 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 504/07
 
 1.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
 
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente 
 recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 
 
 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 29 de Março de 2007.
 
  
 
 2. Em 5 de Junho de 2007, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto 
 no artigo 78º-A, nº 2, da LTC, pela qual se entendeu não tomar conhecimento do 
 objecto do recurso.
 
 É a seguinte a fundamentação constante desta decisão:
 
  
 
 «Considerado o tipo de recurso interposto – o previsto na alínea b) do nº 1 do 
 artigo 70º da LTC – e o disposto no artigo 75º-A, nº 1, desta lei, verifica-se 
 que o recorrente continua, após notificação para o efeito previsto no nº 6 do 
 artigo 75º-A, a não indicar, com precisão, qual a norma (ou quais as normas) 
 cuja inconstitucionalidade pretende que este Tribunal aprecie, não satisfazendo, 
 assim, um dos requisitos do nº 1 do referido artigo 75º-A.
 Face ao teor do requerimento de interposição de recurso, o recorrente foi 
 convidado a precisar os elementos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da LTC 
 
 (fl. 276), nomeadamente porque não podia dar-se como cumprido o ónus decorrente 
 do disposto no nº 1, parte final, do artigo 75º-A da LTC. Porém, na resposta ao 
 convite, o recorrente afirma apenas que: 
 
 «As normas que, na perspectiva do recorrente, foram interpretadas pelas 
 instâncias recorridas em violação de princípios e normas constitucionais são, 
 por um lado, as constantes dos art.os 119° n.º 1 al. c), 332.° n.º 1 e 333.° n.º 
 
 1, todos do CPP e, por outro, as consagradas nos art. 493.º n.º 2. 494° al. i), 
 
 668.° n.º 1 al. d), 3 e 4 e 669.° n.º 2 als. a) e b), todos do CPC».
 
  
 O recorrente não satisfez, pois, um dos requisitos do nº 1 do artigo 75º-A da 
 LTC. Quando o recorrente se limita a remeter para a interpretação feita pelas 
 instâncias recorridas de determinados preceitos legais, sem nunca a identificar, 
 demite-se de definir o objecto do recurso, “encarregando o Tribunal de definir a 
 norma e, por esta via, o próprio objecto do recurso que lhe cumpre apreciar. O 
 que, como é sabido, é inadmissível”, já que “só a ele a lei confiou a faculdade 
 de circunscrever o âmbito do próprio recurso” (Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 58/05, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 Como este Tribunal tem vindo a entender, “o cumprimento destes ónus [os 
 decorrentes dos nºs 1, 2, 3 e 4 deste artigo] não representa simples observância 
 do dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes, o 
 preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objecto do 
 recurso” (cf. o Acórdão nº 200/97, não publicado, e, entre outros, o Acórdão nº 
 
 462/94, Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 1994, o Acórdão nº 
 
 243/97, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36º, p. 609, e os Acórdãos nºs 
 
 137/99, 207/2000 e 382/2000, não publicados). E daí que a LTC faça corresponder 
 
 à não satisfação dos requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento 
 previsto no seu nº 6, a consequência do não conhecimento do objecto do recurso 
 
 (artigo 78º-A, nº 2, da LTC)».
 
  
 
 3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo 
 do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, alegando que:
 
  
 
 «1. Na decisão sumária sob reclamação, foi decidido, ao abrigo do disposto no 
 art.° 78.°-A n.° 2 da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso 
 apresentado pelo recorrente.
 
 2. A sustentar tal decisão, refere-se, em síntese, na aludida decisão, que o 
 recorrente não satisfez um dos requisitos do n.° 1 do art° 75.°-A da LTC.
 
 3. Pois que o mesmo se terá limitado “a remeter para a interpretação feita pelas 
 instâncias recorridas de determinados preceitos legais, sem nunca a 
 identificar”, pelo que, por via disso, se terá “demitido de definir o objecto do 
 recurso”.
 
 4. Ora, salvo o devido respeito, discorda o recorrente de tal decisão, pelas 
 razões que, desde já, se aduzem.
 
 5. Em primeiro lugar, importa ter presente o teor do despacho de 08-05-2007.
 
 6. Aí se refere expressamente: “... convido o recorrente, ao abrigo do disposto 
 no artigo 75°-A, n° 6, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, a indicar, com precisão, os elementos previstos nos n°s 
 
 1 e 2 do mesmo artigo”.
 
 7. Ou seja, note-se bem, o recorrente não foi convidado a indicar qual o sentido 
 da interpretação das normas aplicadas pelas instâncias recorridas que 
 considerava inconstitucional, nem para definir o objecto do recurso por si 
 interposto.
 
 8. Pelo que, desde já, se adianta que não se compreende, nem se aceita, que o 
 tribunal não o tenha referido expressamente se era essa a indicação que 
 pretendia obter do recorrente.
 
 9. Mas, para além disso, importa analisar se, ainda assim, o recorrente deu ou 
 não cumprimento àquilo que lhe foi pedido pelo tribunal.
 
 10. Ora, dispõe o art.° 75-A n.os 1 e 2 o seguinte:
 
 1. O recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de 
 requerimento, no qual se indique a alínea do n.° 1 do artigo 70° ao abrigo da 
 qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade 
 se pretende que o Tribunal aprecie.
 
 2. Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.° 1 do artigo 
 
 70°, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio 
 constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em 
 que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.
 
 11. Donde se conclui, para o que aqui interessa, que o recorrente deve indicar 
 no requerimento de interposição de recurso:
 
 - a alínea do n.° 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto;
 
 - a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal 
 aprecie;
 
 - a norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado;
 
 - a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade.
 
 12. Vejamos, pois, se, após o convite que lhe foi dirigido, o recorrente indicou 
 tais elementos.
 
 - relativamente à alínea do n.° 1 do artigo 70.° ao abrigo da qual o recurso foi 
 interposto, o recorrente referiu ter sido a alínea b);
 
 - no que se refere às normas cuja inconstitucionalidade o recorrente pretendia 
 que o tribunal apreciasse, esclareceu que eram, por um lado, as constantes dos 
 art.os 119.º n.° 1 al. c), 332.° n.° 1 e 333.° n.° 1, todos do CPP e, por outro, 
 as consagradas nos art.os 493.º n.° 2, 494.° al. i), 668.° n.os 1 al. d), 3 e 4 
 e 669.° n.° 2 als. a) e b), todos do CPC;
 
 - quanto às normas ou princípios constitucionais que considerava violados, o 
 recorrente referiu que eram os constantes dos art.°5 20.° n.° 1 e 32.° n.os 1 e 
 
 5, ambos da CRP; e
 
 - no que concerne às peças processuais em que havia suscitado as questões de 
 inconstitucionalidade, o recorrente afirmou que, relativamente à 
 inconstitucionalidade da interpretação dos art.os 119.° n.° 1 al. c), 332.° n.° 
 
 1 e 333.º n.° 1, todos do CPP, a mesma foi suscitada nos requerimentos de fls. 
 
 40 a 49 e de fls. 113 a 120 (29 06-2006), bem como na motivação do recurso 
 interposto para o STJ e no pedido de reforma apresentado em 08-01-2007, e 
 relativamente à inconstitucionalidade da interpretação dos art.os 493.° n.° 2, 
 
 494.° al. i), 668.° n.os 1 al. d), 3 e 4 e 669.° n.° 2 als. a) e b), todos do 
 CPC, foi a mesma suscitada no requerimento de reforma apresentado em 05-03-2007, 
 logo que o recorrente foi confrontado com tal interpretação, ao ser notificado 
 do acórdão do STJ de 15-02-2007.
 
 13. O que se acaba de dizer não é fruto da capacidade eventualmente inventiva do 
 recorrente - ESTÁ ESCRITO NO REQUERIMENTO POR SI APRESENTADO EM 24-05-2007.
 
 14. Pelo que a sua negação só pode constituir, salvo o devido respeito, a 
 negação do que é claro e evidente.
 
 15. Conclui-se, pois, que o recorrente cumpriu escrupulosamente aquilo que lhe 
 foi ordenado pelo tribunal e aquilo que decorre estritamente do citado art.° 
 
 75-A nos 1 e 2 da LTC.
 
 16. Se o tribunal pretendia, apenas, que o recorrente esclarecesse qual o 
 sentido da interpretação das normas aplicadas pelas instâncias recorridas que 
 considerava inconstitucional deveria tê-lo dito expressamente e não limar-se a 
 remeter genericamente para os nos 1 e 2 do citado preceito legal.
 
 17. Sem prejuízo disso, importa ainda analisar se, na verdade, o recorrente 
 chegou ou não a indicar o que, afinal, o tribunal pretendia.
 
 18. E a conclusão é necessariamente afirmativa. Vejamos.
 
 19. A dado passo do requerimento de interposição do presente recurso de 
 constitucionalidade (ponto 7.), refere-se expressamente o seguinte:
 
 “... o recorrente confrontou o tribunal recorrido com a inconstitucionalidade da 
 interpretação dos citados preceitos legais, segundo a qual nos casos aí 
 previstos o tribunal estaria impedido de proceder a uma modificação do julgado” 
 
 (sublinhado nosso).
 
 20. Ora, alguma dúvida existe, então, sobre qual é a interpretação feita pela 
 instância recorrida que o recorrente considera inconstitucional? Não vemos como 
 
 … .
 
 21. E, relativamente à outra questão de inconstitucionalidade suscitada pelo 
 recorrente, não é verdade que está repetida nos autos, vezes sem conta (…), a 
 alegação segundo a qual a mera circunstância do recorrente não ter comparecido 
 em julgamento, apesar de notificado para tanto, não legitimava a 1.ª instância, 
 sem mais, a realizar o julgamento sem o mesmo aí estar presente?
 
 22. Pode, assim, essa altíssima instância ter alguma dúvida sobre o objecto do 
 presente recurso? Entendemos decididamente que não.
 
 23. Conclui-se, por isso, que:
 
 23.1. o recorrente deu cumprimento devido ao que lhe foi ordenado no despacho de 
 
 08-05-2007;
 
 23. 2. o referido despacho deveria ter identificado correctamente qual a questão 
 que se pretendia ver esclarecida pelo recorrente, pelo que, ao não fazê-lo, 
 estava o tribunal impedido de fazer uso do mecanismo previsto no art.° 78.°-A 
 n.os 1 e 2 da LTC;
 
 23.3. o recorrente já havia identificado, por diversas vezes, nos autos, quais 
 as normas cuja interpretação e aplicação, feitas pelas instâncias recorridas, 
 considerava infringirem normas e princípios constitucionais, inclusive no 
 requerimento de interposição do presente recurso, pelo que deu cumprimento 
 devido ao disposto nos n.os 1 e 2 do art.° 75.°-A da LTC».
 
  
 
 4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público junto deste Tribunal 
 pronunciou-se nos termos seguintes:
 
  
 
 «O representante do Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado do teor 
 da reclamação apresentada, vem dizer que a mesma não põe em causa o essencial da 
 fundamentação e muito menos o sentido da decisão sumária proferida, pelo que 
 deverá aquela ser indeferida e esta mantida».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 Pela decisão agora reclamada, este Tribunal decidiu, ao abrigo do disposto no nº 
 
 2 do artigo 78º-A da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso, com 
 fundamento na não satisfação integral dos requisitos do artigo 75º-A da LTC. 
 Concretamente, por o recorrente não ter indicado, ainda que convidado para o 
 efeito previsto no nº 6 deste artigo, quais as normas cuja apreciação pretendia 
 
 (parte final do nº 1 do artigo 75º-A da LTC).
 Assim sendo, carece de qualquer sentido a alegação de que o recorrente “já havia 
 identificado, por diversas vezes, nos autos” as normas constantes dos artigos 
 
 119º, nº 1, alínea c), 332º, nº 1, e 333º, nº 1, do Código de Processo Penal 
 
 (artigos 21. e 23.3 da reclamação). O fundamento da decisão sumária foi a não 
 definição do objecto do recurso no respectivo requerimento de interposição 
 
 (artigos 75º-A, nº 1, e 78º-A, nº 2, da LTC). 
 Relativamente às normas consagradas nos artigos 493º, nº 2, 494º, alínea i), 
 
 668º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, e 669º, nº 2, alíneas a) e b), do Código de 
 Processo Civil, a alegação do reclamante de que “a dado passo do requerimento 
 
 (…) refere expressamente” que “o recorrente confrontou o tribunal recorrido com 
 a inconstitucionalidade da interpretação dos citados preceitos legais, segundo a 
 qual nos casos aí previstos o tribunal estaria impedido de proceder a uma 
 modificação do julgado” também em nada altera o anteriormente decidido.
 Independentemente da questão de saber se esta formulação cumpria o requisito da 
 indicação da norma, atento o teor das disposições legais invocadas, do 
 requerimento de interposição de recurso, globalmente considerado, não era 
 possível retirar a que “preceitos legais” – de entre os vários “citados” nesta 
 peça processual – pretendia o recorrente fazer corresponder a interpretação 
 segundo a qual, nos casos aí previstos, o tribunal estaria impedido de proceder 
 a uma modificação do julgado (cf. fl. 269 e ss. dos presentes autos). Razão que, 
 entre outras, justificou a formulação do convite previsto no nº 6 do artigo 
 
 75º-A da LTC, pois que “a norma sujeita a fiscalização aparece sob a veste de um 
 texto, de um preceito ou disposição (artigo, base número, parágrafo, alínea) e é 
 a partir dessa forma verbal que há-de ser encontrada, através dos métodos 
 hermenêuticos” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Coimbra 
 Editora, vol. VI, 2ª edição, 2005, p. 166). Porém, também nesta parte, o 
 recorrente não aproveitou a oportunidade que lhe foi dada para aperfeiçoar o 
 requerimento de interposição de recurso.
 Sustenta ainda o reclamante que não foi convidado, expressamente, para “indicar 
 o sentido da interpretação das normas aplicadas pelas instâncias recorridas (…), 
 nem para definir o objecto do recurso por si interposto”. Argumento 
 absolutamente improcedente: por um lado, este Tribunal tem entendido, 
 repetidamente, que o recorrente tem “o ónus de enunciar, de forma clara e 
 perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera 
 inconstitucional”, quando questiona a constitucionalidade de uma norma segundo 
 certa interpretação (Acórdão nº 21/2006, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt); por outro, constitui jurisprudência reiterada 
 deste Tribunal que o objecto do recurso se define no requerimento de 
 interposição de recurso (cfr., entre outros, os Acórdãos 20/97, 608/99, 286/00 e 
 
 293/07, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). 
 
  
 Impõe-se, assim, o indeferimento da presente reclamação. Consequentemente 
 confirma-se a decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto para 
 este Tribunal.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 24 de Julho de 2007
 
  
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão