 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 153/08
 
 2ª Secção 
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 No âmbito da acção de despejo que correu os seus termos no Tribunal Judicial da 
 Maia sob o n.º 8089/03.4 TBMAI, A. pediu, a título subsidiário, a denúncia de um 
 determinado contrato de arrendamento urbano para habitação, com fundamento na 
 respectiva caducidade.
 Após não ter sido sequer conhecida em primeira instância – por prejudicialidade 
 decorrente da procedência do pedido principal – a referida pretensão veio a ser 
 finalmente conhecida e julgada improcedente por acórdão do Tribunal da Relação 
 do Porto proferido em 6-11-2007.
 Inconformado com a referida decisão, o Autor interpôs recurso da mesma para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do 
 artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), pedindo a fiscalização concreta da constitucionalidade da 
 norma constante do art. 68.º, n.º 2, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado 
 pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU).
 Convidado a indicar qual a interpretação normativa daquele preceito do RAU cuja 
 inconstitucionalidade pretendia ver apreciada, o recorrente apresentou 
 requerimento donde resulta que a interpretação questionada é a sustentada na 
 decisão recorrida, segundo a qual o prazo máximo de trinta anos previsto no 
 artigo 1025.º, do Código Civil, apenas vale para a constituição da relação 
 contratual locatícia e não para a sua duração quando determinada pela renovação 
 imposta ao senhorio, não assistindo, assim, a este o direito de denunciar um 
 contrato de arrendamento urbano para habitação com fundamento no facto do mesmo 
 durar há mais de trinta anos.
 
  
 Foi proferida decisão sumária a julgar improcedente o recurso interposto, com a 
 seguinte fundamentação:
 
 “A constitucionalidade da referida interpretação normativa, ainda que por 
 referência a outras disposições legais, já foi apreciada em diversas ocasiões 
 pelo Tribunal Constitucional, o qual concluiu, invariavelmente, pela 
 conformidade da referida interpretação normativa com as regras e princípios 
 constitucionais vigentes.
 Contudo, não deixará de se equacionar sucintamente os dados da questão e 
 relembrar a resposta dada pela justiça constitucional.
 O artigo 1025.º do Código Civil de 1966 apresenta a seguinte redacção:
 
 “A locação não pode celebrar-se por mais de trinta anos; quando estipulada por 
 tempo superior, ou como contrato perpétuo, considera-se reduzida àquele 
 limite”.
 Por seu turno, o n.º 2 do art. 68.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado 
 pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, prescreve que:
 
 “A denúncia do contrato pelo senhorio só é possível nos casos previstos na lei e 
 pela forma estabelecida”. 
 O tribunal a quo interpretou as referidas normas – louvando-se para esse efeito 
 na posição doutrinária assumida pelos Professores Pires de Lima e Antunes Varela 
 na anotação ao Código Civil – no sentido de que o prazo máximo de 30 anos 
 previsto no art. 1025.º do Código Civil apenas vale para a constituição da 
 relação contratual locatícia e não para a sua duração quando determinada pela 
 renovação imposta ao senhorio nos termos do n.º 2 do art. 68.º do RAU, 
 concluindo, assim, que não assiste ao senhorio o direito de denunciar um 
 contrato de arrendamento urbano para habitação com fundamento no facto do mesmo 
 durar há mais de trinta anos.
 Dispõe ainda o n.º 1 do art. 62.º da Constituição que:
 
 “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida 
 por morte, nos termos da Constituição”.
 O Recorrente entende que a referida interpretação normativa, que nega ao 
 senhorio a possibilidade de denúncia do contrato de arrendamento urbano para 
 habitação quando o mesmo já dura há mais de trinta anos e que impõe assim a sua 
 prorrogação para além deste prazo, viola o direito constitucional à propriedade 
 privada.
 A propósito da pretensa violação do direito de propriedade privada fundada na 
 renovação automática de um contrato de arrendamento urbano para o comércio, para 
 além do prazo de trinta anos e contra a vontade do locador, o Acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 147/2005 (publicado no Diário da República, II 
 Série, de 14 de Junho de 2005, e também disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), considerou que:
 
 “(…) 11. Segundo o disposto no n.º 1 do respectivo artigo 62º, “A todos é 
 garantido o direito de propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por 
 morte, nos termos da Constituição”.
 Como o Tribunal Constitucional já por diversas vezes observou, não obstante não 
 estar formalmente incluído entre os direitos, liberdades e garantias, o direito 
 de propriedade privada inclui uma dimensão – pelo menos, o direito a não ser 
 privado da propriedade, a não ser nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo 
 artigo 62º – em que o respectivo regime, por força do disposto no artigo 17º da 
 Constituição, lhe é aplicável (cfr., em especial, o acórdão n.º 491/2002 e a 
 jurisprudência nele citada, in Diário da República, II série, de 22 de Janeiro 
 de 2003).
 Ora, como se sabe, entre “os direitos” que integram o direito de propriedade 
 
 (cfr. o artigo 1305º do Código Civil) inclui-se o poder de fruição do respectivo 
 objecto, poder com base no qual, tratando-se de propriedade de imóveis, o 
 proprietário pode dar de arrendamento o prédio correspondente. 
 Igualmente se sabe que a celebração de contratos de arrendamento, permitindo o 
 gozo do prédio por pessoa (singular ou colectiva) diferente do respectivo 
 proprietário (artigos 1022º e 1023º do Código Civil), corresponde a uma forma 
 socialmente útil de fruição do direito de propriedade. Em particular, o 
 arrendamento comercial proporciona ao arrendatário um bem – o local de 
 funcionamento – especialmente relevante no exercício da sua actividade 
 económica, com peso frequentemente significativo no valor do respectivo 
 estabelecimento, e cuja estabilidade pode ser, em si, de grande valia.
 Isso mesmo reconhece a lei ordinária, por exemplo, quando restringe os casos de 
 denúncia pelo senhorio (artigos 68º, n.º 2 do Regime do Arrendamento Urbano), 
 quando prevê a possibilidade de transmissão da posição de arrendatário, em caso 
 de trespasse, independentemente de consentimento do senhorio (artigo 115º, n.º 1 
 do RAU), ou quando impõe a continuação do contrato aos sucessores do senhorio 
 
 (artigo 112º, n.º 1 do RAU).
 
 12. A verdade, todavia, é que, reconhecer que nada na Constituição impede o 
 senhorio de pretender manter um arrendamento por mais de 30 anos, afirmação da 
 qual discorda a recorrente, pois que sustenta que, ainda que contra sua 
 vontade, o arrendamento se extingue decorrido tal prazo, não é incompatível com 
 o reconhecimento de que a manutenção do contrato de arrendamento por tal 
 período de tempo, em virtude de sucessivas renovações, representa uma oneração 
 séria do direito do proprietário.
 Seja como for, e, quer se entenda que a admissibilidade constitucional da 
 limitação ao direito de propriedade implicada pela norma em análise deva ser 
 analisada à luz do regime previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18º da 
 Constituição, por estar em causa a dimensão em que aquele direito fundamental é 
 um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, quer se considere que 
 estamos apenas perante uma limitação a um direito económico, cuja 
 admissibilidade há-de também ser avaliada segundo critérios de 
 proporcionalidade, exigidos pelo princípio do Estado de Direito (artigo 2º da 
 Constituição), sempre se tem de concluir pela não existência de qualquer 
 obstáculo constitucional.
 Com efeito, a manutenção do arrendamento comercial, em virtude de sucessivas 
 renovações, por um lapso de tempo superior a 30 anos revela-se manifestamente 
 adequada e não excessiva, em si mesma, à garantia do direito de liberdade de 
 iniciativa económica privada aqui especialmente encabeçado pelo 
 arrendatário-comerciante (cfr., sobre as exigências do princípio da 
 proporcionalidade, o acórdão n.º 634/93, Diário da República, II série, de 31 de 
 Março de 1994), não lesando 'o conteúdo essencial' (n.º 3 do artigo 18º da 
 Constituição) ou o 'conteúdo mínimo' do direito de propriedade. 
 Como o Tribunal Constitucional já o afirmou, no seu acórdão n.º 263/2000 
 
 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), também aqui se pode dizer que, 
 apesar de tudo, os “senhorios (...) continuam a poder transmiti-lo e fruí-lo 
 
 (convindo-se, contudo, que se não pode escamotear que, na prática, a transmissão 
 de um prédio urbano dado de arrendamento se antevê mais dificultosa 
 reportadamente a um outro que se não encontre «onerado» com um tal tipo de 
 contrato e que, dados os condicionamentos da actualização das rendas, a sua 
 fruição se pode apresentar como menos proveitosa)”.
 Não tem, assim, fundamento a inconstitucionalidade suscitada pela recorrente 
 
 (…)».
 Esta posição foi reiterada pelo Tribunal Constitucional através do Acórdão n.º 
 
 148/2005 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), acrescentando-se então 
 que: 
 
 «(…) 8. O facto de a situação não estar coberta pelo regime do artigo 18.º n.º 2 
 da Constituição não significa que o agravamento das limitações à liberdade 
 contratual do locador que dela decorre não possa ser avaliado à luz dos 
 princípios do Estado de Direito que impedem o legislador de restringir direitos 
 individuais de modo arbitrário e desproporcionado, ainda que fora das hipóteses 
 cobertas por aquele preceito (Cfr. Acórdão n.º 205/2000).
 Sucede que também por este ângulo a resposta é negativa.
 Com efeito, o regime de prorrogação do arrendamento para além de 30 anos da 
 duração máxima pode consistir numa arbitragem discutível entre os interesses do 
 proprietário/locador e os do locatário e até ser menos coerente com a 
 preocupação de evitar a “feudalização” da propriedade que dita a proibição de 
 estipulação de prazos de duração de contratos de locação superiores a 30 anos 
 
 (objectivo, aliás, verificável noutros lugares do sistema; cfr. solução 
 semelhante quanto ao usufruto e, por remissão, quanto ao uso e habitação, no 
 artigo 1443.º do Código Civil)  e ir ao arrepio da tendência actual para atenuar 
 este aspecto do regime vinculístico (cfr., neste sentido Pinto Furtado, Manual 
 do Arrendamento Urbano, p. 149 e ss., onde se procede a uma resenha de direito 
 comparado; autor que, aliás, se pronuncia no sentido da inconstitucionalidade da 
 prorrogação forçada para além do prazo do artigo 1025.º do Código Civil, maxime 
 p.198 e 984-986). 
 Porém isso não basta para que se conclua pela inconstitucionalidade. Para que a 
 opção do legislador pudesse ser censurada pelo juiz constitucional à luz deste 
 parâmetro teria de se apresentar como destituída de fundamento ou obedecer a um 
 critério legislativo manifestamente desrazoável e inadequado. 
 Ora, já vimos que o regime de prorrogação forçada do arrendamento para comércio 
 e indústria obedece a um escopo de tutela da posição jurídica do inquilino que, 
 do mesmo passo, serve o interesse público de defesa da economia mediante a 
 protecção da estabilidade empresarial com larga tradição no nosso ordenamento 
 jurídico e que naturalmente entra nas ponderações do locador quando opta por 
 essa forma de fruição do imóvel (e também por aí se afastariam preocupações da 
 tutela constitucional da confiança ou da segurança jurídica relativamente a 
 contratos celebrados  em 1971, como é o caso dos autos).
 Esta preferência pela protecção da actividade empresarial em detrimento dos 
 interesses dos titulares de riqueza imobiliária cabe na margem de 
 discricionariedade legislativa quanto à conformação da propriedade privada, na 
 tarefa de modelação normativa da função social do instituto. Encontra 
 credencial constitucional, designadamente, na alínea d) do artigo 9.º e no n.º 
 
 1 do artigo 86.º da Constituição.
 A extensão temporal dessa protecção para além de 30 anos de duração global da 
 relação locatícia, ainda que possa conduzir a uma situação de duração ilimitada, 
 
 é adequada ao fim visado e não a torna, por si só, desproporcionada (por 
 violação do subprincípio da proibição de excesso).
 Efectivamente, o equilíbrio da relação não pode ser avaliado isolando o efeito 
 da norma em causa do conjunto dos direitos e obrigações do locador. Ora, além do 
 que já se referiu quanto à possibilidade de recuperação do gozo directo do bem, 
 pela existência de outras causas de denúncia ou de causas de resolução que 
 traduzem a permanência na titularidade do locador de “competências” inerentes à 
 propriedade, as rendas são anualmente actualizáveis (artigo 32.º do RAU), 
 porventura tendo precedido avaliação ou correcção extraordinária (cfr. artigo 
 
 9.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, preambular do RAU e diplomas aí mencionados), 
 pelo que não pode dizer-se que o prolongamento da duração do arrendamento tenha 
 por efeito necessário tornar irrisória a contrapartida pela cedência do gozo da 
 coisa (ao menos pela sua conjugação com o efeito da inflação, que é o que ocorre 
 como mais provavelmente susceptível de arrastar, a longo prazo, essa 
 consequência) (…)». 
 Não existe qualquer razão válida para divergir da aludida jurisprudência 
 constitucional, a qual é inteiramente transponível para o caso concreto, com as 
 devidas alterações e com as mesmas consequências.
 A circunstância do caso sub judice respeitar à denúncia de um contrato de 
 arrendamento urbano para a habitação não conduz a solução diversa na medida em 
 que a ponderação dos direitos do locatário habitacional não conduz, antes pelo 
 contrário, a qualquer fortalecimento da posição do locador, na medida em que, 
 tal como se escreveu no referido Acórdão 148/2005:
 
 «(…) Convém pôr desde já em evidência, porque será um factor a considerar 
 ulteriormente no confronto da solução normativa com os parâmetros 
 constitucionais pertinentes, que não são da mesma natureza os interesses que 
 substancialmente justificam a prorrogação forçada no arrendamento para habitação 
 e os que a podem justificar no arrendamento para comércio e indústria e para o 
 exercício de profissões liberais.          
 Nos arrendamentos para habitação a regulamentação favorável ao inquilino tem 
 imediato respaldo na consagração constitucional do interesse colectivo ou social 
 do direito à habitação, cuja prossecução é imposta ao Estado e que não deixa de 
 vincular os particulares, como se reconheceu no Acórdão n.º 151/92, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1992, onde, ao avaliar as 
 normas que subtraem o contrato de arrendamento para habitação à regra da 
 liberdade contratual e o submetem à regra da renovação automática obrigatória, 
 se refere que é nelas que 'o legislador, conhecendo como conhece, a falta de 
 casas para habitação, sacrifica um direito do senhorio a favor do direito do 
 locatário a dispor de uma casa para sua habitação', adiantando-se que, de 
 
 'facto, retira àquele o direito que, em princípio, lhe assistiria de denunciar 
 livremente o contrato de arrendamento celebrado – direito este que está 
 compreendido, seja no direito de iniciativa económica privada (artigo 61.º, n.º 
 
 1, da Constituição), seja no direito de propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1, 
 da Constituição)', e acrescentando, ainda, que a 'legislação sobre arrendamento 
 para habitação é fortemente vinculística, sendo um domínio onde a hipoteca 
 social que recai sobre a propriedade é, talvez, mais forte.'.  
 No que se refere ao arrendamento para comércio, indústria ou exercício de 
 profissão liberal não é possível encontrar na Constituição cobertura explícita 
 ou tão imediatamente evidente como aquela que a jurisprudência tem desvendado 
 quanto ao arrendamento para habitação. 
 Efectivamente, o interesse acautelado pelo tratamento mais favorável ao 
 locatário é aqui de outra natureza, predominantemente económica. Seguindo 
 Pereira Coelho (Arrendamento, Lições ao Ciclo Complementar de Ciências 
 Jurídicas, pol. Coimbra, 1984, p. 70), “ … pode dizer-se, em termos gerais, que 
 a lei pretende garantir a continuidade da exploração comercial ou industrial ou 
 da profissão liberal exercida no prédio arrendado, facilitar a circulação da 
 empresa (de que o direito ao arrendamento constitui, por vezes, o elemento mais 
 importante) e defender a integridade do valor económico do estabelecimento ou 
 da profissão liberal do arrendatário, valor criado por iniciativa deste [(1) Ou 
 que de todo o modo ele pagou (no caso de trespasse do estabelecimento ou cessão 
 do local para exercício da mesma profissão liberal do arrendatário)] e que 
 poderia ser consideravelmente afectado se o comércio, indústria ou profissão 
 liberal tivesse de passar a exercer-se em local diferente. Trata-se, pois, 
 fundamentalmente, de proteger o interesse do arrendatário para comércio, 
 indústria ou exercício de profissão liberal e ainda, reflexamente, o interesse 
 geral, dado o valor social de que as respectivas actividades se revestem.”
 Atenta a existência da citada jurisprudência, deve ser proferida decisão sumária 
 no mesmo sentido, nos termos do art. 78.º-A, n.º 1 da LTC.”
 
  
 O recorrente reclamou para a conferência desta decisão, com a seguinte 
 argumentação:
 
 “1ª Constitui firmíssima convicção do Recorrente que são materialmente 
 inconstitucionais as normas dos artºs 68º, nº 2 e 69º, nº 1 do RAU, artº 1101º 
 do Código Civil (dele excluída a alínea c) e artº 107º do RAU por violação do 
 direito à propriedade privada consagrado no artº 62º da Constituição da 
 República, quando interpretadas no sentido de que impedem ao senhorio o direito 
 de denúncia do arrendamento para habitação com fundamento no facto de o contrato 
 já ter ultrapassado o prazo de trinta anos a que se refere o artº 1025º do 
 Código Civil à data da entrada em juízo da acção de despejo destinada, 
 precisamente, a efectivar a denúncia com aquele fundamento. 
 
 2ª Posta assim a questão, veio nestes autos a ser proferida decisão sumária nos 
 termos do disposto no artº 78-A/98 da LTC que julgou improcedente o recurso com 
 fundamento na circunstância de a questão de direito ter sido já objecto de 
 jurisprudência anterior do próprio Tribunal Constitucional, toda ela no sentido 
 de que inexiste a apontada inconstitucionalidade: porque o Recorrente tem 
 resolutamente por inconstitucionais aquelas normas e este Tribunal, apenas 
 apoiado no precedente de jurisprudência anterior, concluiu o contrário – daí a 
 presente reclamação. 
 
 3ª Constitui por natureza objecto desta reclamação, não o de dizer das razões da 
 inconstitucionalidade suscitada (é tema da alegação) senão o de demonstrar que 
 não é pelas razões invocadas na decisão sumária que se chega à (impossível) 
 conclusão da não inconstitucionalidade daquelas normas. 
 
 4ª A decisão sumária sustenta a tese da não inconstitucionalidade das normas em 
 causa em duas ordens de razões, a saber: 
 a) Inexiste inconstitucionalidade porque a celebração de contratos de 
 arrendamento corresponde a uma forma socialmente útil de fruição do direito de 
 propriedade não podendo dizer-se que o prolongamento da duração do arrendamento 
 tenha por efeito necessário tomar irrisória a contrapartida pela cedência do 
 gozo da coisa; 
 b) Inexiste ainda inconstitucionalidade porque, no arrendamento para habitação, 
 a regulamentação favorável ao inquilino tem imediato respaldo na consagração 
 constitucional do direito à habitação, não se apresentando a renovação 
 obrigatória para lá dos trinta anos como uma solução destituída de fundamento ou 
 obedecer a um critério legislativo manifestamente desrazoável e inadequado. 
 
 5ª A ideia de que o caso se resolve colocando a questão ao nível do “direito de 
 fruição”, entendido este como um dos “direitos” em que se desdobra o direito de 
 propriedade tal como o seu conteúdo aparece definido no artº 1305 do Cód. Civil 
 esquece que, no feixe de direitos em que se analisa aquele conteúdo, assume 
 tanto relevo o direito de fruição, como o direito de disposição como, e até 
 antes de todos, o direito de uso. 
 
 6ª Ao contrário do direito de fruição que corresponde, nos termos do artº 212º 
 do Cód. Civil, ao poder de colher os frutos naturais (os que provém directamente 
 da coisa) ou civis (as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência 
 de uma relação jurídica) que a coisa proporciona, o direito de uso corresponde à 
 primeira vantagem que o titular do direito de propriedade pode extrair da coisa 
 que é sua, sendo ele, antes que qualquer dos outros, aquele em onde se reflecte, 
 mais se vê e mais se mede o domínio do proprietário sobre a coisa em relação à 
 qual incide o direito real de que é titular. Ora, 
 
 7ª A continuidade obrigatória do arrendamento para além dos trinta anos fixados 
 no artº 1025 do Código Civil releva, se não releva do direito de fruição da 
 coisa, releva, pelo menos e decisivamente, do uso que dela quer fazer ou pode 
 querer fazer o senhorio/proprietário. 
 
 8ª Colocar a questão, como fez a decisão sumária, ao nível do direito de fruição 
 
 é colocá-la na sede errada, deixando o intérprete cair num erro hermenêutico 
 grave que é este: não se responde às objecções relativas ao direito de uso, com 
 argumentos que, quando muito, seriam exclusivos do direito de fruição. 
 
 9ª Se a continuação do arrendamento, do ponto de vista do direito de fruição, 
 não se analisa, porventura, numa decisão desrazoável e inadequada, quando olhada 
 do ponto de vista do direito de uso ela é absolutamente inaceitável à luz da 
 tutela constitucional do direito de propriedade por significar, para o senhorio, 
 o sacrifício total do seu direito de propriedade. É que, 
 
 10ª Mais de trinta anos de privação do uso por imposição da lei e contra vontade 
 do senhorio, corresponde, por ser o tempo de uma geração, ao sacrifício do seu 
 
 “tempo de proprietário, analisando-se numa “feudalização” da propriedade em 
 favor do inquilino, proibida pelo artº 1025º do Código Civil que acolhe um 
 sentido de liberdade do prédio que está contido no conceito constitucional do 
 direito de propriedade a que se refere o artº 62º da Constituição da República.
 
 11ª Nos termos do disposto no artº 18º da Lei Fundamental, a limitação de um 
 direito por força do conflito com outro direito constitucionalmente garantido 
 não pode obter-se com o sacrifício total de um, devendo a limitação ser de ambos 
 com vista à preservação, comprimidamente embora, dos dois. 
 
 12ª Impor ao senhorio a continuidade do arrendamento para lá dos trinta anos sob 
 o pretexto da prevalência do direito social à habitação envolveria sacrificar 
 em absoluto o direito de propriedade do senhorio em violação do artº 18º da 
 Constituição que manda, embora com compreensão, que se salvem os dois. 
 
 13ª Em tal hipótese, o sacrifício total do direito de propriedade decorreria, a 
 partir dos trinta anos de renovação obrigatória, da inutilização de um tempo de 
 propriedade que é do senhorio, oferecendo-o, levado nas asas de uma lei iníqua, 
 aos filhos deste. 
 
 14ª Só que, o que o artº 62º da Constituição tutela, não é o futuro de direito 
 de propriedade dos filhos, senão o direito actual dos pais... 
 
 15ª Inexistindo, ao nível da tutela dos direitos fundamentais, divergências 
 entre a ordem constitucional italiana e a ordem constitucional portuguesa, não 
 deve julgar-se sumariamente um recurso nos termos do disposto no nº 1 do artº 
 
 78-A da Lei 13-A/98 de 26 de Fevereiro, tomando por não inconstitucional o que, 
 em Itália, por o ser, levou a adequada alteração da lei ordinária. 
 
 16ª Por serem subscritos pelos mesmos Ilustres Senhores Conselheiros (com a 
 diferença, apenas, de serem diferentes os respectivos Relatores) os dos dois 
 Acórdãos em que sobretudo se louvou a decisão reclamada não oferecem variedade 
 plúrima de julgadores, bem podendo dizer-se, metaforicamente mas com autoridade, 
 que não existem dois, mas apenas um só acórdão a dar existência ao precedente. 
 
 17ª Nada justificava, pois, que fosse proferida decisão sumária, cerceando ao 
 Recorrente o direito de ver julgado o seu recurso com a reflexão e com o voto de 
 todos e cada um dos Senhores Conselheiros que compõem a Secção do Tribunal 
 Constitucional a que o recurso se acha distribuído. 
 
 18ª Foi, pois, violado o nº 1 do artº 78-A da LTC, na redacção da Lei 13-A/98 de 
 
 26 de Fevereiro.”
 
  
 Os recorridos foram notificados da reclamação e não apresentaram qualquer 
 resposta.
 
  
 
                                                     *
 Fundamentação
 No caso concreto, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 78.º-A, da LTC, o 
 relator julgou improcedente o recurso mediante prolação de decisão sumária 
 fundada na circunstância da questão de constitucionalidade a decidir ser 
 simples, nomeadamente por a mesma já ter sido objecto de duas decisões 
 anteriores do Tribunal Constitucional, cujo conteúdo veio a merecer a 
 concordância do referido relator.
 O recorrente reclamou da referida decisão para a presente conferência sob a 
 alegação de que houve violação do disposto no aludido n.º 1, do artigo 78.º-A, 
 da LTC.
 Por um lado, o reclamante entende que as razões invocadas na decisão sumária 
 reclamada são insuficientes para concluir pela não inconstitucionalidade da 
 interpretação normativa aplicada na decisão recorrida, na medida em que foi 
 esquecida a relevância do direito de uso no plano da tutela constitucional do 
 direito de propriedade.
 Por outro lado, o reclamante desvaloriza a existência de duas decisões 
 anteriores do Tribunal Constitucional para efeito de prolação da decisão sumária 
 reclamada, alegadamente pela simples circunstância das mesmas terem emergido da 
 mesma secção do Tribunal e terem sido subscritas pelos mesmos juízes, não 
 obstante serem diferentes os respectivos relatores.
 Analisados os fundamentos da reclamação, importa antecipar que não assiste razão 
 ao reclamante. 
 Em primeiro lugar, importa relembrar que, de acordo com o disposto no n.º 1, do 
 artigo 78.º-A da LTC, o relator pode efectivamente proferir decisão sumária 
 quando entender que a questão de constitucionalidade é simples, designadamente 
 por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal, e que pode 
 fundamentar essa decisão por simples remissão para anterior jurisprudência do 
 Tribunal.
 Esta simplicidade que é pressuposto da emissão das “decisões sumárias” não é 
 reportada à questão de constitucionalidade em si mesma considerada. Para este 
 efeito, uma questão de constitucionalidade é considerada simples, ainda que 
 envolva eventualmente uma grande dificuldade de análise e de resolução, desde 
 que já haja sido decidida pelo Tribunal Constitucional. Nestas condições, a lei 
 permite que o Tribunal, em lugar de repetir materialmente a apreciação, julgue o 
 mérito do recurso pela mera incorporação da fundamentação já expendida em 
 decisão anterior (vide, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 257/2000, 
 acessível no site www.tribunalconstitucional.pt). Acresce que a lei equipara 
 
 “questão simples” a questão já anteriormente decidida pelo Tribunal 
 Constitucional, sem condicionar essa equiparação à inexistência de polémica ou 
 de divisão entre os juízes do Tribunal Constitucional (vide o acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 349/2006, acessível no site 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 A decisão reclamada acolheu o sentido da jurisprudência proferida, por 
 unanimidade, no seio da 3.ª Secção deste Tribunal, sobre a questão de 
 constitucionalidade suscitada pelo reclamante, num contexto em que era – e 
 continua a ser – ignorada a existência de jurisprudência deste Tribunal de 
 sentido contrário. Para esse efeito, a decisão reclamada remeteu para a 
 fundamentação de duas decisões da referida Secção – acórdãos n.º 147/2005 e 
 
 148/2005 - pela circunstância não despicienda das mesmas apresentarem uma 
 fundamentação essencialmente semelhante sem, contudo, deixarem de se revelar 
 complementares entre si, a que não é alheio o facto dos respectivos relatores 
 serem diferentes.
 Para além disso, analisada a reclamação do recorrente, a verdade é que nela não 
 se detecta a apresentação de qualquer argumento novo que não tivesse sido já 
 considerado na decisão sumária reclamada – ainda que por mera remissão para as 
 referidas decisões da 3.ª Secção deste Tribunal – e que justifique a alteração 
 do juízo de improcedência que foi proferido sobre o mérito do recurso 
 interposto.
 Especificamente no que respeita à alegada desconsideração da relevância do 
 direito de uso no complexo de direitos que integram o direito de propriedade, 
 importa ter presente que o acórdão n.º 148/2005 – cuja fundamentação foi 
 assumida pela decisão sumária reclamada – não omitiu o tratamento desta questão, 
 uma vez que não deixou de afirmar a seu respeito: 
 
 “(...) Não definindo o texto constitucional o que deva entender-se por direito 
 de propriedade, não há inteira coincidência a propósito da extensão e 
 compreensão de tal conceito. 
 Contudo, uma primeira ideia é certa: quando o artigo 62.º garante o direito à 
 propriedade privada “nos termos da Constituição” quer sublinhar que o direito de 
 propriedade não é garantido em termos absolutos, mas dentro dos limites e nos 
 termos previstos noutros lugares do texto constitucional. Como o Tribunal disse 
 logo no Acórdão n.º 76/85, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de 
 Junho de 1985, a velha concepção clássica da propriedade, o jus utendi, fruendi 
 ac abutendi individualista e liberal, foi cedendo o passo a uma concepção nova 
 daquele direito em que avulta a sua função social. O próprio projecto económico, 
 social e político da Constituição implica um estreitamento do âmbito de poderes 
 tradicionalmente associados à propriedade privada e a admissão de limitações ou 
 condicionamentos, quer a favor do Estado ou da colectividade, quer a favor de 
 terceiros, das liberdades de uso, fruição e disposição (cfr., de entre outros, 
 Acórdão n.º 866/96, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 34º, p. 53 e 
 ss.).
 Também não sofre dúvidas que a Constituição garante explicitamente no art.º 
 
 62.º três componentes: (i) o direito de aceder à propriedade; (ii) o direito de 
 não ser arbitrariamente privado da propriedade; (iii) o direito de transmissão 
 da propriedade inter vivos ou mortis causa. Já o direito de usar e fruir os bens 
 de que se é proprietário, que é a outra componente do direito de propriedade, 
 não é explicitamente destacada neste preceito constitucional. 
 
 (...)
 
 É certo que a verificação de que a Constituição não define o conteúdo do 
 direito de propriedade e que o direito de usar e fruir os bens de que se é 
 proprietário não está explicitamente contemplada no artigo 62.º não conduz a que 
 o legislador possa modelar o direito de propriedade de modo a despojá-lo de um 
 conteúdo mínimo de faculdades sem o qual o direito subjectivo ficaria aniquilado 
 e a própria garantia de instituto perderia substância. Afinal, será esse âmbito 
 de protecção que os recorrentes querem dizer que não está salvaguardado quando 
 afirmam que a solução normativa questionada constitui uma “autêntica 
 expropriação”.
 Porém, no complexo de direitos e obrigações do locador, a norma em causa não tem 
 tal alcance de tornar irrisório o conteúdo do direito de propriedade.
 Em primeiro lugar, embora não possa escamotear-se, como se ponderou no Acórdão 
 n.º 263/2000, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., págs. 363 e segs., 
 que, na prática, a transmissão de um prédio urbano dado de arrendamento se 
 antevê mais dificultosa relativamente a um outro que se não encontre «onerado» 
 com um tal tipo de contrato e que, dados os condicionamentos da actualização das 
 rendas, a sua fruição se pode apresentar como menos proveitosa, a circunstância 
 de o arrendamento se prolongar ilimitadamente – salvo outros casos de denúncia 
 ou resolução – não interfere com o núcleo essencial do direito de propriedade 
 dos senhorios, que continuam a extrair do imóvel o proveito económico que 
 corresponde a uma forma típica de exploração desse tipo de bens. 
 Além disso, não é exacto que o facto de a lei não reconhecer ao locador a 
 faculdade de denúncia com fundamento no facto de o contrato completar, com a 
 
 última prorrogação forçada, o período da duração máxima de locação, equivalha a 
 negar-lhe em absoluto o direito de recuperar o gozo directo da coisa locada. 
 Além dos casos de resolução do contrato – e pelo menos um deles, a resolução com 
 fundamento na realização de obras não autorizadas, tem como fundamento último 
 continuar a pertencer ao proprietário o poder de transformação (cfr. José 
 Oliveira Ascensão e Luís Menezes Leitão, O Direito, n.º 125, p. 427 ) – o 
 locador conserva a possibilidade de recuperar o prédio por denúncia do contrato 
 nas hipóteses previstas actualmente no artigo 69.º do RAU.
 Tanto basta para considerar que a norma que se extrai da conjugação dos art.ºs 
 
 1025.º, 1051.º, alínea a) e 1054º, n.º 1, do Código Civil, interpretados no 
 sentido de que o senhorio não goza de direito de denúncia com fundamento em se 
 terem completado 30 anos de duração do contrato de arrendamento, não viola o 
 disposto no art.º18.º, n.º2, com referência ao artigo 62.º da Constituição.”
 Aderindo-se mais uma vez à jurisprudência constitucional assumida e integrada na 
 fundamentação da decisão sumária reclamada, impõe-se concluir que, diversamente 
 do alegado pelo reclamante, não houve qualquer violação do disposto no n.º 1, do 
 artigo 78.º-A, da LTC, devendo ser indeferida a reclamação apresentada.
 
  
 
                                                     *
 
  
 Decisão
 Pelo exposto, acorda-se em indeferir a reclamação apresentada por A. da decisão 
 sumária proferida nestes autos em 9 de Abril de 2008. 
 
  
 
                                                     *
 Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artº 7º, do mesmo diploma).
 
  
 
                                                     *
 Lisboa, 29 de Maio de 2008
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos