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Processo nº 599/2006.
 
 3ª Secção.
 Relator: Conselheiro Bravo Serra.
 
  
 
  
 
                    1. Em 10 de Julho de 2006 o relator proferiu a seguinte 
 decisão: –
 
  
 
                    1. Inconformado com o acórdão proferido pelo tribunal 
 colectivo do Tribunal de comarca de Estarreja que – pela autoria de factos que 
 foram subsumidos ao cometimento de um crime continuado de falsificação de 
 documento, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 30º, nº 
 
 2, e 256º, nº 1, alínea a), e nº 3, um e outro do Código Penal – o condenou na 
 pena de dois anos e seis meses de prisão, dos quais foi considerado perdoado um 
 ano, recorreu o arguido A. para o Tribunal da Relação do Porto.
 
  
 
                    Na motivação adrede produzida, o arguido formulou as 
 seguintes «conclusões»: –
 
  
 
 ‘1ª O recorrente vinha acusado da prática de dez/nove crimes de falsificação de 
 documento, enumerados no ponto 37 da acusação.
 
 2ª Tal matéria foi dada como não provada, no ponto 18 da douta decisão 
 recorrida.
 
 3ª Impunha-se, por isso, absolver o recorrente, quanto a esse crime.
 
 4ª Ao considerar que o recorrente, ‘para além da carta contrafeita obtida para o 
 arguido B., angariou mais de 10 clientes’, o tribunal recorrido alterou 
 substancialmente os factos pelos quais o recorrente vinha acusado, pelo que tais 
 factos não podiam ser tomados em conta pelo tribunal, por imposição do disposto 
 no n.º 1 do artigo 359º do CPP, padecendo, por isso da nulidade contemplada no 
 n.º 1 alínea b) do CPP;
 
 5ª No que se refere à carta do co-arguido B. (entretanto falecido) ocorre 
 manifesta contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos, pelo que, 
 neste aspecto, a douta decisão recorrida é nula por virtude do disposto da 
 alínea c) da mesma disposição legal.
 
 [6ª] A douta decisão recorrida, no que ao recorrente se reporta, viola a 
 disposição legal acima enumerada do n.º 1 do artigo 359 do CPP, padecendo das 
 nulidades acima referidas e do vício constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 410º do mesmo diploma legal.
 
 [7ª] Deve, por isso, a mesma douta decisão ser revogada absolvendo-se o 
 recorrente de todos os crimes pelos quais vinha pronunciado, assim se fazendo
 
                                           JUSTIÇA!’
 
  
 
                    Sublinhe-se, por outro lado, que no «teor» da dita motivação, 
 não se surpreende minimamente qualquer asserção de onde se extraia a imputação, 
 a qualquer normativo infra-constitucional, de um vício de desarmonia com o 
 Diploma Básico.
 
  
 
                    Tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 20 de 
 Abril de 2005, negado provimento ao recurso, veio o arguido solicitar a 
 aclaração daquele aresto, sendo certo que no requerimento corporizador daquele 
 pedido identicamente não utilizou qualquer asserção no sentido acima indicado.
 
  
 
                    Na realidade, no que ora releva, pode ler-se em tal 
 requerimento: –
 
  
 
 ‘(…)
 
 1. Na conclusão 4ª do recurso por si interposto, alegou o requerente ter 
 ocorrido, por parte do Tribunal então recorrido, violação do n.º 1 do artigo 359 
 do CPP, uma vez que houve alteração substancial dos factos que lhe eram 
 imputados, uma vez que os dez clientes que a acusação enumerava que ele teria 
 angariado, foi matéria julgada não provada, dando[ ], porém, aquele Tribunal 
 como provado que angariara mais dez clientes.
 
 (…)
 
 4. Ora, salvo melhor opinião, entende o requerente, que este alto Tribunal, 
 inverte totalmente os termos da questão.
 Na verdade, ao considerar não provados os crimes concretos enumerados na 
 acusação, mas considerar provado que o requerente angariou mais de 10 clientes, 
 que se não identificam, o que a primeira instância fez não foi ‘especificar com 
 mais minúcia a conduta do recorrente’ mas antes generalizar de forma imprecisa, 
 esse comportamento.
 Como chegou o Tribunal a esta quantificação?
 Que possibilidade de defesa tem um arguido a quem não é atribuído um 
 comportamento concreto, mas antes uma generalização indefinida, não 
 quantificada, nem concretamente identificada?
 Como compaginar esta afirmação com a definição de crime que nos é dada pelo 
 artigo 1º do C-P?
 Onde estão as concretas garantias de defesa asseguradas pelo artigo 32º da CRP?
 
 (…)
 Nestes termos e nos demais de direito cujo douto suprimento sempre se espera, 
 requer a V.Exª se digne esclarecer os pontos em causa, uma vez que, no entender 
 do requerente, acompanhado, pelo menos em parte, pelo Mº Pº houve violação do 
 disposto no artigo 359 do CPP e, consequentemente das garantias constitucionais 
 de defesa devidas ao arguido.’
 
  
 
                    Tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 9 de 
 Novembro de 2005, desatendido a pretendida aclaração, fez o arguido juntar aos 
 autos requerimento com o seguinte teor: –
 
  
 
 [‘] A., arguido com outros nos autos [à] margem referenciados, não se 
 conformando com [o] dout[o] acórdão proferido por esse Venerando Tribunal, vem 
 dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos 
 seguintes: 
 
 1. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto nas alíneas b) e h) do 
 n.º 1 e do n. º 2 da Lei 28/82, de 15 de Setembro, na redacção que lhe foi dada 
 pela Lei 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro .. 
 
 2. Pretende o recorrer ver apreciada a constitucionalidade da interpretação da 
 norma constante da primeira parte do n.º 1 do artigo 359º do CPP, levada ao 
 douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal recorrido, segundo a qual, não 
 ocorreu alteração substancial dos factos pelos quais o recorrente vinha acusado.
 
 3. Ora o recorrente vinha acusado, da prática de um crime de associação 
 criminosa e de dez crimes de falsificação de documento, nos termos seguintes, 
 
 (utilizando a sequência numérica constante do despacho de pronúncia): 
 
 18º Em conversa com o arguido A., que possui um Stand de Automóveis, sito em … , 
 a arguida C. falou-lhe da forma como arranjou a carta de condução. 
 
 19º Mostrando-se o arguido A. interessado em conhecer o arguido D., a arguida C. 
 
  apresentou-os em Águeda. 
 
 20º A partir desse momento, o arguido A. passou a angariar potenciais 
 interessados nas cartas de condução obtidas dessa forma, chegando mesmo a fazer 
 promoção de arranjar cartas de condução a quem lhe comprasse um veículo 
 automóvel. 
 
 21º Passou também a informar essas pessoas que poderiam fazer a troca das cartas 
 de condução italianas por documento idêntico português na Agência 
 Automobilística pertencente ao arguido E., situado mesmo ao lado do seu Stand. 
 
 37º O arguido [A. angariou os seguintes clientes:  
 
 – F.…  
 
 - G. e mulher, 
 
 - H. ... 
 
 - I.; 
 
 - J., 
 
 - K. ..., 
 
 - L. ..., 
 
 - M. ..., 
 
 - N.. 
 
 4.Como se alcança da elencação levada ao ponto 18 dos factos não provados, bem 
 como dos pontos 19 e 26 a 29, dos mesmos factos não provados, da decisão 
 proferida em primeira instância, toda a matéria constante da acusação acima 
 sintetizada resultou não provada. 
 
 5. Porém, a mesma instância, viria a considerar provado que o recorrente, ‘Para 
 além da carta contrafeita obtida para o arguido B., angariou mais de dez 
 clientes’ 
 
 6. Dessa decisão recorreu o ora requerente, para o Tribunal da Relação do Porto, 
 que, considerou não ter ocorrido alteração substancial dos factos constantes da 
 acusação, antes ‘O que se passou foi que o tribunal especificou com mais minúcia 
 a conduta do recorrente, e, conforme jurisprudência do STJ, citada na resposta 
 do Mº Pº tal não constitui alteração substancial ou não substancial dos factos 
 constantes da acusação’
 
 7. Confirmando, dessa forma a decisão da primeira instância. 
 
 8. Ora, entende o recorrente que ocorreu alteração significativa dos factos, uma 
 vez que vinha acusad[o] de ter angariado os clientes enumerados no ponto 37 da 
 acusação e foi condenado por ter 'angariado mais de 10 clientes’ que não são 
 identificados e não vinham referidos na acusação.
 
 9. Em vez de pormenorizar a actuação do recorrente, o que se operou foi uma 
 generalização, que não constava da acusação, tanto mais que o ponto 20 da mesma 
 foi considerado não provado. 
 
 10. Assim, salvo melhor opinião, não poderia o recorrente ter sido condenado nos 
 termos em que o foi 
 
 11. O douto Tribunal recorrido, assim não entendeu, considerando que, a acusação 
 constante do reproduzido n.º 20 do despacho de pronúncia, poderia abarcar tal 
 matéria e a generalização levada [à] douta decisão. 
 
 12. Ora, tal interpretação é manifestamente inconstitucional, uma vez que 
 cerceia, se é que não retira, qualquer hipótese de defesa ao arguido, que cuidou 
 de se defender do que constava da acusação e não de generalidades que nela não 
 figuravam.
 
 13. A referida interpretação viola, assim, o disposto no n.º 1 do artigo 32º da 
 CRP.
 
 14. Violação que já foi aflorada no Tribunal recorrido’
 
  
 
                    Tendo o Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto 
 determinado a notificação do arguido para indicar qual a alínea do nº 1 do artº 
 
 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, ao abrigo da qual o recurso foi 
 interposto, veio ele informar que o fora ‘nos termos do disposto nas alíneas b) 
 e h) do nº 1 do artº 70º’.
 
  
 
                    O recurso foi admitido por despacho lavrado em 9 de Março de 
 
 2006, tendo os autos sido remetidos ao Tribunal Constitucional em 23 de Junho 
 seguinte.
 
  
 
  
 
                    2. Porque aquele despacho de 9 de Março de 2006 não vincula 
 este órgão de administração de justiça (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e 
 porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi 
 do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por via da qual se não 
 toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
 
  
 
                    Sem deixar de se assinalar que, dada a forma como se encontra 
 elaborado o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, ele 
 demonstra um acentuado desconhecimento do que seja o específico tipo das 
 impugnações a que se reporta o nº 1 do artigo 280º da Constituição e o nº 1 do 
 artº 70º da Lei nº 28/82, o que é certo é que incumbe saber se, na situação sub 
 specie, está congregada a totalidade dos pressupostos dos recursos a que se 
 referem as alíneas b) e h) do citado nº 1 do artº 70º, sendo certo que, pelo 
 teor do mencionado requerimento nem sequer se é perfeitamente indicado qual dos 
 arestos lavrados no Tribunal da Relação do Porto se deseja impugnar.
 
  
 
  
 
                    2.1. Começando pela alínea h), é, a todos os títulos, 
 evidente que, por um lado, não é minimamente indicada qual a norma que já foi 
 anteriormente julgada desconforme com a Lei Fundamental pela Comissão 
 Constitucional e nos precisos termos em que agora se peticiona a sua apreciação 
 por este Tribunal; por outro, não são, de todo, indicados esses mesmos termos; 
 por outro, ainda, o que é facto é que se não conhece decisão daquela Comissão 
 que um tal julgamento de desconformidade tenha levado a efeito.
 
  
 
                    Neste contexto, depara-se como óbvia a impossibilidade de se 
 conhecer do objecto do recurso ancorado na alínea h) do nº 1 do artº 70º da Lei 
 nº 28/92.
 
  
 
  
 
                    2.2. Pelo que concerne ao recurso esteado na alínea b) 
 daqueles número e artigo, desde logo é patente, como deflui do relato supra 
 efectuado, que, precedentemente à prolação do acórdão querido impugnar perante 
 este Tribunal, não foi, por banda do recorrente, impostada qualquer questão de 
 desarmonia constitucional de norma precipitada no ordenamento jurídico ordinário 
 
 (ainda que alcançada ela mediante um processo interpretativo incidente sobre 
 determinado preceito) e que tenha sido aplicada, como tal, na decisão prolatada 
 na 1ª instância.
 
  
 
                    Pelo contrário, as referências a uma violação da Lei 
 Fundamental, como resulta do aludido relato, foram dirigidas à própria decisão 
 então recorrida.
 
  
 
                    Ora, sabido, como é, que o objecto dos recursos de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade incide sobre normas do ordenamento 
 infra-constitucional e não sobre outros actos do poder público tais como, verbi 
 gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas, é de evidência que se são 
 estas, num recurso uma decisão judicial interposto nas várias ordens de 
 tribunais, as atacadas, não é possível, da decisão tomada no tribunal superior, 
 deduzir impugnação para o Tribunal Constitucional, justamente porque, naquele 
 recurso, não foi equacionada nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa.
 
  
 
                    Isto é quanto basta para que, também quanto ao recurso 
 alicerçado na alínea b) do nº 1 do artº 70º, se não tome conhecimento do objecto 
 do recurso.
 
  
 
                    Custas pelo impugnante, fixando-se a taxa de justiça em seis 
 unidades de conta.”
 
  
 
                    Da decisão acima transcrita reclamou o arguido nos termos do 
 nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, limitando-se, no 
 requerimento corporizador da reclamação, a dizer: –
 
  
 
 “A., recorrente nos autos à margem referenciados, notificado das douta decisão 
 sumária de fls 96 e sgs, que entendeu não conhecer do recurso e com a mesma não 
 se conformando,
 
  
 Vem dela reclamar para a conferência, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 
 
 78-Ada Lei 28/82, de 15 de Novembro.”
 
  
 
                    Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do 
 Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a mesma ser 
 manifestamente improcedente.
 
  
 
                    Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                    2. Mesmo que se não entenda, como, por exemplo, se entendeu 
 no Acórdão deste Tribunal nº 293/2001 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), que a reclamação para a conferência de uma 
 decisão proferida nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82 tem sempre 
 que ser fundamentada com a exposição das razões da discordância dela, o que é 
 certo é que, na situação sub specie, não são minimamente carreados quaisquer 
 motivos de onde se extraia o porquê do inconformismo do arguido com a decisão 
 proferida em10 de Julho de 2006.
 
  
 
                    Por outro lado, não divisa o Tribunal o que quer que seja que 
 infirme a fundamentação adoptada em tal decisão e que levou ao juízo nela 
 
 ínsito, pelo que a mesma não merece qualquer censura.
 
  
 
                    Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o 
 impugnante nas custas processuais, fixando-se em vinte unidades de conta a taxa 
 de justiça.
 
  
 Lisboa, 28 de Julho de 2006
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício