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Processo n.º 481/08
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são 
 recorrentes A. e recorrida B., CRL, a Relatora proferiu a seguinte decisão 
 sumária:
 
  
 
             «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A.  e recorrido B., CRL, foi 
 interposto recurso do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 20 
 de Fevereiro de 2008 (fls. 1078 a 1091-verso), posteriormente complementado pelo 
 acórdão proferido pelo mesmo Tribunal, em 30 de Abril de 2008 (fls. 1127 a 
 
 1143), relativo a pedido de reforma e aclaração, para que fosse apreciada a 
 constitucionalidade da “interpretação dada ao artigo 9.º do DL 64-A/89 de 27-2 
 por violação dos artigos 1.º, 53.º e 58.º, nº. 1 da CRP” (fls. 1148).
 
  
 
 2. Face à falta de concretização de qual a interpretação normativa concreta que 
 o recorrente pretendia ser alvo de apreciação de constitucionalidade, a Relatora 
 dirigiu-lhe um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de 
 recurso. Em resposta, o recorrente identificou como objecto do presente recurso 
 
 “o entendimento do artigo 9.º do DL 69-A/89 de 27-2 no sentido de permitir-se a 
 interpretação do conceito de Justa Causa em termos de poder abranger situações 
 criadas artificialmente pela Entidade interessada no despedimento, no caso 
 Entidade Patronal” (fls. 1156).
 
  
 Cumpre, então, apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 3. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. 
 fls. 1150), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não 
 vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito 
 legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os 
 pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 
 
 2, da LTC.
 
  
 
 4. Logo no primeiro acórdão que integra a decisão recorrida, o Supremo Tribunal 
 de Justiça demonstra não ter acolhido o entendimento de que a entidade 
 empregadora havia criado artificialmente situações que teriam induzido ao 
 desaparecimento de quantias pecuniárias colocadas a cargo do ora recorrente:
 
  
 
 “Ou seja, essa invocação de inconstitucionalidades pressupunha que o 
 reconhecimento da justa causa de despedimento assentasse em «situações criadas 
 artificialmente pela R», o que passava pelo deferimento da pretensão do A. de 
 alteração da pertinente matéria de facto.
 Ora, tal pretensão não foi acolhida e a factualidade provada não revela «essa 
 criação artificial», o que vale por dizer que não colhe a invocação dos 
 referidos juízos de inconstitucionalidade.” (fls. 1091-verso)
 
  
 Acresce ainda que, mesmo quando o ora recorrente requereu a reforma daquele 
 acórdão (fls. 1101), sustentada no facto de – segundo o seu parecer – terem sido 
 dados como provados factos (os constantes dos n.ºs 36 a 49 da matéria provada) 
 que consubstanciariam uma “criação artificial de situações enquadráveis no 
 conceito de justa causa de despedimento”, o Supremo Tribunal de Justiça manteve 
 a sua interpretação no sentido de que:
 
  
 
 “(…) a invocação das inconstitucionalidades pressupunha que o reconhecimento da 
 justa causa de despedimento assentasse em «situações criadas artificialmente 
 pela R.», o que passava pelo deferimento da pretensão do A. de alteração da 
 pertinente matéria de facto – o que não aconteceu –, já que a (demais) 
 factualidade provada não revela «essa criação artificial»” (fls. 1142-verso).
 
  
 Daqui resulta que a decisão recorrida nunca interpretou efectivamente o artigo 
 
 9º do Decreto-Lei n.º 69-A/89, como permitindo que situações criadas 
 artificialmente pelo empregador pudessem gerar justa causa de despedimento, por 
 ruptura de confiança entre aquele e o trabalhador.
 
  
 A circunstância de o recorrente vir, através do requerimento de aperfeiçoamento 
 do recurso interposto, afirmar que aquela interpretação normativa foi aplicada, 
 pelo menos, de modo implícito, também não colhe. No fundo, o que o recorrente 
 contesta é a interpretação adoptada pela decisão recorrida que não aderiu à sua 
 tese, segundo a qual existiria matéria de facto dado como provada que – 
 independentemente da procedência do recurso então interposto quanto à demais 
 matéria de facto – sempre determinaria a verificação de que foi o empregador a 
 criar artificialmente a situação que deu justa causa ao despedimento. Ou seja, 
 do que o recorrente discorda é do facto de a decisão recorrida ter interpretado 
 a matéria de facto dada como provada em sentido diverso daquele que ele próprio 
 propunha.
 
  
 Sucede, porém, que este Tribunal não dispõe de poderes constitucionalmente 
 atribuídos para colocar em crise os juízos de subsunção dos factos dados como 
 provados pelos tribunais comuns ao Direito infra-constitucional aplicável, pelo 
 que não pode alterar ou tão pouco interferir naquele entendimento já 
 insusceptível de recurso ordinário. Em suma, a decisão recorrida – mal ou bem, 
 tal não se afigura agora relevante – decidiu efectivamente não resultar da 
 matéria provada que a entidade empregadora houvesse dado azo, de modo artificial 
 e indutor, a que se verificasse a justa causa de despedimento, não tendo assim 
 interpretado a norma alvo do presente recurso nos mesmos termos em que o 
 recorrente a configura.
 
  
 Assim, este Tribunal não pode conhecer da alegada inconstitucionalidade do 
 
 “entendimento do artigo 9.º do artigo 9.º do DL 69-A/89 de 27-2 no sentido de 
 permitir-se a interpretação do conceito de Justa Causa em termos de poder 
 abranger situações criadas artificialmente pela Entidade interessada no 
 despedimento, no caso Entidade Patronal”, por não ter sido efectivamente 
 aplicada pela decisão recorrida, conforme impõe o artigo 79º-C da LTC.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 
  
 
             Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, 
 de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
 
  
 
             Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 
 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de 
 Outubro.»
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência, 
 contra a não admissão do recurso, nestes precisos termos:
 
  
 
 «1 - Na douta decisão em crise sustenta-se que a decisão recorrida nunca 
 interpretou a norma em mérito no sentido aduzido pelo aqui Reclamante;
 
  
 
 2 - Salvo o devido respeito, que é muito, entende este que, ao invés do atrás 
 exposto, assim não sucede;
 
  
 
 3 - Permitir-se tal entendimento permitiria que qualquer decisão pudesse ferir a 
 CRP bastando para isso que dissesse não ter aplicado a norma ou não a ter 
 interpretado em certo sentido;
 
  
 
 4 - A interpretação dada é do Tribunal da Relação do Porto e sancionada pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), 
 
  
 
 5 - A mesma reconduz-se ao entendimento do artigo 9.° do DL 69-A189 de 27-2 no 
 sentido de permitir-se a interpretação do conceito de Justa Causa em termos de 
 poder abranger situações criadas artificialmente pela Entidade interessada no 
 despedimento, no caso Entidade Patronal;
 
  
 
 6 - O STJ assume tal interpretação ainda — pode admitir-se — que de forma 
 implícita;
 
  
 
 7 - Mantendo a opinião do Acórdão da Relação do Porto que aquela Justa Causa só 
 se tinha baseado na redita interpretação se houvesse alteração da matéria de 
 facto; 
 
  
 
 8 - Ora como explicou e demonstrou o Recorrente/Autor a Sentença e as demais 
 Decisões promanadas já permitem, por si, concluir que a Justa Causa abrangeu 
 situações criadas artificialmente pela Entidade Patronal interessada no 
 despedimento do Trabalhador; 
 
  
 
 9 - Inexistindo a necessidade de procedência do Recurso quanto à alteração da 
 matéria de facto; 
 
  
 
 10 - Vejam-se, a este propósito, os pontos de facto provados 36 a 45 e 46 a 49 
 da Sentença sancionados pelo Tribunal da Relação do Porto e STJ; 
 
  
 
 11 - Ora como diz — e bem — o Acórdão do STJ em mérito a “invocação de 
 inconstitucionalidades pressupunha que o reconhecimento da justa causa 
 assentasse em “situações criadas artificialmente pela R”, 
 
  
 
 12 - Como se afere daqueles factos provados e da Resposta à Base instrutória 
 assentaram; 
 
  
 
 13 - Pelo que aquela interpretação existiu; 
 
  
 
 14 - Senão vejamos: 
 
  
 
 15 - Aqueles pontos de facto existem; 
 
  
 
 16 - E estão provados; 
 
  
 
 17 - Dos mesmos resulta claro que a Entidade Patronal criou artifícios para 
 permitir sancionar as alegadas faltas do trabalhador; 
 
  
 
 18 - Com vista ao despedimento à luz do citado artigo 9°; 
 
  
 
 19 - Diz-se na douta Decisão Sumária que se trata de uma questão de 
 interpretação da matéria de facto; 
 
  
 
 20 - Com o devido respeito, a interpretação é só uma; 
 
  
 
 21 - Pois basta ler os factos; 
 
  
 
 22 - Na verdade, por exemplo, os factos provados sob os n°s. 37 ou 48 e 49, são 
 claros na existência de um artificio montado pela entidade Patronal; 
 
  
 
 23 - Não há possibilidade de duas interpretações; 
 
  
 
 24 - E o Tribunal da Relação (e o STJ que sancionou a decisão deste) aceitaram a 
 existência dos artifícios criados;
 
  
 
 25 - Ou seja, das situações criadas artificialmente, 
 
  
 
 26 - Do que resultou o despedimento por referência do conceito de Justa Causa da 
 norma em mérito, 
 
  
 
 27 - Não se vê, pois, como se conceba o enfoque na interpretação dos factos, 
 
  
 
 28 - Aquele tem de se ater à interpretação da norma, 
 
  
 
 29 - O STJ pretendeu afastar a ideia de que houve interpretação da norma naquele 
 sentido;
 
  
 
 30 - A verdade é que o faz, salvo o devido respeito, para não permitir o Recurso 
 para este douto Tribunal, 
 
  
 
 31 - Mas a interpretação — repete-se — existe ainda que, eventualmente, de forma 
 implícita.» (fls. 1174 a 1176)
 
  
 
 3. Notificado da reclamação, o recorrido deixou esgotar o prazo sem que viesse 
 aos autos pronunciar-se.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. O ora reclamante persiste em pretender colocar em crise o juízo 
 interpretativo formulado pela decisão recorrida, mediante a correspondente 
 análise da matéria dada como provada. A conduta processual do reclamante 
 demonstra um notório desfasamento face às específicas características do sistema 
 português de fiscalização concreta da constitucionalidade.
 
  
 Sucede, contudo, que este Tribunal não pode, por não deter poderes 
 constitucionalmente atribuídos para tal, ordenar qualquer reformulação dos 
 juízos interpretativos formulados pelos tribunais recorridos, de um ponto de 
 vista da matéria de facto dada por provada. A decisão recorrida considerou 
 expressamente não ter sido dado como provado que a recorrida tivesse criado 
 artificialmente qualquer situação que tivesse conduzido ao despedimento do ora 
 reclamante. Como tal, afigura-se evidente a falta de fundamento da reclamação 
 ora deduzida.
 
  
 Aliás, apesar de o invocar, nem sequer se pode dizer que a decisão recorrida 
 tenha aplicado implicitamente a interpretação normativa reputada de 
 inconstitucional. Pelo contrário, afasta-a liminarmente e adopta como critério 
 de decisão outro diametralmente oposto. Ora, nos termos do artigo 79º-C da LTC, 
 este Tribunal só pode sindicar a constitucionalidade de interpretações 
 normativas efectivamente aplicadas pelas decisões recorridas e não de 
 interpretações normativas que os sujeitos das mesmas julgam ter sido aplicadas.
 
  
 Assim, sendo flagrantemente manifesta a falta de aplicação da interpretação 
 normativa reputada de inconstitucional, não subsiste fundamento para alteração 
 da decisão reclamada.
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação. 
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 07 de Outubro de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão