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Processo n.º 560/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório 
 
  
 
             1 – A., com os demais sinais dos autos, reclama para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho que não lhe admitiu o 
 recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de 1 de Abril de 2008.
 
  
 
             2 – Com interesse para o caso sub judicio, impõe-se relatar:
 
             2.1 – Inconformada com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça de 22 de Janeiro de 2008 (fls. 1040 a 1058), a reclamante interpôs 
 recurso para uniformização de jurisprudência, no qual concluiu, entre o mais, 
 que:
 
        “[...]
 
        M. Nos termos do artigo 732.º-A, n.º 2, do CPC, e por imposição 
 constitucional, pode ser requerido o julgamento com vista à uniformização de 
 jurisprudência pelo Pleno das Secções Cíveis após notificação de Ac. que 
 contraria jurisprudência anterior, por ser inconstitucional o artigo 732.º-A, 
 n.º 2, se interpretado no sentido de que o requerimento ali referido não pode 
 ser requerido após proferido o Acórdão requerido.
 
        N. Acresce, ainda, que nos termos do artigo 763.º, n.º 1, do CPC, na 
 redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, se admite, 
 a partir de 1 de Janeiro de 2008, o recurso para o pleno das secções cíveis em 
 caso de contradição de acórdãos, consagrando-se expressamente o direito 
 processual a que se fez referência e que decorre da Constituição.
 
        O. Sendo inconstitucional o artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 303/2007, de 25 de Agosto, por violação do princípio da igualdade e de acesso ao 
 direito, se interpretado no sentido de que apenas as partes nos processos 
 iniciados após 1 de Janeiro de 2008 podem ver reapreciadas as decisões 
 contrárias a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que lhes sejam 
 desfavoráveis no processo”.
 
             
 
 2.2 – Por acórdão de 1 de Abril de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu 
 o requerimento para uniformização de jurisprudência, deixando consignados os 
 seguintes fundamentos:
 
             “[...]
 
 «O art. 732° A nº 1 do C.P.Civil determina que “o Presidente do Supremo Tribunal 
 de Justiça determinará, até à prolação do acórdão, que o julgamento do recurso 
 se faça com intervenção do plenário das secções cíveis, quando tal se revele 
 necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência”. 
 Desta disposição decorre que o julgamento ampliado de revista só poderá ser 
 efectuado até à prolação do acórdão, o que não sucede no caso vertente, dado que 
 a decisão já foi proferida. Trata-se de uma espécie de recurso ordinário se bem 
 que revestindo uma forma mais solene, dada a intervenção do plenário das secções 
 cíveis. Não se pode, de forma alguma, através do argumento de uma uniformização 
 de jurisprudência, “inventar-se” uma quarta instância de recurso. Porque o 
 julgamento ampliado de revista apenas poderá ser efectuado até à pronúncia do 
 acórdão, o correspondente recurso não tem (nem pode ter), obviamente, por 
 objecto o acórdão do STJ proferido. 
 
 É pois inadmissível por intempestivo, face ao disposto naquela disposição, o 
 pretendido julgamento ampliado de revista para uniformização de jurisprudência. 
 Sustenta ainda a recorrente que o art. 732° A nº 2 será inconstitucional se 
 interpretado no sentido de que o requerimento ali referido, não pode ser 
 requerido após proferido o acórdão recorrido. 
 Diga-se desde já que a recorrente não justifica essa sua conclusão. 
 Designadamente não justifica por que razão jurídica e em que medida a 
 interpretação que se faz da disposição, viola um preceito constitucional. 
 Fica-se com a menção vaga de que tal interpretação é inconstitucional “por estar 
 em contradição com jurisprudência anterior ao nível do Supremo Tribunal de 
 Justiça”, fazendo anteriormente uma referência genérica aos arts. 20° nº 1 e 13° 
 da Constituição e aos princípios (gerais) que deles decorrem. 
 Esta omissão seria já suficiente para indeferir essa arguição de 
 inconstitucionalidade. 
 Mas diremos mais, dado que a disposição, com a interpretação que fazemos, não é 
 inconstitucional, como o Tribunal Constitucional já se pronunciou. 
 Na verdade, sobre a inconstitucionalidade da mencionada disposição e num caso 
 idêntico, o Tribunal Constitucional, no acórdão 261/02 de 18-6-2002 (in 
 http.w3.tribunalconstitucional.pt/asp/renAdv.search2.asp) referiu o seguinte: 
 
 “É o artigo 732°-A do Código de Processo Civil inconstitucional, por violação do 
 artigo 20°, nº 1 da Constituição, quando interpretado em termos de o 
 requerimento das partes a que se refere o nº 2 apenas poder ser apresentado até 
 
 à prolação do acórdão que julga a revista? Manifestamente que não. Desde logo 
 porque, como este Tribunal tem repetidamente afirmado, fora do Direito Penal não 
 resulta da Constituição, em geral, nenhuma garantia genérica de direito ao 
 recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária 
 do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente 
 consagrado no citado artigo 20° da Constituição. Como se ponderou, mais 
 recentemente, no Acórdão nº 415/01 (Diário da República, II Série, de 30 de 
 Novembro de 2001), reiterando anterior jurisprudência deste Tribunal, 
 designadamente a constante do Acórdão nº 202/99, aprovado em plenário (Diário da 
 República, II Série, de 6 de Fevereiro de 2001): 
 
 “(…) O artigo 20°, nº 1, da Constituição assegura a todos ‘o acesso ao direito e 
 aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, 
 não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. Tal 
 direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei 
 aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, 
 e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz 
 respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a 
 insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e 
 ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes 
 direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais 
 de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou 
 bastará um grau de jurisdição? A Constituição não contém preceito expresso que 
 consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo 
 administrativo, nem em processo civil, e, em processo penal, só após a última 
 revisão constitucional (constante da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de 
 Setembro), passou a incluir, no artigo 32°, a menção expressa ao recurso, 
 incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência 
 constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra 
 o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que 
 o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa 
 previstas naquele artigo 32°. Para além disso, algumas vozes têm considerado 
 como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático 
 o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias 
 constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este 
 respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António 
 Vitorino, respectivamente no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão nº 202/90, id., vol. 16, pág. 
 
 505). Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá 
 suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer”. Na verdade, este 
 Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito 
 Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a 
 Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de 
 Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribuna! Constitucional 
 
 - artigo 210°), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá 
 suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr., a este 
 propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 
 
 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê 
 expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está 
 impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e 
 qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de 
 regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a 
 recorribilidade das decisões (cfr. os citados Acórdãos nº 31/87, 65/88, e ainda 
 
 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12, pág. 569); sobre o direito 
 
 à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos nº 359/86, (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 8, pág. 605), nº 24/88, (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vo!. 11, pág. 525), e nº 450/89, (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 13, pág. 1307). 
 
 (...)“... Assim, já no Acórdão nº 574/98 (Acórdãos, 41°, 149, 162) se afirmou 
 
 “que não existe na Lei Fundamental um preceito ou princípio que imponha, dentro 
 do processo civil, a existência de um recurso para uniformização de 
 jurisprudência “ O que vai dito, que mantém inteira validade, é suficiente para 
 concluir pela improcedência da alegação do recorrente. Efectivamente, a 
 exigência de que o requerimento a que se refere o nº 2 do artigo 732°-A do CPC 
 seja apresentado até à prolação do acórdão final pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, como condição de admissibilidade do julgamento ampliado de revista para 
 efeitos de uniformização de jurisprudência, situa-se claramente dentro da margem 
 de liberdade de conformação dos recursos que, como vimos, a Constituição confere 
 ao legislador ordinário. A concluir, apenas se acrescenta que também não procede 
 a alegação de que na prática tal solução normativa inviabilizará a possibilidade 
 de as partes requererem o julgamento ampliado de revista, por só poderem ter 
 conhecimento da “possibilidade de vencimento da solução jurídica que esteja em 
 oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma 
 legislação e sobre a mesma questão de direito”, que é pressuposto daquele 
 julgamento ampliado de revista, já depois de proferida a decisão final. Como, 
 muito bem, se demonstra no acórdão recorrido – e tem também sido afirmado 
 repetidamente por este Tribunal Constitucional a propósito da exigência de 
 suscitação da questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão 
 recorrida – é efectivamente exigível às partes que analisem as diversas 
 possibilidades interpretativas que previsivelmente possam vir a ser utilizadas 
 pelo tribunal de forma a adoptarem as necessárias precauções, de modo a poderem, 
 em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, 
 salvaguardar a defesa dos seus direitos. Por tudo o exposto, e sem necessidade 
 de mais considerações, por desnecessárias, é efectivamente de negar provimento 
 ao recurso”, pelo que se decidiu “a) não julgar inconstitucional, por violação 
 do artigo 20°, nº 1, da Constituição, o disposto no artigo 732°-A do Código de 
 Processo Civil, quando interpretado em termos de o requerimento das partes a que 
 se refere o seu nº 2 apenas poder ser apresentado até à prolação do acórdão que 
 julga a revista; b) em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a 
 decisão recorrida quanto ao juízo de constitucionalidade que nela se formula”. 
 De sublinhar, pois, que fora do Direito Penal não resulta da Constituição 
 nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais. Por outro 
 lado, o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente 
 consagrado no citado artigo 20° da Constituição (que “assegura a todos o acesso 
 ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente 
 protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios 
 económicos”) não consagra o direito ao recurso para um outro tribunal, sendo 
 também certo que não existe disposição expressa na Constituição que imponha o 
 direito de recurso em processo civil, apesar de em processo e em matéria penal, 
 o artigo 32° estabelecer o duplo grau de jurisdição. Alguns autores têm 
 considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito 
 democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e 
 garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal. Em relação 
 aos restantes casos (como é o caso dos autos) tem-se entendido que o legislador 
 apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. 
 Isto porque a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso. Mas 
 considera-se que o legislador ordinário tem ampla margem de conformação do 
 
 âmbito dos recursos. 
 Não ocorre, portanto, a inconstitucionalidade invocada pela recorrente. 
 Defende também a recorrente a aplicação ao caso, da uniformização de 
 jurisprudência a que alude o art. 763°, na redacção introduzida pelo Dec-Lei 
 
 303/2007 de 24/8. 
 Sucede que esta disposição não tem aplicação ao caso vertente, visto que o art. 
 
 11º nº 1 da disposição, expressamente refere que as disposições do decreto-lei 
 não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, ou seja, 
 
 1-1-2008 (art. 12° nº 1 do mesmo diploma), como sucede com o presente caso. 
 Isto mesmo parece reconhecer a recorrente, visto que sustentou que o art. 11° nº 
 
 1 referido é inconstitucional, por violação do princípio do princípio da 
 igualdade e acesso ao direito, se interpretado no sentido de que apenas as 
 partes nos processos iniciados a 1-1-2008 podem ver reapreciadas as decisões, 
 contrárias a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que lhes sejam 
 desfavorável no processo. 
 Também aqui carece a recorrente de razão, uma vez que consideramos que a 
 disposição em causa não é inconstitucional. 
 Quanto ao princípio de acesso ao direito invocado pelo recorrente, remete-se 
 para o que acima se disse sobre o preceito constitucional que consagra o 
 princípio (art. 20° da Constituição). 
 Quanto ao princípio de igualdade, que tem consagração constitucional no art. 13° 
 da Lei Fundamental, referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição 
 da Republica Portuguesa Anotada - Vol. 1, 3 edição revista, 1993, págs. 126 e 
 
 127, tal princípio “tem a ver fundamentalmente com igual posição em matéria de 
 direitos e deveres (daí a sua colocação sistemática nesta sede nesta sede de 
 princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais). Essencialmente, ele 
 consiste em duas coisas: proibição de privilégios ou benefícios no gozo de 
 qualquer direito ou na isenção de qualquer dever; proibição de prejuízo ou 
 detrimento na privação de qualquer direito ou na imposição de qualquer dever 
 
 (n°2). No fundo, o princípio da igualdade traduz-se na regra da generalidade na 
 atribuição de direitos e na imposição de deveres. Em princípio, os direitos e 
 vantagens devem beneficiar a todos; e os deveres e encargos devem impender sobre 
 todos. O conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade tem vindo 
 progressivamente a alargar-se, de acordo com a síntese dialéctica dos «momentos» 
 liberais, democráticos e sociais. O seu âmbito de protecção abrange na ordem 
 constitucional portuguesa as seguintes dimensões: (a) proibição do arbítrio, 
 sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação 
 razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente 
 relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente 
 desiguais; (b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer 
 diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente 
 subjectivas ou em razão dessas categorias (cfr. nº 2, onde se faz expressa 
 menção de categorias subjectivas que historicamente fundamentaram 
 discriminações); (c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a 
 desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes 
 públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural 
 
 (cfr., por ex., arts. 9°/d ef, 58°-3/b e 74°-1). 
 Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 17-2-2005 (in Col. Jur. Acs. 
 do STJ, 2005, Tomo 1, pág. 86) o princípio da igualdade “não exige uma paridade 
 absoluta de tratamento das situações, mas apenas o tratamento igual de situações 
 iguais entre si e um tratamento desigual de situações desiguais, de modo que a 
 disciplina jurídica prescrita seja igual quando uniformes as condições 
 objectivas das hipóteses ou previsões regulares quando falte tal uniformidade, 
 que também não há violação do princípio de igualdade quando a diferenciação de 
 tratamento de situações aparentemente iguais se baseie em razões ponderosas e 
 não em fundamentos meramente arbitrários ou desrazoáveis, traduzindo impulsos 
 momentâneos ou caprichosos, sem sentido e consequência”. 
 De um modo sintético, poder-se-á dizer que o princípio da igualdade impõe um 
 tratamento igualitário de todas as pessoas. Não proíbe que a situações diversas 
 seja dado um tratamento diferenciado. O que se proíbe é o arbítrio, consistente 
 em dar tratamento diverso a situações absolutamente análogas. 
 Para a questão específica levantada, convém também sublinhar que não existe 
 qualquer limite objectivo na Constituição sobre a aplicação da lei processual no 
 tempo, nem aí existe qualquer imposição quanto à necessidade de existência de 
 recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência. 
 Este princípio não foi violado, porque a todos é aplicável o mesmo acervo de 
 normas. O que sucede é que o legislador ordinário entendeu modificar o regime 
 dos recursos. Evidentemente que a regulamentação de impugnação das decisões deve 
 efectivar-se globalmente, aplicando-se a todos os casos que a lei indicar. Como 
 se disse acima, embora a Constituição preveja expressamente os tribunais de 
 recurso, o legislador ordinário tem ampla margem de conformação do seu âmbito. 
 Assim, esse legislador tem liberdade para determinar e disciplinar as regras de 
 recurso, estabelecendo designadamente as normas determinativas dos diversos 
 graus de jurisdição. Obviamente, as normas aplicar-se-ão a todos os casos 
 expressos, sem qualquer discriminação ou distinção. 
 
  Por conseguinte, não se vê que a norma indicada viole o princípio da igualdade, 
 visto que não se vê que o tratamento igualitário a todos os sujeitos processuais 
 que estejam em condições de dela poder usufruir, se não verifique. 
 O entendimento da recorrente é destituído de sentido dado que, levando às 
 
 últimas consequências a sua teoria, todas as causas seriam passíveis de recurso 
 até ao Supremo Tribunal, sendo que qualquer afastamento, por exemplo, em razão 
 do valor, violaria o dito princípio da igualdade. 
 Não ocorre pois a invocada inconstitucionalidade.».
 
  
 
             2.3 – Notificada desse aresto, a reclamante interpôs, ao abrigo do 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, recurso para o Tribunal Constitucional 
 pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma “constante do artigo 
 
 732.º-A, do Código de Processo Civil (CPC), quando interpretado em termos de o 
 requerimento das partes a que se refere o n.º 2 apenas poder ser apresentado até 
 
 à prolação do Acórdão que julga a revista” e do “artigo 11.º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que reserva a possibilidade de 
 recurso para uniformização de jurisprudência, com base na nova redacção do 
 artigo 763.º do Código de Processo Civil, aos processos iniciados após 1 de 
 Janeiro de 2008”.
 
             2.4 – Perante o requerido, foi proferido o seguinte despacho:
 
             “Não admito o recurso para o Tribunal Constitucional porque, a meu 
 ver, o mesmo não é admissível. É que a inconstitucionalidade não foi suscitada 
 no decurso do processo (‘maxime’ nas alegações de recurso) mas apenas após a 
 prolação do acórdão (art. 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15/11)”.
 
  
 
             2.5 – Na sequência, foi deduzida a presente reclamação nos termos do 
 disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, na qual se alegou:
 
 «1.º
 O despacho de que se reclama não admitiu o recurso, afirmando que “a 
 inconstitucionalidade não foi suscitada no decurso do processo (“maxime” nas 
 alegações de recurso), mas apenas após a prolação da decisão (art. 70.º, n.º1 
 alínea b) da Lei 28/82 de 15/11)”.
 
  
 
 2.º
 Com efeito, a invocada norma da lei 28/82, de 15.11, impõe que a questão de 
 constitucionalidade que se quer ver apreciada seja preexistente ao recurso para 
 o Tribunal Constitucional, ou seja, não se pode recorrer para esse Venerando 
 Tribunal pedindo a apreciação de questão nova, que no processo nunca tivesse 
 surgido.
 
  
 
 3.º
 No entanto, não é verdade que, no caso presente, a questão da 
 inconstitucionalidade não tenha sido atempadamente suscitada, como se 
 demonstrará, relatando a sequência processual ocorrida.
 
  
 
 4.º
 Neste já longo processo, a Autora, ora reclamante, pede a devolução em dobro do 
 sinal que entregou ao abrigo de um contrato-promessa de compra e venda de uma 
 fracção autónoma, contrato esse incumprido pelos Réus, que nunca marcaram a 
 escritura de compra e venda que formalizaria o contrato definitivo.
 
  
 
  
 
 º (sic)
 Em primeira instância, foi decidido que não haveria lugar à devolução em dobro 
 do sinal, mas que poderia ser pedida a repetição do sinal pago ao abrigo do 
 instituto do enriquecimento sem causa.
 
  
 
 5.º
 Em segunda instância, foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que não 
 haveria lugar à devolução do sinal em dobro mas haveria direito a reaver o sinal 
 pago, por não ter havido incumprimento do promitente-comprador. Desta decisão 
 recorreram ambas as partes.
 
  
 
 6.º
 Tendo vindo a recair sobre a questão acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que 
 declarou a acção totalmente improcedente, não reconhecendo sequer à A. o direito 
 a reaver em singelo o sinal por si pago.
 
  
 
 7.º
 Este acórdão causou, e causa, grande perplexidade à A., a qual nunca pensou ser 
 possível uma tal decisão.
 
  
 
 8.º
 E tal pensamento nunca lhe ocorreu pelos seguintes motivos:
 
  - Nunca assim foi decidido pelas instâncias anteriores;
 
  - A decisão é contrária à lei;
 
  - A decisão é contrária a decisões jurisprudenciais anteriores proferidas por 
 tribunais superiores;
 
  - A decisão é flagrantemente injusta.
 
  
 
 9.º
 Não se podendo conformar com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal, a A. 
 requereu que a questão fosse apreciada em julgamento ampliado de revista para 
 uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 732.º-A do CPC.
 
  
 
 10.º
 Nesse seu requerimento, a A., prevendo que pudesse ser interpretado o n.º 2 do 
 referido artigo 732.º-A do CPC no sentido de não admitir o requerimento de 
 julgamento ampliado de revista após a prolação do acórdão, invocou que uma tal 
 interpretação seria inconstitucional.
 
  
 
  
 
 11.º
 Tendo essa invocação sido feita de modo pormenorizado, com indicação dos 
 preceitos constitucionais violados pela interpretação em causa.
 
  
 
 12.º
 O requerimento de julgamento ampliado de revista apresentado pela A. veio, 
 efectivamente, a ser indeferido, com fundamento precisamente na interpretação 
 legal cuja inconstitucionalidade tinha sido apontada pela A.
 
  
 
 13.º
 Desse indeferimento veio a A. apresentar recurso para o Tribunal Constitucional, 
 alegando para o efeito que o despacho de indeferimento tinha aplicado uma norma 
 cuja constitucionalidade tinha sido posta em causa anteriormente.
 
  
 
 14.º
 Sobre o requerimento de interposição de recurso veio a recair a decisão de o 
 mesmo não ser admissível, nos termos já transcritos.
 
  
 
 15.º
 Ora, do relato que acabámos de fazer resulta à saciedade que a questão da 
 inconstitucionalidade foi suscitada no processo, nomeadamente, foi suscitada a 
 inconstitucionalidade da norma antes de essa mesma norma ser aplicada.
 
  
 
  
 Não se tratando de caso em que, tendo sido proferida uma decisão com determinado 
 fundamento normativo, tenha uma parte decidido dela recorrer para o Tribunal 
 Constitucional com fundamento em inconstitucionalidade da norma aplicada, sem 
 que tal inconstitucionalidade tivesse até então sido questionada. Neste caso, 
 sim, não deveria o recurso ser admitido.
 
  
 
 16.º
 O artigo 70.º, n.º 1, al. b) da Lei 28/82 diz serem recorríveis as decisões “que 
 apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo”, exactamente para prevenir que cheguem potencialmente à apreciação do 
 Tribunal Constitucional todos os processos judiciais, para tanto bastando 
 pretender ver apreciada uma qualquer norma jurídica aplicada in casu.
 
  
 
 17.º
 Sendo que não é esta a situação dos presentes autos, não tendo a A. discutido a 
 questão da constitucionalidade apenas no recurso para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
 18.º
 Diz a decisão sob censura que a questão da inconstitucionalidade não foi 
 suscitada no decurso do processo, mas apenas após a prolação da decisão.
 
  
 
 19.º
 Parecendo com esta afirmação entender que o “processo” terminou com a prolação 
 do acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 
 20.º
 Se o decurso do processo fosse entendido como terminando nesse momento, 
 assistiria realmente razão à decisão, pois a constitucionalidade do n.º 2 do 
 artigo 732.º-A do CPC nunca foi discutida antes do acórdão final.
 
  
 
  
 
  
 
 21.º
 Mas uma tal interpretação significaria também que a constitucionalidade do n.º 2 
 do artigo 732.º-A do CPC, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo 
 Tribunal, nunca poderá ser objecto de fiscalização concreta.
 
  
 
 22.º
 Isto porque nunca, no decurso de um processo, haverá ocasião de aplicar – e logo 
 de discutir – a norma em questão.
 
  
 
 23.º
 Pelo que, com respeito por opinião contrária, se afigura ilógico pretender, como 
 o faz o despacho censurado, que a presente questão de inconstitucionalidade 
 deveria ter sido suscitada “ “maxime” nas alegações de recurso”.
 
  
 
 24.º
 Isto porque a A. não poderia então saber ou suspeitar que iria ser proferido 
 acórdão nos termos em que o foi, do qual viesse a pretender o julgamento de 
 revista ampliado para uniformização de jurisprudência.
 
  
 
 25.º
 Sendo que, se tivesse antecipado tal possibilidade – antecipação essa que não 
 lhe seria sequer exigível - o que teria feito seria requerer logo então esse 
 julgamento ampliado.
 
  
 
 26.º
 A A. discutiu a constitucionalidade da norma na primeira ocasião em que tal 
 norma se tornou relevante, antecipando mesmo a interpretação cuja 
 constitucionalidade questiona e que veio a ser seguida.
 
  
 
 27.º
 Pelo que se deve considerar preenchida a previsão da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei 28/82.»
 
  
 
             2.6 – Já neste Tribunal, o representante do Ministério Público, 
 pugnou pelo indeferimento da reclamação, aduzindo a seguinte fundamentação:
 
 «As questões de constitucionalidade suscitadas pela ora reclamante têm uma 
 dimensão exclusivamente adjectiva, não se relacionando com o mérito da causa, 
 mas apenas com os mecanismos processuais susceptíveis de facultarem ao 
 interessado a resolução de pretensos conflitos jurisprudenciais: e, nesta 
 perspectiva, entendemos que foram oportunamente suscitadas, na peça processual 
 através da qual se pretenderam precisamente accionar tais mecanismos processuais 
 
 (julgamento ampliado da revista e recurso para o Plenário do STJ, baseado em 
 alegado conflito jurisprudencial).
 Sucede, porém, que ambas as questões se configuram, a nosso ver, como 
 manifestamente infundadas, face, nomeadamente, ao entendimento da jurisprudência 
 constitucional sobre tal tema – o que sempre conduziria à não admissão do 
 recurso (art. 76º, vº 2, “in fine”, da Lei nº 28/82).
 Na verdade, quanto à questão reportada à norma do art. 732º-A do CPC, ela já foi 
 objecto de um julgamento de não inconstitucionalidade, através do acórdão nº 
 
 261/02, para cuja fundamentação – não abalada pela argumentação da reclamante – 
 inteiramente se remete.
 Quanto à questão de constitucionalidade reportada à norma de direito transitório 
 especial, contida no art. 11º, nº 1, do DL nº 303/07 é igualmente ostensiva a 
 sua falta de fundamentação, não se vislumbrando qualquer razão que, por força da 
 Lei Fundamental, impusesse ao legislador uma aplicação imediata ou retrospectiva 
 das novas soluções adoptadas quanto ao recursos cíveis. Note-se que, em rigor, o 
 que a reclamante pretende questionar não é tanto aquela norma de direito 
 transitório, mas antes a inexistência – após a reforma de 1995/96 – da via 
 recursória ora represtinada para as acções novas: o recurso para uniformização 
 de jurisprudência, traduzido num novo e adicional grau de jurisdição. Ora, para 
 além de não identificar adequadamente a “base normativa” deste regime (que 
 naturalmente transcende o plano da citada norma de direito transitório), 
 importará realçar o decidido por este Tribunal Constitucional no acórdão nº 
 
 574/98, do qual se infere que não existe na Constituição um preceito ou 
 princípio que necessariamente imponha, dentro do processo civil, a existência de 
 um recurso para uniformização da jurisprudência.
 Deste modo – e com este fundamento – somos de parecer que a presente reclamação 
 deverá ser rejeitada.»
 
  
 
             2.7 – Notificada para responder, a reclamante contrapôs os 
 argumentos que se transcrevem:
 
 «1º
 A recorrente requereu a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional 
 com base na inconstitucionalidade de uma determinada norma de natureza 
 processual.
 
  
 
 2.º
 O seu requerimento de interposição de recurso veio a ser indeferido, com 
 fundamento – sendo esse o único fundamento invocado – na intempestividade da 
 invocação da questão de constitucionalidade.
 
  
 
 3.º
 Confrontada com a não admissão do recurso, a recorrente apresentou reclamação, 
 ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei 28/82, de15 de Novembro.
 
  
 
 4.º
 Para fundamentação da reclamação apresentada, a recorrente discorreu sobre o 
 ponto que fundou a não admissão do recurso: o momento da suscitação da questão 
 de constitucionalidade.
 
  
 
 5.º
 Não tendo referido qualquer outra questão, pois, como referido, apenas nesta se 
 baseou a decisão de não admissão do recurso.
 
  
 
 6.º
 Chamado a pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso, o Digníssimo 
 representante do Ministério Público vem dizer duas coisas:
 a)      A questão da constitucionalidade foi oportunamente suscitada.
 b)      Apesar disso, o recurso não deveria ter sido admitido por ser 
 manifestamente infundado, pelo que a presente reclamação deve ser rejeitada.
 
  
 
  
 
 7.º
 Com todo o respeito por opinião contrária, a recorrente entende que o parecer do 
 Ministério Público se pronuncia sobre aspectos que não poderia abordar.
 
  
 
 8.º
 Com efeito, em causa na presente reclamação está apenas um ponto: averiguar do 
 acerto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso com 
 fundamento na falta de oportuna suscitação da questão de constitucionalidade.
 
  
 
 9.º
 E quanto a esse ponto o parecer do Ministério Público é claro: tal decisão foi 
 errada, pois a questão foi oportunamente suscitada.
 
  
 
 10.º
 Não está agora em causa saber se a decisão do STJ sempre deveria ter sido a de 
 não admissão por manifesta improcedência, pois tal decisão não foi tomada por 
 quem tinha competência para o fazer.
 
  
 
 11.º
 Sendo que não será lícito confrontar a recorrente com o indeferimento da 
 reclamação por si apresentada com base em fundamento sobre o qual não teve 
 oportunidade de alegar aquando da motivação dessa mesma reclamação: a tal se 
 opõe o princípio da proibição de decisões surpresa.
 
  
 
 12.º
 A procedência ou improcedência do recurso (manifestas ou não) têm momentos 
 próprios para ser analisadas, não sendo certamente adequado para o fazer o 
 momento presente, em que apenas se discute o acerto da decisão relativa à 
 intempestividade da problematização constitucional.
 
  
 
  
 
 13.º
 Pelo que, na decisão que recair sobre a presente reclamação, se deverá 
 desconsiderar o conteúdo do parecer o Ministério Público que se contém nos 
 parágrafos segundo e seguintes do mesmo.
 
  
 
 14.º
 Tendo somente em consideração o conteúdo do primeiro parágrafo desse parecer, 
 decidindo-se de acordo com o entendimento aí expendido de ter a questão 
 constitucional sido oportunamente suscitada.»
 
             
 B – Fundamentação
 
  
 
             3 – Considerando as exigências determinantes da admissibilidade dos 
 recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da norma do artigo 70.º, 
 n.º 1, alínea b), da LTC, no que tange especificamente com a satisfação do ónus 
 de suscitação prévia, durante o processo, da inconstitucionalidade da(s) 
 norma(s) que constitui(em) o objecto de tal recurso, importa começar por referir 
 que, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o 
 Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994), 
 este requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a 
 inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas 
 
 “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido 
 feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”, 
 
 “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma 
 questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido 
 pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de 
 recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal 
 recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 
 
 560/94, Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º 
 
 155/95, in Diário da República, II série, de 20 de Junho de 1995). 
 No caso sub judicio, de acordo com o relatado, as questões de 
 constitucionalidade foram suscitadas pela reclamante em tempo oportuno, ou seja, 
 previamente à aplicação das referidas normas por parte do Supremo Tribunal de 
 Justiça, que delas conheceu, indeferindo-as.
 Todavia, independentemente dessa realidade, cumprirá ainda apurar se os demais 
 requisitos de admissibilidade do recurso se encontram preenchidos, dado que, em 
 face do disposto no artigo 77.º, n.º 4, da LTC, a decisão que revogar o despacho 
 de indeferimento faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso.
 E, cumprindo esse desiderato, há que analisar se as questões invocadas são, ou 
 não, manifestamente infundadas, dado que, nos termos do disposto no artigo 76.º, 
 n.º 2, da LTC, o requerimento de interposição de recurso deve ser indeferido 
 quando, tendo este sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º, da LTC, for manifestamente infundado.
 A respeito desse fundamento de não admissibilidade do recurso escreveu-se no 
 Acórdão n.º 501/94 (publicado no Diário da República II Série, de 10 de Dezembro 
 de 1994 e Acórdãos do  Tribunal Constitucional, 28º vol. pp. 537), o seguinte:
 
  
 Nos termos do disposto no artigo 76º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, o requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido, no 
 caso do recurso previsto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, 
 quando for 'manifestamente infundado' (...).
 
 [...]
 
 9. Neste domínio, é fundamental concretizar critérios de aferição do que seja um 
 
 'recurso manifestamente infundado' para delimitar tal conceito.
 
 É desde logo evidente que não se pode, em sede de reclamação, antecipar a 
 apreciação do mérito do recurso, procedendo a uma análise circunstanciada dos 
 seus fundamentos. Não constitui objecto da reclamação avaliar a atendibilidade 
 dos fundamentos do recurso, mas apenas apreciar a verificação das condições de 
 admissibilidade do recurso. Em regra, tais condições possuem natureza formal, 
 embora uma delas, concretamente a que ora nos interessa - ou seja, a de o 
 recurso não ser 'manifestamente infundado' -, tenha uma irrecusável componente 
 substantiva, na medida em que impõe uma certa avaliação dos fundamentos do 
 recurso.
 Porém, esta avaliação não pode ser idêntica à que teria lugar no julgamento do 
 próprio recurso. Não é por entender que os fundamentos do recurso improcedem que 
 o julgador pode, logo na apreciação da reclamação, considerar o recurso 
 
 'manifestamente infundado': por isso, a lei não se basta com que o recurso seja 
 
 'infundado', para determinar a não admissão do recurso e o subsequente 
 indeferimento da reclamação, mas exige que o recurso seja 'manifestamente 
 infundado'. Isto significa que o recurso só pode ser indeferido e a reclamação 
 desatendida se uma avaliação sumária dos seus fundamentos permitir concluir, 
 inequivocamente, pela sua inatendibilidade.
 Se o julgador, no âmbito da reclamação, tiver de desenvolver uma actividade 
 cognitiva e argumentativa semelhante à que utilizaria em sede de recurso para 
 poder concluir pela inatendibilidade dos respectivos fundamentos, tal indiciará 
 que não estamos perante um 'recurso manifestamente infundado' - e, por 
 conseguinte, será de deferir a reclamação e determinar a subida do recurso, 
 ainda que, a final, venha a ser-lhe negado provimento.
 
 10. No Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 
 
 18/6/94, o Tribunal Constitucional abordou o conceito de 'recurso manifestamente 
 infundado' e concluiu que ele visa impedir que o recurso de constitucionalidade 
 sirva fins dilatórios: a questão de inconstitucionalidade só deve subir ao 
 Tribunal Constitucional quando apareça, prima facie, dotada de uma certa 
 atendibilidade.
 A finalidade deste pressuposto de admissibilidade do recurso é, sem dúvida, 
 evitar recursos inúteis, com efeitos meramente dilatórios. Porém, tendo em 
 atenção as considerações anteriormente expendidas, ele não pode ser utilizado 
 para obstar à subida de recursos cuja atendibilidade seja duvidosa, sob pena de 
 subversão das finalidades e características do meio processual 'reclamação', que 
 não pode substituir o meio processual 'recurso' (com diferentes prazos e 
 garantias para as partes). Com efeito, é este último o meio próprio para a 
 avaliação ponderada da atendibilidade dos fundamentos do recurso.
 Resulta do exposto que o conceito de 'recurso manifestamente infundado' deve ser 
 delimitado negativamente, como, aliás, decorre da própria formulação legal do 
 conceito.
 Assim, é 'manifestamente infundado' o recurso cuja inatendibilidade seja 
 liminarmente evidente ou ostensiva.
 Isto significa que não há que averiguar se o recurso procede, nem se exige um 
 determinado grau de probabilidade dessa procedência - caso em que se estaria a 
 entrar, profundamente, na apreciação do respectivo mérito. O que o legislador 
 exige é que se verifique, tão-só, se os fundamentos do recurso são notoriamente 
 inatendíveis.
 Daqui decorre que o recurso será, por exemplo, 'manifestamente infundado' quando 
 nele falte qualquer fundamentação (ou seja, não se apresente - nem se vislumbre 
 
 - argumentação no sentido da alegada inconstitucionalidade) ou quando a 
 fundamentação revele contradições insanáveis de ordem lógica ou valorativa. 
 Nestes casos, uma simples análise sumária ou liminar do requerimento de recurso 
 basta para concluir pelo carácter 'manifestamente infundado' do recurso, sem 
 necessidade de uma apreciação circunstanciada dos fundamentos, ou seja, sem 
 entrar na apreciação do fundo do recurso que é reservada para um momento 
 processual ulterior.»
 
  
 
             Seguindo aqui idêntico critério, impõe-se dar a mesma resposta em 
 relação às normas que a reclamante erigiu em objecto do recurso de 
 constitucionalidade.
 
             De facto, quanto à norma do artigo 732.º-A, do Código de Processo 
 Civil (CPC), quando interpretado em termos de o requerimento das partes a que se 
 refere o n.º 2 apenas poder ser apresentado até à prolação do Acórdão que julga 
 a revista, não é ostensiva a inatendibilidade do recurso, uma vez que a análise 
 dessa questão dificilmente poderá fazer-se na ausência de um esforço reflexivo 
 mínimo que permite concluir pela sua improcedência não se olvidando que a 
 quaestio decidendi vai directamente referida ao ónus que o legislador faz recair 
 sobre a parte para accionar o mecanismo processual em causa.
 
             O mesmo sucede, igualmente, com a norma do artigo 11.º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que reserva a possibilidade de 
 recurso para uniformização de jurisprudência aos processos iniciados após 1 de 
 Janeiro de 2008, não sendo aqui ostensivo que a hipótese da norma seja 
 manifestamente compatível com o princípio da igualdade.
 
             Por fim, e em face da conclusão alcançada, restará apenas, perante o 
 teor da resposta da reclamante à promoção do Ministério Público e o entendimento 
 de que a decisão da reclamação se deve circunscrever aos motivos que levaram ao 
 indeferimento do requerimento de interposição do recurso, referir, tal como no 
 acórdão n.º 465/99, que tal alegação decorre (…) de um errado entendimento 
 quanto aos objectivos e quanto aos trâmites do processo de reclamação perante o 
 Tribunal Constitucional. Na verdade, para decidir se um recurso deve ser 
 admitido – e por isso mesmo, para decidir se deve ser deferida a reclamação 
 deduzida de decisão de um tribunal que não tenha admitido um recurso de 
 constitucionalidade –, compete ao Tribunal Constitucional averiguar se estão 
 verificados os pressupostos processuais específicos do recurso de fiscalização 
 concreta que, no caso, se pretende interpor, decorrendo, como se disse, do nº 4 
 do artigo 77.º da LTC, a necessidade de, ao julgar tal reclamação, este Tribunal 
 conhecer precisamente de todos os fundamentos que podiam determinar a 
 inadmissibilidade do recurso de fiscalização concreta interposto. 
 
             Por outro lado, é também manifestamente improcedente o argumento de 
 que o indeferimento da reclamação “com base em fundamento sobre o qual não teve 
 oportunidade de alegar aquando da motivação dessa mesma reclamação”, atenta 
 contra o “princípio da proibição de decisões surpresa”, pois, como é ostensivo 
 in casu, a reclamante foi chamada a pronunciar-se sobre o teor do parecer do 
 Ministério Público, não estando assim em causa a prolação de qualquer 
 decisão-surpresa, sendo que, na sua resposta, a reclamante teve oportunidade 
 processual para alegar o que tivesse por conveniente quanto aos fundamentos 
 explanados pelo Ministério Público.
 
  
 
             4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 Deferir totalmente a reclamação.
 Lisboa, 7 de Outubro de 2008
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos