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Processo n.º 465/07
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. A., Recorrente no presente recurso de constitucionalidade, notificado da 
 decisão sumária proferida a fls. 41 a 49, veio reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional 
 
 (L.T.C.), nos seguintes termos:
 
 “• O Exmo. Senhor Conselheiro Relator proferiu decisão sumária nos presentes 
 autos, nos termos do n.° 1 do artigo 78° - A da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, 
 na redacção dada pela Lei n.° 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei n° 13-A/98, de 
 
 26 de Fevereiro; 
 
 • Para tal invoca que a questão sub judicio, é uma questão simples e que já 
 existe jurisprudência firme e pacífica deste Tribunal; 
 
 • Salvo o devido respeito, essa jurisprudência não é assim tão pacífica, pois 
 nos Acórdãos 390/04, 140/06 e 682/06, houve declaração de voto a favor da 
 inconstitucionalidade do artigo 400º, n.° 1, alínea e) do CPP; 
 
 • Como é do conhecimento geral, recentemente tomaram posse novos Conselheiros 
 desse Alto Tribunal, na qual podem ter um posição igual a defendida pela Exma 
 Senhora Conselheira Maria Fernanda Palma, ou seja da inconstitucionalidade do 
 supra referido artigo. 
 Nestes termos, requer a V. Ex.a que se digne admitir a presente reclamação, 
 seguindo-se os demais termos.”
 A esta reclamação respondeu o Ministério Público, ora Recorrido, pugnando pela 
 confirmação da decisão sumária.
 A fundamentação constante da decisão reclamada tem o seguinte teor:
 
 “7. A norma cuja constitucionalidade o Recorrente pretende que este Tribunal 
 sindique tem a seguinte redacção:
 
 ‘Artigo 400.º
 
 1.         Não é admissível recurso:
 
 […]
 e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a 
 que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, 
 mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha 
 usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3.
 
 […]’
 
 8. Cumpre desde logo averiguar se se encontram preenchidos os pressupostos de 
 conhecimento do presente recurso de constitucionalidade − a suscitação, pelo 
 recorrente, de inconstitucionalidade de uma norma durante o processo, 
 constituindo essa norma fundamento (ratio decidendi) da decisão recorrida, bem 
 como o prévio esgotamento dos recursos ordinários. A questão de 
 constitucionalidade foi suscitada, como se observa do que se transcreveu supra, 
 na reclamação interposta para o Supremo Tribunal de Justiça, portanto, antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo. É igualmente patente que a 
 norma controvertida − contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de 
 Processo Penal − consubstancia o fundamento da decisão recorrida 
 
 (inadmissibilidade do recurso). No que diz respeito ao objecto do presente 
 recurso de constitucionalidade, como resulta da Constituição e da Lei do 
 Tribunal Constitucional (in casu, respectivamente, artigos 280.º, n.º 1, alínea 
 b) e 70.º, n.º 1, alínea b)), e como refere Gomes Canotilho, ‘no direito 
 constitucional português vigente, objecto de fiscalização são apenas as normas’ 
 
 (in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, p. 821). 
 
 
 
 9. Ora, é certo que, em jeito de conclusão, aquando da fundamentação da 
 reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, o Recorrente refere a 
 inconstitucionalidade da decisão recorrida, nos seguintes termos: ‘a douta 
 decisão violou o disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa 
 
 (…) [e] violou ainda o consagrado nos artigos 1.º, 2.º, 13.º, 16.º, 20.º e 
 
 32.º(…)]. No entanto, descortina-se a locução da questão de constitucionalidade 
 normativa na peça processual referida pelo que, não obstante as referências à 
 
 (des) conformidade com a Lei Fundamental da decisão recorrida, tem-se por 
 satisfeito o requisito em apreço, encontrando-se, portanto, reunidos os 
 pressupostos de conhecimento do objecto do presente recurso.
 
 10. A norma em análise foi já objecto de sindicância, por diversas vezes, pelo 
 Tribunal Constitucional (cfr. a título de exemplo os Acórdãos n.ºs 49/03, 390/04 
 e 140/06, publicados no Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 2003, 7 
 de Julho de 2004 e 29 de Julho de 2005, respectivamente, bem como os Acórdãos 
 n.ºs 377/03, 65/04, 264/04, 52/05, 255/05, 127/06, 487/06 e 682/06, todos 
 inéditos e disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Em todos esses arestos 
 o Tribunal concluiu pela não inconstitucionalidade da norma em apreço.
 A Lei Constitucional n.º 1/97, na esteira do que vinha já sendo propugnado pela 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional, incluiu expressamente o direito ao 
 recurso no núcleo das garantias de defesa em processo penal (cfr. artigo 32.º, 
 n.º 2 da CRP). Como referem Vital Moreira e Gomes Canotilho, ‘trata-se de 
 explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de 
 um duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o 
 núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas’ (in 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª ed., Coimbra 
 Editora, 2007, p. 516). Do mesmo modo, também no Acórdão n.º 140/2006, citado, 
 se pode ler que ‘(…) a Constituição não impõe que tenha  de haver recurso de 
 todos os actos do juiz, como também não exige que se garanta um triplo grau de 
 jurisdição (…)’ (sublinhado nosso). 
 
 11. Ora, o que o Recorrente pretende defender, em concreto, é o acolhimento 
 constitucional de um terceiro grau de recurso em sede criminal. No entanto, o 
 que a Constituição estabelece é o princípio do duplo grau de jurisdição em 
 matéria penal, i.e., a garantia da possibilidade de reexame, por um tribunal 
 superior, de situação que restrinja ou limite a liberdade e segurança dos 
 cidadãos. Como se escreveu no Acórdão n.º 49/2003, citado, 
 
 ‘A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para 
 salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais 
 importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.
 Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos. 
 Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito, mesmo 
 que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese de um erro de 
 julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito – é 
 dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida 
 proporcionar a detecção de tais erros, através de um novo olhar sobre o 
 processo.
 Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a 
 proceder à apreciação da decisão proferida, o que, naturalmente, tem a 
 virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão 
 obtida nesta nova sede.
 Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal 
 superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição 
 jurídico-processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade de 
 o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão 
 sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão 
 possa ter em consideração a argumentação da defesa.
 Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso entroncam 
 verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. A ligação entre o 
 direito ao recurso e o duplo grau de jurisdição é, pois, evidente, sendo 
 reconhecida pela recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal […].
 
 5. A norma impugnada pela recorrente – contida na alínea e) do nº 1 do artigo 
 
 400º do Código de Processo Penal – exclui, nos casos nela previstos, a 
 possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos 
 proferidos em recurso pela relação. 
 Importa ter presente, todavia, que tais acórdãos resultam justamente da 
 reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o 
 arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Por outras palavras, o 
 acórdão da relação, proferido em 2ª instância, consubstancia a garantia do duplo 
 grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao 
 recurso.
 Dir-se-á – como faz a recorrente – que, tendo havido uma decisão absolutória na 
 primeira instância, o direito ao recurso implicaria a possibilidade de recorrer 
 da primeira decisão condenatória: precisamente o acórdão da relação.
 Tal entendimento, não só encara o direito ao recurso desligado dos seus 
 fundamentos substanciais (como resulta do que já se disse), mas levaria também, 
 em bom rigor, a resultados inaceitáveis, como se passa a demonstrar.
 Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o 
 duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma faculdade de 
 recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória, ainda 
 que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do 
 Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto de decisão da 
 Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância. O que ninguém aceitará.
 A verdade é que, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos 
 razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante 
 a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias.
 Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao 
 Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e a 
 circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta 
 segunda justificação, aliás, explica a diferença entre as alíneas e) e f) do nº 
 
 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal; com efeito, se ao crime em causa 
 for aplicável pena de prisão “não superior a oito anos” (alínea f)) – não sendo 
 hipótese abrangida pela alínea e), naturalmente –, só não cabe recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se 
 este confirmar ‘decisão de 1ª instância’.
 Não se pode, assim, considerar infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição 
 pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já que a apreciação do 
 caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias 
 de defesa constitucionalmente consagradas.’
 Reporta-se o Acórdão citado a uma decisão condenatória, proferida em sede de 
 recurso, que não confirmou a decisão da primeira instância. Ora, tal nem é, 
 sequer, a situação em apreço nos presentes autos (em que a Relação se limitou a 
 confirmar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão determinada 
 pelo Juiz da primeira instância) − a fortiori, no entanto, vale em toda a sua 
 extensão a argumentação supra transcrita.
 
 12. A questão sub judicio é actualmente, portanto, uma questão simples, não se 
 vislumbrando quaisquer razões para abandonar a jurisprudência firme e pacífica 
 deste Tribunal.”
 II – Fundamentos
 Como resulta da argumentação expendida na decisão sumária cujo teor se 
 transcreveu, concluiu-se aí por negar provimento ao recurso interposto na medida 
 em que a questão submetida a juízo se apresenta como “simples”, tendo já sido 
 objecto de abundante jurisprudência por parte deste Tribunal Constitucional, a 
 qual se reputa como firme e pacífica. 
 Vem o Recorrente impugnar a pacificidade da jurisprudência invocada alegando a 
 existência de declarações de voto apostas aos Acórdãos n.ºs 390/04, 140/06 e 
 
 682/06, citados na decisão ora reclamada, nos termos das quais a Exma. 
 Conselheira Maria Fernanda Palma suscitou dúvidas quanto à constitucionalidade 
 da norma em apreço.
 Não procede, no entanto, a alegação do Recorrente. Como tem sido apreciado e 
 sustentado por este Tribunal, a qualificação como “simples” de determinada 
 questão de constitucionalidade, por forma a fundamentar a prolação de decisão 
 sumária ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da L.T.C., não significa que a mesma 
 seja isenta de controvérsia – doutrinal ou jurisprudencial. Com efeito, como se 
 escreveu no Acórdão n.º 305/00, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, 
 
 498.º, pp. 14 e seguintes, “(…) não se deve identificar a simplicidade com a 
 insusceptibilidade de controvérsia a nível doutrinal.” 
 A simplicidade da questão, para os fins consignados no artigo 78.º-A, n.º 1, não 
 implica que a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre tal matéria seja 
 unânime, bastando, para aquele efeito, que seja reiterada, o que sobejamente 
 sucede no caso dos autos. Isso mesmo é sustentado no Acórdão n.º 257/00, 
 inédito, disponível em www.tribunalconstitucional.pt no qual se afirma que “(…) 
 
 é considerada simples uma questão que, embora eventualmente de grande 
 dificuldade de análise e de resolução, já haja sido decidida pelo Tribunal 
 Constitucional; nestas condições, a lei permite que o Tribunal, em lugar de 
 repetir materialmente a apreciação, julgue incorporando a fundamentação já 
 expendida em anterior decisão.”
 Carece, portanto, de fundamento a reclamação apresentada.
 III – Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada.
 Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em (     ) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 6 de Junho de 2007
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos