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Processo n.º 366/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 
  
 Acordam Na 2.ª Secção Do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.Por acórdão de 23 de Fevereiro de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa 
 rejeitou os recursos interpostos por A., e outro, da decisão instrutória 
 proferida em 5 de Dezembro de 2005 pelo 2.º Juízo de Instrução Criminal da 
 Comarca de Lisboa que, no âmbito do processo de instrução n.º 32/04.0JDLSB, o 
 pronunciou, entre outros, pela prática em autoria material e concurso real 
 efectivo de um crime de associação criminosa (previsto e punido pelo artigo 
 
 299.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal), um crime de falsificação (artigo 269.º, n.º 
 
 1, do mesmo diploma), dois crimes de falsificação (artigo 256.º, n.º 1, alínea 
 a), e n.º 3, com referência ao disposto no artigo 255.º, alínea c), todos do 
 Código Penal), em co-autoria, de vinte e oito crimes de falsificação, de um 
 crime de receptação (artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal), e de um crime de 
 auxílio à imigração ilegal (previsto e punido pelo artigo 134.º-A, n.º 2, do 
 Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro). Pode ler-se no referido aresto de 
 
 23 de Fevereiro de 2006:
 
 «I.
 No processo de instrução nuipc.º 32/04.0JDLSB do 2.º Juízo de Instrução Criminal 
 da Comarca de Lisboa, os arguidos B. e A., inconformados com a decisão 
 instrutória proferida nos presentes autos, vêm interpor recurso com os 
 fundamentos constantes das respectivas motivações e conclusões (idênticas) que 
 consubstanciam, em síntese, as seguintes questões:
 
 1 – É flagrante a falta de cumprimento dos requisitos e condições consignadas 
 nos artigos 187.° e 188.° do C.P.P. que leva à arguição expressa da nulidade de 
 todas as intercepções telefónicas dos autos.
 
 2 – Há falta de fundamentação dos despachos judiciais que determinaram e 
 autorizaram as intercepções telefónicas, bem como daqueles que prorrogaram os 
 prazos das referidas escutas, não resultando demonstrada quer a necessidade das 
 mesmas quer a impossibilidade de obter prova através de outros meios menos 
 danosos, em violação do disposto no art.º 97.°, n.º 4, do C.P.P..
 
 3 – Não existiu um mínimo controlo judicial das escutas, sendo certo que tudo o 
 que ultrapasse o prazo de 48 horas está fora da letra da lei que fala em 
 apresentação imediata ao Juiz de Instrução.
 
 4 – Os despachos judiciais que decidem prorrogar os prazos das escutas 
 telefónicas fazem-no quando esses prazos já terminaram, pelo que deveria antes 
 ser concedida nova autorização para realização das escutas telefónicas.
 
 5 – O Juiz limitou-se a ordenar a transcrição das escutas sugerida pela polícia, 
 não chegando sequer a ouvir a totalidade das sessões presentes.
 
 6 – A decisão recorrida violou os art.ºs 187.° e 188.º do C.P.P. e 32.º, n.º 4, 
 
 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP.
 O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu concluindo pela improcedência 
 do recurso.
 Foi dado cumprimento ao artigo 417.º do C.P.Penal.
 II.
 Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do 
 recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e 420..º, n.º 1, do 
 Código de Processo Penal), sendo por isso determinada a remessa dos autos aos 
 vistos para subsequente julgamento na conferência.
 A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas 
 vertentes diversas: rejeição formal que se prende com a insatisfação dos 
 requisitos prescritos no art.º 412.º, n.º 2, e a rejeição substantiva que ocorre 
 quando é manifesta a improcedência do recurso.
 A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, 
 
 à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores, é patente a sem 
 razão do recorrente. É o caso dos autos.
 
 ***
 Cumpre decidir.
 O despacho recorrido, proferido pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal e com cópia 
 nos presentes autos, aborda as questões arguidas nos presentes recursos e 
 anteriormente arguidas em sede de instrução de uma forma lapidar e com uma 
 correcção técnica e poder de síntese de elogiar, pelo que nos louvamos no mesmo.
 Sempre se dirá que:
 
 1. a falta de cumprimento dos requisitos e condições consignadas nos artigos 
 
 187.º e 188.º do C.P.P..
 Os crimes investigados e pelos quais os arguidos vieram a ser pronunciados são 
 os de associação criminosa, falsificação, receptação e auxílio à emigração 
 ilegal. Todos eles se enquadram na previsão do artigo 187.º, n.º 1, alínea a), 
 do C.P.P..
 Por outro lado, é competente para ordenar ou autorizar a intercepção e gravação 
 de conversações ou comunicações telefónicas o juiz dos lugares onde 
 eventualmente se puder efectivar a conversação telefónica mas também da sede da 
 entidade competente para a investigação criminal, tratando-se de crime de 
 associação criminosa, o que se verificava no caso.
 Todas as escutas foram sempre autorizadas por juiz, para investigação de crime 
 punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, tendo sido invocado, 
 nos respectivos despachos de autorização, o manifesto interesse das escutas 
 telefónicas para obtenção da prova relativamente ao crime investigado.
 
 2. falta de fundamentação dos despachos judiciais que determinaram e autorizaram 
 as intercepções telefónicas, bem como daqueles que prorrogaram os prazos das 
 referidas escutas, não resultando demonstrada quer a necessidade das mesmas quer 
 a impossibilidade de obter prova através de outros meios menos danosos.
 A lei exige tão-só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que 
 fundamentam a decisão.
 Verifica-se que todos os despachos judiciais ora invocados remetem para uma 
 promoção do Ministério Público e para um relatório circunstanciado realizado 
 pela autoridade policial e para o manifesto interesse das escutas telefónicas 
 para obtenção da prova relativamente ao crime investigado.
 A emissão do juízo jurídico-substantivo plasmado nos despachos surge como 
 plenamente clarividente, explicando cristalinamente as razões da decisão.
 Ademais, todas essas premissas e dados factuais e jurídicos, bem como o discurso 
 lógico-discursivo e decisório correspondente, se encontram inequivocamente 
 enunciados e descritos.
 E o raciocínio nos mesmos plasmado revela-se perfeitamente cristalino e 
 clarividente para qualquer destinatário normal e médio, que é o suposto ser 
 querido pela ordem jurídica.
 Não se verifica, em consequência, falta de fundamentação.
 
 3. não existiu um mínimo controlo judicial das escutas, sendo certo que tudo o 
 que ultrapasse o prazo de 48 horas está fora da letra da lei que fala em 
 apresentação imediata ao Juiz de Instrução.
 Repetindo o que produziu este colectivo em recente acórdão, diremos que, na 
 redacção dos art.ºs 187.° e 188.° do CPP (redacção anterior ao D.L. n.º 
 
 320‑C/2000), dispunha-se o seguinte:
 Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o 
 qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado 
 ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado a operação.
 Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a 
 prova, fá-los juntar ao processo; caso contrário ordena a sua destruição, 
 ficando todos os participantes nas operações ligados por dever de segredo 
 relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
 No tocante às operações de gravação das conversas telefónicas, as mesmas, uma 
 vez efectuada a intercepção do telefone, passam a ser efectuadas automaticamente 
 através de um sistema informático centralizado existente na Polícia Judiciária, 
 sendo tal gravação feita em “disco rígido” de grande capacidade, suporte 
 informático este que congrega, em simultâneo, inúmeras gravações de chamadas 
 telefónicas respeitantes a múltiplos processos de inquérito em investigação.
 Todas as intercepções telefónicas e consequentes gravações de conversas ficam 
 documentadas no “auto” de inquérito e o órgão de polícia criminal apresenta ao 
 juiz competente as gravações das conversas telefónicas.
 Porém, como a audição pelo juiz do conteúdo dos registos de sons implicaria 
 longo trabalho daquele magistrado em funções executivas de recolha de prova, em 
 prejuízo do exercício de outras funções que lhe são próprias, entendeu o 
 legislador de 1987 que o mencionado auto deveria incluir a transcrição integral 
 ou sumária do conteúdo das comunicações interceptadas.
 Na verdade, não só a proposta de Lei de autorização legislativa para a aprovação 
 do CPP de 1987 falava na transcrição das  conversações interceptadas, como o n.º 
 
 3 do art.º 188.º do CPP pressupunha claramente que aquele auto continha tais 
 transcrições, pois só assim se compreenderia a possibilidade do arguido e do 
 assistente poderem verificar a conformidade das gravações com o conteúdo do 
 referido auto.
 E o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 407/97, decidiu que seria 
 inconstitucional uma interpretação que não impusesse que o auto de intercepção e 
 gravação de conversações telefónicas fosse imediatamente lavrado após toda a 
 escuta efectuada e levado ao conhecimento do juiz, com a necessária transcrição 
 das conversações efectuadas.
 A justificação para a imediação na apresentação das escutas ao juiz, consagrada 
 pelo legislador e defendida pelo Tribunal Constitucional, é a de que o juiz 
 possa controlar atempadamente a necessidade do prosseguimento das escutas por si 
 determinadas.
 Porém, nada, na lei ou na Constituição, impõe um prazo de 30 dias para que o 
 
 órgão de polícia criminal apresente as gravações ao juiz competente com a 
 documentação, no inquérito, da intercepção e da gravação.
 Não havendo prazo legal estabelecido, só caso a caso é que se poderá aferir o 
 momento próprio para o órgão de polícia criminal proceder a tal apresentação. 
 Após decorrido o período da intercepção telefónica, o órgão de polícia criminal 
 deverá, com a brevidade possível, tendo sempre presente a complexidade das 
 investigações e a extensão das gravações, apresentar tais elementos ao juiz de 
 instrução competente, para os efeitos do disposto no art.º 188.º, n.º 3, do CPP, 
 a fim de este controlar as gravações, no tocante à autorização prévia da escuta, 
 
 à sua localização temporal no período judicialmente autorizado e à sua 
 relevância ou irrelevância para a prova, determinando a sua transcrição e/ou 
 destruição, dessa forma restringindo a invasão da intimidade da vida privada das 
 pessoas.
 Pretender defender-se que o juiz de instrução é obrigado a controlar 
 permanentemente a evolução das escutas telefónicas é utópico, irrealista e 
 impraticável: sendo conhecida a modéstia dos meios técnicos e humanos da PJ para 
 proceder à gravação das escutas telefónicas e à transcrição das respectivas 
 conversações, a mencionada limitação imposta pelo Tribunal Constitucional 
 tornava impossível a realização de qualquer escuta telefónica no nosso país, que 
 não estivesse afectada pelo vício da nulidade, perante a manifesta 
 impossibilidade daquela polícia realizar a gravação da escuta, elaborar de 
 imediato o respectivo auto, com a necessária transcrição da conversa 
 interceptada, e levá-la imediatamente ao juiz. Era a imposição de uma velocidade 
 que o nosso país não estava preparado para atingir, por flagrante escassez de 
 meios.
 Daí que os nossos tribunais, não se podendo dar ao luxo de prescindir de tal 
 meio de prova, em casos de manifesta justificação na sua utilização, para 
 superar a notória dificuldade de apresentação imediata pela PJ das gravações já 
 realizadas, com o respectivo auto de transcrição, para controle contínuo da 
 necessidade do prosseguimento das escutas, desde logo usaram o método de 
 previamente limitarem no tempo a realização das operações de escutas, não se 
 tomando exigível o mencionado controle contínuo, com a remessa imediata dos 
 resultados das intercepções efectuadas, como pretende o recorrente.
 Aliás, o Acórdão n.º 407/97 do Tribunal Constitucional limita-se a sublinhar que 
 a exigência de imediação só se enquadra em termos inconstitucionais quando possa 
 afectar, naturalmente negativamente, a decisão do juiz para atempadamente poder 
 tomar posição quanto à junção ao processo ou a destruição dos elementos 
 recolhidos, ou  de alguns deles e, bem assim, a manutenção ou alteração da 
 decisão que ordenou as escutas, sendo certo que o recorrente perece estribar-se 
 num quadro teórico-abstracto de inconstitucionalidade desenquadrado da previsão 
 daquele aresto.
 O imediatismo a que respeita o n.º 1 do art.º 188.° do CPP deve, pois, 
 interpretar-se em termos hábeis, mostrando-se toleradamente respeitado, em 
 adequada ponderação de considerações garantísticas da defesa e superiores 
 exigências da realização do Direito – “Mostrando-se as escutas devidamente 
 autorizadas e tendo o juiz, no despacho que as ordenou, determinado, 
 previamente, o tempo durante o qual elas deveriam ocorrer, não é necessário que 
 a Polícia Judiciária apresente ao Juiz de Instrução, imediatamente após cada 
 realização, auto contendo a transcrição integral ou sumária das conversas 
 interceptadas e gravadas, mas somente quando finde o prazo concedido, ou as 
 escutas”, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Março de 2001, C.J., 
 Ano XXVI, Tomo II, pág. 128.
 Da análise dos autos se conclui que os suportes magnéticos que continham o 
 resultado das intercepções foram trazidos à Senhora Juiz regularmente e 
 respeitando, ou, pelo menos, pouco ultrapassando o prazo de dez dias (meramente 
 indicativo) dado para a apresentação dos suportes.
 Mais do que uma vez foram ordenadas transcrições de sessões em crioulo ou fula e 
 nesses casos, por ordem da Senhora Juiz dada em despacho judicial proferido no 
 próprio dia em que eram apresentadas as gravações, o respectivo intérprete 
 comparecia no Tribunal na mesma data a fim de se proceder à sua audição e 
 tradução simultânea.
 Como bem refere o despacho recorrido, apenas uma das vezes foi ultrapassado o 
 prazo de dez dias habitualmente concedido para a apresentação dos suportes 
 
 (Sessão n.º 175 – Alvo 1B8961). Mas mesmo nesse caso considera-se perfeitamente 
 justificável o facto de a mesma só ter sido trazida ao conhecimento da Senhora 
 Juiz cerca de um mês depois tendo em atenção que se tratava de uma sessão em 
 crioulo e que só após a nomeação de intérprete e a sua audição e tradução foi 
 possível aferir da sua utilidade para a investigação.
 
 4 – Os despachos judiciais que decidem prorrogar os prazos das escutas 
 telefónicas fazem-no quando esses prazos já terminaram.
 No Ac. do Tribunal Constitucional n.º 4/2006, se conhece de 3 questões 
 relacionadas com escutas telefónicas (início da intercepção; controlo judicial 
 das gravações; a destruição das gravações tidas sem interesse):
 
 - “o entendimento de que o início de contagem do prazo pelo qual a intercepção 
 telefónica é autorizada (quando essa data não é directamente fixada pelo juiz) 
 deve atender à data efectiva do início da intercepção, e não à data do despacho 
 judicial autorizador”;
 
 - “se nada for judicialmente determinado em sentido contrário, é no termo de 
 cada período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação interceptada, que 
 deve ser elaborado o auto de gravação com indicação, pelo órgão de polícia 
 criminal, das passagens consideradas relevantes para a prova”.
 Conclui-se, em consequência, não terem, em caso algum, sido desrespeitados os 
 prazos de intercepção e os despachos que decidiram a prorrogação de prazos de 
 escutas já autorizadas o foram atempadamente.
 
 5 – o Juiz limitou-se a ordenar a transcrição das escutas sugerida pela polícia, 
 não chegando sequer a ouvir a totalidade das sessões presentes.
 Como bem refere o Magistrado do Ministério Público recorrido, o acórdão do 
 Tribunal Constitucional de 25-08-2005 que decidiu:
 
 “Não julgar inconstitucional a norma do art.º 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, 
 interpretada no sentido que são válidas as provas obtidas por escutas 
 telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo Juiz de Instrução, 
 não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos 
 contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela 
 Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos.”.
 Assim, não é constitucionalmente imposto que o único modo pelo qual o Juiz pode 
 exercitar a sua função de acompanhamento da operação de intersecção de 
 telecomunicações seja o da audição, pelo próprio, da integralidade das gravações 
 efectuadas, bastando que, havendo a possibilidade real de acesso directo às 
 gravações, o Juiz emita juízo autónomo sobre a sua relevância.
 De qualquer modo, em momento algum dos autos se retira que a Mm.ª Juiz de 
 Instrução Criminal não tenha procedido às audições dos suportes magnéticos, 
 carecendo absolutamente de fundamento as acusações àquela magistrada pelos 
 recorrentes (em violação dos deveres para com o julgador taxativamente expressos 
 pelo Estatuto da Ordem dos Advogados).
 
 6 – A decisão recorrida violou os art.ºs 187.º e 188.º do CPP. e 32.°, n.º 4, 
 
 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP.
 Por todo o acima expendido, se conclui não ter havido qualquer violação dos 
 preceitos que estabelecem o regime legal das escutas telefónicas – art.ºs 187.° 
 e 188.° do CPP, nem dos preceitos constitucionais – art.ºs 32.° e 34.° da CRP, 
 arguidas pelos recorrentes.»
 
 2.O arguido A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo 
 ver apreciada a constitucionalidade da norma constante dos artigos “187.º e 
 
 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de 
 julgar válidas escutas telefónicas não controladas judicialmente, 
 imediatamente”, por considerar que “tal norma (do artigo 188.º, n.º 1, do CPP) 
 assim interpretada viola o disposto nos art.ºs 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 
 
 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”, dizendo ainda que “tais 
 questões de inconstitucionalidade foram expressamente suscitadas, em 
 requerimento apresentado na primeira instância, no requerimento de abertura da 
 instrução e, bem assim, nas alegações de recurso intentado para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa”.
 Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações que o recorrente 
 encerrou desta forma:
 
 «EM CONCLUSÃO:
 Cotejadas as datas das intercepções com as datas da respectiva validação 
 judicial das mesmas, facilmente se conclui que em caso algum houve um mínimo de 
 controlo judicial, tal é o lapso de tempo que medeia entre o início da 
 intercepção e a respectiva validação.
 A fls. 193 o JIC validou as escutas, dois meses depois da respectiva 
 intercepção!
 A fls. 324, 378, 460, 465, 1105, 1217, 1444, 1499, 1673, 1735, 1857, 1912, 2129, 
 
 2302, 2468, 2774 e 2777 (entre outras), os prazos de validação são igualmente 
 largamente ultrapassados, sendo certo que tudo quanto ultrapasse um prazo de 48 
 horas, ou quando muito dez dias, está fora da letra da Lei – IMEDIATAMENTE, do 
 espírito do legislador, afastando-se largamente da Jurisprudência dominante.
 A fls. 3864, o JIC ouviu (em 15.12.2004) as intercepções, tendo validado as 
 respectivas escutas.
 Não consta dos autos terem sido ouvidas e validadas as escutas de fls. 3091 e 
 seguintes!
 São completamente incompatíveis com o espírito da lei e da CRP os dias que 
 concretamente medeiam entre o início da intercepção aos respectivos postos 
 telefónicos e as datas das respectivas validações.
 Não podem, por isso, as intercepções realizadas nos presentes autos servir de 
 meio de prova.
 
 É óbvia, nos presentes autos, a falta de controlo jurisdicional.
 Imediatamente, pressuporia levar ao Juiz o auto e os registos no próprio dia ou, 
 quando muito, no dia seguinte – do mesmo modo que “pôr o detido imediatamente em 
 liberdade” significa pô-lo logo em liberdade e não, uma, duas, três ou até dez 
 semanas depois.
 Como se alcança de fls. 1105, 1202, 1559, 1447, 1612, 1673, 1735, 1857, 1912, 
 
 2302 e 2774, entre outras… quando se despacha (mais uma vez sem fundamentar, em 
 violação do art.º 97.º, n.º 4, do CPP) no sentido de prorrogar, já as 
 respectivas autorizações judiciais haviam cessado.
 No caso dos autos, o Juiz limitou-se a ordenar a transcrição daquelas que vêm 
 sugeridas pela polícia, não chegando sequer a ouvir a totalidade das que lhe são 
 presentes.
 O n.º 2 do art.º 101.º, aplicável por força do 188.º, n.º 5, do CPP, exige que a 
 transcrição, uma vez ordenada, seja feita e junta aos autos no mais curto prazo 
 possível, devendo o Juiz certificar-se da conformidade da mesma.
 Na verdade, as transcrições realizadas nos autos foram juntas ao processo muito 
 tempo depois de ordenadas e nunca a sua conformidade com as escutas foi aferida 
 pelo Juiz titular do processo, sendo também certo que não foi disso lavrado 
 auto.
 O apenso 5 (aberto em 19.08.2004) contém transcrições de 22.06.2004 a 
 
 29.10.2004!!!!
 O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, ao proceder da forma acima descrita, 
 designadamente não ouvindo imediatamente o teor das conversas interceptadas, 
 prorrogar autorizações para novas escutas depois de esgotados os prazos da 
 autorização inicial, persistindo em não fundamentar as prorrogações, interpretou 
 os artigos 187.º e 188.º do CPP em violação dos art.ºs 32.°, n.º 4 e n.º 8, 
 
 34.º, n.º 4, 43.°, n.ºs 1 e 4, e 18.°, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 Em recurso, o TRL deu razão ao JIC, negando provimento ao recurso intentado pelo 
 recorrente, concluindo que não houve qualquer violação dos preceitos que 
 estabelecem o regime legal das escutas telefónicas (art.ºs 187.º e 188.º do CPP) 
 nem dos preceitos constitucionais (art.ºs 32.º e 34.º da CRP).
 No entender do recorrente, a interpretação dada pelo TIC de Lisboa e pelo TRL, 
 aos artigos 187.º e 188.º do CPP, viola frontalmente os art.ºs 32.º e 34.º 
 C.R.P..
 O Tribunal da Relação de Lisboa deveria ter declarado a nulidade das escutas, 
 pelo facto de o TIC ter interpretado os artigos 187.º e 188.º do CPP em violação 
 dos artigos 32.º, n.º 4, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, todos da 
 Constituição da República Portuguesa.
 Tais interpretações e aplicações das normas dos artigos 187.º e 188.º do CPP 
 violam materialmente o disposto nos artigos 32.º, n.º 4, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 
 
 1 e 4, e 18.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa.
 Nestes termos, devem as normas dos artigos 187.º e 188.º do Código de Processo 
 Penal ser julgadas inconstitucionais (por violação do disposto nos artigos 32.º, 
 n.º 4, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, todos da Constituição da 
 República Portuguesa) quando interpretadas e aplicadas no sentido de permitir 
 que uma escuta telefónica seja validada – trazida ao conhecimento de um Juiz, de 
 forma não imediata, ou seja, mais de dez dias depois de interceptada. Com as 
 legais consequências.»
 Contra-alegando, o representante do Ministério Público junto do Tribunal 
 Constitucional concluiu:
 
 «1. Os recursos interpostos nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.° da 
 Lei do Tribunal Constitucional apenas podem ser conhecidos se a questão a 
 apreciar tiver sido idoneamente colocada e a dimensão normativa questionada 
 corresponder àquela que foi efectivamente seguida e aplicada na decisão 
 recorrida.
 
 2. Na ausência destes pressupostos não deverá conhecer-se do recurso.
 
 3. A entender-se de outro modo, verifica-se que as intercepções telefónicas 
 realizadas ao abrigo do disposto nos artigos 187.° e 188.° do CPP ocorreram 
 sempre com o devido e atempado controlo e acompanhamento judicial, não merecendo 
 qualquer censura do ponto de vista constitucional, pelo que deverá improceder o 
 presente recurso.»
 Especificamente sobre a questão prévia do não conhecimento do recurso, diz-se 
 nas contra-alegações do Ministério Público:
 
 «1.1 A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão da Relação de 
 Lisboa que negou provimento ao recurso interposto da decisão do senhor Juiz de 
 Instrução Criminal que lhe havido indeferido a arguição de nulidade das escutas 
 telefónicas levadas a cabo na fase de inquérito. 
 O recorrente interpõe recurso para este Tribunal ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) sendo que um dos 
 requisitos legalmente exigidos para este tipo de recursos consiste em a questão 
 de inconstitucionalidade ser suscitada durante o processo, ou seja, antes da 
 prolação do acórdão recorrido e, obviamente, de forma processualmente adequada. 
 A questão de inconstitucionalidade terá também – face à competência do Tribunal 
 Constitucional – de reportar-se a normas ou a determinadas interpretações 
 normativas. 
 No caso dos autos, o momento oportuno era, pois, na motivação do recurso 
 interposto para a Relação da decisão do senhor Juiz de Instrução que indeferira 
 a arguição de nulidade das escutas. 
 Vejamos então se tal ocorreu. 
 Nessa peça processual o recorrente sustenta – no que mais directamente tem a ver 
 com inconstitucionalidades – que não se verificou um acompanhamento judicial das 
 escutas, tendo estado os arguidos vários meses sob escuta sem qualquer controlo 
 por parte do juiz das diversas fases das operações. 
 Segundo ele, este insuficiente acompanhamento levava a que, por desrespeito das 
 exigências contidas nos artigos 187.° e 188.° do Código de Processo Penal, elas 
 deveriam ser consideradas nulas. 
 Quer no texto da motivação quer nas respectivas conclusões apenas em dois 
 momentos é referida a Constituição, o que é feito do seguinte modo: 
 
 “A título meramente exemplificativo, dir-se-á que são completamente 
 incompatíveis com o espírito da lei e da CRP os dias que concretamente medeiam 
 entre o início da intercepção aos respectivos postos telefónicos e as datas das 
 respectivas validações” (fls. 8). 
 E mais adiante: 
 
 “O Tribunal recorrido, ao proceder da forma acima descrita designadamente 
 
 (autorizar escutas através de despachos não fundamentados, não ouvindo 
 imediatamente o teor das conversas interceptadas, prorrogar autorizações para 
 novas escutas depois de esgotados os prazos da autorização inicial, persistindo 
 em não fundamentar as prorrogações), interpretou os artigos 187.º e 188.º do CPP 
 em violação dos artigos 32.º, n.º 4 e n.º 8, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 
 
 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa” (fls. 9). 
 Na verdade, afirmar que certa actuação do juiz viola a lei e a Constituição, ou 
 que à forma de actuação do tribunal está subjacente uma interpretação 
 inconstitucional de normas, referindo-se apenas como exemplo e de forma genérica 
 alguns desses comportamentos, não é seguramente uma forma idónea de suscitar uma 
 questão de inconstitucionalidade normativa. 
 No fundo, o recorrente, mesmo quando tenuamente aborda a questão do ponto de 
 vista da constitucionalidade, fá-lo reportando-se, em última análise, à própria 
 decisão. 
 Não altera esta conclusão o facto de ele citar alguma jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional sobre esta matéria, dizendo-se, precisamente a este respeito, no 
 acórdão n.º 232/2006, o seguinte: 
 
 “Aliás, lida a motivação do recurso, verifica-se que o recorrente, embora refira 
 anteriores decisões do Tribunal Constitucional sobre a matéria das escutas 
 telefónicas, nunca enuncia uma interpretação normativa dos preceitos agora em 
 causa que seja inconstitucional, visando com tal menção corroborar apenas a sua 
 tese de que tais preceitos teriam sido violados, o que, por sua vez, implicaria 
 a nulidade das escutas...” 
 Dir-se-á ainda que nas situações relacionadas com a nulidade de escutas e em que 
 está em causa o artigo 188.° do Código de Processo Penal, o Tribunal 
 Constitucional, em casos com contornos em tudo semelhantes aos dos presentes 
 autos, tem decidido não conhecer do recurso, precisamente por entender que a 
 questão de inconstitucionalidade não vem adequadamente suscitada (cfr., v. g. 
 Acórdãos n.ºs 442/05, 453/05, 668/05 e 232/06 e as Decisões Sumárias n.ºs 
 
 326/05, 163/05, 187/05 e 258/05).
 
 1.2. O afirmado anteriormente seria suficiente para não se conhecer do objecto 
 do recurso no entanto, tal conclusão sai ainda reforçada se atentarmos no 
 requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional. Aí o 
 recorrente limita-se a dizer que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade 
 dos artigos 187.° e 188.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, “quando 
 interpretada no sentido de julgar válidas escutas telefónicas não controladas 
 judicialmente, imediatamente”, e que “tal norma (a do artigo 188.°, n.º 1, do 
 CPP)” assim interpretada violava o disposto nos artigos 32.°, n.º 8, 43.°, n.ºs 
 
 1 e 4, e 18.°, n.° 2, da Constituição (fls.777). 
 Desde logo, não se percebe porque é que se referem primeiramente os artigos 
 
 187.° e 188.° e depois se diz apenas que o 188.° é violador da Constituição. 
 Por outro lado, e mais importante, é evidente que no acórdão recorrido nunca se 
 perfilhou uma tal interpretação. O que se curou de averiguar foi se a 
 intensidade do controlo tinha respeitado o que a Lei e a Constituição impõem, 
 acabando por se concluir que tinha havido um real, efectivo e próximo 
 acompanhamento das operações de intromissão nas comunicações. Ou seja, que houve 
 um controlo judicial imediato. 
 Ao dar como assente que não houve um controlo judicial imediato, o recorrente 
 deslocou o cerne da questão, acabando, dessa forma, por fazer emergir uma norma 
 e interpor o recurso de constitucionalidade quanto a uma dimensão normativa que 
 não corresponde à que – ainda que deficientemente, como vimos – havia pretendido 
 suscitar e que nem sequer foi aplicada pela decisão recorrida. 
 Verificando-se, pois, que não existe coincidência entre a dimensão normativa de 
 que foi interposto recurso para este Tribunal e aquela cuja constitucionalidade 
 foi questionada e que aquela norma com aquela interpretação nem sequer foi 
 aplicada na decisão recorrida, não deve, também por isto, conhecer-se do objecto 
 do recurso. 
 
 (…)»
 Notificado o recorrente para, querendo, se pronunciar relativamente às questões 
 prévias suscitadas pelo Ministério Público, nada disse.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3.Importa começar por tratar da questão prévia relativa à possibilidade de 
 conhecimento do presente recurso.
 Como se sabe, são requisitos para se poder tomar conhecimento de um recurso 
 interposto, como o presente, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei do Tribunal Constitucional, além da aplicação como ratio decidendi, pelo 
 tribunal recorrido, da(s) norma(s) cuja constitucionalidade se impugna e do 
 esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, que a 
 inconstitucionalidade normativa tenha sido suscitada durante o processo de forma 
 clara e perceptível (artigo 72.º, n.º 2, da referida Lei).
 Para o efeito de indagar se a suscitação da inconstitucionalidade normativa, 
 perante o tribunal recorrido, ocorreu, no caso dos autos, durante o processo 
 
 (antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido) e de forma 
 processualmente adequada, há que consultar a motivação do recurso interposto 
 perante o tribunal agora recorrido (a fls. 6 a 13 dos autos). 
 Nas conclusões, e especificamente no que diz respeito à alegada 
 inconstitucionalidade da inexistência de controlo judicial das escutas, o 
 recorrente afirmou que “(...) são completamente incompatíveis com o espírito da 
 lei e da CRP, os dias que concretamente medeiam entre o início da intercepção 
 aos respectivos postos telefónicos e as datas das respectivas validações” 
 
 (Conclusão 6) e, mais adiante, que “O Tribunal recorrido, ao proceder de forma 
 acima descrita, designadamente (autorizar escutas através de despachos não 
 fundamentados, não ouvindo imediatamente o teor das conversas interceptadas, 
 prorrogar autorizações para novas escutas depois de esgotados os prazos da 
 autorização inicial, persistindo em não fundamentar as prorrogações), 
 interpretou os artigos 187.º e 188.º do CPP em violação dos artigos 32.º, n.º 4 
 e n.º 8, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da 
 República Portuguesa” (Conclusão 15).
 Por sua vez, no texto da motivação, e apesar da referência a jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional, só é referida a incompatibilidade com a Constituição 
 
 (além de uma vez nos termos já referidos, também constantes das conclusões) nos 
 seguintes termos:
 
 “A título meramente exemplificativo, dir-se-á que são completamente 
 incompatíveis com o espírito da lei e da CRP os dias que concretamente medeiam 
 entre o início da intercepção aos respectivos postos telefónicos e as datas das 
 respectivas validações” (fls. 8).
 
 4.Como se disse no Acórdão n.º 199/88 (DR, II Série, de 28 de Março de 1989):
 
 “[...] este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe 
 cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de 
 
 ‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de 
 inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade 
 constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de 
 uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem 
 por violador da lei fundamental.” (ver também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 
 
 178/95 – publicado no DR, II Série, de 21 de Junho de 1995 –, 521/95 e 1026/96, 
 inéditos).”
 E se o recorrente entende que um preceito não é inconstitucional “em si mesmo”, 
 mas apenas num segmento ou numa sua determinada dimensão ou interpretação 
 normativa, a exigência de suscitação da questão de constitucionalidade de forma 
 clara e perceptível implica, pois, o ónus de, ao suscitar a 
 inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através da indicação 
 do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo reputados 
 inconstitucionais – o que é evidentemente diverso de sustentar apenas que a 
 hipótese de uma norma se encontra preenchida no caso concreto (mesmo que se 
 aduzam argumentos de constitucionalidade nesse sentido). Esta necessidade de 
 individualização do segmento ou de enunciação do sentido ou interpretação 
 normativos que o recorrente reputa inconstitucional torna-se, aliás, 
 particularmente evidente – notar-se-á ainda – quando o preceito ao qual se 
 imputa a inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, contém vários segmentos 
 normativos, ou se reveste de várias dimensões ou sentidos interpretativos, 
 susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade diversas, eventualmente 
 passíveis, também, de respostas distintas.
 Ora, não pode deixar de concluir-se que, perante o tribunal recorrido, o 
 recorrente não enunciou, ou sequer impugnou com clareza, como inconstitucional, 
 um determinado sentido ou interpretação de uma (ou mais) norma(s). Antes se 
 limitou a apontar vários vícios ao processo ou às condições em que terão sido 
 realizadas as escutas, com uma indicação exemplificativa – “ao proceder de forma 
 acima descrita designadamente (autorizar escutas através de despachos não 
 fundamentados, não ouvindo imediatamente o teor das conversas interceptadas, 
 prorrogar autorizações para novas escutas depois de esgotados os prazos da 
 autorização inicial, persistindo em não fundamentar as prorrogações)” –, e a 
 concluir que as escutas seriam nulas, imputando a eventual inconstitucionalidade 
 
 à ausência de um controlo imediato das escutas realizadas. Basta, para o 
 concluir, verificar que a concretização da exigência de que o auto seja 
 
 “imediatamente” levado ao conhecimento do juiz foi efectuada de formas diversas, 
 quer com referência a um prazo máximo de 48 horas, quer com referência a um 
 prazo de 10 dias, quer, ainda, no requerimento de recurso, sem indicação de 
 qualquer prazo – falando-se apenas numa interpretação “no sentido de julgar 
 válidas escutas telefónicas não controladas judicialmente, imediatamente”.
 Tal forma de referir uma inconstitucionalidade de uma “interpretação” é 
 insuficiente logo para o tribunal a quo se poder e dever aperceber de qual o 
 exacto sentido normativo que está questionado na sua conformidade constitucional 
 
 – muito menos correspondendo à exigência, que é a que decorre da jurisprudência 
 deste Tribunal (vejam-se, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 367/94 e 178/95, 
 publicados no Diário da República, II série, respectivamente de 7 de Setembro de 
 
 1994 e de 21 de Junho de 1995), de que tal
 
 “sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, 
 no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na 
 sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, violar a 
 Constituição” – ou, sequer, de que se “indique esse sentido (essa interpretação) 
 em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a 
 Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir (...).”
 Não tendo o recorrente cumprido devidamente o ónus de suscitação da 
 inconstitucionalidade normativa durante o processo, de forma clara e 
 perceptível, não pode, agora, o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do 
 presente recurso de constitucionalidade.
 A tal conclusão não obsta o facto de o tribunal recorrido ter procedido a uma 
 pormenorizada análise do procedimento de acompanhamento das escutas pelo juiz no 
 presente caso. Antes era necessário que o recorrente enunciasse, ou, pelo menos, 
 indicasse com precisão, um certo sentido normativo (por exemplo, uma certa 
 concretização do termo “imediatamente”) que reputava inconstitucional. O que não 
 fez no requerimento do recurso de constitucionalidade, nem havia antes feito, 
 perante o tribunal recorrido. 
 Aliás, como bem atenta o Ministério Público junto deste Tribunal, na decisão 
 recorrida concluiu-se que tinha havido um real, efectivo e próximo 
 acompanhamento das operações de intromissão nas comunicações, ou seja, que houve 
 um controlo judicial imediato das escutas – e, aliás, não resultam dos autos 
 elementos expressivos em sentido contrário. Pelo que, qualquer que fosse o 
 sentido da decisão que recaísse sobre uma questão de constitucionalidade 
 referida à inexistência de um acompanhamento imediato das escutas – dimensão 
 normativa identificada no requerimento de recurso –, poderia manter-se 
 inalterado o decidido.
 Não se encontram, pois, preenchidos os requisitos para se poder tomar 
 conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento 
 do presente recurso de constitucionalidade e condenar o recorrente em custas, 
 fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 12 de Julho de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos