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Processo nº 120/06
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal de Trabalho de Bragança, 
 em que é recorrente o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da 
 sentença daquele Tribunal de 2 de Dezembro de 2005.
 
  
 
 2. Considerando que A. se opôs à remição da pensão de que é beneficiária, o 
 Tribunal de Trabalho de Bragança indeferiu pedido de remição obrigatória da 
 pensão que fora fixada, recusando a aplicação da norma resultante do artigo 56º, 
 nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando interpretada 
 no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente da 
 vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30% ou por morte, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea f), da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
 É o seguinte o teor da decisão recorrida:
 
  
 
 «1. Veio a seguradora responsável, a fls. 74, requerer a remição da pensão 
 devida à beneficiária A. por morte do seu cônjuge, B., em consequência de 
 acidente de trabalho, alegando que a mesma se tornou obrigatoriamente remível 
 por força do disposto nos artigos 41º nº 2 da Lei 100/97 de 13/9 e 56° e 74° do 
 D.L. 143/99, de 30/4, na redacção do D.L. 382-A/99 de 23/9.
 
                  Notificada para se pronunciar, sob a advertência de o seu 
 silêncio ser havido como oposição, a referida beneficiária veio declarar que 
 pretende receber mensalmente a sua pensão, manifestando dessa forma a sua 
 oposição à remição.
 
                  A Digna Magistrada do M.ºP.º emitiu parecer favorável à 
 pretensão da requerente, conforme douta promoção de fls. 81, sustentando que 
 estão preenchidos os pressupostos previstos nos arts. 33° e 41º nº 2 al. a da 
 Lei 100/97 de 13/9 e 74° do D.L. 143/99 de 30/4.
 
                  Cumpre decidir.
 
                  2. Nos termos dos artigos 33° n.º 1 da Lei 100/97 de 13/9 e 56° 
 n.º 1 als. a) e b) do D.L. 143/99 de 30/4, aplicável às pensões resultantes de 
 acidentes ocorridos antes da sua entrada em vigor, por força do disposto no 
 artigos 41° n.º 2 al. a) da Lei, passaram a ser obrigatoriamente remíveis as 
 pensões anuais devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões 
 vitalícias que não sejam superior a seis vezes a remuneração mínima mensal 
 garantida mais elevada à data da fixação da pensão e as devidas a sinistrados, 
 independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente e 
 parcial inferior a 30%.
 
                  Alinhamos com a posição expressa no Ac. do STJ de 13/7/2004 
 
 (n.º convencional JSTJ000, in http://www.dgsi.pt), no sentido de que a data da 
 fixação da pensão não pode ser entendida como a data da decisão judicial que a 
 fixou, mas antes a data a partir da qual a pensão é devida. Esta tese não 
 colide, salvo melhor entendimento, com a uniformização de jurisprudência fixada 
 pelo STJ no seu Acórdão n° 4/2005, publicado no DR I-A de 2/5/2005.
 
                  Ora, a pensão em causa é devida à beneficiária desde 
 
 12/02/1982. Por sua vez, o seu valor inicial era de 52.776$00 (€ 263,25), ou 
 seja, era inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais 
 elevada estabelecida pelo D.L. 296/81 de 27/10, que era de 10.700$00 (€ 53,37).
 
                  Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos necessários 
 
 à remição obrigatória da pensão.
 
                  3. Contudo, tal como vem sendo entendido pelo Tribunal 
 Constitucional relativamente às pensões emergentes de incapacidades parciais 
 permanentes superiores a 30%, também no caso de pensões vitalícias por morte 
 devidas aos beneficiários legais as normas dos artigos 56° n° 1 al. a) e 74° do 
 D.L. 143/99 de 30/4 estão feridas de inconstitucionalidade por violação do 
 direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional, 
 consagrado no art. 59° n° 1 al. f) da Constituição, quando interpretadas no 
 sentido de imporem a remição obrigatória total dessas pensões vitalícias, 
 independentemente da vontade do pensionista.
 
                  Transcreve-se, por elucidativa, parte da fundamentação do 
 Acórdão n° 56/2005 do Tribunal Constitucional publicado no Diário da República, 
 II Série, n° 44 de 3/5/2005, doutamente relatado pelo Exmº Conselheiro Paulo 
 Mota Pinto, no qual se apreciou a inconstitucionalidade material do citado art. 
 
 74° do D.L. 143/99, quando interpretado no sentido de abranger no conceito de 
 pensões de reduzido montante todas as pensões infortunísticas laborais, 
 incluindo nelas as situações de total ou elevada incapacidade permanente:
 
                  «(…)
 
                  5- No Acórdão n.º 379/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 54, págs. 313-321) escreveu-se, a propósito, então, do 
 artigo 56° do Decreto-Lei n.º 143/99, que a “filosofia subjacente” à remição 
 obrigatória de pensões prevista no seu n.° 1, segundo dois diferentes critérios 
 
 – o do montante diminuto da pensão, segundo a alínea a), e o do grau de 
 incapacidade laboral, nos termos da alínea b) – e à remição facultativa de 
 pensões, prevista no seu n.º 2, era:
 
                  “[…] a de permitir que a compensação correspondente à pensão 
 fixada ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, 
 não impeditivos de posterior exercício da sua actividade, possa converter-se em 
 capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a 
 permitida pela mera percepção de uma renda anual.
 
                  Se a via que o legislador encontrou é válida perante uma 
 incapacidade diminuta, a que corresponda montante de pensão reduzido, já não o 
 será em casos de maior gravidade, de modo a colocar, porventura, em causa, dada 
 a álea inerente, a aplicação do capital. Daí o não se aceitar que, nos casos de 
 incapacidade de trabalho fixada em maior percentagem, com natural repercussão no 
 montante da pensão, se estabeleça uma limitação ao poder de o trabalhador pedir 
 ou não a remição, reflectida na obrigatoriedade de a esta se proceder.”
 
  
 
                  Tal interpretação da teleologia das normas é corroborada pela 
 salvaguarda, no n.º 2 do artigo 33° da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, de um 
 limite máximo à remição parcial em situações de “incapacidade igual ou superior 
 a 30%” (“desde que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da 
 remuneração mínima mensal garantida mais elevada”), e pela inexistência de 
 previsão de “ um capital de remição”, no artigo 17° da Lei n.º 100/97 , para 
 situações em que a incapacidade fosse superior a 30%. (...).
 
                  Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela 
 decisão recorrida contra a conformidade constitucional da norma do artigo 74° do 
 Decreto-Lei n.º 143/99 (na redacção dada pelo artigo 2°, do Decreto-Lei n.º 
 
 382-A/99, e na interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o 
 Tribunal Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi, 
 justamente, o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade 
 elevada, “só a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado 
 contra o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição 
 obrigatória, em casos como o sub judice”.
 
                  Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da 
 ponderação reiterada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 302/99 (publicado 
 em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 43, págs. 597-603), no qual se pode 
 ler:
 
  
 
                  “o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a 
 compensação pela perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a 
 infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.
 
                  E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por 
 demais acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença 
 profissional não implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte 
 do trabalhador (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na 
 retribuição por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não 
 apresentar uma total capacidade de trabalho), se permita que a compensação 
 correspondente à pensão que lhe foi fixada - e sabido que é que, de uma banda, o 
 montante das pensões é de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se 
 degrada com o passar do tempo - possa ser ‘transformada’ em capital, a fim de 
 ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que 
 a mera percepção de uma ‘renda’ anual cujo quantitativo não pode permitir 
 qualquer subsistência digna a quem quer que seja.
 
                  Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador 
 ou da entidade responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, 
 por força da própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta 
 
 (até 10%) e o montante da pensão for reduzido.
 
                  Outrotanto se não passará quando em causa se postarem acidentes 
 de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá 
 acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a 
 possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna 
 subsistência. Nestas situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais 
 elevado montante, servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) 
 remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho.
 
                  Se o montante dessas pensões se perspectivar como algo que 
 actua (ou actuaria desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de 
 subsistência, então compreende-se que o legislador pretenda, como assinala o 
 Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto 
 dos riscos de aplicação do capital de remição”.
 
                  Efectivamente, a aplicação de um capital - ainda que no momento 
 em que essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, 
 porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o 
 correspondente à percepção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em 
 virtude de ser aleatória, comporta riscos.
 
                  E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de 
 trabalho se situa em maior percentagem (com o consequente maior montante da 
 pensão), o legislador, para ressalva do próprio trabalhador que dessa 
 incapacidade padece, não autorize a remição das respectivas pensões, desta sorte 
 estabelecendo uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição.”
 
  
 
                  Neste acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional 
 pronunciou-se sobre a conformidade constitucional de disposições que vedam a 
 remição de certas pensões “a requerimento dos pensionistas ou das entidades 
 responsáveis”, e julgou-as inconstitucionais por violação das disposições 
 conjugadas dos artigos 13°, n.º 1,59°, n.º 1, alínea f), e 63°, n.º 3, da 
 Constituição.
 
                  No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não 
 está em causa a limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o 
 diminuto quantitativo da pensão, não seria mais compensador a efectivação da 
 remição {que redundava - disse-se -, “verdadeiramente, na consagração de uma 
 discriminação materialmente infundada, actuando como um obstáculo a que o 
 sistema de segurança social proteja adequadamente […] o direito dos 
 trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidentes de trabalho ou de 
 doença profissional [artigo 59°, n° 1, alínea f), do diploma básico]”}, mas 
 antes a limitação a continuar a receber a pensão, pela imposição de uma remição 
 obrigatória, para todas as pensões infortunísticas laborais, mesmo que por 
 incapacidades parciais permanentes que excedam 30%.
 
                  Todavia, também no presente caso a interpretação em causa 
 redunda numa limitação do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado 
 continuar a receber a pensão e recusar a remição – numa imposição do risco do 
 capital a receber –, a qual, com a extensão que a dimensão normativa admite, 
 tornaria precário e limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, 
 quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional.
 
                  (...)
 
                  Pode, assim, concluir-se, como nos acórdãos citados, que a 
 remição total obrigatória –isto é, independentemente da vontade do beneficiário 
 
 – de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente 
 superior a 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por 
 acidente de trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59°, n.º 1, 
 alínea f), da Constituição.
 
                  (...).»
 
                  4. Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional 
 citada, embora se refiram ao artigo 74° do D.L. 143/99 de 30/4, valem igualmente 
 para o art. 56° n° 1 al. a) quando interpretado no sentido de impor a remição 
 obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de pensões 
 atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais ou superiores a 30%, na 
 medida em que, ao impor uma limitação ao direito do sinistrado poder optar , ou 
 pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda 
 anual, tal interpretação põe em causa o principio constitucional do direito à 
 justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional estabelecido no 
 art. 59° n° 1 al. f) da Constituição.
 
                  E valem também, salvo melhor entendimento, nos casos em que o 
 pensionista não é o trabalhador sinistrado, mas antes um seu beneficiário legal.
 
                  Com efeito, a lei estende o regime especial da reparação dos 
 acidentes de trabalho aos familiares dos trabalhadores, como decorre do disposto 
 no art. 1º da Lei 100/97, o que se justifica, na medida em que aqueles 
 familiares beneficiam, se não mesmo dependem, dos rendimentos do trabalho por 
 estes auferidos. Como decorre do disposto no art. 20° da referida lei, o direito 
 desses familiares é reconhecido, nuns casos, independentemente destes terem ou 
 não rendimentos próprios (cônjuge ou pessoa em união de facto e filhos até aos 
 
 25 anos enquanto frequentarem ensino médio ou superior ou quando afectados de 
 doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho) e, 
 noutros casos, porque o trabalhador contribuía regularmente para o seu sustento 
 
 (ascendentes ou quaisquer parentes sucessíveis à data da morte até aos 25 anos 
 enquanto frequentarem ensino médio ou superior ou quando afectados de doença 
 física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho). Em todas as 
 situações o pressuposto da atribuição ao beneficiário legal de uma pensão por 
 morte do trabalhador sinistrado é o da contribuição deste, presumida ou 
 efectiva, para o sustento daquele. Daí que a pensão por morte atribuída aos 
 beneficiários legais tenha a natureza de uma prestação de carácter alimentício, 
 que, se para uns funcionará como um complemento aos seus meios de subsistência, 
 para outros será o principal, se não mesmo o único meio de assegurar uma 
 subsistência condigna.
 
                  Em qualquer caso, o direito constitucional à justa reparação 
 dos danos emergentes de acidente de trabalho postula que, à semelhança do que 
 sucede no caso do pensionista ser o próprio trabalhador sinistrado, seja o 
 beneficiário legal, no seu livre arbítrio, a decidir qual a forma de reparação 
 que melhor lhe convém, isto é, a optar entre o recebimento da sua pensão em 
 duodécimos e o recebimento de um capital de remição, ponderando os riscos 
 inerentes à sua aplicação.
 
                  Em abono de tal entendimento, transcreve-se uma passagem do 
 douto Acórdão do Tribunal Constitucional n° 379/2002, Proc. 172/02, de 
 
 26/2/2002, publicado no D.R. II, 290, de 16/1/2002 (citado, aliás, no Ac. n° 
 
 56/03 supra referido), que embora se tivesse pronunciado pela conformidade 
 constitucional da remição de pensões por morte de reduzido montante 
 perspectivada sob o prisma do princípio da igualdade quando comparadas com 
 outras pensões por morte que não sejam consideradas de reduzido montante, não 
 deixou de adiantar a desconformidade constitucional da remição das mesmas 
 pensões à luz do principio da justa reparação dos acidentes de trabalho:
 
                  5. - (...).
 
                                  No caso sub judice o beneficiário da pensão não 
 
 é o próprio sinistrado, uma vez que este morreu, mas poder-se-á defender que, 
 também aqui, haverá que proceder a idêntica ponderação: se, face a um quadro em 
 que as pensões tendem inevitavelmente a degradar-se, se consideraram 
 inconstitucionais as normas que estabelecem “uma limitação ao poder do 
 trabalhador de pedir ou não a remição”, justificar-se-ia também um juízo de 
 inconstitucionalidade para uma interpretação normativa que, por morte do 
 trabalhador, impõe a remição obrigatória das pensões, sujeitas a actualizações 
 anuais e ajustes por idade dos beneficiários, para assim se salvaguardar a 
 liberdade de o beneficiário correr os riscos do capital de remição (...).
 
                  A mesma ponderação é feita, num caso semelhante, no Ac. n° 
 
 21/2003, do T.Const., de 15/1/2003, publicado no D.R. II, n° 42 de 19/2/2003, no 
 qual se refere, a dado passo, que «tal como naquelas [Acórdãos nºs 302/99 e 
 
 482/99] anteriores decisões (face a um quadro em que as pensões tendiam 
 inevitavelmente a degradar-se) se consideraram inconstitucionais as normas que 
 estabeleciam “uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição”, 
 dir-se-ia que haveria que chegar agora a um juízo de inconstitucionalidade da 
 interpretação da norma (...) que impõe a remição obrigatória de pensões, por 
 morte do trabalhador, sujeitas a actualizações anuais e reajustes por idade dos 
 beneficiários, desde que tenham a oposição destes, para se salvaguardar a 
 liberdade de o beneficiário “correr os riscos de aplicação do capital de 
 remição”, como naquelas decisões.»
 Conclui-se, pois, que a interpretação do art. 56° n° 1 al. a) do D.L. 143/99 de 
 
 30/4 nº sentido de impor a remição obrigatória total, isto é independentemente 
 da vontade do titular, de pensões vitalícias atribuídas por morte aos 
 beneficiários legais do sinistrado falecido, defendida pela seguradora 
 responsável e pela Digna Procuradora da República, põe em causa o princípio 
 constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença 
 profissional estabelecido no art. 59° n° 1 a1. f) da Constituição, na medida em 
 que impõe uma limitação ao direito do beneficiário-pensionista poder optar, ou 
 pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de renda 
 anual.
 
 5. Pelo exposto, considerando que a beneficiária nestes autos se opôs à remição 
 da sua pensão, decide-se não aplicar, por inconstitucional, por violação do art. 
 
 59° n° 1 al. f) da Constituição, a norma resultante do art. 56° n° 1 a1. a) do 
 D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretada no sentido de impor a remição 
 obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular , de pensões 
 atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte, 
 e, consequentemente, indeferir a requeri da remição obrigatória da pensão fixada 
 nestes autos à beneficiária A.».
 
  
 
 3. Desta decisão foi interposto o presente recurso, visando a apreciação da 
 norma resultante do artigo 56º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 
 de Abril, «quando interpretada por forma a impor a remição obrigatória total, 
 isto é independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por 
 incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte».
 
  
 
 4. Notificado para alegar, o Ministério Público formulou as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
 «1 - Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do decidido no 
 acórdão n° 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da justa 
 reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no artigo 
 
 59°, n° 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa o regime que se 
 traduz em impor ao trabalhador/sinistrado ou, no caso de morte, ao 
 familiar/beneficiário – contra a sua vontade expressa no processo – a 
 obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente do seu 
 montante pecuniário - visam compensar graus elevados - superiores a 30% – de 
 incapacidade laboral.
 
 2 - Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas anteriormente 
 
 à vigência do Decreto-Lei n° 143/99 (previstas no artigo 74°), como às pensões 
 decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma legal, cuja 
 remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56°.
 
 3 - Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em consequência da 
 remição da pensão – certos trabalhadores ou beneficiários receberem um capital 
 indemnizatório, que passam a administrar livremente, enquanto os restantes 
 continuam a receber uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não 
 objecto de remição.
 
 4 - Porém, a norma constante do artigo 56°, n° 1, alínea a) do Decreto-Lei n° 
 
 143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador ou beneficiário, a 
 remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais 
 permanentes superiores a 30%, ou por morte do sinistrado, ofende o princípio 
 constitucional da justa reparação de danos causados por acidentes laborais.
 
 5 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante 
 da decisão recorrida».
 
  
 II. Fundamentação
 O Tribunal de Trabalho de Bragança recusou a aplicação da norma resultante do 
 artigo 56º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando 
 interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é 
 independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes superiores a 30% ou por morte, por violação do disposto no 
 artigo 59º, nº 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.
 Esta recusa de aplicação ocorreu num processo em que a beneficiária de pensão 
 atribuída por morte do cônjuge, em consequência de acidente de trabalho ocorrido 
 em 1982, declarou pretender receber mensalmente tal pensão – de valor não 
 superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data 
 da sua fixação –, na sequência de requerimento de remição total da mesma feito 
 pela seguradora responsável.
 A questão de constitucionalidade que é objecto do presente recurso foi já 
 decidida por este Tribunal, no Acórdão nº 457/2006 (não publicado), no sentido 
 de julgar inconstitucional, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea f), da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), 
 do Decreto‑Lei nº 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a 
 remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho, ocorridos 
 anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja resultado a 
 morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima 
 mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, opondo‑se o 
 beneficiário à remição.
 
 É a seguinte a fundamentação deste Acórdão:
 
  
 
 «Conforme se refere nas alegações do Ministério Público, era sustentável – face 
 
 à situação de facto subjacente à decisão recorrida, reportada a acidente de 
 trabalho ocorrido em 1986 – que se considerasse aplicável o disposto no artigo 
 
 74.º, e não directamente o estatuído no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
 
                  No entanto, foi esta última a norma cuja aplicação foi 
 expressamente recusada, com fundamento na sua inconstitucionalidade, pela 
 decisão recorrida, pelo que é a questão da sua conformidade constitucional que 
 constitui objecto do presente recurso, embora circunscrita à dimensão 
 delimitada pela situação subjacente à decisão. Isto é: constitui objecto do 
 presente recurso a norma constante do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a 
 remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho, ocorridos 
 anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja resultado a 
 morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a remuneração 
 mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, opondo‑se o 
 beneficiário à remição.
 
                  São numerosas as decisões deste Tribunal sobre a presente 
 problemática, embora incidindo em casos em que beneficiário da pensão é o 
 próprio sinistrado e do acidente haja resultado incapacidade parcial permanente 
 superior a 30%.
 
                  Pelo Acórdão n.º 34/2006, na sequência do Acórdão n.º 56/2005 e 
 das Decisões Sumárias n.ºs 234/2005 e 247/2005, foi declarada “a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do 
 artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a 
 remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas 
 incapacidades excedam 30%, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição da República Portuguesa”. Esse juízo de inconstitucionalidade foi 
 reiterado no Acórdão n.º 73/2006 e da aludida declaração de 
 inconstitucionalidade foi feita aplicação nos Acórdãos n.ºs 82/2006 e 112/2006 e 
 nas Decisões Sumárias n.ºs 34/2006, 36/2006, 38/2006, 39/2006, 48/2006, 76/2006, 
 
 180/2006, 219/2006 e 234/2006.
 
                  E, relativamente à norma, ora em causa, do artigo 56.º, n.º 1, 
 alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, cuja aplicação fora recusada, com 
 fundamento em inconstitucionalidade, pelas decisões recorridas (embora se 
 tratasse de acidentes ocorridos antes da entrada em vigor desse diploma), o 
 Tribunal Constitucional, considerando transponível a fundamentação desenvolvida 
 a propósito do artigo 74.º, julgou‑a inconstitucional nos Acórdãos n.ºs 58/2006, 
 
 118/2006, 204/2006, 292/2006, 322/2006 e 323/2006. Este juízo de 
 inconstitucionalidade foi reiterado nas Decisões Sumárias n.ºs 87/2006, 
 
 102/2006, 110/2006, 111/2006, 128/2006, 129/2006, 131/2006, 144/2006, 145/2006, 
 
 148/2006, 159/2006, 160/2006, 195/2006, 207/2006, 261/2006 e 262/2006, na 
 generalidade das quais nenhuma alusão se faz à data do acidente. Constituiu 
 fundamento do juízo de inconstitucionalidade constante de todos os Acórdãos e 
 Decisões Sumárias acabados de citar a violação do artigo 59, n.º 1, alínea f), 
 da Constituição da República Portuguesa, e, nos Acórdãos n.ºs 322/2006 e 
 
 323/2006 (embora com votos dissidentes quanto a este fundamento), ainda a 
 violação do princípio da confiança.
 
                  Recentemente, pelo Acórdão n.º 438/2006, o Tribunal 
 Constitucional apreciou, pela primeira vez, embora reportada ao artigo 74.º do 
 citado diploma, a mesma questão de inconstitucionalidade ora em causa, em que 
 beneficiário da pensão não era o sinistrado, já que do acidente resultou a sua 
 morte, mas sim a sua viúva, e decidiu “julgar inconstitucional, por violação 
 conjugada do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição e do 
 princípio da confiança, inerente ao princípio do Estado de Direito, consagrado 
 no artigo 2.º da Constituição, a norma constante do artigo 74.º do Decreto‑Lei 
 n.º 143/99, de 30 de Abril (na redacção emergente do Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, 
 de 22 de Setembro), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória 
 total de pensões vitalícias atribuídas por morte, opondo‑se o titular à remição, 
 pretendida pela seguradora”.
 
                  Como nesse Acórdão se reconhece, “pese embora a circunstância 
 de o titular (por direito próprio, não por sucessão) do direito à pensão não 
 ser, aqui, o trabalhador, não se afasta o critério da tutela constitucional do 
 direito à «assistência e justa reparação» por «acidentes de trabalho» para 
 aferir a validade constitucional da norma em apreciação, já que o direito a 
 pensão desempenha, no fundo, uma função de substituição da contribuição que o 
 vencimento do trabalhador significava para a subsistência do beneficiário”.
 
                  Na verdade, apesar da formulação literal do preceito 
 constitucional (“1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, 
 cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, 
 têm direito: (…) f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente 
 de trabalho ou de doença profissional.”), não parece sustentável que o direito à 
 justa reparação de acidente de trabalho fique circunscrito à pessoa do 
 trabalhador. Nenhuma razão material justificaria que, exactamente nos casos em 
 que o sinistro laboral teve mais graves consequências – a morte do trabalhador 
 
 –, se tornasse mais ténue a exigência constitucional da justiça da reparação.
 
                  É certo que para as situações em que o beneficiário da pensão 
 não é o trabalhador sinistrado não valem todos os argumentos aduzidos na 
 jurisprudência deste Tribunal atrás citada, em especial o que apela à maior ou 
 menor valia do salário que o trabalhador poderá continuar a auferir de acordo 
 com a sua capacidade residual de trabalho.
 
                  No entanto, o cerne do juízo de inconstitucionalidade radica em 
 que a imposição da remição de pensões, que o beneficiário já vinha auferindo e 
 que não são de reduzido montante, apesar da oposição desse beneficiário a essa 
 remição (e, assim, com desrespeito da autonomia da sua vontade), atenta a maior 
 aleatoriedade dos proventos que se poderão obter com a aplicação do capital face 
 
 à percepção regular da pensão, não assegura a “justa reparação” 
 constitucionalmente imposta.
 
                  Neste contexto, assume relevância a consideração, exposta na 
 passagem transcrita do Acórdão n.º 438/2006, da função, que a pensão tem, de 
 substituição da contribuição que o vencimento do trabalhador significava para a 
 subsistência do beneficiário.
 
                  Consideração que é assim desenvolvida:
 
 “Essa função é, aliás, revelada pelos termos em que o artigo 20.º da Lei n.º 
 
 100/97 define, quer o círculo dos titulares, quer as condições da sua 
 atribuição.
 Basta verificar que o direito é reconhecido a pessoas a quem o sinistrado, em 
 vida, estava legalmente obrigado a prestar alimentos ou, em certos casos, os 
 prestava de facto: cônjuge (cfr. artigos 1672.º, 1675.º, 2009.º, n.º 1, alínea 
 a), e 2015.º do Código Civil), ex‑cônjuge ou cônjuge judicialmente separado de 
 pessoas e bens com direito a alimentos (cfr. artigos 2009.º, n.º 1, alínea a), e 
 
 2016.º do Código Civil), filhos (cfr. artigos 1874.º, 1880.º, 2009.º, n.º 1, 
 alínea b), do Código Civil), ascendentes (cfr. artigo 2009.º, n.º 1, alínea b), 
 do Código Civil) e quaisquer parentes sucessíveis, desde que o sinistrado 
 
 «contribuísse com regularidade para o seu sustento». No último caso, há um 
 alargamento (subjectivo) em relação ao que consta do artigo 2009.º, alíneas d) e 
 e), do Código Civil, todavia contrabalançado com a exigência acabada de referir.
 Quanto ao direito a pensão reconhecido ao unido de facto, há que ter em conta 
 que o artigo 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, exige, como condição de 
 atribuição da pensão, a reunião das condições constantes do artigo 2020.º do 
 Código Civil, ou seja, para que o agora interessa, a titularidade do «direito a 
 exigir alimentos da herança do falecido».”
 
  
 
                  Concluindo‑se, como se conclui, que a dimensão normativa ora em 
 apreço viola o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP, torna‑se 
 desnecessário apreciar se também ocorre violação do princípio da confiança».
 
  
 
 É esta jurisprudência – para cuja fundamentação se remete – que agora se 
 reitera.
 
  
 III. Decisão
 
                  Em face do exposto, decide-se:
 
                  a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59º, nº 1, 
 alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56º, nº 
 
 1, alínea a), do Decreto‑Lei nº 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido 
 de impor a remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho, 
 ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja 
 resultado a morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a 
 remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, 
 opondo‑se o beneficiário à remição;
 
                  b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida 
 no que diz respeito ao juízo de inconstitucionalidade.
 
                  Sem custas.
 
  
 Lisboa, 26 de Setembro de 2006
 Maria João Antunes
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Carlos Pamplona de Oliveira  - com declaração.
 Artur Maurício (com declaração)
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei a decisão com um fundamento não totalmente coincidente.
 Entendo – conforme, aliás, já escrevi em declaração ao Acórdão n.º 204/06 –, que 
 a norma impugnada atinge elementos essenciais da pensão infortunística já 
 fixada, prejudicando de forma inadmissível a reparação a que se destina. Na 
 verdade, o modo como a pensão foi integrada no património do beneficiário 
 durante o período de tempo em que lhe foram regularmente pagas as prestações 
 pecuniárias devidas a este título, confere ao interessado o direito a não 
 sofrer, independentemente da sua vontade ou da ocorrência de uma causa 
 superveniente, inesperadas alterações no montante, na periodicidade, e na 
 regularidade do processamento desses abonos. 
 Em suma, é a violação do princípio da confiança que conduz – em minha opinião – 
 ao juízo de inconstitucionalidade da norma.
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 Declaração de Voto
 
  
 
  
 Muito embora aceite um julgamento de inconstitucionalidade da norma em causa, na 
 dimensão apreciada, com o fundamento autónomo da violação do artigo 59º, nº 1, 
 alínea f), da Constituição, entendo na linha dos Acórdãos nºs. 322/06 e 323/06, 
 que subscrevi, que se verifica igualmente a violação do referido preceito 
 constitucional em conjugação com o princípio da confiança.
 
                  
 
  
 
                                                                                  
 
    Artur Maurício