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Processo n.º 984/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
 1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
 
  
 
 1. A., Lda. notificada do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de 
 Maio de 2007, que não lhe admitiu o recurso que interpôs para o Pleno da Secção 
 de Contencioso Tributário deste Supremo, do acórdão do Tribunal Central 
 Administrativo, de 13 de Julho de 2004 – que negou provimento ao recurso por si 
 interposto da sentença proferida pelo então Tribunal Tributário de 1ª Instância 
 de Lisboa –, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do referido acórdão 
 do Tribunal Central Administrativo, ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70 
 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, (cf. requerimento de fls. 1781 a 1799), 
 pretendendo ver apreciada as seguintes questões:
 a) Da inconstitucionalidade da «aplicação da Circular n.º 19/89, de 18 de 
 Dezembro, da Direcção‑Geral dos Impostos, que cria uma norma de incidência 
 fiscal distinta daquela que está prevista na alínea f), in fine, do n.º 3 do 
 artigo 3.º do Código do IVA, violando, assim, o princípio da legalidade em 
 matéria de incidência fiscal, previsto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 
 
 103.º, n.º 2, da CRP», invocando que «[a] inconstitucionalidade foi sobejamente 
 suscitada durante o processo, [n]omeadamente, em sede de petição inicial do 
 processo de impugnação judicial», nas «contra-alegações de recurso para o TCA» e 
 em sede de «reclamação para a conferência do TCA, a qual tinha por objecto o 
 acórdão recorrido», e
 b) Da inconstitucionalidade material do conteúdo da referida Circular, «por 
 violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP», questão 
 que teria sido «sobejamente suscitada durante o processo, como se recolhe, 
 nomeadamente, das contra-alegações de recurso para o TCA apresentadas pela ora 
 recorrente».
 
  
 
 2. O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do Tribunal Central 
 Administrativo Sul (cf. fls. 1957), decisão que não vincula o Tribunal 
 Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), entendendo-se, no caso ser de 
 proferir decisão sumária, ao abrigo do n.º1 do art. 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 
 de Novembro, por não se verificarem os pressupostos de admissibilidade do 
 recurso.
 
  
 
 3. Com efeito, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputadas a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas.
 E, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende 
 ainda da verificação cumulativa dos pressupostos de (i) a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), 
 e (ii) de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, 
 das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
 Atendo o disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, não são de considerar, para se 
 dar como verificado o cumprimento daquele primeiro pressuposto, nem suscitações 
 de questões de constitucionalidade perante instâncias distintas do tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, nem questões suscitadas depois de proferida a 
 decisão final (com a qual se esgotou o poder jurisdicional do tribunal 
 recorrido), designadamente através de pedidos de aclaração ou de arguições de 
 nulidade dessa decisão. Só se considera não ser exigível o ónus de suscitação da 
 questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de 
 proferida a decisão impugnada, nas situações de todo excepcionais ou anómalas, 
 em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a 
 questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em 
 que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a 
 questão de constitucionalidade.
 
  
 Por estas razões, não são atendíveis, para este efeito, nem a petição inicial da 
 impugnação judicial, apresentada no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de 
 Lisboa, nem a invocada «reclamação para a conferência do TCA, a qual tinha por 
 objecto o acórdão recorrido», em que se invocava a nulidade deste aresto, 
 indeferida pelo acórdão de 15 de Fevereiro de 2005, que consistia na arguição de 
 nulidades da decisão recorrida (cf. fls. 1465 a 1470).
 
        
 
 4. Resta, assim, a contra‑alegação relativa ao recurso interposto pela Fazenda 
 Pública, endereçada ao Tribunal Central Administrativo. 
 Mas, nesta peça (fls. 996 a 1037), não foi suscitada qualquer questão de 
 inconstitucionalidade tendo por objecto as normas da referida Circular, à qual 
 são apenas endereçadas acusações explicitamente qualificadas pela recorrente 
 como constituindo ilegalidades (cf. conclusões G e H), por «falta de 
 habilitação legal para interpretar extensivamente normas de incidência 
 tributária», e por «por violar o princípio da igualdade ao pretender tratar da 
 mesma forma situações objectivamente desiguais, tais como os usos comerciais» 
 
 (cf. conclusões O e P)
 
  
 Acresce que, as interpretações normativas acolhidas no acórdão recorrido, com 
 referência às questões colocadas pela recorrente neste recurso, nada têm de 
 insólito ou de imprevisto, pois correspondem, na sua essência, às teses 
 defendidas na alegação da então recorrente Fazenda Pública, pelo que a 
 recorrente teve oportunidade processual para, nas contra-alegações por si 
 apresentadas no recurso para o Tribunal Central Administrativo, suscitar 
 adequadamente as questões de inconstitucionalidade que agora pretende ver 
 apreciadas.
 
  
 Deste modo, concluindo-se que a recorrente não suscitou, em termos 
 processualmente adequados, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 qualquer questão de constitucionalidade normativa, em termos de colocar esse 
 tribunal na obrigação de dela conhecer, não pode tomar-se conhecimento do 
 objecto do recurso.
 
  
 
 5. Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º1 do art. 78º-A da Lei nº 28/82, 
 de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
        Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades 
 de conta.
 
  
 
  
 
             2. O recorrente reclama desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do artigo 
 
 78.º-A da LTC, sustentando que deve conhecer-se do objecto do recurso porque:
 
  
 
 «1.º
 A Recorrente interpôs recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade do 
 Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 13 de Julho 
 de 2004 
 
 2.º
 Considera a Recorrente, em resumo, no recurso de fiscalização concreta 
 interposto, que se verificam diversas questões que reclamam a fiscalização por 
 parte deste Venerando Tribunal Constitucional: 
 a) A inconstitucionalidade das normas contidas na Circular n.º 19/89, de 18 de 
 Dezembro da Direcção-Geral dos Impostos, que, criando uma norma de incidência 
 fiscal, violam o Princípio da Legalidade em matéria de incidência fiscal, 
 previsto nos artºs 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2 da CRP, e que o Douto 
 Acórdão recorrido vem aplicar, remetendo para “a lei do POC” a respectiva 
 autorização legal e, em consequência, adoptando, também aqui, uma interpretação 
 do Plano Oficial de Contabilidade (aprovado por Decreto-Lei; não autorizado por 
 Lei da Assembleia da República) violadora do referido princípio constitucional 
 da legalidade em matéria tributária e, também, do art.º 112.º, n.º 6 da CRP que 
 refere que “Nenhuma lei pode (...) conferir a actos de outra natureza o poder 
 de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar 
 qualquer dos seus preceitos.”; e, 
 b) A inconstitucionalidade das normas contidas na Circular n.º 19/89, de 18 de 
 Dezembro da Direcção-Geral dos Impostos, que estabelecendo um critério único 
 para diversos sectores de actividade, numa tentativa de “interpretar” o conceito 
 legal de usos comerciais, violar o Princípio da Igualdade. 
 
 3.º
 Ora, a Douta Decisão Sumária, de que se reclama, vem concluir que “não pode 
 tomar-se conhecimento do objecto do recurso”, por considerar que “a recorrente 
 não suscitou, em termos processualmente adequados, perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de constitucionalidade normativa, 
 em termos de colocar esse tribunal na obrigação de dela conhecer” 
 
 4.º
 Isto porque, por um lado, “não são atendíveis [para efeito de suscitação de 
 questões de inconstitucionalidade] nem a petição inicial da impugnação judicial 
 
 (...), nem a invocada «reclamação para a conferência do TCA, a qual tinha por 
 objecto o acórdão recorrido»”, 
 
 5.º
 E, por outro lado, que na contra-alegação de recurso “não foi suscitada qualquer 
 questão de inconstitucionalidade tendo por objecto as normas da referida 
 circular”.
 
 6.º
 Ora, salvo o devido respeito, que e muito, a Recorrente não pode conformar-se 
 com estas conclusões. 
 
 7.º
 Efectivamente, a Recorrente suscitou, também, nas suas contra-alegações de 
 recurso as questões cuja inconstitucionalidade se pretende submeter à apreciação 
 deste Venerando Tribunal Constitucional. Vejamos as passagens concretas dessas 
 contra-alegações: 
 
 83.º
 De acordo com o princípio da legalidade tributária, a incidência, bem como as 
 taxas de imposto, carecem da forma de Lei ou de Decreto-Lei autorizado. 
 
 133.º
 Esquecendo-se que o princípio da igualdade consiste, precisamente em tratar 
 igual o que é igual e diferenciadamente o que é desigual. 
 
 146.º
 Não o fazendo, é a Administração Fiscal viola o princípio da igualdade por não 
 tratar de forma desigual situações que não são, de facto, iguais. 
 
 8.º
 Ora, salvo o devido respeito, a Recorrente expressamente considerou que o 
 princípio da legalidade tributária e o princípio da igualdade seriam violados 
 pela circular em questão. 
 
 9.º
 Isto é, suscitou, em tempo e de modo adequado, a violação dos referidos 
 princípios constitucionais. 
 
 10.º
 De resto, ao afirmar que “De acordo com o principio da legalidade tributária, a 
 incidência, bem como as taxas de imposto, carecem da forma de Lei ou de 
 Decreto-Lei autorizado”‘ não esta mais do que a parafrasear o disposto no art.º 
 
 103.º, n ° 2 da CRP: “Os impostos são criados por lei que determina a 
 incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.” 
 
 11.º
 E, ao afirmar que “o principio da igualdade consiste, precisamente em tratar 
 igual o que é igual e diferenciadamente o que é desigual.” também não está mais 
 do que a enunciar o brocado jurídico que caracteriza este mesmo princípio 
 constitucional. 
 
 12.º
 De resto, pelo facto de a Recorrente ter suscitado as questões da 
 inconstitucionalidade das normas da referida circular, por violação do princípio 
 da legalidade em matéria tributária e do princípio da igualdade, o Acórdão 
 recorrido pronunciou-se sobre estas questões. 
 
 13.º
 Pelo que, não é verdade que a Recorrente não tenha suscitado as questões de 
 inconstitucionalidade perante o Tribunal recorrido “em termos de colocar esse 
 tribunal na obrigação de dela[s] conhecer.” 
 
 14.º
 Na verdade, o Acórdão recorrido aborda a questão do principio da legalidade em 
 matéria tributária e da sua (não) violação pelas normas da circular em crise, 
 nos seguintes termos: “é certo que a orientação administrativa que imponha certa 
 interpretação da lei não vincula o tribunal, nem tal interpretação pode derrogar 
 o princípio da legalidade tributária.” 
 
 15.º
 
 “É certo que, face à lei os procedimentos definidos pela A T (nomeadamente 
 através de Circulares) não podem derrogar o princípio da legalidade tributária.” 
 
 
 
 16.º
 Ou seja, o Acórdão recorrido pronuncia-se expressa mente sobre o princípio 
 constitucional da legalidade tributária, porque, de resto, a Recorrente os 
 invocou na apreciação que fazia da aplicação da circular em questão. 
 
 17.º
 E, por outro lado, o Acórdão recorrido considera que “Daí que não possa, 
 contrariamente ao alegado pela recorrida nas suas contra-alegações, aceitar-se a 
 alegação de que a circular em causa viola o princípio da igualdade.” 
 
 18.º
 
 É o próprio Acórdão recorrido que reconhece que a Recorrente alegou a violação 
 do princípio da igualdade nas suas contra-alegações de recurso. 
 
 19.º
 
 “Conclui-se, pois, que, em face da, a nosso ver, demonstrada não arbitrariedade 
 do critério consagrado no Ofício circular em causa (Isto ó em face da sua 
 demonstrada justificação razoável), o mesmo não viola o principio de igualdade 
 previsto no art. 13º da CRP, nomeadamente nos termos configurados pela 
 recorrente.” 
 
 20.º
 Isto é, o Acórdão recorrido, depois de alegado pela Recorrente, considera que 
 inexiste violação do princípio da igualdade “previsto no art 13º da CRP, 
 nomeadamente nos termos configurados pela recorrente.” 
 
 21.º
 Assim, não poderão restar dúvidas que (i) a Recorrente suscitou, em tempo, as 
 questões de inconstitucionalidade normativa cuja apreciação requer a este 
 Venerando Tribunal, tal como reconhecido pelo Acórdão recorrido, 
 
 22.º
 E (ii) de tal modo o suscitou, em termos processualmente adequados, perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, (…) em termos de colocar esse 
 tribunal na obrigação de dela conhece,” que o Acórdão recorrido se pronuncia 
 expressamente sobre estas questões e referindo que as aprecia em termos 
 contraditórios aos alegados pela Recorrente. 
 
 23.º
 A conclusão só pode, assim, ser uma este Venerando Tribunal deve conhecer as 
 questões suscitadas, porquanto se verificam todos os pressupostos processuais. 
 
 24.º
 O que a Recorrente admite e que não suscitou a questão da violação do principio 
 constitucional da legalidade tributária na perspectiva que o Douto Acórdão 
 recorrido também o faz. 
 
 25.º
 Isto é, ao interpretar que o Plano Oficial de Contabilidade (aprovado por 
 Decreto-Lei não autorizado por Lei da Assembleia da República) pode conter noras 
 de incidência fiscal ou autorizar uma circular a fazê-lo. 
 
 26.º
 O que, de resto, se explica de forma que a Recorrente considera singela: 
 
 27.º
 O Douto Acórdão recorrido, ao considerar que, de acordo com “a lei do POC’, as 
 ofertas “serão tidas como custo fiscal desde que devidamente documentadas e não 
 excedam os limites considerados razoáveis pela DGCI.”, interpreta este diploma 
 de forma também ela inconstitucional, i.e, admitindo que um decreto-lei não 
 precedido de autorização legislativa pode determinar normas de incidência fiscal 
 
 (violando, assim, o disposto nos art.ºs 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2 
 da CRP), 
 
 28.º
 Mas também, reconhecendo a possibilidade de este diploma remeter para uma 
 circular essa delimitação de incidência fiscal, viola o disposto no art.º 112.º, 
 n.º 6 da CRP. 
 
 29.º
 E esta é, de resto, a base fundamental para toda a decisão do Acórdão recorrido 
 cujas inconstitucionalidades a Recorrente reconhece que não suscitou, excepto em 
 sede de pedido de aclaração e de reclamação para a conferência; 
 
 30.º
 Mas, a razão para não o ter feito nas suas contra-alegações de recurso é 
 manifesta: 
 
 31.º
 A Douta Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Primeira Instância de 
 Lisboa julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente, 
 aderindo, assim, às questões suscitadas e nunca abordando a tese sustentada no 
 Acórdão recorrido, 
 
 32.º
 Também a Fazenda Publica, no procedimento administrativo, na sua contestação ou 
 nas suas alegações de recurso, não sustenta, de forma alguma, a tese original de 
 que, de acordo com “a lei do PQC’, as ofertas “serão tidas como custo fiscal 
 desde que devidamente documentadas e não excedam os limites considerados 
 razoáveis pela DGCI.” 
 
 33º
 Assim, o primeiro momento em que a ora Recorrente se confrontou com tal doutrina 
 foi com a prolação do Acórdão recorrido. 
 
 34.º
 Com efeito, nem mesmo a Fazenda Pública, em fase alguma do processo, defendeu 
 tão absurda tese. 
 
 35.º
 O que, de resto se explica, uma vez que o Plano Oficial de Contabilidade não tem 
 
 ínsita a norma que o Acórdão recorrido aí pretendeu encontrar, nem o poderia 
 fazer, sob pena das inconstitucionalidades arguidas. 
 
 36.º
 Como, de resto, o Supremo Tribunal Administrativo já teve oportunidade de se 
 pronunciar por inúmeras vezes, “a «lei do POC» [...] nada adianta relativamente 
 ao regime a que estão sujeitas as ofertas de pequeno valor, no concernente ao 
 IVA (cfr. Acórdãos proferidos pela 2.ª Secção Tributária do Supremo Tribunal 
 Administrativo no âmbito dos processos números 53/07, em 26 de Abril de 2007, 
 
 106/07, em 2 de Maio de 2007, e 1167/06, em 16 de Maio de 2007). 
 
 37.º
 E, em momento algum, a Recorrente, a Fazenda Pública ou o Tribunal Tributário de 
 Primeira Instância alguma vez fizeram qualquer referência à “lei do POC”. 
 
 38.º
 Assim verifica-se, quanto a esta questão, uma situação clara de dispensa do ónus 
 de suscitar esta inconstitucionalidade em momento anterior à prolação do 
 Acórdão. 
 
 39.º
 O que, parece óbvio, já que a Recorrente não poderia antecipar ou imaginar 
 aquela que foi uma verdadeira “decisão surpresa”, 
 
 40.º
 E que se funda na esteira da Jurisprudência deste Venerando Tribunal. 
 
 41.°
 Isto é, a Recorrente “não teve oportunidade processual de suscitar a 
 inconstitucionalidade deste normativo, antes da prolação do aresto recorrido” 
 
 (Cfr Acórdão n.º 153/99, proferido em 9 de Março de 1999 por este Venerando 
 Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 1/99). 
 
 42.º
 Por este facto, “o Tribunal Constitucional também tem reconhecido poderem 
 ocorrer situações em que não é exigível o cumprimento desse ónus, como sucederá 
 quando o recorrente, ou não dispôs de oportunidade para invocar a 
 inconstitucionalidade, ou foi – objectivamente – surpreendido com a aplicação de 
 uma norma, ou de uma sua interpretação, com a qual não podia razoavelmente 
 contar.” (Cfr. Acórdão n.º 113/2003, proferido em 21 de Fevereiro de 2003 por 
 este Venerando Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 34/2003). 
 
 43.º
 E, mais recentemente, este Venerando Tribunal Constitucional explicita que “A 
 abertura excepcional do recurso de constitucionalidade, apesar de o interessado 
 não ter colocado a questão anteriormente a aplicação da norma pelo tribunal a 
 quo, fundada no carácter inesperado ou insólito da aplicação da norma ao caso ou 
 da sua aplicação com determinado sentido, só se justifica naquelas situações – 
 que, face à estrutura contraditória do processo, serão sempre hipóteses 
 excepcionais ou anómalas – em que o recorrente não tenha disposto de 
 oportunidade processual, agindo com normal diligência e previsão, de confrontar 
 esse tribunal com a inconstitucionalidade dessa norma ou sentido normativo. Não 
 
 é a simples improbabilidade de adopção de determinado entendimento pelo tribunal 
 da causa, considerando o seu carácter erróneo ou injusto, mas o seu carácter 
 imprevisível que releva para o efeito. Ora, reagindo o recorrente perante o 
 tribunal superior contra determinada interpretação de um dado preceito legal 
 adoptada pela instância que proferiu a decisão que impugna, por mais convencido 
 que esteja do acerto da sua pretensão, tem de prever que uma das possibilidades 
 de solução do litigio consista na confirmação desse entendimento que tem por 
 errado ou injusto. “(Cfr. Acórdão n.º 549/2006, proferido em 9 de Outubro de 
 
 2006 por este Venerando Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 
 
 686/06). 
 
 44.º
 Ora que realidade poderá constituir maior surpresa do que a invenção de uma 
 norma inexistente, como sobejamente reconhecido pelo Venerando Supremo Tribunal 
 Administrativo, 
 
 45.º
 Sustentando uma tese em termos que nem a Fazenda Pública o havia feito! 
 
 46.º
 Razão pela qual, considera a Recorrente que, em resumo, suscitou, em tempo, as: 
 questões de inconstitucionalidade normativa que poderia ter suscitado, não tendo 
 suscitado aquelas que vieram a constituir uma verdadeira “decisão surpresa” com 
 o Acórdão recorrido. 
 
 47.º
 Termos em que deverão considerar-se verificados os pressupostos legais de 
 admissão do presente recurso. 
 
 48.º
 Pelo que a presente reclamação deverá ser deferida e, em consequência, deverá 
 conhecer-se do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 interposto e, 
 
 49.º
 A final, concluir-se “que a referida Circular n.º 19/89, no ponto em apreço, é 
 material e organicamente inconstitucional, pois contém uma regra de incidência 
 objectiva de IVA que não foi criada por diploma emanado da Assembleia da 
 República, em matéria que se insere na reserva relativa de competência 
 legislativa da desta (art. 103.n.º 2, e 165º, n.° 1, alínea i) da CRP, na 
 redacção vidente, a que correspondem os arts. 106.º, n.º 2, e 168.º. n.º 1, 
 alínea i), respectivamente, nas redacções de 1982 e1989.” (cfr. Acórdãos 
 proferidos pela 2.ª Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo no 
 
 âmbito dos processos números 1180/06, em 21 de Março de 2007, 7/07, em 26 de 
 Abril de 2007, e 203/08 e 204/08, ambos em 14 de Julho de 2008). 
 
 50.º
 Porquanto, que situação poderá merecer maior tutela deste Venerando Tribunal 
 Constitucional do que a flagrante violação da Nossa Constituição, violação 
 reconhecida ad nauseam pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo, e que até 
 o próprio Autor material do Acórdão Recorrido – Juiz Desembargador Gomes Correia 
 
 – já veio reconhecer (com a sua declaração de voto) como incorrecta (cfr. 
 Acórdão proferido pelo 2.º Juízo, 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo 
 Sul em 1 de Abril de 2008, no âmbito do processo n.º 1613/07).» 
 
  
 
  
 
             A recorrida Fazenda Nacional respondeu pugnando pela improcedência 
 da reclamação.
 
  
 
             Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
 3. Os argumentos apontados pela reclamante não são, porém, susceptíveis de 
 abalar os fundamentos da decisão sumária, como melhor se explicitará.
 
  
 De acordo com o requerimento de interposição de recurso, conforme se mencionou 
 na decisão sumária, a reclamante pretendia a apreciação das seguintes questões:
 a) Da inconstitucionalidade da «aplicação da Circular n.º 19/89, de 18 de 
 Dezembro, da Direcção‑Geral dos Impostos, que cria uma norma de incidência 
 fiscal distinta daquela que está prevista na alínea f), in fine, do n.º 3 do 
 artigo 3.º do Código do IVA, violando, assim, o princípio da legalidade em 
 matéria de incidência fiscal, previsto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 
 
 103.º, n.º 2, da CRP», invocando que «[a] inconstitucionalidade foi sobejamente 
 suscitada durante o processo, [n]omeadamente, em sede de petição inicial do 
 processo de impugnação judicial», nas «contra-alegações de recurso para o TCA» e 
 em sede de «reclamação para a conferência do TCA, a qual tinha por objecto o 
 acórdão recorrido», e
 b) Da inconstitucionalidade material do conteúdo da referida Circular, «por 
 violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP», questão 
 que teria sido «sobejamente suscitada durante o processo, como se recolhe, 
 nomeadamente, das contra-alegações de recurso para o TCA apresentadas pela ora 
 recorrente».
 
  
 
             Entendeu-se na decisão ora reclamada não poder conhecer-se do 
 objecto do recurso, quanto às duas questões colocadas, porque a recorrente não 
 suscitou, em termos processualmente adequados, perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, qualquer questão de constitucionalidade normativa, em termos 
 de colocar esse tribunal na obrigação de dela conhecer.
 
  
 
             Para assim se concluir considerou-se que: 
 
 (i)                             Na contra‑alegação relativa ao recurso 
 interposto pela Fazenda Pública, endereçada ao Tribunal Central Administrativo 
 
 (fls. 996 a 1037), não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade 
 tendo por objecto as normas da referida Circular, à qual são apenas 
 endereçadas acusações explicitamente qualificadas pela recorrente como 
 constituindo ilegalidades (cf. conclusões G e H), por «falta de habilitação 
 legal para interpretar extensivamente normas de incidência tributária», e por 
 
 «por violar o princípio da igualdade ao pretender tratar da mesma forma 
 situações objectivamente desiguais, tais como os usos comerciais» (cf. 
 conclusões O e P); e 
 
 (ii)                           Que as interpretações normativas acolhidas no 
 acórdão recorrido, com referência às questões colocadas pela recorrente neste 
 recurso, nada têm de insólito ou de imprevisto, pois correspondem, na sua 
 essência, às teses defendidas na alegação da então recorrente Fazenda Pública, 
 pelo que a recorrente teve oportunidade processual para, nas contra-alegações 
 por si apresentadas no recurso para o Tribunal Central Administrativo, suscitar 
 adequadamente as questões de inconstitucionalidade que agora pretende ver 
 apreciadas.
 
  
 
  
 A reclamante, discordando da decisão tomada, afirma que suscitou nas 
 contra-alegações de recurso as questões de constitucionalidade que pretende 
 submeter à apreciação deste Tribunal, indicando que o fez nas seguintes 
 passagens daquela peça processual: 
 
 -        No artigo 83.º: “De acordo com o princípio da legalidade tributária, a 
 incidência, bem como as taxas de imposto, carecem da forma de Lei ou de 
 Decreto‑lei autorizado”;
 
 -        No artigo 133.º: “Esquecendo‑se que o princípio da igualdade consiste, 
 precisamente, em tratar igual o que é igual e diferenciadamente o que é 
 desigual”; e 
 
 -        No artigo 146.º: “Não o fazendo, a Administração Fiscal viola o 
 princípio da igualdade por não tratar de forma desigual situações que não são, 
 de facto, iguais”. 
 
  
 Ora, é manifesto que estas afirmações genéricas e a imputação à Administração 
 Fiscal da violação do princípio da igualdade não constituem forma adequada de 
 suscitação das duas questões de inconstitucionalidade que, no requerimento de 
 interposição de recurso, são reportadas à Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, 
 da Direcção‑Geral dos Impostos.
 
  
 Alega ainda a reclamante que o acórdão recorrido se pronunciou sobre o princípio 
 da legalidade tributária e se o fez foi porque a recorrente o invocou na 
 apreciação que fazia da aplicação da circular em questão, e que o mesmo aresto 
 considera que a recorrente alegou a violação do princípio da igualdade nas suas 
 contra‑alegações de recurso.
 Porém, como constitui entendimento reiterado deste Tribunal, a invocação da 
 violação de princípios constitucionais que não seja, como é o caso, directamente 
 imputada a normas jurídicas, ou à interpretação que delas haja sido feita pela 
 decisão recorrida, não constitui forma adequada de suscitação da questão de 
 constitucionalidade. E o facto de o Tribunal recorrido ter apreciado a violação 
 dos princípios constitucionais invocados não tem por virtualidade abrir à parte, 
 que não tenha suscitado uma questão de constitucionalidade normativa, a via do 
 recurso de constitucionalidade.
 
  
 
  
 Por fim, alega a reclamante ter sido surpreendida pela interpretação feita no 
 acórdão recorrido da “lei do POC”, o que, no seu entendimento, justificaria o 
 facto de não ter suscitado nas suas contra-alegações a questão de 
 constitucionalidade.
 Sucede, porém, que no requerimento de interposição de recurso a reclamante não 
 elegeu como questão de constitucionalidade a interpretação dada às normas do 
 POC, pelo que tais normas não integram o objecto do recurso. Deste só fazem 
 parte as duas questões identificadas na decisão ora reclamada.
 
 É certo que, no requerimento de interposição de recurso, a recorrente invoca a 
 aplicação da “lei do POC”, afirmando que «[…] a remissão para a “lei do POC” 
 feita pelo Douto Acórdão, mesmo que existisse, como erroneamente se refere, não 
 resolveria a questão» e que, «[a] haver uma disposição do Plano Oficial de 
 Contabilidade que dispusesse que as ofertas “serão tidas como custo final desde 
 que devidamente documentadas e não excedam os limites considerados razoáveis 
 pela DGCI”, teria como resultado a impossibilidade da sua aplicação por 
 inconstitucionalidade formal» (cf. artigos 15.º e 16.º). Mas, além de não 
 identificar a norma do POC a que se refere, para a qual terá remetido o acórdão 
 recorrido, coloca em causa a sua própria existência, não apresentando nesta peça 
 processual uma concreta questão de constitucionalidade normativa.
 
  
 
             Deste modo, reitera‑se o entendimento de que a reclamante não 
 suscitou adequadamente, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, as 
 questões de inconstitucionalidade que pretendia ver apreciadas, o que torna o 
 recurso inadmissível e determina o não conhecimento do seu objecto.
 
 
 
 4. Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a reclamante nas 
 custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
 Lisboa, 7 de Outubro de 2008
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão