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Processo n.º 581/07
 
 1.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
 
 Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), 
 da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional 
 
 (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 5 de Dezembro de 2005.
 
  
 
 2. Em 6 de Junho de 2007 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no 
 nº 1 do artigo 78º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
 
 «Conforme jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional, 
 
 “constituem requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) 
 do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional: a aplicação pelo 
 tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é 
 questionada pela recorrente; a suscitação da inconstitucionalidade normativa 
 durante o processo; e o esgotamento de todos os recursos ordinários que no caso 
 cabiam” (cf. Acórdão nº 497/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 Por outro lado, em consequência do carácter instrumental deste recurso, a 
 respectiva utilidade – ou seja, a susceptibilidade de repercussão na decisão 
 recorrida do julgamento da questão de constitucionalidade – surge como condição 
 do seu conhecimento (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 366/96 e 
 
 463/94, Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996 e de 22 de Novembro 
 de 1994, e 687/2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 
 1. O recorrente requer a apreciação da inconstitucionalidade dos artigos 127º, 
 
 410º, nº 1, 412º, nº 3 e 428º nº 1, do Código de Processo Penal, interpretados 
 conjugadamente no sentido de que o recurso em matéria de facto, em processo 
 criminal, se restringe às situações de erro manifesto.
 A alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, ao abrigo da qual o presente recurso 
 foi interposto, estabelece que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das 
 decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido 
 suscitada durante o processo, ou seja, “a tempo de o tribunal recorrido poder 
 decidir essa questão” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 155/95, Diário da 
 República, II Série, de 20 de Junho de 1995).
 No caso presente, o próprio recorrente admite que não se mostra cumprido o 
 requisito da suscitação prévia daquela questão de inconstitucionalidade, 
 entendendo, porém, que “é legítimo que a arguição de inconstitucionalidade só 
 agora [no requerimento de interposição de recurso] seja formulada”, tendo em 
 conta “jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional”. Concretamente, 
 entende que só agora é que se confrontou com aquela interpretação normativa, que 
 corresponde a construção jurídica que o Tribunal da Relação lavrou a tal 
 propósito – inteiramente desconhecida do Recorrente à data em que elaborou a sua 
 motivação do recurso.
 Com efeito, “este Tribunal tem vindo a entender, num plano conformador da sua 
 jurisprudência genérica sobre este tema, que naqueles casos anómalos em que o 
 recorrente não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de 
 constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder 
 jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir, ainda assim existirá 
 o direito ao recurso de constitucionalidade” (Acórdão nº 61/92, Diário da 
 República, II Série, de 18 de Agosto de 1992). E tem vindo a entender “que uma 
 das situações em que o interessado não dispõe de oportunidade processual para 
 suscitar a questão da constitucionalidade antes de esgotado o poder 
 jurisdicional é precisamente a daqueles casos em que é confrontado com uma 
 situação de aplicação ou interpretação normativa, feita pela decisão recorrida, 
 de todo imprevisível ou inesperada, em termos de não lhe ser exigível que a 
 antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da 
 prolação dessa decisão” (Acórdão nº 426/2002, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 Sucede, porém, que a interpretação normativa que o recorrente enunciou enquanto 
 objecto do recurso de constitucionalidade não pode ser qualificada de imprevista 
 ou inesperada. Para tal concluir, é suficiente atentar, entre muitos outros, num 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2003, numa decisão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Novembro de 2002 e num acórdão do 
 Tribunal da Relação do Porto de 5 de Junho de 2002 (disponíveis em www.dgsi.pt). 
 
 
 De forma impressiva, para o que importa apreciar e decidir, pode ler-se, num 
 acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 2004 (www.dgsi.pt), a 
 instância que proferiu a decisão recorrida, o seguinte:
 
  
 
 «Importa salientar, antes de mais e com o devido respeito pelo esforço 
 argumentativo do recorrente, que o pedido de reapreciação da matéria de facto 
 não conduz a um novo julgamento, nem pode supri-lo. 
 Na verdade, a prova gravada ou transcrita nunca poderá suprir a abundância de 
 pormenores (a cor e o cheiro) que a imediação proporciona ao juiz quando aprecia 
 a matéria de facto. O modo como a testemunha depõe, as suas reacções, as suas 
 reticências e a sua mímica, são factores decisivos na formação de uma convicção 
 final e não podem ser captados pela frieza de meios mecânicos.
 Assim o juiz que, em 1ª instância, julga de facto goza de ampla liberdade de 
 movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de 
 harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova.
 As provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas 
 
 – art. 127.º, do CPP.
 Essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório 
 recolhido pela percepção global é insindicável por esta Relação. 
 Como assim, o Tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de 
 apreciação da prova poderá alterar o decidido em 1ª instância – será, por 
 exemplo e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido 
 diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença.
 Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova 
 
 (não estando em causa, como in casu não está, prova dita tarifada ou legal), o 
 processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova é 
 insindicável pelo tribunal de recurso, havendo apenas que indagar se é 
 contrariado pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio, 
 suposto pela ordem jurídica.
 Diga-se, ademais, que, na convicção, desempenham papel de relevo não apenas a 
 actividade puramente cognitiva mas também elementos que, racionalmente, não são 
 explicitáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e 
 mesmo elementos puramente emocionais (…).
 Ensinava o Prof. Alberto dos Reis que a livre apreciação da prova é 
 indissociável do princípio da oralidade, «entendida como imediação de relações 
 
 (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de 
 extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), e condição indispensável 
 para actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de 
 prova legal». Citando Chiovenda, concluía que «ao juiz que haja de julgar 
 segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o 
 ar é necessário para respirar» (…).
 No caso, ponderando que, consabidamente, a credenciação e consistência 
 probatória dos depoimentos das testemunhas não valem pelo número, e não se 
 mostrando (como, no caso, se não mostra, em vista da fundamentação oferecida 
 pelo Colectivo) que, de harmonia com tais critérios, o deciso seja arbitrário, 
 infundado ou manifestamente erróneo, aquela decisão de 1.ª instância, que 
 beneficiou da oralidade e da imediação, não pode deixar de prevalecer, nos 
 termos prevenidos no art. 127.º, do CPP, sendo irrelevante, no contexto, a 
 percepção e mesmo a convicção alcançada pelo recorrente e pelos mais 
 intervenientes no processo (…)».
 
  
 O recorrente não estava, pois, dispensado do cumprimento do ónus de, antecipando 
 a possibilidade de uma tal interpretação normativa, suscitar previamente quanto 
 a ela uma questão de inconstitucionalidade. Daí que seja de concluir, face à 
 falta do apontado requisito, pelo não conhecimento, nesta parte, do objecto do 
 presente recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, 
 nº 1, da LTC). Independentemente da questão de saber se a norma identificada 
 pelo recorrente corresponde, exactamente, à norma aplicada pela decisão 
 recorrida.
 
 2. O recorrente requer, ainda, que o Tribunal aprecie o artigo 374º, nº 2, do 
 Código de Processo Penal, devidamente conjugado com o artigo 379º, nº 1, alínea 
 a), do mesmo Código, na interpretação de que só a ausência total de referência 
 
 às provas em que se baseou a convicção do Tribunal é que constitui violação do 
 dever de fundamentação.
 Sucede, porém, no caso em apreço, que a decisão desta questão de 
 constitucionalidade não é susceptível de se reflectir utilmente na decisão da 
 questão de fundo. Procedendo a um juízo de “antecipação” quanto às consequências 
 de um eventual juízo de inconstitucionalidade daquela norma – juízo que é 
 imposto pelo carácter instrumental do recurso de constitucionalidade interposto 
 
 – conclui-se que tal juízo nenhuma virtualidade teria de alterar a decisão 
 recorrida.
 Com efeito, ainda que este Tribunal viesse a julgar inconstitucional a norma 
 cuja apreciação é requerida, manter-se-ia a decisão de indeferimento da nulidade 
 arguida pelo recorrente, com fundamento no disposto nos artigos 374º, nº 2, e 
 
 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal. Manter-se-ia a decisão de 
 indeferimento da nulidade, uma vez que o acórdão recorrido considerou que a 4ª 
 Vara Criminal de Lisboa indicou as provas que serviram para formar a convicção 
 deste tribunal e procedeu ao “exame crítico da prova quanto ao montante 
 indemnizatório”.
 Assim sendo, importa concluir, também quanto a esta parte, pelo não conhecimento 
 do objecto do presente recurso, o que justifica a prolação da presente decisão 
 
 (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
 
  
 
 3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo 
 do artigo 78º-A da LTC, nos termos e com os fundamentos seguintes:
 
  
 
 «I - PEDIDO DE INTERVENÇÃO DO PLENÁRIO 
 
 1. A presente reclamação pode ser decidida pelo plenário do tribunal, caso o 
 presidente o determine, com a concordância do tribunal, quando isso seja 
 necessário para evitar divergências jurisprudenciais ou quando tal se justifique 
 em razão da natureza da questão a decidir. 
 
 2. É o que resulta da conjugação dos arts. 79º-A nºs 1 e 3, 77º nº 1 e 78º-A nº 
 
 3, por via das remissões sucessivas que tais preceitos legais efectuam.
 
 3. No caso em apreço, são claras as divergências jurisprudenciais abaixo 
 assinaladas e é manifesta a relevância da questão central a decidir: em que 
 termos está o recorrente dispensado do ónus da prévia suscitação da 
 inconstitucionalidade arguida, o que se inscreve no âmbito do direito a uma 
 tutela jurisdicional efectiva que o art. 20º da C.R.P. consagra. 
 II - A DECISÃO SUMÁRIA 
 
 4. O Recorrente – como consta da decisão sumária – requereu a arguição da 
 inconstitucionalidade dos arts. 127º, 410º nº 1, 412º nº 3 e 428º nº 1 do 
 C.P.P., interpretados conjugadamente no sentido de que o recurso em matéria de 
 facto, em processo criminal, se restringe aos casos de erro manifesto [como 
 seria, por exemplo e caricatura, nos termos do acórdão da Relação objecto de 
 recurso, “o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido diametralmente 
 oposto ao que foi considerado na sentença”]. 
 A decisão sumária não tomou conhecimento do objecto do recurso por ter julgado 
 que o Recorrente não estaria dispensado do ónus de antecipar tal interpretação 
 normativa, que não poderia ser qualificada de imprevista ou inesperada, o que 
 fundou na circunstância daquele entendimento constar “entre muitos outros” 
 
 (sic), num acórdão do STJ de 9/7/2003, noutro da Relação de Lisboa de 
 
 22/11/2002, noutro ainda da Relação do Porto de 5/6/2002 e, finalmente, de forma 
 mais impressiva, no acórdão da Relação de Lisboa de 19/5/2004 (acórdãos 
 disponíveis em www.dgsi.pt). 
 
 5. Por outro lado, o Recorrente – como consta da decisão sumária – requereu 
 igualmente a arguição da inconstitucionalidade do art. 374º nº 2 do C.P.P., 
 devidamente conjugado com o art. 379º nº 1 – a) do mesmo Código, interpretados 
 no sentido de só a ausência total de referências às provas em que se baseou a 
 convicção do tribunal é que constitui violação do dever de fundamentação. 
 Desta feita, a decisão sumária veio sustentar que tal questão não seria 
 susceptível de se reflectir na decisão da questão de fundo (!). 
 A decisão sumária antecipou que o acórdão da Relação se manteria inalterado, uma 
 vez que considerou que a 1ª instância “indicou as provas que serviram para 
 formar a convicção deste tribunal e procedeu ao exame crítico da prova quanto ao 
 montante indemnizatório”. 
 
 6. Acontece, porém, quanto ao primeiro item, que não é verdade que estivesse 
 consagrada a orientação jurisprudencial acima apontada, muito menos “entre 
 muitos” acórdãos, como aí erroneamente se refere, sendo ilegítima a conclusão de 
 que aquela interpretação não era inesperada ou imprevista. 
 
 7. E, quanto ao segundo item, a antecipação da inutilidade da declaração de 
 inconstitucionalidade requerida, para efeitos da decisão a proferir, é 
 destituída de qualquer base intelectualmente admissível. 
 
 8. O Recorrente sabe que é raríssimo que as decisões sumárias proferidas pelo 
 relator (cada vez mais frequentes) venham a ser alteradas pela conferência ou 
 pelo plenário. Não sabe mesmo se alguma vez isso ocorreu. 
 Mas isso não afecta nem a solidez nem a convicção da presente reclamação, sob 
 pena de se aceitar o facto consumado da pura denegação de justiça, como 
 aconteceu – ressalvado o devido respeito – com a decisão sumária ora reclamada. 
 O Recorrente anda, há quase três anos, de Herodes para Pilatos, a reclamar um 
 direito inquestionável: o direito a que seja reapreciada a matéria de facto que 
 levou à sua condenação, quando está, completa e absolutamente, inocente. 
 Fala-se muito, entre nós, de excesso de garantias. O caso dos autos ilustra, à 
 saciedade, que a prática judicial portuguesa enferma de um gravíssimo défice. 
 Aí de quem esteja inocente e caia nas malhas da justiça!... 
 
 É que o formalismo exacerbado que se instalou – aonde a luz da justiça não chega 
 ou mal ilumina – tanto dá para absolver os piores culpados, como para condenar 
 quem está inocente. 
 III - NÃO ERA CONHECIDA QUALQUER CORRENTE JURISPRUDENCIAL QUE SUSTENTASSE QUE, 
 NO PROCESSO PENAL, SÓ NO CASO EXCEPCIONAL DE ERRO MANIFESTO É QUE HÁ RECURSO EM 
 MATÉRIA DE FACTO 
 
 9. A decisão sumária confundiu as dificuldades práticas – tanto vezes dramáticas 
 e iníquas – em articular o princípio da livre apreciação de prova com o direito 
 a um efectivo recurso em matéria de facto com a tese inesperada, errada e 
 solitária, de que só nos casos excepcionais de erro manifesto é que está 
 assegurado tal recurso. 
 Essa tese – ao contrário do que diz a decisão reclamada – não correspondia – 
 pelo menos, à data do recurso, em 2004 – a qualquer corrente ou inclinação 
 jurisprudencial, não tendo sido perfilhado, como consta daquela decisão, por 
 
 “muitos” acórdãos, nem sequer, de acordo com os exemplos facultados nessa 
 decisão, por mais que um. Entre muitas centenas!! 
 Vejamos, mais de espaço, a falta de razão da decisão reclamada. 
 
 10. Primeiro: a lei, a constituição e o direito internacional. 
 A lei não restringe o recurso para a Relação em matéria de facto ao caso 
 excepcional das situações de erro manifesto, como resulta do texto dos arts. 
 
 410º nº 1, 412º nº 3, 428º nº 1 e 431º do C.P.P.. 
 O art. 431º do C.P.P. consagra mesmo o princípio de que a decisão sobre a 
 matéria de facto pode ser modificada se, havendo documentação da prova, esta 
 tiver sido impugnada, nos termos legais, como foi. Sem qualquer restrição à 
 situação excepcional do erro manifesto. 
 Pelo contrário, o art. 410º nº 2 consagra um regime especial para a situação de 
 erro notório na apreciação da prova, que fica circunscrito aos casos em que a 
 lei limita a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, como 
 acontece, entre outros, com o STJ. 
 Esta solução legal – em vigor desde a reforma de 1998 – concretiza, afinal, o 
 princípio constitucional que manda o processo criminal assegurar todas as 
 garantias de defesa, incluindo o recurso, estando, de resto, em consonância com 
 o art. 2º do Protocolo nº 7 adicional à CEDH, que consagra o seguinte: 
 
 “Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o 
 direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de 
 culpabilidade ou a condenação”. 
 Isto é, não há, no texto da lei, da constituição ou das convenções 
 internacionais, nada que leve a que a estratégia da defesa se deva prevenir 
 relativamente à inaceitável restrição que veio a ser adoptada. 
 
 11. Segundo: a doutrina. 
 A doutrina portuguesa – perante o regime legal hoje consagrado – não considera 
 que o recurso em matéria de facto – em primeiro grau, isto é, para a Relação – 
 esteja restringido às situações excepcionais de erro manifesto. 
 E, pelo menos, tanto quanto se conhecem os textos de maior divulgação – por 
 exemplo, o Curso de Processo Penal (III) de GERMANO MARQUES DA SILVA – tal 
 questão nem sequer é equacionada. 
 Aliás, estes autos também demonstram essa evidência. 
 Na pendência do recurso para a Relação, foram juntos pareceres de FIGUEIREDO 
 DIAS, COSTA ANDRADE e MARQUES DA SILVA, que debateram, de forma exaustiva, o 
 erro de julgamento cometido na 1ª instância, sem nunca terem tido a necessidade 
 de discutir sequer que a sua avaliação teria de se restringir a uma situação de 
 erro manifesto. 
 Seria estranho que tão prestigiados jurisconsultos tivessem então ignorado uma 
 alegada, mas, afinal, inexistente, corrente jurisprudencial que limitaria o 
 recurso em causa às situações de erro manifesto!... 
 Da mesma sorte, o parecer de FARIA COSTA, junto em momento posterior, que 
 aborda, entre outros, precisamente o tema “do direito ao recurso, em especial, 
 do recurso em matéria de facto”, rebate a argumentação do acórdão da Relação ora 
 sob recurso, relativa à restrição do recurso circunscrito ao caso excepcional do 
 erro manifesto, sem necessidade de aludir àquela afinal inexistente corrente 
 jurisprudencial. 
 Finalmente, consultadas as mais prestigiadas anotações ao Código de Processo 
 Penal – seja a de MAIA GONÇALVES, na sua 15º edição de 2005, seja a de SIMAS 
 SANTOS e LEAL-HENRIQUES, na sua 2º edição de 2004 –, não há, em nenhuma delas, a 
 mais pequena limitação do âmbito do recurso em apreço às situações de erro 
 manifesto. 
 
 12. Terceiro: a jurisprudência do Tribunal Constitucional. 
 A jurisprudência do Tribuna! Constitucional nunca admitiu que, no regime legal 
 vigente, o recurso sobre matéria de facto tivesse de ficar restringido às 
 situações de erro manifesto, antes tendo sublinhado que a ponderação do 
 princípio da livre apreciação da prova e o respeito pela regra da imediação não 
 poderiam afectar um efectivo recurso em matéria de facto. Essa conjugação 
 permite que o tribunal de recurso venha a formar a sua própria convicção, que 
 pode ou não coincidir com a que se formou na 1ª instância. 
 Por todos, ainda que a propósito do art. 712º do C.P.C., veja-se o acórdão nº 
 
 415/2001 – citado, de resto, no recentíssimo acórdão nº 116/2007, relativo ao 
 tema que estamos a tratar, em processo pena! –, onde consta o seguinte: 
 
 É manifesto que, para julgar um recurso de uma decisão sobre matéria de facto, 
 interposto com o fundamento de que tal decisão resulta de uma errada apreciação 
 de depoimentos testemunhais em que se baseou, o tribunal de 2ª instância tem, 
 naturalmente, que proceder à apreciação desses depoimentos. Nessa apreciação, 
 igualmente feita nos termos do princípio da livre apreciação da prova, mas 
 obtida apenas a partir do registo de depoimentos que a 1ª instância pode valorar 
 com respeito pela regra da imediação, o tribunal de recurso forma a sua própria 
 convicção. Essa convicção pode, naturalmente, coincidir ou não com a que se 
 formou na 1ª instância (...). 
 
 13. Quarto: a jurisprudência dos tribunais superiores. 
 A jurisprudência dos tribunais superiores valoriza o princípio da livre 
 apreciação da prova, bem como o valor da imediação, mas não se conhece qualquer 
 corrente ou inclinação jurisprudencial que limite o recurso de facto para a 
 Relação às situações excepcionais de erro manifesto. 
 Tiveram-se presentes os acórdãos seleccionadas nos Códigos Anotados de MAIA 
 GONÇALVES e SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, não se encontrando, nas anotações aos 
 preceitos relevantes para o efeito, o sumário de qualquer acórdão que perfilhe a 
 tese ora sob recurso. 
 Idem para os sumários dos acórdãos publicados na Colectânea de Jurisprudência 
 
 (da ASS “Casa do Juiz”) e no BMJ (enquanto foi publicado) e, salvo erro ou 
 omissão, não se localizou qualquer sumário, no período relevante (entre 1998 e 
 meados de 2004, data da sentença de 1ª instância e do recurso respectivo), onde 
 aquela restrição fosse contemplada. 
 Finalmente, fez-se uma busca exaustiva aos sumários dos acórdãos publicados em 
 
 www.dgsi.pt, tendo por referência o descritor livre apreciação da prova e, salvo 
 erro ou omissão, não se encontrou um único sumário, entre centenas de sumários 
 consultados (do STJ e das Relações de Lisboa, Porto, Coimbra, Évora e 
 Guimarães), que limitasse o recurso em matéria de facto para a Relação às 
 situações excepcionais de erro manifesto. 
 Não se pode confundir a prevalência dada à imediação, em termos por vezes 
 excessivos, com uma restrição do recurso para a Relação aos casos de erro 
 manifesto. Um dado é certo: não há qualquer corrente jurisprudencial que 
 consagre essa limitação. 
 Pelo contrário, é dominante a jurisprudência que, de forma expressa, sublinha os 
 poderes de cognição da Relação em matéria de facto, como, entre outros, o 
 acórdão do STJ de 23/3/2006, de cujo sumário consta o seguinte: 
 I – É de fulcral importância para a salvaguarda dos direitos constitucionais de 
 defesa que as Relações façam um efectivo controlo da matéria de facto provada na 
 
 1ª instância, por confronto desta com a documentação em acta de prova produzida 
 oralmente. 
 II – O recurso da matéria de facto não é um novo julgamento, antes um remédio 
 jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in 
 procedendo, que são expressam ente indicados pelo recorrente (…) 
 IV – No controle da matéria de facto, não se devem descurar os princípios da 
 livre apreciação da prova e da imediação, que estão na essência da decisão da 1ª 
 instância, mas tais princípios não são um obstáculo inultrapassável antes um dos 
 muitos factores que o tribunal de recurso tem de ponderar na altura de modificar 
 ou não a matéria de facto provada. 
 V – O Tribunal de recurso tem poderes para modificar a matéria de facto, desde 
 que se esteja perante alguma das hipóteses prevista no art. 431º do CPP (cfr. 
 
 www.dgsi.pt, 06P547). 
 
 14. Quinto: os casos citados pela decisão sumária. 
 Em abono da sua posição, a decisão sumária cita um acórdão do STJ de 9/7/2003, 
 um acórdão da Relação de Lisboa de 22/11/2002, um acórdão da Relação do Porto de 
 
 5/6/2002 e, finalmente, de forma mais impressiva, um acórdão da Relação de 
 Lisboa de 19/5/2004. 
 Mas sem qualquer razão. 
 Quanto ao acórdão do STJ – que deve ser aquele de que foi relator 
 LEAL-HENRIQUES, tendo por primeiro descritor o princípio da livre apreciação da 
 prova –, não se encontra publicado o respectivo sumário, mas da análise do seu 
 texto pode concluir-se que não foi perfilhada a tese ora sob escrutínio. O STJ, 
 nesse aresto, limitou-se a censurar a Relação pelo facto de, à margem das 
 conclusões do recorrente, ter, por sua própria iniciativa, apoiando-se na 
 extensibilidade do princípio da livre apreciação da prova, alterado a matéria de 
 facto assente, o que não tem a ver com questão em causa nestes autos. 
 Quanto ao acórdão da Relação de Lisboa de 22/11/2002, o seu sumário – não está 
 publicado o texto integral – não exprime o ponto de vista de que o recurso sobre 
 a matéria de facto se restringe ao caso excepcional do erro manifesto, antes 
 expressando a seguinte e defensável tese, que se serve ao recurso que o ora 
 Recorrente havia interposto: 
 A garantia do duplo grau de jurisdição relativamente a matéria de facto nunca 
 poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e 
 global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e 
 correcção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento, incidindo 
 sobre determinados pontos de matéria de facto (cfr. www.dgsi.pt, 0020409). 
 Quanto ao acórdão da Relação do Porto de 5/6/2002, idem, como resulta do seu 
 texto e respectivo sumário, onde se defende tese que também serve ao recurso do 
 Recorrente: 
 A apreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a 
 convicção acolhida pelo Tribunal da 1ª instância caso se verifique que a decisão 
 sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos da prova 
 constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas 
 recolhidas, dado que a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida 
 com a imediação (cfr. www.dgsi.pt, 0210320). 
 Finalmente, o acórdão da Relação de Lisboa de 19/5/2004. Aí sim, defende-se a 
 tese do erro manifesto adoptado pelo acórdão da Relação recorrido, que, de 
 resto, “copiou” a passagem respectiva desse outro acórdão. 
 Mas isso é irrelevante para o efeito em causa. Trata-se de um acórdão 
 praticamente contemporâneo da decisão da 1ª instância e do respectivo recurso 
 
 (Julho e Setembro de 2004, respectivamente), que nem sequer se sabe quando é que 
 ficou disponibilizado para consulta, mas que seguramente o foi várias semanas 
 depois da sua prolacção. 
 Por seu turno, é um acórdão de que não foi extraído qualquer sumário e cujo 
 primeiro descritor é “roubo”. 
 Mas, sobretudo, é uma voz solitária – pelo menos, à época – que não revela 
 qualquer orientação, corrente ou tendência jurisprudencial. 
 Em Portugal, não vigora a regra do precedente e, de acordo com um princípio 
 processual de boa fé, não é exigível aos mandatários das partes que conheçam 
 todo e qualquer acórdão que tenha sido produzido. 
 
 15. Em suma, pelo menos à época, não era conhecida qualquer corrente ou 
 tendência jurisprudencial que sustentasse que, no processo penal, só no caso 
 excepcional de erro manifesto é que há recurso em matéria de facto. 
 Assim sendo, é inequívoco que a interpretação normativa em apreço era imprevista 
 e não tinha que ser antecipada pela defesa, pelo que a decisão sumária aplicou 
 erroneamente o art. 78º-A nº 1 da L.T.C.. 
 IV - DIVERGÊNCIA COM A JURISPRUDENCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 
 
 16. Porém, o mais chocante acaba por ser a flagrante divergência desta decisão 
 sumária relativamente a inúmeras outras decisões proferidas pelo Tribunal 
 Constitucional, em termos tão graves que chega a estar em causa o princípio da 
 igualdade e o direito a um processo equitativo. 
 
 17. Comecemos pelos acórdãos do TC citados pela própria decisão sumária, que 
 enquadram o tratamento da questão da oportunidade processual para suscitar o 
 tema da constitucionalidade: ac. nº 61/92 e ac. nº 426/2002. 
 Quanto ao ac. nº 61/92, o TC admitiu o recurso porque o recorrente não dispôs de 
 oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir, como 
 igualmente aconteceu com o ora Recorrente nestes autos. Aí, nem sequer se 
 discutiu a questão de saber se o recorrente podia ou não ter antecipado o 
 entendimento normativo em apreço, quando é certo que a matéria então 
 controvertida – a condenação no pedido por falta injustificada do réu e do 
 mandatário judicial em processo laboral, nos termos do art. 89º nº 3 do C.P.T. 
 então em vigor – há muito que era objecto de orientações jurisprudenciais 
 distintas e bem conhecidas. 
 Quanto ao ac. nº 426/2002, o TC rejeitou o recurso porque a decisão recorrida 
 não era de todo inesperada, uma vez que se estava perante matéria objecto de uma 
 orientação jurisprudencial assente, inclusive no próprio Tribunal 
 Constitucional, como, aliás, era expressamente reconhecido pelo então recorrente 
 no seu recurso! 
 Assim sendo, é óbvio que, se a jurisprudência desse acórdão tivesse sido 
 aplicada ao caso dos autos, a presente decisão sumária não poderia ter sido 
 proferida. 
 
 18. Mas há mais e mais recente. 
 No ac. nº 116/2007, de 16/2/2007, num caso que também tinha por pano de fundo 
 uma grande valorização dos princípios da livre apreciação da prova e da 
 imediação, o TC entendeu que não era razoável exigir ao aí recorrente que 
 antecipasse um concreto entendimento dado ao art. 428º nº 1 do C.P.P., no 
 sentido de que, tendo sido a prova livremente apreciada pela 1ª instância, a 
 Relação se poderia bastar com o cotejo de que os dados objectivos indicados na 
 fundamentação da sentença foram colhidos na prova produzida e transcrita. 
 O caso não é precisamente igual ao destes autos, mas é claramente similar, pelo 
 que, se esse espírito de razoabilidade e justiça tivesse sido aplicado ao ora 
 Recorrente, o seu recurso teria sido admitido. 
 
 19. Finalmente, um caso bem expressivo e eloquente: o do acórdão nº 122/2000, 
 proferido no chamado processo dos hemofílicos. 
 Aí, o TC considerou razoável que os recorrentes não tivessem antecipado o 
 entendimento dado ao art. 120º nº 1-a) da versão originária do C.P., no sentido 
 de que a prescrição se interromperia com a notificação para as primeiras 
 declarações do agente, como arguido, na instrução, quando essa até era a tese 
 dominante, embora não líquida, nas Relações. 
 Consideraram-se então dois argumentos fundamentais e especialmente relevantes 
 para o caso destes autos, a saber: 
 
 • Por seu turno, em face da favorabilidade que para si representava o despacho 
 que, na ocasião, foi impugnado pelos representante da acusação e auxiliares 
 deste, não se afigura que, de um ponto de vista de estratégia de defesa, fosse 
 exigível aos arguidos, para além de contraditarem os pontos de vista dos então 
 recorrentes, o equacionamento de qualquer outra questão, designadamente tercendo 
 armas pela ocorrência da prescrição do procedimento criminal que contra si foi 
 instaurado. 
 
 • Anote-se, ainda, que aquela interpretação é algo que não tem sido liquidam 
 ente sufragado pela jurisprudência dos nossos tribunais da ordem dos tribunais 
 judiciais, pelo sempre se poderá dizer que a mesma não constitui um dado com que 
 os operadores judiciários, inequivocamente, contém. 
 Isto é, naquele aresto, a estratégia da defesa foi admitida com fundamento para 
 a não invocação de uma tese que era conhecida e era, há anos, objecto de intensa 
 polémica. Por que raio de razão é que o ora Recorrente, na sua estratégia de 
 defesa, haveria de ter admitido a insólita, não conhecida, nem consagrada tese 
 que haveria de lhe inviabilizar o recurso? 
 Por outro lado, naquele aresto foi expressamente consagrado que tal 
 interpretação não tinha que ser antecipada porque não constituía uma 
 jurisprudência líquida, apesar de bem conhecida. Por que raio de razão é que ao 
 Recorrente era exigível antecipar uma tese perfeitamente isolada, insólita, 
 desconhecida e contrária à lei, à doutrina e à jurisprudência relevante. 
 
 20. Mais palavras, para quê? 
 
 É manifesta a falta de razão da decisão sumária e, ressalvado o devido respeito, 
 que muito é, a sua natureza profundamente iníqua e até ofensiva de um processo 
 legal equitativo. 
 V - A VIOLAÇÃO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO 
 
 21. A pena de prisão aplicada ao ora Recorrente está suspensa do pagamento de 
 uma indemnização de 2.456.629,00 €, acrescida de juros à taxa legal, sobre o 
 capital original devido, desde a notificação até integral pagamento. 
 Contudo, o Tribunal dera como assente que, em 1991, a alegada dívida era de 
 
 533.580,00 USD. 
 Foi inexplicável como é que considerou que, em 1993, passou a ser de 
 
 1.022.790,08 USD. 
 E ainda mais misterioso que, sem calcular os juros de mora, tenha arbitrado uma 
 indemnização de 2.456.629,00 €, correspondente ao capital em dívida e juros de 
 mora vencidos (quais?) até à propositura do pedido cível, acrescida de juros, à 
 taxa legal, sobre o capital original!! 
 Estamos no domínio de uma pura extorsão judicial, utilizando naturalmente esta 
 expressão na sua acessão simbólica. 
 
 22. Acerca desta matéria, o acórdão da Relação consignou apenas o seguinte: 
 Assim, a invocada omissão, neste particular, do exame critico da prova quanto ao 
 montante indemnizatório fixado e a consequente nulidade da decisão, por via do 
 disposto no art. 379º-a) e 374º do C.P.P afigura-se-nos como inexistente, pese 
 embora, se reconheça que o mesmo poderia ser mais exaustivo, já que só a 
 ausência total de referência às provas que constituíram a parte da convicção do 
 tribunal constituiria violação aos preceitos adjectivos supra referidos. 
 Isto é, a Relação desatendeu a nulidade arguida, por entender que era 
 inexistente a alegação da falta de exame crítico da prova apenas porque só a 
 ausência total de referências às provas é que constituiria violação do dever de 
 fundamentação, o que se entende que é inconstitucional. 
 A decisão sumária, embora admitindo esse juízo, veio sustentar que a declaração 
 de inconstitucionalidade seria inútil para o caso dos autos, uma vez que o 
 acórdão recorrido já teria considerado que a 1ª instância efectuara o exame 
 crítico da prova. 
 
 23. Ora, ressalvado mais uma vez o devido respeito, tal tese da decisão sumária 
 não tem qualquer base intelectual admissível. 
 
 É que a Relação só considerou inexistente a falta de exame crítico da prova 
 porque só a ausência total de referência às provas é que constituiria violação 
 do dever de fundamentação. 
 Donde, declarada a inconstitucionalidade deste entendimento, parece óbvio que 
 deixa de se poder considerar, à luz do acórdão da Relação, que inexiste tal 
 falta de exame crítico. Pelo exposto, também aqui a decisão sumária aplicou 
 erroneamente o art. 78º-A nº 1 da L.T.C. ao caso dos autos».
 
  
 
  
 
 4. Notificado desta reclamação, o representante do Ministério Público junto 
 deste Tribunal respondeu-lhe nos termos seguintes:
 
  
 
 «1º
 Carece, a nosso ver, manifestamente de fundamento legal a pretensão de que seja 
 dirimida pelo Plenário a presente reclamação: na verdade, nem o recorrente 
 demonstra minimamente a existência de qualquer contradição jurisprudencial 
 acerca do ónus de suscitação atempada da questão de constitucionalidade, durante 
 o processo, nem a intervenção do Plenário visa suprir divergências 
 jurisprudenciais – no caso, inexistentes – sobre matérias de processo 
 constitucional.
 
 2º
 Não tem razão o recorrente quanto à primeira questão de constitucionalidade que 
 equaciona: e, a nosso ver, não apenas por a não ter suscitado durante o 
 processo, mas – numa visão substancial das coisas – por a interpretação 
 normativa, tida por violadora da Lei Fundamental, não corresponder minimamente 
 ao critério normativo acolhido pela Relação.
 
 3º
 Não pode, na realidade, olvidar-se que a Relação realizou, ao longo de p. 
 
 3547/3553, numa detalhada análise crítica da prova produzida, na óptica da 
 respectiva credibilidade e convencimento judicial – não podendo, 
 consequentemente, afirmar-se que a “ratio decidendi” do acórdão recorrido 
 assentou numa interpretação, ultra-restritiva e minimalista, dos poderes de 
 sindicância da matéria de facto, que conduzisse a apenas lhe permitir valorar o 
 
 “erro notório” na respectiva apreciação pela 1ª instância, em termos análogos 
 aos que decorriam, para o Supremo Tribunal de Justiça, da fisionomia do recurso 
 directo da decisão do colectivo, decorrente da versão originária do Código de 
 Processo Penal.
 
 4º
 O que o acórdão recorrido, correctamente interpretado, considera é que – como é 
 evidente – os poderes de sindicância da Relação são, de algum modo, afectados 
 pela ausência de oralidade e imediação na valoração da prova, coisa diversa de 
 uma restrição à valoração do mero “erro notório” na sua apreciação.
 
 5º
 De igual modo, não tem razão o reclamante quanto à segunda questão que suscita 
 na respectiva reclamação para a conferência: não constitui questão de 
 inconstitucionalidade normativa, susceptível de apreciação pelo Tribunal 
 Constitucional, a que se traduz em saber se, no caso concreto, certa decisão da 
 
 1ª instância está devida e adequadamente fundamentada, apenas cumprindo sindicar 
 da constitucionalidade do critério normativo, consubstanciador daquele dever de 
 fundamentação, acolhido no acórdão recorrido.
 
 6º
 Sendo inquestionável que a Relação considerou que a decisão de 1ª instância 
 tinha procedido a um “exame crítico das provas” minimamente consistente e 
 adequado.
 
 7º
 Por outro lado, apenas está em causa o segmento decisório que tem conexão com a 
 apreciação do pedido de indemnização civil – pelo que o âmbito de dever de 
 fundamentação não poderia deixar de se ligar com o estabelecido na lei de 
 processo civil e de ter em conta o que a jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional tem entendido sobre a matéria (cfr. acórdãos nºs 153/95, 55/97, 
 
 310/94 e 483/01)».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 A decisão que é objecto da presente reclamação concluiu no sentido do não 
 conhecimento do objecto do recurso interposto, ao abrigo do disposto no nº 1 do 
 artigo 78º-A da LTC: o recorrente não estava dispensado do ónus da suscitação 
 prévia da questão de inconstitucionalidade reportada aos artigos 12º, 410º, nº 
 
 1, 412º, nº 3, e 428º, nº 1, do Código de Processo Penal; o julgamento da 
 questão de inconstitucionalidade relativa ao artigo 374º, nº 2, do Código de 
 Processo Penal, devidamente conjugado com o artigo 379º, nº 1, alínea a), do 
 mesmo Código, não seria susceptível de se repercutir de forma útil na decisão 
 recorrida.
 
  
 
 1. O reclamante começa por pedir que a presente reclamação seja julgada com 
 intervenção do plenário, invocando as disposições conjugadas dos artigos 79º-A, 
 nºs 1 e 3, 77º, nº 1, e 78º-A, nº 3, da LTC. 
 O pedido é manifestamente infundado, considerando, nomeadamente, que se trata de 
 recurso interposto em processo penal, já distribuído e em fase de reclamação de 
 decisão sumária (cf. artigos 79º-A, nº 2, e 78º-A, nº 3, da LTC), e que o nº 1 
 do artigo 77º daquela lei estabelece apenas que cabe à conferência o julgamento 
 da reclamação do despacho que indefira a admissão do recurso ou retenha a sua 
 subida.
 Assim sendo, é irrelevante o que o reclamante sustenta quanto à “flagrante 
 divergência” da decisão sumária “relativamente a inúmeras outras decisões 
 proferidas pelo Tribunal Constitucional”. Apesar disso, sempre se dirá, por um 
 lado, que os acórdãos citados na decisão sumária (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional nºs 61/92 e 426/2002) o foram na estrita medida em que enunciam o 
 critério que permite dispensar o recorrente do ónus da suscitação prévia da 
 questão de inconstitucionalidade; e, por outro, que os Acórdãos nºs 116/2007 e 
 
 122/2000 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) em nada se afastam do 
 critério que vem sendo seguido por este Tribunal, segundo o qual o recorrente 
 está dispensado daquele ónus em casos anómalos em que não disponha de 
 oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade durante o 
 processo, designadamente quando é confrontado com uma aplicação ou interpretação 
 normativa, feita pela decisão recorrida, de todo imprevisível ou inesperada. 
 Questão diversa será, certamente, a da aplicação do critério em causa nos 
 processos que deram origem àqueles acórdãos, sendo certo que, em nenhum deles, 
 foi apreciada a inconstitucionalidade da norma aplicada, como ratio decidendi, 
 no acórdão recorrido. 
 
  
 
 2. Relativamente à decisão de não conhecimento do objecto do recurso no que diz 
 respeito aos artigos 127º, 410º, nº 1, 412º, nº 3, e 428º, nº 1, do Código de 
 Processo Penal, interpretados conjugadamente no sentido de que o recurso em 
 matéria de facto, em processo criminal, se restringe às situações de erro 
 manifesto, o reclamante alega, fundamentalmente, que uma tal interpretação “não 
 correspondia – pelo menos à data do recurso, em 2004 – a qualquer corrente ou 
 inclinação jurisprudencial”. 
 O reclamante conclui que como, “pelo menos à época, não era conhecida qualquer 
 corrente ou tendência jurisprudencial que sustentasse que, no processo penal, só 
 no caso excepcional de erro manifesto é que há recurso em matéria de facto (…) é 
 inequívoco que a interpretação normativa em apreço era imprevista e não tinha 
 que ser antecipada pela defesa”, o que o dispensaria do ónus da suscitação 
 prévia da questão de inconstitucionalidade.
 
  
 
 2.1. Segundo jurisprudência reiterada deste Tribunal, o recorrente tem o ónus de 
 questionar, previamente, a constitucionalidade da norma cuja apreciação requer, 
 dando cumprimento ao disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, quando 
 
 é previsível a aplicação de uma norma ou a sua aplicação com um determinado 
 sentido normativo. Recai sobre “a parte o ónus de analisar as diversas 
 possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas 
 na decisão e de utilizar as necessárias precauções, de modo a poder, em 
 conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar 
 a defesa dos seus direitos” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 165/2007, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Devendo o ónus da suscitação 
 prévia da questão de inconstitucionalidade ser cumprido, por conseguinte, ainda 
 que à norma aplicada pelo tribunal recorrido não corresponda uma qualquer 
 corrente ou tendência jurisprudencial.
 Seguindo este entendimento, que de novo se reitera, a decisão reclamada concluiu 
 que a interpretação que o acórdão recorrido fez dos artigos 127º, 410º, nº 1, 
 
 412º, nº 3, e 428º, nº 1, do Código de Processo Penal não pode ser qualificada 
 de imprevisível ou inesperada. Pelo que, não podendo ser qualificada de 
 insólita, imprevista ou anormal, utilizando a terminologia deste Tribunal (cf., 
 entre outros, Acórdãos nºs 333/92, 310/2000, 4/2004, 25/2007, 165/2007, 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), o recorrente não estava 
 dispensado do ónus de questionar, durante o processo, a constitucionalidade da 
 norma aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, como ratio decidendi. 
 A interpretação daqueles artigos do Código de Processo Penal – “o tribunal de 
 recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá 
 alterar o decidido em 1ª instância”, nas palavras do acórdão recorrido – não 
 pode ser qualificada de imprevista ou inesperada, já que a extensão do princípio 
 da livre apreciação da prova em sede de reapreciação da matéria de facto vinha 
 sendo discutida nos nossos tribunais, à luz dos princípios da oralidade e da 
 imediação da prova produzida em 1ª instância. É o que se retira, entre outros, 
 dos acórdãos citados na decisão sumária que, de facto, incidem sobre a questão 
 da modificabilidade da decisão recorrida sobre matéria de facto (artigo 431º do 
 Código de Processo Penal), por referência àqueles princípios de processo penal. 
 De resto, a transcrição que o reclamante fez dos sumários dos acórdãos do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de Novembro de 2002, e do Tribunal da 
 Relação do Porto, de 5 de Junho de 2002, é bem significativa da problemática 
 atinente à extensão do princípio da livre apreciação da prova em sede de recurso 
 em matéria de facto.
 
  
 
 2.2. Acrescente-se, ainda, que o teor da presente reclamação vem apenas 
 comprovar que, afinal, o recorrente pretendia a apreciação de uma norma 
 diferente da que foi aplicada, como ratio decidendi, no acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa. Algo que o requerimento de interposição de recurso para este 
 Tribunal já indiciava e que não deixou de ser notado na decisão reclamada, a 
 qual foi proferida “independentemente da questão de saber se a norma 
 identificada pelo recorrente corresponde, exactamente, à norma aplicada pela 
 decisão recorrida”. 
 O recorrente pretendia a apreciação dos artigos 127º, 410º, nº 1, 412º, nº 3, e 
 
 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretados conjugadamente no sentido 
 de que o recurso em matéria de facto, em processo criminal, se restringe às 
 situações de erro manifesto, quando o tribunal recorrido interpretou e aplicou 
 aqueles artigos, no sentido de que o tribunal de recurso só em casos 
 excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá alterar o decidido 
 em 1ª instância. Ou seja, a interpretação identificada pelo recorrente contende 
 com os fundamentos do recurso em matéria de facto (artigo 410º do Código de 
 Processo Penal), enquanto que a do acórdão recorrido tem a ver com a 
 modificabilidade da decisão recorrida sobre matéria de facto (artigo 431º do 
 Código de Processo Penal). 
 Para além de resultar da própria formulação do Tribunal da Relação de Lisboa o 
 acabado de afirmar – a decisão de 1ª instância, em matéria de facto, só é 
 alterável em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova –, 
 abonam neste mesmo sentido as palavras que enquadram a interpretação normativa 
 feita por aquele Tribunal, que se transcrevem:
 
  
 
 «Importa salientar, antes de mais e com o devido respeito pelo esforço 
 argumentativo dos recorrentes, que o pedido de reapreciação da matéria de facto 
 não conduz a um novo julgamento, nem pode supri-lo.
 Na verdade, a prova gravada ou transcrita nunca poderá suprir a abundância de 
 pormenores que a imediação proporciona ao juiz quando aprecia a matéria de 
 facto. O modo como a testemunha depõe, as suas reacções, as suas reticências e a 
 sua mímica, são factores decisivos na formação de uma convicção final e não 
 podem ser captados pela frieza de meios mecânicos.
 Assim, o juiz que, em 1ª instância, julga de facto goza de ampla liberdade de 
 movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de 
 harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova.
 Por maioria de razão, quando, como no caso, a prova se produz perante e com 
 intervenção) de um colectivo de juízes.
 As provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas 
 
 – art. 127.°, do CPP.
 Essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório 
 recolhido pela percepção global é insindicável por esta Relação.
 Como assim, o tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de 
 apreciação da prova poderá alterar o decidido em la instância será, por exemplo 
 e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido 
 diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença.
 Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova, o 
 processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova é 
 insindicável pelo tribunal de recurso, havendo apenas que indagar se é 
 contrariado pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio, 
 suposto pela ordem jurídica.
 Diga-se, ademais, que, na convicção, desempenham papel de relevo não apenas a 
 actividade puramente cognitiva mas também elementos que, racionalmente, não são 
 explicitáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e 
 mesmo elementos puramente emocionais.
 Ensinava o Prof. Alberto dos Reis que a livre apreciação da prova é 
 indissociável do princípio da oralidade, «entendida como imediação de relações 
 
 (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de 
 extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), e condição indispensável 
 para actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de 
 prova legal». Citando Chiovenda, concluía que «ao juiz que haja de julgar 
 segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o 
 ar é necessário para respirar».
 No caso, ponderando que, consabidamente, a credenciação e consistência 
 probatória dos depoimentos das testemunhas não vale pelo número, e não se 
 mostrando (como, no caso, se não mostra, em vista da cautelosa e pormenorizada 
 fundamentação oferecida pelo Colectivo) que, de harmonia com tais critérios, o 
 decidido seja arbitrário, infundado ou manifestamente erróneo, aquela decisão de 
 lª instância, que beneficiou da oralidade e da imediação, não pode deixar de 
 prevalecer, nos ternos prevenidos no art. 127.°., do CPP, sendo irrelevante, no 
 contexto, a percepção e mesmo a convicção alcançada pelos recorrentes e pelos 
 mais intervenientes no processo».
 
  
 Por outro lado, só uma interpretação como a enunciada pelo reclamante, uma 
 interpretação que restringe os fundamentos do recurso em matéria de facto, é 
 compatível com a alegação no sentido de se tratar de tese inesperada, errada e 
 solitária, face ao consagrado no artigo 410º, nº 1, do Código de Processo Penal: 
 sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos 
 poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse 
 conhecer a decisão recorrida. Qualificação que pressupõe que o acórdão recorrido 
 tenha interpretado aqueles artigos do Código de Processo Penal no sentido de o 
 recurso em matéria de facto, em processo criminal, se restringir às situações de 
 erro manifesto. 
 
  
 
 2.3. Pelo exposto, é de confirmar a decisão de não conhecer, nesta parte, o 
 objecto do recurso interposto, já que não foi questionada, durante o processo, a 
 constitucionalidade da norma que o Tribunal da Relação de Lisboa aplicou, como 
 ratio decidendi – um ónus de que o recorrente não estava dispensado. Sendo 
 certo, ainda, que o recorrente não requereu a apreciação da norma aplicada pelo 
 tribunal recorrido, como ratio decidendi.
 
  
 
 3. No que diz respeito à decisão de não conhecimento do objecto do recurso 
 relativamente ao artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, devidamente 
 conjugado com o artigo 379º, nº 1, alínea a), do mesmo Código, na interpretação 
 de que só a ausência total de referência às provas em que se baseou a convicção 
 do Tribunal é que constitui violação do dever de fundamentação, o reclamante 
 sustenta que “a Relação só considerou inexistente a falta de exame crítico da 
 prova porque só a ausência total de referência às provas é que constituiria 
 violação do dever de fundamentação”. Pelo que, a decisão da questão de 
 constitucionalidade seria susceptível de se reflectir utilmente na decisão da 
 questão de fundo, diferentemente do que se concluiu na decisão reclamada.
 Porém, o que decorre do acórdão recorrido, nomeadamente da passagem que, de 
 seguida, se transcreve, é antes que inexiste nulidade da decisão, por violação 
 do disposto nos artigos 379º, alínea a), e 374º do Código de Processo Penal, 
 porque só a ausência total de referência às provas é que constituiria violação 
 do dever de fundamentação:
 
  
 
 «Na sua fundamentação o tribunal valorou a este respeito, nomeadamente, os 
 depoimentos da testemunha, B., que explicou o modo como foram calculados os 
 valores constantes do pedido indemnizatório; o conteúdo dos documentos de fls. 
 
 451 e 580 (o co-arguido, C. referiu que as contas foram calculadas de acordo com 
 o valor indicado pelo recorrente), bem como os doc. De fls. 2160/2176, que 
 considerou determinantes para a prova do prejuízo da demandante cível.
 Assim, a invocada omissão, neste particular, do exame critico da prova quanto ao 
 montante indemnizatório fixado e a consequente nulidade da decisão, por via do 
 disposto no at° 379 – a) e 374 do C.P.P. afigura-se-nos como inexistente, pese 
 embora, se reconheça que o mesmo poderia ser mais exaustivo, já que só a 
 ausência total de referência às provas que constituíram a parte da convicção do 
 tribunal constituiria violação aos preceitos adjectivos supra referidos».
 
  
 De resto, esta passagem mostra bem que o Tribunal da Relação chegou à conclusão 
 de que inexistia, no caso, a invocada omissão do exame crítico da prova, sem ter 
 estabelecido qualquer relação com o entendimento de que só a ausência total de 
 referência às provas constituiria violação dos preceitos adjectivos supra 
 referidos. Este segmento da decisão foi utilizado apenas para concluir que 
 inexistia nulidade da decisão de 1ª instância, já que no caso havia exame 
 crítico da prova. 
 Como bem conclui o Ministério Público junto deste Tribunal, é «inquestionável 
 que a Relação considerou que a decisão de 1ª instância tinha procedido a um 
 
 “exame crítico das provas” minimamente consistente e adequado». 
 Consequentemente, é de reiterar que, ainda que este Tribunal viesse a julgar 
 inconstitucional a norma cuja apreciação foi requerida, manter-se-ia a decisão 
 de indeferimento da nulidade arguida pelo recorrente, com fundamento no disposto 
 nos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal. 
 Circunstância que obsta ao conhecimento desta parte do objecto do recurso, por 
 inutilidade do mesmo.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa,  26 de Julho de 2007
 Maria João  Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão