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Processo nº 445/2005
 Plenário
 Relator: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Tribunal Central Administrativo Sul, em que figura como recorrente o 
 Ministério Público e como recorrido o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, 
 o Tribunal Central Administrativo Sul entendeu o seguinte:
 
  
 
 2.2.  Objecto do presente recurso contencioso, é o despacho transcrito na al. d) 
 do número anterior que se consubstanciou na rejeição dos recursos hierárquicos 
 interpostos pelo recorrente, com fundamento na sua ilegitimidade.
 Conforme é entendimento uniforme do STA (cfr., v.g., os Acs. de 14/6/94 in A.D. 
 
 396°-1392, de 15/5/97 - Rec. n° 40923, de 7/10/97 - Rec. n° 39442 e de 28/1/99 - 
 Rec. n° 38091), quando o acto do superior não conhece do mérito da impugnação do 
 acto do subalterno, o âmbito do recurso contencioso interposto daquele cinge-se 
 
 à questão concreta da rejeição, pelo que o recorrente contencioso apenas pode 
 impugnar essa causa de pedir e não alegar outros vícios completamente estranhos 
 ao fundamento de rejeição do recurso hierárquico.
 No caso em apreço, como referimos, o despacho do Secretário de Estado dos 
 Assuntos Fiscais traduziu-se na rejeição dos recursos hierárquicos; com 
 fundamento na ilegitimidade do recorrente.
 Deste modo, o âmbito do presente recurso contencioso cinge-se à apreciação do 
 fundamento concreto da rejeição dos recursos hierárquicos, sendo irrelevante a 
 alegação de quaisquer vícios completamente estranhos a tal fundamento.
 Analisando as conclusões da alegação do recorrente, constata-se que só nas 
 conclusões A) a F) é impugnado o fundamento da rejeição dos recursos 
 hierárquicos, sendo completamente estranhas a este fundamento e, por isso, 
 irrelevantes as restantes.
 Assim, apenas há que apreciar o conteúdo das conclusões A) a F) da alegação do 
 recorrente, onde é invocado um vício de violação de lei por erro nos 
 pressupostos de direito.
 Vejamos, então, se esse vício se verifica.
 O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão nº 118/ 97, de 19/ 2/97 (publicado no 
 B.M.J. 464°.-135), declarou, com força obrigatória geral, a 
 inconstitucionalidade - por violação do art. 56°., n° 1, da C.R.P. - da norma 
 constante do n° 1 do art. 53°. do C.P.A., na parte em que negava às associações 
 sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele 
 intervir, fosse em defesa dos interesses colectivos, fosse em defesa colectiva 
 de interesses individuais dos trabalhadores que representavam.
 Para o efeito, considerou-se que o art. 56°., n° 1, da CRP, ao afirmar que 
 
 “compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e 
 interesses dos trabalhadores que representem”, não só assegura aos trabalhadores 
 a defesa colectiva dos respectivos interesses colectivos, através das suas 
 associações sindicais, como lhes garante - ao não excluí-la a possibilidade de 
 intervenção das mesmas associações na defesa colectiva dos seus interesses 
 individuais. É que se a defesa dos trabalhadores que representam é uma 
 competência própria dos sindicatos, mal se compreenderia que fosse retirada no 
 
 âmbito do desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo.
 Assim, perante esta declaração de inconstitucionalidade que atingiu a restrição 
 constante da parte final do n° 1 do art. 53°, do C.P.A., deve-se concluir que, 
 quando num procedimento administrativo esteja em jogo um direito ou interesse 
 legalmente protegido de uma pessoa enquanto trabalhadora, poderá nele intervir a 
 organização sindical que, como tal, a represente.
 Mas poderá essa intervenção traduzir-se na interposição de uma reclamação ou de 
 um recurso hierárquico de um acto administrativo?
 Parece-nos que a resposta a esta questão tem de ser afirmativa. Efectivamente, 
 se o sindicato tem legitimidade para iniciar e intervir no procedimento 
 administrativo e, de acordo com a jurisprudência dominante (cfr., v.g., Acs. do 
 T.C. nº 160/99, in D.R., II Série, n° 39, de 16/2/2000 e n° 103/2001, in 
 
 “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 49°., pág. 411 e Acs. do STA de 
 
 26/4/2001 - Rec. n° 44655, de 28/11/2001 - Rec. n°. 45075 e de 6/2/2003 - Rec. 
 n° 1785/02), é-lhe reconhecida uma legitimidade processual ampla para defesa dos 
 direitos e interesses colectivos e para defesa colectiva dos direitos e 
 interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam, 
 sem necessidade de expressos poderes de representação forense, não se 
 compreenderia que não tivesse legitimidade para reclamar ou recorrer 
 hierarquicamente de actos proferidos no decurso do procedimento em que pode 
 intervir, eventualmente para lhe permitir a respectiva impugnação contenciosa.
 Assim, e porque a intervenção no procedimento administrativo reconhecida aos 
 Sindicatos pela norma do n° 1 do art. 53° do CPA após o referido Ac. do T.C. n° 
 
 118/97 inclui a faculdade de reclamar e recorrer dos actos desfavoráveis 
 proferidos no decurso desse procedimento, entendemos que, sob pena de enfermar 
 de inconstitucionalidade material pelas mesmas razões por que aquele acórdão a 
 declarou, o n° 1 do art. 160°. deve ser interpretado de forma a ser 
 compatibilizado com o citado art. 53° n° 1.
 Nestes termos, o despacho impugnado, ao rejeitar o recurso hierárquico 
 interposto pelo recorrente, incorreu no invocado vício de violação de lei por 
 erro nos pressupostos de direito, em virtude de ter aplicado uma norma n° 1 do 
 art.160°. do C.P.A. - que enferma de inconstitucionalidade material por 
 infracção do art. 56°., n°. 1, da CRP - na interpretação acolhida, devendo, em 
 consequência, ser anulado.
 
 3.  Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o despacho 
 impugnado.
 
  
 
  
 
 2.  O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da 
 alínea a) do n° 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, para 
 apreciação da norma do artigo 160°, n° 1, do Código do Procedimento 
 Administrativo.
 Junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público apresentou alegações que 
 concluiu do seguinte modo:
 
  
 
 1º - É inconstitucional, por violação do disposto no n° 1 do artigo 56° da CRP, 
 a interpretação normativa do artigo 160°, n° 1, do CP A que se traduza em 
 denegar às associações sindicais legitimidade para assumir a defesa e promoção 
 dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem através da dedução 
 dos meios impugnatórios aí previstos - reclamação ou recurso hierárquico 
 perspectivados como condição prévia para a impugnação contenciosa dos actos 
 lesivos.
 
 2° - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade 
 formulado pela decisão recorrida.
 
  
 O recorrido contra-alegou aderindo às alegações do Ministério Público.
 Tendo sido decidida pelo Presidente do Tribunal Constitucional a intervenção do 
 Plenário, ao abrigo do artigo 79º‑A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, 
 cumpre apreciar.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 3.  O artigo 160°, n° 1, do Código do Procedimento Administrativo, tem a 
 seguinte redacção:
 
  
 
 1.  Têm legitimidade para reclamar ou recorrer os titulares de direitos 
 subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se considerem lesados pelo 
 acto administrativo.
 
 2.  É aplicável à reclamação e aos recursos administrativos o disposto nos nºs 2 
 a 4 do artigo 53°.
 O tribunal recorrido recusou, por inconstitucionalidade (por violação do artigo 
 
 56°, n° 1, da Constituição), a aplicação de tal preceito quando interpretado no 
 sentido de não reconhecer legitimidade a um sindicato para a interposição de 
 recurso hierárquico de um despacho que homologa a classificação final de um 
 concurso profissional em representação dos respectivos filiados.
 O Tribunal Constitucional, no Acórdão n° 118/97, de 19 de Fevereiro (D.R.,
 I Série A, de 24 de Abril de 1997) , declarou, com força obrigatória geral, a 
 inconstitucionalidade, por violação do artigo 56°, n° 1, da Constituição, a 
 norma do artigo 53°, n° 1, do Código do Procedimento Administrativo, na parte em 
 que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento 
 administrativo e para nele intervir, seja em defesa de interesses colectivos, 
 seja em defesa de interesses individuais dos trabalhadores que representem.
 Entendeu então o Tribunal Constitucional o seguinte:
 
  
 
 6.  Os sindicatos são associações permanentes de trabalhadores para a defesa e 
 promoção dos seus interesses sócio‑profissionais. Trata-se, pois, de associações 
 voluntárias e permanentes, essencialmente caracterizadas pela condição de 
 trabalhadores dos respectivos associados e, como decorre do artigo 56°, n° 1, da 
 Constituição, pelo objectivo da defesa e promoção dos direitos e interesses dos 
 trabalhadores que representam.
 O artigo 56° da CRP, no seu n° 2, enumera certos direitos específicos das 
 associações sindicais - participação na elaboração da legislação do trabalho, na 
 gestão das instituições de segurança social, no controlo de execução dos planos 
 económico-sociais, e representação nos organismos de concertação social. Mas não 
 se esgotam aí os fins e objectivos destas associações.
 Efectivamente, como referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, (Constituição 
 da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, revista, 1993, Coimbra Editora, em 
 anotação ao artigo 56°):
 Os direitos das associações sindicais previstos neste artigo não são todos 
 exclusivos delas, nem muito menos esgotam os seus direitos. Não são exclusivos, 
 porque alguns deles são compartilhados pelas CTs (v. nota I ao artigo 54°). Não 
 esgotam os direitos das associações sindicais, porque a própria Constituição 
 prevê outros, e nada impede que outros sejam atribuídos por lei.
 Ora, o n° 1 deste artigo 56°, ao afirmar que “compete às associações sindicais 
 defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que 
 representem”, não só assegura aos trabalhadores a defesa colectiva dos 
 respectivos interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como 
 lhes garante - ao não excluí-la - a possibilidade de intervenção das mesmas 
 associações sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais.
 
  
 
 7.  De resto, esta actuação colectiva dos sindicatos para defesa dos interesses 
 colectivos dos trabalhadores há-de revelar-se decisiva em múltiplos aspectos de 
 intervenção social, nomeadamente no âmbito das condições de trabalho.
 Por exemplo, no domínio das atribuições cometidas ao Instituto de 
 Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT), regulado pelo 
 Decreto-Lei n° 219/93, de 16 de Junho - no qual a Inspecção-Geral do Trabalho 
 
 (IGT) passou, desde então, a estar integrada, como serviço central do mesmo -, 
 mal se compreenderia que as associações sindicais não dispusessem da faculdade 
 legal de fazer desencadear os procedimentos tendentes à intervenção daqueles 
 serviços no que se refere, designadamente, ao exercício das seguintes 
 competências, previstas, quanto à IGT, no artigo 13° daquele diploma:
 a)  Fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e 
 convencionais respeitantes às condições de trabalho, ao apoio ao emprego e à 
 protecção no desemprego, bem como ao pagamento das contribuições para a 
 segurança social;
 b)  Fiscalizar o cumprimento das normas relativas à segurança, higiene e saúde 
 no trabalho;
 c)  Aprovar e fiscalizar o cumprimento dos regulamentos internos das empresas;
 
 (...)
 
  
 Em todos estes casos se prevê uma actividade administrativa - embora de tipo 
 fiscalizador ou inspectivo - que supõe a existência de um procedimento 
 administrativo. Ora, excluir a possibilidade de as associações sindicais 
 promoverem o início desse procedimento administrativo, ou de nele intervirem, em 
 matérias como as referidas, significaria uma amputação inaceitável dos poderes 
 que, necessariamente, decorrem das finalidades que a Constituição lhes 
 reconhece, e, portanto, lhes são garantidos, no n° 1 do artigo 56°.
 
  
 
 8.  Entende o Primeiro-Ministro que a disposição em causa - a norma constante do 
 artigo 53° do CPA -, não retira a legitimidade procedimental aos sindicatos; 
 antes, esta legitimidade seria «assegurada pelo n° 1 do artigo 53° ao reconhecer 
 tal legitimidade aos titulares de direitos ou interesses legítimos».
 A verdade, porém, é que há que distinguir entre os direitos e interesses das 
 próprias associações sindicais - nomeadamente aqueles que pertencem a qualquer 
 pessoa colectiva ou aqueles que lhes são especificamente reconhecidos pela 
 Constituição ou a lei, como por exemplo nos nºs 2 e 3 do artigo 56° da CRP - e 
 os direitos e interesses colectivos dos trabalhadores, e não já das associações 
 sindicais, que a estas apenas cabe defender em nome e representação daqueles. 
 Ora, a intervenção no procedimento administrativo por parte de “associações que 
 tenham por fim a realização de interesses colectivos” cabe na parte final do n° 
 
 1 do artigo 53° do Código, tal como a das associações que tenham por fim a 
 defesa de interesses difusos é tratada no n° 3 do mesmo artigo (cfr. Diogo 
 Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Pedro Siza 
 Vieira e Vasco Pereira da Silva, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 
 
 2ª edição, Almedina, 1995, pág. 96). Só que a norma em apreço cria uma excepção 
 a tal legitimidade das associações que tenham por fim a realização de interesses 
 colectivos quando, expressamente, na sua parte final, apenas admite a 
 intervenção das «associações sem carácter político ou sindical».
 De tal previsão resulta, pois, inequivocamente, a exclusão da legitimidade das 
 associações sindicais para, na defesa dos interesses colectivos dos 
 trabalhadores que representam, desencadearem o procedimento administrativo e 
 nele intervirem.
 Ora, impossibilitar esse tipo de actuações no âmbito do procedimento 
 administrativo revela-se manifestamente inconstitucional, por violação do artigo 
 
 56°, n° 1, da CRP.
 
  
 
 9.  Poderia, apesar de tudo, aquela exclusão ser justificada por razões 
 atinentes à especial natureza ou conformação dos interesses em jogo no 
 procedimento administrativo?
 Também aqui a resposta só poderá ser negativa.
 Com efeito, no n° 4 do artigo 267° da Constituição prevê-se que o processamento 
 da actividade administrativa será objecto de lei especial, a qual, além do mais, 
 deverá assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes 
 digam respeito, tendo estes ainda direito, nos termos do artigo 268°, n° 1, a 
 serem informados, quer sobre o andamento dos processos em que sejam 
 interessados, quer ao acesso aos arquivos e registos administrativos.
 Aquele artigo 267°, n° 1, estabelece, pois, o princípio da participação dos 
 interessados na Administração. Este é, inequivocamente, um imperativo 
 constitucional que há-de encontrar no Código de Procedimento Administrativo a 
 sua forma de concretização por excelência e impede, portanto, qualquer 
 interpretação restritiva como aquela a que acima se referiu.
 
  
 
 10.  Por outro lado, apesar da amplitude com que é constitucionalmente 
 consagrada a finalidade da intervenção sindical, o artigo 53° do CPA, do qual 
 consta a norma em apreciação, vem inequivocamente impedir, ainda, que as 
 associações sindicais, em virtude do seu carácter sindical, procedam à defesa 
 colectiva de interesses individuais no âmbito do procedimento administrativo. 
 Também aqui se configura uma restrição clara e injustificada aos direitos dos 
 sindicatos, não apenas à luz do princípio da participação no procedimento 
 administrativo, mas principalmente da competência e representatividade dos 
 sindicatos, tendo em consideração a prossecução dos fins que lhes são 
 constitucionalmente cometidos.
 Na sequência da orientação perfilhada por este Tribunal no Acórdão n° 75/85, 
 
 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5° volume, pp. 200), a defesa dos 
 interesses individuais dos trabalhadores que representem é uma competência 
 própria dos sindicatos, mal se entendendo que seja retirada no âmbito do 
 desencadeamento e intervenção no procedimento administrativo.
 
  
 
 11.  A este propósito, pode ler-se no citado Acórdão n° 75/85:
 Ora, nesta última parte, já se não está, obviamente, a regular as formas de 
 participação do pessoal civil na vida dos respectivos organismos, mas a forma 
 que obrigatoriamente deve revestir a apresentação e defesa dos interesses 
 individuais de cada trabalhador.
 E, mais concretamente, ao determinar-se que a apresentação e defesa de tais 
 interesses terá de ser feita directamente pelos próprios, exclui-se 
 necessariamente a defesa colectiva de interesses individuais, designadamente 
 através da intervenção das associações sindicais.
 Todavia, quando a Constituição no n° 1 do seu artigo 57° [actual artigo 56°] 
 reconhece a estas associações competência para defenderem os direitos e 
 interesses dos trabalhadores que representem, não restringe tal competência à 
 defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores: antes supõe que ela se 
 exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais.
 
  
 Com efeito, a liberdade sindical não se esgota na faculdade de criar associações 
 sindicais e de a elas aderir ou não aderir. Antes supõe a faculdade de os 
 trabalhadores defenderem, coligados, os respectivos direitos e interesses 
 perante a sua entidade patronal, o que se traduz, nomeadamente, na contratação 
 colectiva e, também, na possibilidade de, também colectivamente porque só assim 
 podem equilibrar as relações com os dadores de trabalho assegurarem o 
 cumprimento das normas laborais, designadamente das resultantes da própria 
 negociação colectiva. É que, na verdade, a actividade sindical não se confina à 
 mera defesa dos interesses económicos dos trabalhadores, antes se prolonga na 
 defesa dos respectivos direitos jurídicos, consagrados na lei ou nos 
 instrumentos de regulação colectiva das relações laborais, e esta última defesa 
 exige a possibilidade de os sindicatos intervirem em defesa dos direitos e 
 interesses individuais dos trabalhadores que representam, principalmente quando 
 se trate de direitos indisponíveis (cfr. artigo 6°, n° 3, do Código de Processo 
 do Trabalho).
 Parece evidente que - maxime quando se esteja perante direitos disponíveis - a 
 lei poderá e deverá prever, numa razoável ponderação entre os interesses de cada 
 trabalhador e os interesses de uma certa categoria ou grupo de trabalhadores, 
 que a intervenção das associações sindicais no procedimento administrativo se 
 possa exercitar, em certos casos, de forma meramente coadjuvante ou subordinada, 
 quando estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores. Tal, porém, 
 não significa que se possa, pura e simplesmente, excluir os sindicatos, como 
 ocorre na norma questionada.
 Sendo esta a interpretação daquele dispositivo constitucional que aqui se 
 perfilha, e não existindo, assim, quaisquer fundamentos para nos desviarmos da 
 jurisprudência firmada no já mencionado Acórdão n° 75/85, forçoso é concluir, 
 também nesta perspectiva, pela inconstitucionalidade da norma em causa, na parte 
 impugnada.
 
  
 No mesmo sentido, pronunciou-se ainda o Tribunal Constitucional nos Acórdãos nos 
 
 160/99 e 103/2001 (www.tribunalconstitucional.pt).
 A jurisprudência acabada de referir é aplicável nos presentes autos.
 Com efeito, a norma declarada inconstitucional no aresto citado tem carácter 
 geral, já que se refere à legitimidade das associações sindicais para iniciar o 
 procedimento administrativo e para nele intervir.
 Ora, uma das formas de intervenção no procedimento administrativo é precisamente 
 a interposição do recurso hierárquico de um acto administrativo lesivo. Assim, 
 os fundamentos da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão n° 
 
 118/97 valem inteiramente para a intervenção no procedimento administrativo que 
 se consubstancia na interposição do recurso hierárquico. Na verdade, o recurso 
 hierárquico é, entre outros, um mecanismo (de relevância significativa) de 
 defesa e promoção dos direitos dos trabalhadores representados pela associação 
 sindical, defesa e promoção tutelados pelo artigo 56° da Constituição. 
 Conclui-se, pois, pela inconstitucionalidade da norma apreciada.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 4.  Em face do exposto, decide-se confirmar o juízo de inconstitucionalidade 
 constante da decisão recorrida.
 
  
 
  
 
                                   Lisboa, 21 de Novembro de 2006
 
  
 Maria Fernanda Palma
 Maria João Antunes
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Helena Brito
 Gil Galvão (com dúvidas quanto ao conhecimento)
 Vítor Gomes (Vencido quanto ao conhecimento, conforme declaração anexa)
 Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, pelo essencial dos fundamentos aduzidos nos 
 votos de vencido apostos ao acórdão n.º 118/97, que entendo transponíveis para o 
 caso em apreço.
 Carlos Pamplona de Oliveira – vencido quanto ao conhecimento, por entender que a 
 decisão recorrida não desaplicou a norma; e quanto ao fundo, por entender que a 
 norma não é inconstitucional.
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida, nos termos da declaração junta)
 Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto que junto)
 Bravo Serra ( Na esteira da declaração de voto que apus ao Acórdão n.º 118/97, 
 entendo que a norma em apreço só é inconstitucional na parte em que nega às 
 associações sindicais legitimidade para reclamar ou recorrer nos casos em que se 
 vise a defesa dos interesses colectivos dos trabalhadores)
 Benjamim Rodrigues (Vencido de acordo com a declaração de voto anexa)
 Artur Maurício
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                  Vencido, apenas quanto ao conhecimento do recurso, por 
 considerar que na decisão recorrida não houve efectiva desaplicação, com 
 fundamento em inconstitucionalidade, da norma apreciada pelo presente acórdão.
 
                   A afirmação de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 160.º 
 do Código de Procedimento Administrativo, contida no acórdão recorrido, 
 refere-se à interpretação adoptada pela autoridade administrativa para rejeitar 
 o recurso hierárquico interposto pelo Sindicato, não ao sentido que o acórdão 
 extrai do preceito, prefere e, consequentemente, aplica na decisão do caso que 
 lhe era sujeito. Com efeito, antes daquela afirmação, o acórdão considerara que 
 a legitimidade reconhecida às associações sindicais pela norma do n.º 1 do 
 artigo 53.º do CPA, após a declaração de inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, na parte em que negava às associações sindicais legitimidade 
 para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir em defesa dos 
 interesses individuais dos trabalhadores que representam, impunha a 
 interpretação do n.º 1 do artigo 160.º do mesmo diploma de modo a permitir-lhes 
 reclamar e recorrer hierarquicamente de actos proferidos no decurso do 
 procedimento em que podem intervir. Ou seja, para o tribunal a quo, a norma 
 respeitante à legitimidade para o procedimento de 2.º grau, sobretudo quando 
 necessário para acesso à via contenciosa, não podia deixar de ser interpretada 
 em conformidade com a regra geral para iniciar e intervir no procedimento 
 administrativo. Assim, a anulação do acto contenciosamente impugnado não 
 resultou da recusa efectiva, ainda que de modo implícito, de aplicação do 
 sentido normativo agora apreciado – não foi produto de uma decisão intermédia, 
 na conclusão do processo hermenêutico, de que esse era o sentido da norma, mas 
 que não poderia ser aplicado por ser desconforme à Constituição - mas da 
 conclusão de que os elementos sistemáticos e teleológico de interpretação 
 conduziam a atribuir à norma um sentido oposto àquele para que a Administração 
 se inclinara, conclusão para que foi determinante o argumento de coerência do 
 sistema entre as regras de legitimidade para as diversas fases do procedimento 
 administrativo.   
 
                  É certo que o acórdão recorrido afirma expressamente a 
 inconstitucionalidade do sentido normativo que a Administração adoptara. Mas 
 optou pelo sentido oposto, com argumentos que não se resumem a essa 
 desconformidade com a Constituição. Ora, a interpretação conforme à Constituição 
 
 é ainda um dos elementos do processo de determinação do sentido da lei, a que os 
 tribunais devem recorrer como simples modalidade de interpretação 
 sistemático-teleológica, que não justifica, por si só, o recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. 
 Ressalvada, obviamente, a hipótese de o tribunal a quo, a pretexto de uma 
 interpretação conforme à Constituição, ter adoptado um sentido de todo 
 incomportável segundo os cânones comuns de hermenêutica, procedendo, de facto, a 
 uma real desaplicação da norma em qualquer dos sentidos por ela comportáveis, o 
 que não sucede com o acórdão recorrido, na leitura que dele faço.
 Vítor Gomes
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1. Não fora a afirmação expressa, constante da parte final do acórdão recorrido, 
 de que o despacho então em apreciação havia de ser anulado por 'ter aplicado uma 
 norma – n.º 1 do art. 160º do C.P.A. – que enferma de inconstitucionalidade 
 material', teria votado o não conhecimento do recurso, por não ter ocorrido uma 
 recusa de aplicação por inconstitucionalidade que o suportasse.
 Com efeito, da interpretação de todo o acórdão parece resultar que nele se 
 procedeu antes a uma interpretação do disposto no n.º 1 do citado artigo 160º 
 
 (cujo regime se considerou em vigor) que estivesse de acordo com o n.º 1 do 
 artigo 53º do Código do Procedimento Administrativo, tal como resultou da 
 declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral operada pelo 
 acórdão n.º 118/97 deste Tribunal.
 
 2. Votei, todavia, vencida quanto ao julgamento de inconstitucionalidade pelas 
 razões que apontei na declaração que juntei ao acórdão n.º 160/99 e que 
 transcrevo:
 
 'Votei vencida porque não considero que, do disposto no n.º 1 do artigo 56º da 
 Constituição resulte, nem a necessidade constitucional de os sindicatos terem 
 legitimidade para impugnar contenciosamente (…) actos administrativos que 
 afectem interesses individuais dos trabalhadores neles filiados, nem, muito 
 menos, de trabalhadores neles não filiados.
 Decidiu-se no acórdão, em primeiro lugar, que a Constituição impõe que seja 
 reconhecida aos sindicatos como tal – ou seja, não como representantes dos seus 
 filiados, mas em nome próprio – legitimidade para defenderem em juízo interesses 
 individuais dos seus filiados. E decidiu-se, em segundo lugar, que essa 
 legitimidade existe mesmo em relação a trabalhadores não filiados (uma vez que 
 se dispensa a prova da filiação quanto aos trabalhadores concretos atingidos 
 pelos efeitos do acto impugnado).
 Esta concepção, a meu ver, contraria o princípio constitucional da liberdade 
 sindical, consagrado no artigo 55º da Constituição. Não pode, com efeito, 
 considerar-se como que transferido para o sindicato o poder de deliberar sobre a 
 forma de prossecução dos interesses individuais dos trabalhadores filiados, por 
 exceder a própria razão de ser da existência deste tipo de associações. Muito 
 menos, repito, quanto a trabalhadores não filiados, o que apenas poderia ter 
 como justificação a ideia de que os sindicatos representam, fora do âmbito dos 
 interesses colectivos da classe, todos os trabalhadores que têm uma determinada 
 profissão, independentemente, sequer, da sua vontade de neles se filiarem'.
 
  Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 Votei vencido pelo essencial das razões constantes da declaração de voto aposta 
 ao Acórdão n.º 118/97 pelo Ex.mº Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, para a qual 
 remeto. Resumidamente, direi apenas que, em meu entender, o artigo 56.º, n.º 1, 
 da Constituição, ao prescrever que “[c]ompete às associações sindicais defender 
 e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que 
 representem”, não impõe, além da legitimidade para defesa e promoção de 
 interesses colectivos dos trabalhadores, o reconhecimento de poderes de 
 representação legal às associações sindicais, para interposição de acções em 
 defesa de interesses individuais do trabalhador, sem que exista uma específica 
 manifestação de vontade deste; nem tal norma constitucional prevê, por outro 
 lado, o imperativo reconhecimento de um poder legal de representação para 
 interposição de recurso, hierárquico ou contencioso, em acções para defesa de 
 interesses individuais do trabalhador, sem que este confira tal poder às 
 associações sindicais. Não é, pois, a meu ver, inconstitucional a interpretação 
 de normas legais no sentido de que não resultam delas, para a associação 
 sindical, poderes de representação para defesa de interesses individuais do 
 trabalhador, antes apenas este último, titular do interesse em causa, tendo 
 legitimidade para recorrer.
 Paulo Mota Pinto
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                  Votei vencido pelo essencial das razões aduzidas na declaração 
 de voto aposta ao Acórdão n.º 118/97 pelo Senhor Juiz Conselheiro Vítor Nunes de 
 Almeida e que aqui se consideram adquiridas, sendo que o presente acórdão se 
 abona na doutrina que nele se refuta.
 
                  Alongando fundamentação, aliás nele abordada, dir-se-á apenas 
 mais o que se segue.
 
                  A tese do acórdão assenta no entendimento de que o n.º 1 do 
 art. 56.º da Constituição, que dispõe que “compete às associações sindicais 
 defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que 
 representam”, assegura aos trabalhadores “a defesa colectiva dos respectivos 
 interesses colectivos, através das suas associações sindicais, como lhes garante 
 
 – ao não excluí-la – a possibilidade de intervenção das mesmas associações 
 sindicais na defesa colectiva dos seus interesses individuais”.
 
                  Trata-se de uma solução interpretativa obtida por raciocínio a 
 contrario. Ora, ao contrário do que vai nele suposto, entendemos que o resultado 
 alcançado mediante tal método hermenêutico não corresponde a uma verdade 
 jurídica inelutável, podendo, sempre, admitir-se existirem outras soluções 
 possíveis. 
 
                  De qualquer jeito, um raciocínio a contrario só terá alguma 
 fiabilidade se o pólo oposto comungar da mesma natureza da proposição referente. 
 
 É, porém, o que não se passa relativamente aos direitos que estão em causa: de 
 um lado está a legitimidade das associações sindicais para promover e defender 
 os interesses colectivos dos trabalhadores (defesa colectiva de interesses 
 colectivos) e, do outro, o reconhecimento de poderes de representação legal, às 
 associações sindicais, para intervir em procedimentos administrativos ou 
 contenciosos de defesa de interesses individuais do trabalhador, sem que exista 
 um específica manifestação de vontade deste (defesa colectiva de interesses 
 individuais).
 
                  Tais interesses que constituem o corpus dos respectivos 
 direitos são substancialmente diferentes. O interesse colectivo corresponde ao 
 interesse definido pela comunidade organizada dos trabalhadores ou reconhecido 
 pela lei a tal comunidade enquanto tal, bem podendo ser contrário aos interesses 
 individuais de alguns trabalhadores ou até aos interesses colectivos de alguns 
 grupos ou classes de trabalhadores. 
 
                  O interesse individual corporiza-se num direito subjectivo ou 
 num interesse individual legalmente protegido, representando uma posição 
 jurídica individual autónoma do respectivo titular, até relativamente a outros 
 titulares de um direito da mesma natureza. Naquele, o trabalhador individual 
 apenas pode comparticipar; neste, o trabalhador individual dispõe dele.
 
                  Sendo realidades jurídicas substancialmente diferentes, não 
 pode, na ausência de uma clara expressão do legislador constitucional nesse 
 sentido, ver-se as mesmas aconchegadas dentro da mesma disposição constitucional 
 de competência.
 
                  Acresce que são, também, estruturalmente, diferentes as normas 
 que atribuem competências constitucionais das que conferem direitos ou 
 interesses legalmente protegidos. 
 
                  As normas que dispõem sobre competência têm carácter 
 institucional ou orgânico, pois se traduzem na atribuição dos poderes 
 considerados necessários para que esse ente realize as suas funções. Têm uma 
 
 “dimensão organizatório-representativa” (expressão da Senhora Juíza Conselheira 
 Assunção Esteves na declaração de voto aposta no mesmo Acórdão).
 
                  Traduzindo-se o seu objecto numa disposição ou instituição de 
 poderes funcionais, não pode aplicar-se-lhes o princípio da máxima efectividade 
 ou da expansividade que deve seguir-se na interpretação dos direitos 
 fundamentais, a que se arrima, implicitamente, a solução acolhida no acórdão. As 
 normas dispositivas de competência dizem tudo o que o legislador quer dar. Ao 
 contrário, as normas que criam direitos fundamentais reconhecem direitos de 
 defesa contra quem não seja seu titular, nestes se incluindo o próprio Estado. 
 Deste modo, até onde se revele a necessidade de tutela de defesa, essas normas 
 mantêm apetência e eficácia normativas, apenas podendo esses direitos ser 
 restringidos com obediência do disposto no art. 18.º, nºs 2 e 3, da 
 Constituição.
 
                  A norma do artigo 56.º, n.º 1 da Lei fundamental insere-se 
 naquela espécie de normas e não na destas (como será o caso da do art. 55.º).
 
                  Assim sendo, é de concluir que não é inconstitucional a 
 interpretação de normas legais, como as que dispõem sobre a legitimidade para a 
 interposição de recurso, hierárquico (como é o caso) ou contencioso, em 
 procedimentos ou acções para defesa de interesses individuais do trabalhador, no 
 sentido de que não resultam delas, para a associação sindical, poderes de 
 representação para a defesa de interesses individuais.
 
                  De resto, a própria tese seguida no acórdão, sempre, tem a 
 necessidade de admitir, manifestamente, para além do texto constitucional, que 
 os poderes de representação da associação sindical, cuja fonte vê no art. 56.º, 
 n.º 1, não podem ser exercidos contra a vontade do trabalhador. Ou seja, sempre 
 tem de aceitar que essa representação não valha, sem que de tal excepção 
 encontre rasto na disposição constitucional.
 Benjamim Rodrigues