
 consumidores como direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 
 Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXVIII, 2002, pp. 46 e 47, e Pinto 
 Monteiro, “Sobre o direito do consumidor em Portugal”, Sub Judice – justiça e 
 sociedade, nº 24, 2003, p. 9, e “Quadro jurídico da protecção do consumidor”, 
 Forum Iustitiae – Direito & Sociedade, Ano 1º, nº 1, 1999, p. 45).
 No artigo 60º, nº 1, a Constituição reconhece aos consumidores um conjunto de 
 direitos: à qualidade de bens e serviços consumidos, à formação e à informação, 
 
 à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos e à 
 reparação de danos.
 O legislador ordinário procedeu à concretização e ao desenvolvimento do regime 
 constitucional de protecção dos consumidores através da Lei nº 29/81, de 22 de 
 Agosto, e posteriormente, da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (que substituiu a 
 primeira).
 Sensível à ideia de que a publicidade constitui um instrumento de promoção do 
 consumo e de influência sobre os consumidores, o legislador constitucional – 
 viu‑se já – apesar de ter remetido para a lei a disciplina jurídica da 
 publicidade, proibiu directamente e desde logo todas as formas de publicidade 
 oculta, indirecta ou dolosa (artigo 60º, nº 2 da CRP).
 Deste quadro constitucional resulta, assim, claro que a publicidade aos jogos de 
 fortuna e azar não é, em si mesma, e directamente, proibida pela Constituição.
 
 É ao legislador ordinário que compete estabelecer o regime da publicidade em 
 geral. Mas terá de fazê‑lo, compatibilizando todos os valores em jogo, 
 designadamente, o direito dos consumidores a serem informados (artigo 60º, nº 1) 
 o direito dos produtores e intermediários a prestar informação (artigo 37º, nº 
 
 1), a concorrência equilibrada entre as empresas [artigo 81º, alínea f)] e a 
 liberdade de consumo (quanto a esta cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, 
 Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, p. 618, e ainda Maria da Assunção 
 Esteves, “Direitos dos consumidores”, Colectânea de Jurisprudência, Ano VIII, 
 Tomo III, 2000, p. 7).
 Certo é que, no que concerne ao regime da publicidade aos jogos de fortuna e 
 azar, o legislador ordinário optou, no âmbito da sua liberdade de conformação, 
 por uma regra geral de proibição.
 A referida liberdade de conformação outorgada ao legislador ordinário, no âmbito 
 da qual se optou pela regra da proibição da publicidade aos jogos de fortuna e 
 azar, não significa, no entanto, uma ausência de limites na modelação do regime 
 adoptado, designadamente na previsão de excepções àquela regra, como é o caso da 
 publicidade às apostas mútuas hípicas, que o requerente questiona por violação 
 do princípio da igualdade.
 
  
 
  
 
 7.      A publicidade aos jogos de fortuna e azar e a proibição de discriminação 
 infundada
 O problema suscitado pelo requerente é, neste contexto, o de saber se o regime 
 de publicidade das apostas mútuas hípicas, enquanto excepção ao regime geral de 
 proibição legal da publicidade aos jogos de fortuna e azar, configura uma 
 violação do princípio da igualdade.
 Sublinhe-se, desde já, que o problema de constitucionalidade sub iudice é 
 colocado numa perspectiva comparativa, relativamente ao regime contido noutra 
 norma legal, não abrangida no pedido (o artigo 21º, nº 1, do Código da 
 Publicidade). Tal circunstância não constitui um obstáculo à apreciação da 
 questão de constitucionalidade, tendo o mesmo sucedido em diversos casos 
 anteriormente decididos pelo Tribunal, designadamente os constantes dos Acórdãos 
 nº 563/96, nº 695/98, nº 135/99, nº 247/05 e nº 351/05 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 33º Vol., p. 47 e ss, 41º Vol., p. 603 e ss., 42º Vol., p. 629 e 
 ss., e Diário da República, II Série, de 27 e de 20 de Outubro de 2005, 
 respectivamente).
 Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem pacificamente evidenciado que o 
 princípio da igualdade se apresenta como um limite à liberdade de conformação do 
 legislador (cfr. Acórdão nº 187/01, de 2 de Maio) – o que justifica a 
 pertinência do apelo ao parâmetro da igualdade neste contexto.
 O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, é um 
 princípio estruturante do Estado de Direito democrático, postulando que se dê 
 tratamento igual a situações essencialmente iguais e tratamento desigual a 
 situações desiguais, proibindo-se, consequentemente, o tratamento desigual de 
 situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais. Neste sentido, 
 impede‑se a discriminação e o privilégio.
 Enquanto princípio estruturante informa toda a ordem jurídico‑constitucional, 
 impondo‑se desde logo ao legislador e não apenas à actuação dos poderes públicos 
 ou aos Tribunais.
 Assim, o princípio constitucional em questão vincula o legislador, numa dupla 
 perspectiva: proíbe as discriminações ilegítimas por via da lei e obriga à 
 concretização das imposições constitucionais de eliminação de desigualdades. 
 
 É, aliás, a primeira vertente do princípio da igualdade que o requerente 
 sustenta ser violada pela norma questionada, entendendo ser ilegítimo o regime 
 excepcional de permissão de publicidade às apostas mútuas hípicas face ao regime 
 geral de proibição da publicidade aos jogos de fortuna e azar. 
 Como é sabido, a proibição de discriminação que deriva do princípio da igualdade 
 não retira ao legislador liberdade de conformação no estabelecimento de 
 diferenciações de tratamento, quando diversas forem as situações a regular. O 
 princípio da igualdade funciona antes como limite objectivo da 
 discricionariedade legislativa, exigindo que as diferenciações efectuadas pelo 
 legislador ordinário sejam razoável, racional e objectivamente fundadas. Numa 
 expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da 
 lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (neste sentido, citem-se, 
 entre muitos outros, os Acórdãos nºs. 251/92, 688/98, 287/00, 319/00, 378/00 e 
 
 232/03 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 22º Vol., p. 717 e ss., 41º Vol., 
 p. 567 e ss., 47º Vol., p. 447 e ss., p. 497º e ss. e p. 791 e ss., 56º Vol., p. 
 
 7 e ss., respectivamente).
 Considerando, neste quadro, o problema proposto importa, então, comparar o 
 regime geral de publicidade dos jogos de fortuna e azar (contido no artigo 21º, 
 nº 1, do Código da Publicidade) e o regime excepcional de publicidade das 
 apostas mútuas hípicas (contido na norma questionada – artigo 27º do Decreto-Lei 
 nº 268/92), atentando especialmente nas razões que terão determinado a diferença 
 desses regimes (proibição no primeiro caso – a regra geral e autorização no 
 segundo – a excepção). 
 Quanto ao regime geral de proibição da publicidade aos jogos de fortuna e azar, 
 consagrada no artigo 21º, nº 1, do Código da Publicidade, o legislador não 
 deixou documentação dos interesses que terão presidido a tal opção (as 
 disposições preambulares do Código da Publicidade e os trabalhos preparatórios a 
 que se teve acesso são omissos relativamente a esta matéria). 
 São, contudo, apreensíveis as razões de tal opção, numa perspectiva de o Estado, 
 sem proibir o jogo, limitar a possibilidade da sua promoção (cf., no sentido de 
 uma explicação da opção legislativa, Paz Ferreira, “A Santa Casa da Misericórdia 
 de Lisboa e o Monopólio Público do Jogo”, in Estudos de Direito Público, 2003, 
 p. 141).
 Uma das formas que o Estado adoptou para “controlar”, ou não promover o jogo, 
 foi, precisamente, a de proibir a publicidade que o tenha por objecto. O jogo 
 aparece, assim, como uma actividade tolerada, numa sociedade aberta, mas cuja 
 promoção o Estado não permite, em atenção às razões de protecção das suas 
 consequências, salvo se razões de interesse público alterarem a ponderação de 
 valores cujo resultado lhe é, em geral, desfavorável.
 Já quanto às apostas mútuas hípicas aqui em causa, o legislador considerou que 
 as corridas de cavalos têm efeitos benéficos na “criação equídea e na economia 
 em geral, em termos de fomento de exportações, de emprego e de melhoria da 
 oferta turística “(1º parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei nº 268/92). 
 Entendeu-se, todavia, que a organização de corridas de cavalos em Portugal seria 
 
 “economicamente inviável sem o apoio financeiro proporcionado pela exploração da 
 aposta mútua 
 
 (2º parágrafo). A autorização de tais apostas surge como “forma de sustentar a 
 organização destas (corridas) e ainda de obter receitas para o fomento da 
 criação de cavalos, do desporto equestre e de outras finalidades de interesse 
 social “(4º parágrafo).
 Permitir a publicidade, neste contexto, pode constituir, interpretando o 
 pensamento do legislador, um instrumento de fomento das apostas mútuas hípicas 
 e, consequentemente, de cumprimento dos objectivos das corridas de cavalos. 
 Todos os benefícios em princípio decorrentes das corridas de cavalos – 
 nomeadamente, o estímulo à criação equídea e ao desporto equestre, bem como os 
 benefícios para a economia, criação de emprego, melhoria da oferta turística e 
 aumento das exportações – são, assim, considerados como efeitos, ainda que 
 indirectos, das apostas mútuas hípicas. E o sucesso da exploração das apostas 
 mútuas seria, deste modo, potenciado pela permissão de publicidade [sobre a 
 matéria, cf. o Relatório do Grupo de Trabalho criado para a definição de uma 
 política nacional de jogos, publicado no D.R., II Série, nº 50, de 11 de Março 
 de 2005, p. 4004‑(2)].
 Este entendimento é, aliás, sufragado pelo autor da norma questionada quando 
 afirma, na resposta, que “se a instituição das apostas mútuas hípicas serve 
 aqueles interesses, a respectiva publicidade visa tornar mais efectiva a sua 
 promoção, aumentando também o interesse pela organização das próprias apostas”.
 Ora, é, desde logo, manifesto que a “criação de emprego”, a “melhoria da oferta 
 turística”, o estímulo à criação equídea e ao desporto equestre – objectivos que 
 se podem, aliás, integrar em tarefas e deveres do Estado com respaldo 
 constitucional [cfr. artigos 9º, alínea d), 58º, nº 2, alínea a), 81º, alíneas 
 a) e c) e 93º, nº 1, alíneas a) e b) da Constituição] – são fundamentos 
 objectivos e racionais para justificar o tratamento diferenciado que o artigo 
 
 27º do Decreto-Lei nº 268/92 dá à publicidade das apostas mútuas hípicas face ao 
 regime-regra da publicidade dos jogos de fortuna e azar. 
 Em suma, o regime instituído pelo artigo 27º do Decreto-Lei nº 268/92, enquanto 
 estabelece a referida diferenciação, não se mostra racionalmente infundado ou 
 arbitrário – sem violação, pois, do princípio da igualdade – sendo, para o 
 efeito, irrelevante qualquer valoração axiológica comparativa entre os 
 interesses agora em causa e os que justificarão a aplicação do mesmo regime à 
 publicidade dos jogos promovidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelo exposto e em conclusão, o Tribunal Constitucional decide não declarar a 
 inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 27º do Decreto-Lei nº 268/92, de 
 
 28 de Novembro.
 
  
 
  
 
                                   Lisboa, 21 de Novembro de 2006 
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Paulo Mota Pinto
 Bravo Serra
 Benjamim Rodrigues
 Gil Galvão
 Maria João Antunes
 Vítor Gomes
 Mário José de Araújo Torres
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Artur Maurício